Nota do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo Instituto Mises Brasil (leia mais aqui). As opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do Instituto e são de inteira responsabilidade de seu autor.
Introdução
A Escola Austríaca de economia foi fundada oficialmente com a publicação da teoria do valor de Carl Menger no final do século XIX. Naquela época, era tida apenas como uma escola que preferia usar palavras no lugar de números para explicar a situação econômica.
Posteriormente, com o trabalho de Ludwig Von Mises, foi introduzida a praxeologia nessa escola, o que finalmente conseguiu definir claramente o seu campo de estudo. Transformando-se em uma escola com uma linha teórica bem refinada e que conseguiu traduzir os efeitos econômicos de forma mais eficaz que o mainstream[1] – o qual tentava criar modelos econômicos se baseando nas ciências naturais, desconsiderando a existência na ação humana de fatores impossíveis de serem valorados.
Desde então, houve vários outros trabalhos notáveis, como a teoria do conhecimento disperso de Friedrich Hayek, a teoria empreendedora de Israel M. Kirzner, a teoria do capital heterogêneo de Ludwig Lachmann e várias outras. Esses diversos trabalhos podem ser encontrados de forma resumida em uma infinidade de artigos que desejam sintetizar as principais contribuições do pensamento austríaco.
Entretanto, pode-se notar que existe ainda uma certa escassez de trabalhos voltados a analisar as contribuições mais recentes da Escola Austríaca. Talvez o principal fator seja o fato de as teorias recentes não serem mais divulgadas em grandes livros como outrora, pois o debate econômico migrou de grandes obras para diversospapers, que são muito mais difíceis de serem lidos por não acadêmicos.
Apesar de ser algo interessante e passível de ser discutido em obras futuras, não iremos nos alongar muito sobre o porquê da escassez de análises sobre as contribuições recentes do pensamento austríaco para o debate econômico.
O escopo desse artigo é analisar as contribuições austríacas recentes em diversas áreas da economia. Ao analisar cada área, será feita uma breve análise das contribuições mais antigas para que possam ser traçadas as modificações e evoluções feitas recentemente nessas teorias.
Além de poder ser usado como base para uma futura pesquisa por acadêmicos interessados na Escola Austríaca de Economia, este resumo também servirá para os entusiastas do pensamento austríaco se manterem atualizados sobre tais contribuições – sendo apenas um esboço inicial que não só pode, como deve, ser aprimorado em trabalhos futuros.
Empreendedorismo
A teoria do empreendedorismo foi originalmente desenvolvida pelo austríaco Israel M. Kirzner.[2] Para este autor, o empreendedorismo é um sinal do alerta empresarial[3] que consiste em achar oportunidades de lucro quando elas não estão visíveis a outras pessoas. Para este processo, é necessária a interação de empresários especulando sobre as oportunidades futuras de ganhos, sendo que alguns irão achar estas oportunidades, enquanto outros fracassarão na tentativa.[4]
Para Kirzner, o empresário é quem nota as inconsistências do mercado e tenta diminuí-las. Essa perspectiva, entretanto, é contrastada com a linha schumpeteriana, na qual os empresários desequilibram a forma tradicional de se enxergar o mundo através de suas inovações. Sendo esse desequilíbrio, diferentemente da visão kirzneriana, um fator positivo.[5] Esse conflito entre a visão kirzneriana e schumpeteriana de se enxergar a figura do empresário ainda é um ponto a ser melhor discutido pelos futuros trabalhos dos austríacos.
Algumas críticas foram feitas aos primeiros trabalhos sobre o empreendedorismo, principalmente pelos economistas Jakee e Spong, afirmando que os fatores psicológicos geradores desse alerta não estão necessariamente presentes em todas as circunstâncias e, dessa forma, caberia à economia estudar o que modifica o alerta de forma positiva ou negativa.
O principal trabalho nesse sentido foi feito pelo economista David Harper. Para este, as características individuais de cada pessoa interagem com as situações externas para tornar o processo de descoberta possível, já que o empreendedor deve enxergar uma oportunidade de lucro e perceber se possui as características necessárias para executá-la. Utilizando essa teoria, Harper ainda mostrou o processo de evolução de instituições econômicas, políticas e culturais mediante esses fatores.
