Thursday, November 21, 2024
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Entendendo a guerra entre oligarquias

A história padrão da Rússia pós-soviética é mais ou menos assim. Durante a era soviética, não havia preços reais por causa da intromissão generalizada e incessante dos comunistas na atividade econômica. Ninguém sabia o quanto realmente valia alguma coisa. Nem um pedaço de pão, nem uma mina cheia de urânio. Era tudo propriedade do estado e redistribuído pelo estado. Quando a União Soviética entrou em colapso, o estado, é claro, desapareceu. De repente, não havia preços e nem proprietários. Era como um gigantesco vale-tudo econômico. Um “Velho-Oeste Selvagem”, como diz o ditado. Era uma corrida para ver quem pegava mais para si.

Colocando de uma forma que os leitores desse instituto entenderão imediatamente como uma explicação didática hoppeana-rothbardiana, em meio a esse caos, o pior dos piores subiu ao topo. As hienas atacaram para repartir a carcaça soviética. Oportunistas implacáveis ​​e astutos assumiram fábricas e operações de extração anteriormente administradas pelo Estado. Surgiu uma espécie de cultura nacional de gangues, e a lógica dessa mentalidade de gangues funcionou para separar os despojos entre os homens fortes. Algumas pessoas, aquelas que eram particularmente dotadas de astúcia, saíram na frente, apropriando-se de bilhões e bilhões de dólares em petróleo, gás e direitos sobre minerais, entre outras commodities. Aqueles nouveau riche da classe criminosa russa que agora são chamamos de “oligarcas”. E o rei de todos os oligarcas, o pior cachorro do ferro-velho, acabou sendo um ex-coronel da KGB e vice-prefeito de São Petersburgo, Vladimir Vladimirovich Putin.

Um episódio infame de 2009 na cidade russa de Pikalyovo resume tudo perfeitamente. O primeiro-ministro Putin (que na ocasião estava em uma encenação teatral fingindo estar afastado de seu real cargo de presidente) apareceu para ordenar que um complexo fabril voltasse as atividades para que milhares de pais de família pudessem voltar ao trabalho. Uma das fábricas era de propriedade de Oleg Deripaska, um dos oligarcas rivais de Putin. Putin o humilhou em uma reunião pública, ordenando a Deripaska que assinasse um acordo que reabriria a fábrica, mostrando assim ao mundo que Putin estava no comando de todas as operações na Rússia. Quando Deripaska assinou o acordo, Putin acrescentou mais um toque de humilhação fazendo com que Deripaska lhe devolvesse sua caneta. Oligarcas serão oligarcas. Putin é o cara, e ele vai estar em qualquer cidade para ter um duelo de pistolas com qualquer um tolo o suficiente para desafiá-lo. Uma violenta cidade do Velho-Oeste: é assim que a maioria de nós no Ocidente entende a Rússia hoje.

Mas vamos pensar um pouco melhor, recorrendo aos nossos Hoppe e Rothbard para obter ajuda. O que é um estado? Um estado é uma gangue de criminosos. Um estado é crime organizado em grande escala. Um estado é oligarca em todos os lugares. Sempre é, sempre foi. O livro mais recente do cientista político James C. Scott, Against the Grain (2017), detalha como os “estados mais antigos” atacavam o empreendimento humano. Os estados extraem dinheiro de proteção (eufemisticamente chamados de “impostos”, às vezes também chamados de “tributos” ou “títulos de guerra”) do maior número de pessoas que os criminosos que ocupam câmaras legislativas do estado ou o trono do estado podem alcançar.

Os oligarcas russos pós-soviéticos estão longe de ser únicos. Os Estados são apenas isso, assim como vemos na relação entre Putin e os oligarcas beta. A única coisa chocante sobre o caso russo é que ele é mais transparentemente corrupto do que o normal. A maioria dos estados encobre seu roubo sob hinos, bandeiras e contos de feitos heroicos. A Federação Russa perdeu seu respaldo político-mítico quando ressurgiu das cinzas da URSS. Mas está tentando recuperá-lo. Stalin foi reabilitado na Rússia como um grande homem. A invasão da Ucrânia por Putin um dia será lembrada como o glorioso sacrifício dos bravos pela pátria. Todos os estados são campos de gravidade para propaganda e fake news. Dê tempo à Rússia, e ela se parecerá com todos os outros estados novamente. Você não será capaz de ver através das vitrines da loja o arrastão acontecendo lá dentro. Tudo parecerá grandioso e estatal. O estado russo se normalizará e ninguém mais chamará sua elite de “oligarcas”.

