Um dos principais debates econômicos atuais entre a esquerda e a direita é sobre se um aumento dos gastos do governo — principalmente na forma de estímulos — funcionam para aditivar a economia.
A esquerda diz “sim, sempre”. A direita diz “somente sob as circunstâncias corretas”.
Não é nada surpreendente constatar que tanto a esquerda quanto a direita estão completamente por fora — um aumento dos gastos governamentais é a maneira mais rápida de empobrecer uma economia.
O pecado original dos keynesianos é que eles acreditam que o gasto do governo possui um milagroso “efeito multiplicador” que enriquece a todos. Todas as outras falácias do keynesianismo decorrem deste erro central.
Essa doutrina do “enriquecendo pela gastança” obviamente não funciona na vida real: se você é pobre, a solução para a sua pobreza não é tomar dinheiro emprestado e sair fazendo farra em cima dessa dívida; a solução, infelizmente, passa por sacrifícios como trabalhar duro e poupar. Não é nenhuma ciência astronáutica.
Mas, então, por que tal teoria tem tanto apelo? Por que praticamente todos os economistas, de esquerda e de direita, são na prática keynesianos?
A ideia de que a gastança nos enriquece é bem antiga. Ela não foi criada por Keynes, que aliás nunca foi um pensador original. Keynes simplesmente remodelou e regurgitou aquela antiga falácia conhecida como “consumo insuficiente”.
O “consumo insuficiente”
A teoria do “consumo insuficiente” afirma que as economias funcionam muito bem enquanto o dinheiro estiver “circulando”. A princípio, parece algo bem intuitivo quando se analisa de cima para baixo: se as pessoas estão gastando dinheiro, então a situação está boa; se elas não estão gastando dinheiro, então deve haver algum problema.
Não surpreendentemente, esse raciocínio está exatamente invertido. O gasto é algo que acontece quando você enriquece. O gasto não enriquece você; você tem de enriquecer para gastar. Logo, se uma economia está indo bem, então as pessoas realmente irão comprar mais piscinas para suas casas. Mas, obviamente, não é a compra de piscinas o que as enriqueceu.
E o que as enriqueceu? Poupança e investimento. Mais especificamente, investimentos orientados por uma genuína demanda de mercado. Por que tem de ser “orientado por uma genuína demanda de mercado”? Porque, ao contrário do que afirmam os burlescos burocratas do governo, os gastos do governo para construir pontes que ligam o nada a lugar nenhum e para financiar pesquisas sobre a menstruação dos esquilos não são “investimentos”.
Isso não significa que absolutamente todos os gastos do governo são inúteis — eles podem construir sarjetas e estações de tratamento de esgoto. Mas o fato é que realmente não há como saber se um “investimento” conduzido por um burocrata está fazendo a economia crescer. Sendo assim, seria tentador dizer que apenas “investimentos privados” importam, mas serei cabeça aberta e direi que apenas “investimentos conduzidos por uma genuína demanda de mercado” interessam.
Isso significa que se o governo realmente descobrisse uma genuína demanda de mercado (como uma estrada ligando duas cidades até então incomunicáveis) isso poderia ser classificado como “investimento conduzido por uma genuína demanda de mercado”, e as consequências poderiam ser positivas.
É possível entender o papel do investimento privado na clássica história de Robinson Crusoé. O pobre Robinson acorda com fome, todo molhado e com frio. Choveu a noite toda, e ele amanheceu com uma gripe forte. Robinson olha para o céu e ergue seu punho contra os Deuses da Pobreza.
Como Robinson pode melhorar sua situação? Investindo, é claro. Para se alimentar, ele tem de construir anzóis de pesca, redes de pesca, e gravetos para colher frutas. Para se abrigar, ele tem de coletar madeira, primeiro para construir uma cabana, e depois para fazer uma fogueira para se aquecer. Tudo isso é investimento.
E aí entra o keynesiano e diz em tom de deboche: “Por que tanto trabalho duro, Robinson? Para quê todo esse investimento, se você pode simplesmente aumentar seus gastos?” Lembre-se de que são economistas prestigiosos que seguem esse ideia.
Como é que esse raciocínio fatal se traduz nas políticas governamentais atuais? O ponto-chave é se lembrar de que, quando o governo aumenta seus “gastos”, ele está na prática criando dinheiro e aumentando a quantidade de dinheiro na economia.
(O raciocínio é simples: para aumentar seus gastos, o governo incorre em déficits. E os déficits são financiados pela emissão de títulos do Tesouro, os quais são majoritariamente comprados pelos bancos por meio da criação de dinheiro. E tudo isso é acomodado pelo Banco Central.)