Pesquisando o processo de empreendedorismo, Frederic Sautet notou que esse processo não era unificado, mas que era executado em múltiplos níveis. Em um caso simples, o empresário está alerta a oportunidades de lucro fora da firma, mas em casos mais complexos ele não possui o conhecimento de seus empregados. Em “firmas complexas” os empresários deveriam então desenvolver uma estrutura de firma que encoraje a atividade empresarial de cada funcionário. [6]
Aperfeiçoando a teoria kirzneriana, Randall Hocombe lembra que o empreendedorismo é um alerta puramente cognitivo e inclui a ação de acordo com sua percepção sobre oportunidades novas. Um empresário pode ter certeza de que descobriu uma oportunidade de lucro até agir e testar isso.
Alguns austríacos, entretanto, não seguiram a linha kirzneriana. Joseph Salerno enxerga a posse de recursos como fator fundamental para o empreendedorismo. Da mesma forma fazem autores como K. Foss, N. Foss e P. Klein, que juntam a teoria da incerteza knightiana com a teoria do capital heterogêneo lachmaniana para criar uma teoria do julgamento, a qual considera a posse de recursos fundamental para a atividade empresarial. Estas teorias são geralmente utilizadas para pesquisas relacionadas a operações internas de firmas.
Processo de Mercado e Instituições Econômicas
Ao ser estudada a função do empreendedor, tem que se entender também como se dá o processo de mercado.
Para o economista Mario Rizzo, o mercado não está em equilíbrio contínuo. A falta de alerta pode levar a inconsistências no mercado e o processo de mercado consiste na resposta a essas coordenações ruins.[7] Rizzo discorda, junto com outros autores, do processo de mercado kirzneriano pelo fato de este não conseguir ser demonstrado empiricamente.
O processo de mercado toma tempo, e nesse tempo, conhecido como tempo real, ocorrem mudanças no conhecimento. Os dados iniciais podem mudar já que o processo de “equilibração” ocorre no tempo real.
Além disso, os mercados operam de forma que nem todas as possibilidades são vistas por todos, mais conhecida como incerteza radical.
Juntando tudo isso, o processo de mercado é indeterminado e, como ele não pode ser previsto, os economistas não podem afirmar com exatidão como ele se dá – podendo ser traçado um modelo apenas para melhor entendimento de como o processo ocorre.
Howard Baetjer Jr. Foca-se na forma como a informação é transmitida através do mercado. Para ele o mercado age juntando a informação de todos os membros através do sistema de preços. Os bens também podem transmitir informação sobre as melhores combinações destes para a alocação de recursos e oportunidades de lucro, e até o design dos produtos pode dar informações de mercado. [8]
A transmissão de conhecimento depende também do contexto institucional, e isso inclui o sistema legal e produtos culturais. Harper chama a atenção sobre como o desenvolvimento dos sistemas e das técnicas numéricas reduze os custos transacionais, ajuda na tomada de decisão dos agentes e na computação de valores, escassez, oportunidades e dos aspectos econômicos importantes dos bens.
Para o economista Peter Boetkke, o empreendedorismo também pode ocorrer em estruturas que não sejam as de mercado, como estruturas em atividades filantrópicas. Existe empreendedorismo político sobre como alocar os recursos de acordo com um arranjo institucional. A diferença do processo de mercado para esses tipos de empreendedorismo é a falta dos mecanismos de lucro e prejuízo. Se existe um mecanismo de resposta adequado a esse tipo de instituição, é algo em aberto.
Alguns austríacos, como Chamlee-Wright, consideram que a reputação pode ser uma instituição que traz um mecanismo de resposta sem a necessidade do mercado. Um exemplo desse tipo de mecanismo são os cientistas.[9]
Continuando sua análise, Boettke nota que o empreendedorismo pode moldar e criar instituições, pois estas são criadas unicamente pela contínua interação dos indivíduos. Algumas instituições podem também ser impostas, mas existe um risco dessas instituições não vingarem caso as normas conflitem com as das instituições já existentes. Nesse caso, pode existir uma oportunidade de lucro para os agentes caso mude a estrutura política.
Existem vários níveis de instituições. As mais básicas são os gostos, tradições, normas e religião. Essas requerem mais tempo para serem modificadas e determinam a avaliação das outras instituições, fazendo com que um novo sistema político seja mal avaliado caso conflite com elas.
Ordens Espontâneas
Ordens espontâneas são formas orgânicas de organização emergente das coordenações de mercado que se manifestam através de instituições e são originadas sem um planejamento central. [10] As teorias de ordens espontâneas podem se designar para ordens de mercado ou não, e serem positivas ou normativas.[11]
A forma mais básica de ordem espontânea é o mercado operando com propriedade, contratos e um sistema legal, sendo geralmente estudado através do empreendedorismo, como foi visto anteriormente.
