Para os incuráveis otimistas americanos que estão a tagarelar quanto à possibilidade de estar havendo uma “recuperação sem criação de empregos”, convido-os a se juntarem a mim para comermos uma refeição composta de “bacon sem gordura”, “omelete sem ovos” e “pão sem carboidrato”. Por mais insossa que tal refeição pareça, ela ainda assim teria mais substância do que o contraditório conceito de renascimento econômico sem criação de empregos.
Aqueles que realmente aderem à crença absurda de que – fora ganhos exponenciais de produtividade – a economia pode se expandir ao mesmo tempo em que trabalhadores estão sendo demitidos em massa, terão suas convicções submetidas a um grande teste agora que está mais do que claro que a situação do emprego está desoladora. Na semana passada, números piores que o esperado mostraram que 263.000 empregos foram cortados nos EUA em setembro. Essas perdas impulsionaram a taxa de desemprego para o seu maior nível em 26 anos: 9,8%. A estatística U6, que vem a ser a mais completa medida de desemprego utilizada pelo Bureau of Labor Statistics, aponta um desemprego de 17%. Esse número inclui aquelas pessoas que querem trabalhar em tempo integral mas que simplesmente já desistiram de procurar trabalho, ou que aceitaram trabalhos de meio expediente nesse ínterim. Por ser similar à metodologia utilizada durante a Grande Depressão, U6 oferece uma melhor perspectiva histórica quanto à severidade da atual crise.
Considerando-se que os pedidos de auxílio-desemprego – também divulgados na semana passada – vieram acima do esperado (o número de pessoas que pela primeira vez pediram auxílio subiu 17.000, indo para 551.000 pessoas), os números atuais deixam claro que o mercado de trabalho dos EUA ainda está em contração, mesmo que alguns indicadores como PIB e confiança do consumidor estejam se movendo na direção oposta.
Sim, não há dúvidas de que a sensação de pânico temporariamente se apaziguou. Porém, em entrevistas recentes, o Secretário do Tesouro Timothy Geithner tem aparentado estar falando de outro planeta quando faz suas descrições sobre a fictícia recuperação na qual o país se encontra – ao mesmo tempo em que credita às suas próprias políticas o mérito de ter evitado o desastre. Os americanos estão mais uma vez mordendo a isca do governo: estão gastando dinheiro que não têm para comprar coisas que não podem bancar. Evidências desse comportamento estão contidas nos dados da semana passada, que mostram que, mesmo com a renda praticamente estagnada, os consumidores americanos incorreram, de agosto para setembro, no maior aumento dos gastos pessoais dos últimos dez anos! Considerando-se que esse mesmo relatório mostrou uma queda de 25% na taxa de poupança, a fonte dessa gastança está clara: o endividamento. Mas o problema é que exaurir a poupança e aumentar o endividamento não gera uma recuperação econômica.
Para que realmente haja uma recuperação, o governo americano tem de permitir que as forças de mercado reestruturem a economia. Tanto o governo quanto os indivíduos devem refrear seus gastos, para que o estoque de poupança seja reposto; as taxas de juros devem ter sua ascensão liberada (que é o que ocorreria em um livre mercado, posto que praticamente não há poupança disponível); os preços dos ativos devem ser reajustados à realidade econômica; os negócios insolventes devem quebrar; e os salários devem refletir a produtividade – e não decretos do governo. Para atingir esses objetivos, subsídios que distorcem as forças de mercado devem ser removidos e as regulamentações que solapam a competitividade da economia americana devem ser abolidas.
Porém nada disso pode ser consumado sem algum grau de aflição econômica de curto prazo. Entretanto, se os indivíduos conseguirem suportar essa dor, o retorno será uma real recuperação econômica, com vários novos empregos que não dependem de pacotes de estímulo governamentais. Caso se recusem a permitir que a economia americana vivencie uma verdadeira recessão, nunca haverá o benefício de uma verdadeira recuperação. Ao contrário: haverá apenas essa “recuperação sem empregos”, uma camada de indicadores aparentemente positivos que apenas obscurecem a podridão subjacente.
Ao longo das últimas décadas, o mercado de trabalho industrial dos EUA se atrofiou ao mesmo tempo em que os empregos no setor de serviços e no setor público cresceram insustentavelmente. O equilíbrio anterior terá de ser restaurado. Novos empregos terão de vir de áreas que produzem bens; os inchados setores de serviço e governamental terão de encolher. Ao estimular justamente aqueles setores que precisam se contrair, e ao incorrer em estonteantes déficits orçamentários, o governo destrói o capital necessário para financiar os setores que precisam se expandir.
A verdade é que muitos dos empregos do setor de serviço que existem atualmente nos EUA, tais como venda de imóveis, financiamento de hipotecas, reforma imobiliária e venda de automóveis, foram criados em um ambiente de crescimento contínuo do setor imobiliário, dos preços das ações e do acesso praticamente ilimitado ao crédito barato voltado para o consumo. Com o setor imobiliário nas cinzas, o mercado de ações estagnado e o crédito exaurido, os americanos repentinamente se descobriram na posição de ter de poupar ao invés de gastar. Mas Washington vem implementando políticas que contrariam e impedem essa postura racional.
Enquanto os EUA voltavam sua economia para a gastança com consumo supérfluo, a maior parte do resto do mundo estava poupando para o futuro. Sendo assim, os EUA precisam começar a produzir mais para a exportação, de modo que possam vender bens para aqueles que possuem a poupança para comprá-los. Essa é a única maneira na qual o país poderá pagar suas dívidas, repor seu estoque de poupança, reparar sua infraestrutura e reconstruir sua base industrial.
Outro pré-requisito para qualquer real expansão econômica é o potencial de as empresas obterem lucros. Com mais regulamentações e mais impostos a caminho, este incentivo está sendo aniquilado. Com efeito, por causa de um fenômeno chamado “incerteza regimental”, as atuais políticas estão na verdade incentivando as empresas a se contraírem a fim de se preparar para um ambiente de negócios mais hostil no futuro.
Economias robustas utilizam toda a sua capacidade ociosa ou a reestruturam para uma melhor utilização. Ter 17% de sua população capacitada deitada no sofá de casa ou trabalhando meio expediente na fabricação de doces é um indicativo de que as atuais políticas adotadas pelo governo americano estão debilitando a economia – ainda que os PIB esteja crescendo. Não existe algo como “recuperação sem empregos”; mas existe estupidez estimulada.