Ou seja, não está havendo fabricação de anzóis. Não está havendo coleta de madeira. Não está havendo construção de abrigo. Não está havendo criação de fogueira. Está havendo apenas criação de dinheiro.
E por que o governo faz isso? Em parte, para conseguir apoio e votos: se eu pudesse criar dinheiro do nada, garanto a você que teria vários amigos no Facebook. Em parte, para “estimular” a economia com mais gastos.
Criar dinheiro não significa criar riqueza
O problema é que dinheiro criado do nada (tanto na forma de pedaços de papel quanto na de dígitos eletrônicos) não representa recursos reais. Você não come papel ou dígitos eletrônicos. A criação de dinheiro simplesmente faz com que alguns recursos sejam retirados de um setor e desviados para outras áreas.
Suponha que eu possua alta influência perante o governo e o Banco Central cometa um “erro” e deposite trilhões de reais na minha conta. O que eu faria? Obviamente, compraria ou construiria várias mansões e, todas as noites, daria as maiores e mais estrondosas festas de arromba para meus amigos.
A questão, no entanto, é que o Banco Central apenas me deu dígitos eletrônicos. Ele não me deu bebidas, não me deu DJs, e não me deu nem madeira, nem concreto, nem tijolos, nem vergalhões e nem latas de tinta para construir (ou redecorar) as casas.
Sendo assim, como é que eu consegui construir as mansões e fazer as festas de arromba? Ora, utilizei o dinheiro que o BC criou para mim e, antes de você, me apropriei de todos os recursos disponíveis na economia. Sim, cheguei antes de você.
Você é um empreendedor e queria construir uma fábrica? Lamento, já utilizei o dinheiro que o BC me deu para comprar todo o concreto antes de você. Você queria construir um prédio? Desculpe-me, os vergalhões e os tijolos já estão comigo. Queria construir estradas? De novo, o concreto já é meu. Queria simplesmente reformar sua casa? Desculpe-me, mas já me apropriei de toda a madeira e de todas as latas de tinta.
Você pode até encontrar estes recursos, mas a preços muito maiores. E por causa dos meus gastos.
Estou dando uma festa, não sabia? É uma festa keynesiana.
E aí eu pergunto: toda essa minha gastança, que está consumido vários recursos escassos, está fazendo a economia crescer? Está enriquecendo todas as pessoas? Quando tudo acabar, tudo o que terei feito é exaurir recursos escassos. As pessoas que me forneceram serviços e materiais terão mais dígitos eletrônicos em suas contas bancárias, isso é fato. Mas como isso se traduz em benefício para todos? Não haverá fábricas construídas. Não haverá prédios. Não haverá estradas. Não haverá reformas de casas. E tudo está mais caro. Todos estamos mais pobres.
E aqueles que não participaram da minha festa estão ainda mais pobres do que antes da minha festa. Para eles, sobrou apenas aumento generalizado de preços.
Mas os políticos foram reeleitos, pois as pessoas que estavam recebendo meu dinheiro gostaram desse “estímulo”.
Isso, resumidamente, é um “estímulo” keynesiano. Recursos escassos foram retirados da população, desviados para alguns privilegiados, e foram exauridos nesse processo.
Conclusão
“Aumento de gastos governamentais” e “estímulos” não funcionam como se gnomos mágicos surgissem e distribuíssem sorvetes igualmente para todos; “aumento de gastos” e “estímulos” são simplesmente uma política de redistribuição de recursos. No final, tudo se resume a tirar de todos e redistribuir para alguns poucos privilegiados.
Portanto, perguntar se um “aumento dos gastos governamentais” funciona é uma mera distração. Deixando de lado a injustiça do roubo redistributivo — em que recursos escassos são retirados do acesso dos menos privilegiados —, a questão passa a ser se os privilegiados que receberam o dinheiro recém-criado fizeram mais “investimentos orientados por uma genuína demanda de mercado” do que as pessoas que ficaram apenas com a carestia.
Não há nenhuma razão econômica para crer que esquemas de redistribuição tornem todos mais ricos. Com efeito, há excelentes razões para crer que redistribuição afeta negativamente a economia. Um aumento de gastos governamentais, por si só, nada mais é do que um esquema de empobrecimento maciço que permite a vários políticos comprar amigos durante esse processo.
[Nota do IMB: nós brasileiros já temos experiência prática nisso. O governo Dilma elevou os gastos em 48% em termos nominais e gerou apenas carestia, aumento da desigualdade e estagnação econômica. Sendo assim, temos uma experiência empírica com essa teoria.]
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