Um dos economistas a tratar das instituições em processo de mercado é Bruce Benson, mostrando a evolução das leis comerciais e analisando como as interações de mercado podem determinar leis sem nenhum planejamento central, com o auto-interesse dos mercadores levando-os a traçar leis de cooperação geral. Esse processo é feito através de tentativas e erros, no qual o empreendedorismo dos árbitros é necessário.
Peter Leeson estuda a pirataria do século XVIII para mostrar como um subgrupo da sociedade consegue criar regras utilizando o critério de maximização do bem-estar da mesma, as quais envolviam tratamento entre os próprios piratas e para com as outras pessoas. Desta forma, mostra como um subgrupo pode adotar regras que maximizem seu bem-estar, mas não o da sociedade em geral.
Thomas McQuade e William Butos mostram a interação dos indivíduos em um processo sem mercado através do exemplo dos cientistas. Conhecimento científico é um produto dos próprios cientistas, que querem publicar seus resultados para aumentar suas reputações. Os cientistas com esse processo filtram as idéias inferiores. O produto resultante são os trabalhos mais confiáveis. Para isso, uma série de regras é feita para fazer uma filtragem dos textos e o que sai do filtro pode ser coletado, integrado com outros conhecimentos e reutilizados por outros cientistas.
Pelo fato de ainda não ser uma área plenamente desenvolvida, acaba por deixar algumas dúvidas não respondidas. Uma delas é: em que condições as ordens espontâneas podem surgir e qual seria o papel do mercado nisto (já que essas ordens podem surgir tanto com ou sem mercado). Outra questão ainda não respondida é: quando essas ordens podem promover um bem-estar social maior e quando elas só aumentam o bem-estar de um determinado grupo em detrimento do restante da população.[12]
Direito e Economia
O ramo de direito e economia é uma das áreas de pesquisa atuais mais importantes da Escola Austríaca. Estuda a conexão entre o contexto legal e a economia. Gosta de prestar atenção no resultado de intervenções estatais no mercado, na necessidade de uma lei estável, nos limites da lei em função do conhecimento descentralizado e na privatização de algumas funções básicas do estado.
Os principais trabalhos iniciais sobre as conseqüências da intervenção estatal na atividade econômica foram traçados por Mises, Hayek e Kirzner. Atualmente, é estudado principalmente por Sanford Ikeda e pela parceria entre Rizzo e Glenn Withman.
Ikeda segue o argumento bastante usado por Mises sobre o desvio dos planos estatais em relação a suas reais intenções. Esses erros, baseados na ignorância dos agentes estatais, distorcem todo o sistema de preços (ou porque regulam os preços, ou porque redistribuem a riqueza, retirando assim os incentivos em relação à atividade econômica). Esses erros econômicos interagem com mudanças nas ideologias e geram mais ação estatal.
Rizzo e Withman focam em argumentos do tipo “ladeira escorregadia”[13] , principalmente sua interferência no papel da mudança de idéias e nos argumentos que legitima a atividade estatal. Para eles, decisões governamentais geram respostas inesperadas e assim os argumentos clamando por mais governo acabam por se tornar aceitáveis para corrigir esses supostos problemas.
Ambas as teorias são compatíveis entre si, possuindo apenas abordagens diferentes. Ikeda foca no processo das decisões governamentais como um todo, enquanto Rizzo e Withman nos impactos que esse processo gera no campo das idéias.
Hayek inaugurou a pesquisa sobre a estabilidade das leis, notando a importância de um sistema legal estável que consiga se adaptar às mudanças externas. Devendo assim, por exemplo, o contrato legal permanecer sempre o mesmo, mas os preços se modificando de acordo com os dados externos.
Prosseguindo o estudo, Rizzo e Roy Cordatto criticam a análise de custo-benefícios da lei sobre considerações de negligência[14], afirmando que isso pode gerar situações que podem não dar direito de negligência a pessoas, uma vez que as situações que não podiam ser previstas.
Pelas considerações de custo-benefício, por exemplo, uma pessoa deve ser considerada culpada caso jogue cigarro em um local com gases inflamáveis sem que ela saiba e com isso produzir uma explosão, pois evitar jogar o cigarro seria menos custoso do que a modificação dos locais onde se encontravam os gases.
