Um achado de documentos publicados recentemente revela que os autores do artigo da origem natural acreditavam que o cenário de vazamento do laboratório era não apenas possível, mas provável.
Um número crescente de pessoas, incluindo cientistas proeminentes, está pedindo a retratação total de um estudo de alto nível publicado na revista Nature em março de 2020 que explorou as origens do SARS-CoV-2.
O artigo, cujos autores incluíam Kristian G. Andersen, professor de imunologia e microbiologia, declarou que as evidências mostravam claramente que o SARS-CoV-2 não se originou de um laboratório.
“Nossas análises mostram claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus intencionalmente manipulado”, escreveram os autores em fevereiro de 2020.
No entanto, um achado de documentos publicados recentemente revela que Andersen e seus co-autores acreditavam que o cenário de vazamento do laboratório era não apenas possível, mas provável.
”[A] principal coisa ainda na minha mente é que a versão de vazamento do laboratório disso é tão provável que tenha acontecido porque eles já estavam fazendo esse tipo de trabalho e os dados moleculares são totalmente consistentes com esse cenário”, disse Andersen a seus colegas, segundo reportagem do Public, que publicou uma série de mensagens trocadas entre os autores no Slack.
Anderson não foi o único autor que em privado expressou dúvidas de que o vírus tinha origem natural. O Public catalogou dezenas de declarações de Andersen e seus coautores – Andrew Rambaut, W. Ian Lipkin, Edward C. Holmes e Robert F. Garry – entre as datas de 31 de janeiro e 28 de fevereiro de 2020, sugerindo que o SARS-CoV-2 pode ter sido projetado em laboratório.
“[…] o fato de que estamos discutindo isso mostra como isso é plausível”, disse Rambaut sobre a hipótese de vazamento do laboratório.
“Infelizmente não podemos refutar a hipótese de vazamento do laboratório”, disse Andersen em 20 de fevereiro, vários dias depois que os autores publicaram seu preprint.
Para complicar ainda mais as coisas, uma nova reportagem do The Intercept revela que Andersen estava para receber uma doação de US$ 8,9 milhões do NIH, aguardando a aprovação final do Dr. Anthony Fauci, quando o artigo da origem natural foi submetido.
“Fraude e má conduta científica”?
As descobertas levaram várias figuras proeminentes a acusar os autores de fraude total.
Richard H. Ebright, professor de Química e Biologia Química do Conselho de Governadores da Rutgers University, chamou o artigo de “fraude científica”.
“O artigo ‘Proximal Origin’ de 2020 alegou falsamente que a ciência mostrou que a Covid-19 não teve origem em laboratório”, tuitou Ebright. “Mensagens dos autores recém-divulgadas mostram que eles não acreditavam nas conclusões do artigo e mostram que o artigo é produto de fraude e má conduta científica”.
Ebright e Silver estão entre os que apresentaram uma petição instando a Nature a retratar o artigo à luz dessas descobertas.
Entre os que assinaram a petição estava Neil Harrison, professor de Anestesiologia e Farmacologia Molecular na Universidade Columbia.
“Os virologistas e seus aliados produziram vários artigos que pretendem mostrar que o vírus era de origem natural e que a pandemia começou no mercado de frutos do mar de Huanan”, disse Harrison ao The Telegraph. “Na verdade, não há evidências para nenhuma dessas conclusões, e os e-mails e as mensagens do Slack entre os autores mostram que eles sabiam na época que esse era o caso”.
Apenas “expressando opiniões”?
O Dr. João Monteiro, editor-chefe da Nature, rejeitou os pedidos de retratação, observa o The Telegraph, dizendo que os autores estavam apenas “expressando opiniões”.
Essa afirmação é duvidosa, na melhor das hipóteses. Desde o início, o estudo da origem natural foi apresentado como autoritário e científico. Jeremy Farrar, pesquisador médico britânico e agora cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse ao USA Today que o artigo Proximal Origin foi a “pesquisa mais importante sobre a epidemiologia genômica das origens deste vírus até hoje”.
O Dr. Anthony Fauci, se pronunciando do pódio da Casa Branca em abril de 2020, citou o estudo como evidência de que as mutações do vírus eram “totalmente consistentes com um salto de uma espécie de animal para um ser humano”. As agências de checagem de fatos logo estavam citando o estudo como prova de que a Covid-19 “não poderia ter sido manipulada”.