Peter Lewin estende essa visão às questões de externalidade. Falta de predição sobre possíveis danos que sua ação causa a terceiros gera, inevitavelmente, conseqüências. O problema em contorná-las por meio de uma análise de eficiência é que isso geralmente é feito por um padrão abstrato ao invés de por um conjunto de regras específicas.
Walter Block, economista do Mises Institute, também faz sua contribuição a questões de externalidades criticando o argumento de Coase, no qual o mercado sempre contornaria os problemas de externalidade não importando quem possua os direitos de propriedade em questão. Em sua crítica, Block demonstra o fato de este argumento relativizar as noções de propriedade em prol da eficiência econômica, algo que pode ser extremamente danoso. [15]
O campo dos limites legais em função do conhecimento estuda se seria possível o governo atingir seus objetivos inicialmente previstos.
Rizzo aborda essa questão em relação ao paternalismo moral.[16] Usando as três principais correntes éticas – lei natural, kantianismo e jusnaturalismo – ele demonstra que o conhecimento para provar o que é moral não está disponível aos governantes.
Ao lado de Whitman, Rizzo também faz algumas aplicações dessa análise à economia comportamental, afirmando que o conhecimento necessário que os governantes deveriam ter para conseguir melhorar as decisões dos agentes econômicos não estaria disponível para os mesmos.
O último campo de pesquisa sobre direito e economia tenta investigar se o mercado poderia prover as funções básicas do governo. Por ser desenvolvido mais recentemente, é um campo que ainda necessita ser melhor investigado.[17]
Bryan Caplan e Edward Stringham comparam disputas com arbitragens públicas e privadas. Após essa análise, argumentam que a arbitragem privada é mais eficiente em áreas de disputa comercial ou em áreas onde já existe relacionamento entre as partes. Enquanto isso, Ben Powell e Stringham oferecem uma vasta literatura de áreas da economia em uma sociedade sem estado usando o instrumento da escolha pública (public choice).
Macroeconomia e Teoria Monetária:
A área da Macroeconomia Austríaca, talvez seja a que teve mais avanços nos últimos anos. Esses avanços ocorreram em novos trabalhos na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos(TACE) e em uma vasta pesquisa sobre instituições monetárias alternativas aos bancos centrais.[18]
Em seu livro Time and Money: The Macroeconomics and Capital Structure, Roger Garrison fez uma sistematização geral e um refinamento da TACE. Os últimos trabalhos sobre o tema foram feitos por Mises e Hayek e alguns autores fizeram uma leve associação entre a TACE e a teoria de Ludwig Lachmann. Garrison uniu as três teorias, corrigiu suas deficiências e encontrou problemas até então desconhecidos.[19]
O título do livro de Garrison demonstra a consideração importante de que investimento não é uma decisão homogênea, ideia desenvolvida melhor por Peter Lewin em seu livro Capital in Disequilibrium: The Role of Capital in a Changing World.
Lewin e Garrisson falam em seu trabalho que a TACE está centrada na ideia de que taxas de juros artificialmente baixas geram um excesso de investimento. Todavia, demonstram que o termo investimento excessivo é por si só uma caracterização inapropriada, pois os ciclos não atingem os locais de forma homogênea.
Com a queda dos juros, a preferência temporal dos agentes econômicos é alterada de forma a fazer os indivíduos consumirem mais. Desta forma, cria-se a impressão nos investidores de que esse aumento no consumo tem durabilidade, o que faz com que eles, os investidores, reajustem seus planos para fazer mais investimentos de longo prazo. Devido à expansão ser maior nas etapas de produção mais afastadas do consumo, no período de retração do ciclo essas são as que acabam sendo afetadas em maior grau.
Em trabalhos posteriores, Garrison concentrou-se em mostrar a existência de mais distorções espalhadas pelos ciclos econômicos na estrutura de produção.
Como foi demonstrado anteriormente, de início a expansão do crédito gera um consumo excessivo, e faz com que investimentos com mais proximidade temporal do consumo sejam incentivados pelo que é chamado de “efeito derivado da demanda”. Adiciona-se a isso a alteração nas preferências temporais, o que aumenta os investimentos mais distantes do consumo, o chamado “efeito desconto”.
Unindo-se esses dois efeitos, os investimentos muito próximos e muito distantes acabam sendo incentivados, em detrimento dos estágios intermediários. Além disso, essa expansão de alguns estágios não consegue ser maior do que a retração de outros, fazendo que o nível do capital como um todo diminua.