Longe de ser apresentado como um punhado de cientistas “expressando opiniões”, o estudo da origem natural foi tratado como um evangelho, um dogma que não podia nem ser questionado. Isso permitiu que as empresas de mídia social (trabalhando de mãos dadas com agências governamentais) censurassem pessoas que declarassem publicamente o que Andersen e seus colegas estavam dizendo em privado – que parecia plausível que o SARS-CoV-2 viesse do laboratório em Wuhan que fazia experiências com coronavírus e tinha um histórico de segurança duvidoso.
De fato, mesmo enquanto a mídia e os funcionários do governo usavam o estudo da origem natural para difamar as pessoas como teóricos da conspiração por especular que a Covid-19 poderia ter surgido do laboratório de Wuhan, um estudo da Agência de Inteligência de Defensa norte-americana (Defense Intelligence Agency) encomendado pelo governo questionou o rigor científico do estudo.
“Os argumentos que Andersen et al. usam para apoiar um cenário de origem natural para o SARS CoV-2 não são baseados em análises científicas, mas em suposições não comprovadas”, concluiu o artigo agora desclassificado. “Na verdade, as características do SARS-CoV-2 observadas por Andersen et al. são consistentes com outro cenário: que o SARS-CoV-2 foi desenvolvido em laboratório […]”
Apesar dos muitos problemas com as descobertas do estudo, Monteiro continua resistindo aos pedidos de retratação – talvez porque o próprio Monteiro inferiu publicamente que a hipótese de vazamento do laboratório era uma teoria da conspiração em março de 2020.
Seja qual for o caso, ainda não está claro por quanto tempo Monteiro pode resistir a pedidos de retratação diante de evidências contundentes de má conduta científica.
“Não há dúvida de que os autores do Proximal Origin subestimaram consciente e inapropriadamente a hipótese de origem relacionada à pesquisa da #COVID19 e coordenaram esforços para manipular a cobertura da mídia”, tuitou Jamie Metzl, ex-funcionário do governo Clinton e nomeado para o comitê consultivo de especialistas da OMS em edição do genoma humano.
Poder, responsabilidade e impunidade
Hoje é óbvio por que houve uma pressão tão grande para declarar que o SARS-CoV-2 era de origem natural.
O governo norte-americano estava financiando arriscadas pesquisas sobre coronavírus no Instituto de Virologia de Wuhan, o que tornaria as autoridades cúmplices até certo ponto do vazamento de um vírus mortal. Sem dúvida, é por isso que o governo tinha interesse em financiar o estudo, o que lhes dava certo controle sobre seus resultados.
“Jeremy Farrar e Francis Collins [então diretor do National Institutes of Health] estão muito felizes. Funciona para mim”, Holmes disse a seus colegas no Slack depois que o preprint foi enviado.
O artigo da origem natural parece cada vez mais um trabalho de whitewashing (lavagem de reputação), e algumas pessoas influentes notaram.
“Este é um grande escândalo”, disse Nate Silver, estatístico e fundador da FiveThirtyEight. “Cientistas como @K_G_Andersen acreditavam que um vazamento de laboratório era extremamente plausível, se não provável, eles inventaram um plano para enganar o público sobre isso, e foram pegos em flagrante.”
Silver não está errado; mesmo assim, até agora, ninguém foi responsabilizado.
Essa falta de responsabilização é preocupante, e para entender por quê vale a pena consultar conceitos antigos de poder e justiça. Como observou Dan Sanchez, da FEE, o poder não é o mero exercício de força injusta. O verdadeiro poder reside no uso da força e na ausência de qualquer responsabilização.
“Sair impune sistematicamente – ou impunidade – é onde o poder realmente está”, escreveu Sanchez.
Em sua famosa obra República, Platão mostrou como era o poder bruto. O lendário “anel de Gyges” não tornava ninguém forte. Tornava alguém invisível. Isso não significava que quem o usasse pudesse fazer o que quisesse, mas significava que nunca seria responsabilizado por seus atos de injustiça.
Esta é a parte mais assustadora do poder bruto do estado. O maior perigo não é que as pessoas ajam de forma antiética. Nem mesmo que os atores estatais cometam crimes para servir a “um bem maior”. O perigo real começa quando as pessoas não são responsabilizadas – mesmo quando são pegas “em flagrante”.
Traduzido por Cabeça Livre
Artigo original aqui