De acordo com a visão austríaca, os períodos de expansão artificial da economia são caracterizados pelo mau direcionamento de recursos causados pelos investimentos ruins, pelos investimentos excessivos e pelo consumo excessivo. Esse direcionamento falho deve ser corrigido no momento da recuperação econômica (recessão).
A teoria austríaca, entretanto, não é uma teoria completa dos ciclos econômicos; é uma teoria sobre a crise.Quanto tempo a recessão dura não é explicada pela teoria ou pelo grau em que os recursos são mal alocados. A duração da recessão vai depender dos fatores que afetam a mobilidade dos recursos. [20]
Roger Koppl notou em seus trabalhos que um dos maiores obstáculos para se recuperar da recessão pode estar no comportamento dos “grandes jogadores”. Agentes que, guiados pelo mecanismo de lucros e prejuízos, podem afetar diretamente o processo econômico e podem aumentar a incerteza dos agentes econômicos que são “jogadores pequenos”. Alguns exemplos desses agentes seriam o banco central, os agentes que fazem a política fiscal e, em alguns casos, os monopolistas.
Os jogadores pequenos terão que especular o comportamento dos jogadores grandes, o que faz com que as variáveis econômicas fiquem contaminadas pela atuação destes, tornando-se mais difícil extrair conhecimento do sistema de preços e assim dificultando a alocação de recursos por parte dos empresários.
No livro Risk and Business: New and Old Austrian Perspective, Tyler Cowen foca-se na união da teoria dos ciclos econômicos com os modernos desenvolvimentos na teoria das finanças, uma importante variante da TACE. A principal semelhança entre esta teoria e a TACE é que ambas consideram que as mudanças no grau de risco das decisões de investimento estão ligadas ao grau de alocação em investimentos futuros.
Um aumento no risco faz as pessoas investirem em bens de produção, e uma diminuição do risco faz as pessoas investirem em bens de consumo. É uma teoria mais geral e engloba outros fatores além dos juros, como mudanças exógenas do risco e reduções na incerteza. Qualquer uma dessas mudanças causa um aumento no risco, podendo assim gerar um ciclo econômico.[21]
Os economistas que estudam a teoria monetária mostram que as preocupações da teoria dos ciclos econômicos austríacos levam inevitavelmente a uma análise institucional. A partir disso, perguntam-se que tipo de ambiente é melhor para evitar a distorção a partir da inflação e da deflação.
Nesse ponto, existe até hoje uma vasta discussão entre os defensores do lastro livre e os defensores do padrão-ouro.
Os adeptos do lastro livre, como Steven Horwitz, enfatizam o poder de se ajustar as mudanças sobre a alteração da demanda por moeda. Os bancos tendem a expandir ou contrair depósitos de acordo com as mudanças na demanda por moeda.
Quando as reservas expandem, a demanda está aumentando e vice-versa. Não sendo assim necessária uma política para controlar a expansão ou a contração de dinheiro, assim como não sendo necessária uma política para controlar a expansão ou contração de qualquer recurso.
Os defensores do lastro em ouro seguem o trabalho de Rothbard. Esses incluem Block, Hoppe, de Sotto e Hulsmann. Eles alegam que o regime de reservas fracionadas é inerentemente inflacionário, pois qualquer criação de meios fiduciários irá inevitavelmente gerar um ciclo econômico.[22]
Embora esteja levemente inclinada para o padrão fiduciário, a teoria monetária ainda não conseguiu resolver esse impasse entre as duas vertentes. Sendo notado assim que esse é mais um campo de estudo que merece atenção maior em pesquisas futuras.
Conclusão
Evidencia-se que a Escola Austríaca de economia produziu recentemente diversos avanços para a ciência econômica. Não apenas em áreas mais tradicionais, como a TACE, como em áreas que são de desenvolvimento mais recente, como as teorias institucionais. Contudo, essas contribuições devem continuar por pesquisadores no futuro para aprimorá-las ainda mais, não só consertando problemas mostrados neste breve artigo como achando problemas ou análises mais complexas que ainda não foram descobertos.
Caso o pensamento austríaco continue com sua excelência acadêmica e com mais trabalhos acadêmicos, como pode ser visto nos trabalhos dos economistas citados, não há razão para não crer que ela irá conseguir cada vez mais respaldo no debate acadêmico e será um braço cada vez mais forte de crítica aos deficitários modelos do mainstream, que não conseguem explicar toda a complexidade da economia como faz as refinadas análises dos austríacos.
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Notas do autor:
[1] O mainstream é o nome dado à corrente de pensamento mais aceita no meio acadêmico. Na economia esse título é dado à Escola Neoclássica, a qual se pauta em desvendar os problemas econômicos através de modelos matemáticos e de um forte uso de estatísticas. Tem uma influência muito forte tanto Escola de Chicago quanto da Escola Keynesiana. Apesar de ser feita uma vaga crítica, não cabe à finalidade desse artigo fazer uma enumeração geral dos defeitos na metodologia apresentada por essa escola.
[2] Apesar de esta teoria estar implícita nos trabalhos de Hayek e Mises, ela foi formalizada oficialmente apenas por Kirzner.
[3] Para o autor, a teoria econômica apenas está interessada em descobrir os efeitos desse alerta, não sendo importante saber os fatores que geram esse alerta. A pesquisa desses fatores deve ficar a cargo da psicologia.
[4] Este tipo de atividade não pode ser feita através do planejamento central, mesmo planejadores expostos aos mesmos dados que o empresário podem não achar essas oportunidades de lucro. Desta forma, a única forma de se gerar esse alerta é através das forças de mercado.
[5] Esta visão foi trazida recentemente para a Escola Austríaca pelo economista Young Back Choi.
[6] Em um trabalho similar, Harper sugere que uma equipe de indivíduos pode efetuar as descobertas como uma “unidade empreendedora”.
[7] Essa teoria ficou conhecida como teoria do processo de mercado genético-causal.
[8] Ele prosseguiu com a análise traçada por Friedrich Hayek e Ludwig Lachmann sobre este processo.
[9] Uma análise mais refinada do caso dos cientistas será feita ao tratarmos de ordens espontâneas.
[10] Esta definição de ordens espontâneas foi traçada pela primeira vez por Hayek, se tornando a definição mais utilizada desde então.
[11] Nesse caso, ela se pauta em analisar as conseqüências de ordens espontâneas para a sociedade em geral ou para alguns sub-grupos.
[12] Essas dúvidas provavelmente serão pautadas como o ponto de partida para um estudo austríaco mais refinado da teoria das instituições a ser desenvolvido no futuro.
[13] Ladeira escorregadia é um tipo de argumento que consiste em dizer que uma pequena medida pode gerar um efeito maior não esperado.
[14] Esta vertente afirma que em situações de disputa por acidentes, a punição recai para aquele que podia evitá-la mais facilmente. Por exemplo, caso um motorista atropele uma pessoa ele deve ser culpado, já que para evitar o acidente deveria apenas frear.
[15] Esse enfraquecimento das noções de propriedade fica evidente no caso Kelo x City of New London. http://en.wikipedia.org/wiki/Kelo_v._City_of_New_London
[16] Vertente do paternalismo que indica ser função fundamental do governo implantar os valores corretos na população, bastante utilizada pelo movimento dos neoconservadores.
[17] Os pesquisadores desse campo não pertencem propriamente à Escola Austríaca de economia, sendo autores neoclássicos com métodos bastante próximos da atual linha de pesquisa austríaca. Entretanto, possuem alguns trabalhos onde não utilizam o instrumental neoclássico, que são freqüentemente citados pelos austríacos atuais como pertencente à escola.
[18] Em grande parte, isso se deve ao fato que a teoria macroeconômica sempre foi a área mais pesquisada da Escola Austríaca, principalmente devido à preocupação desta escola em entender a correlação entre as crises econômicas e as políticas de crédito dos Bancos Centrais.
[19] Os economistas austríacos modernos costumam comparar o trabalho de Garrison para a TACE com os trabalhos de John Hicks e Alvin Halsen para a teoria dos ciclos keynesiana.
[20] Isso não implica que os austríacos não se preocupam com o aumento da demanda por dinheiro (uma baixa nas preferências temporais) que acompanham recessões. Entretanto, a crise não é primariamente causada por fenômenos deflacionários, mas pela má alocação dos recursos.
[21] Essa nova teoria, entretanto, não afirma que esse ciclo ocorrerá certamente e pede a avaliação de caso por caso para determinar se o ciclo ocorrerá.
[22] Fazem também uma acusação do regime de padrão fiduciário ser eticamente suspeito, entretanto não será considerado esse argumento aqui, a despeito de seus prós ou contras, pelo fato de o escopo desse artigo se restringir à economia.