Assim, os estatistas têm um incentivo natural para legitimar os esquemas de pilhagem uns dos outros. Presidentes e primeiros-ministros e reis brindam pela saúde uns dos outros em suntuosas festas de gala pagas com propriedade privada tirada de todos nós (das quais nunca recebemos convites para o baile). Eu não ficaria surpreso ao encontrar coroas e capas de arminho voltando à moda entre os líderes estatais em breve. Os estatistas pensam que são deuses e agem como se fossem donos do dinheiro de todos. Não apenas na Rússia, de jeito nenhum.

De fato, essa visão hoppeana-rothbardiana, de que os estados são basicamente grupos de oligarcas que se dão títulos e medalhas, pode ser expandida muito além do exemplo russo. Pois se a atual safra de oligarcas russos são apenas estatistas padrão, então a narrativa sobre o colapso da União Soviética também deve ser questionada. Não foi que a União Soviética entrou em colapso, nesse sentido. Foi que aquela forma da oligarquia deu lugar a outra, com um confuso período de transição entre elas. A União Soviética era “comunista”, mas o comunismo nunca foi sobre a distribuição igualitária de riqueza ou o alívio dos problemas sociais. Como hoppeanos-rothbardianos, não devemos aceitar desculpas estatistas ao pé da letra. O comunismo foi, e continua sendo, um sistema para colocar o controle social e econômico total nas mãos de muito poucos. Em outras palavras, uma historinha para encobrir a oligarquia. Os atuais oligarcas russos não estão fazendo nada de novo. Antes deles havia Stalin, é claro, e Brejnev e Khrushchev e Lenin, e um punhado de outros seres divinos que tiraram tudo do povo russo e viveram em palácios opulentos com criados, haréns e caviar.

E não é só a Rússia. Que estado não tem oligarcas no comando? É uma pergunta retórica capciosa, porque, como venho dizendo, estados e oligarquias são a mesma coisa. Comunismo, democracia – é tudo farinha do mesmo saco. O enriquecimento injusto vem em muitos sabores diferentes. Mas o ingrediente principal é sempre a tributação e a consolidação da propriedade nas mãos da elite. A exclusão da gentalha dos frutos de seu trabalho expropriado é o que faz do Estado o Estado. Há grandes salões e monumentos impressionantes nas capitais dos estados, afirmações em mármore da teologia política do estado espalhadas por todo o país. O estado tem seus próprios santos e mártires, seu próprio calendário de dias santos. O estado é uma espécie de ritual religioso, só que o dízimo não é opcional. E é muito mais do que 10%. Isso é o que é um estado, o roubo disfarçado de dever solene. As pessoas morrem o tempo todo pelo estado. Os cemitérios estão cheios de mortos do estado. O estado cobra dos enlutados a manutenção desses cemitérios. Mais impostos. Não importa o que aconteça, o estado sempre vence no final.

Então, vamos usar esse conhecimento para examinar a situação atual na Ucrânia. Um oligarca de alto nível mundial, que passa suas férias em um Versalhes russo, está enfrentando um oligarca ucraniano muito menor a seu oeste. Este oligarca arrivista tem o apoio ambíguo de uma cabala maciça de oligarcas de grande porte na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Esta cabala se autodenomina Organização do Tratado do Atlântico Norte e é um clube muito exclusivo. Os membros têm acesso a uma impressionante variedade de opções de segurança, incluindo todos os melhores equipamentos de alguns dos maiores militares do mundo. O líder ostensivo é o presidente americano, cujo filho ficou extraordinariamente rico ao conspirar com a oligarquia na Ucrânia, onde os oligarcas da Organização do Tratado do Atlântico Norte agora estão encarando através das fronteiras os oligarcas do Kremlin. A oligarquia atlântica quer se estabelecer no território da oligarquia russa, e um oligarca ucraniano navega em meio a este fogo cruzado. As pessoas que normalmente são tributadas pelos oligarcas são também as que estão sendo bombardeadas e enviadas em tanques para fazer o bombardeio. Mais mortes para a glória do Estado – que não existe, sendo ele simplesmente um eufemismo para “oligarquia”.

E tem mais. Uma oligarquia arrivista em Pequim paira sobre a cena tensa, parecendo pronta para intermediar a “paz” entre os outros oligarcas quando seus próprios interesses forem melhor atendidos. E a oligarquia de Pequim tem seu próprio círculo de oligarcas beta, incluindo os detentores de poderes tributários em Taiwan, Hong Kong, Península Coreana e Japão, todos cheios de comparsas políticos com acesso a seus próprios fluxos de renda derivados dos contracheques de humildes pagadores de impostos. Quando chegar a hora, os pagadores de impostos desses lugares também morrerão pelos oligarcas. Os fuzileiros navais americanos estão em Okinawa esperando sua vez de morrer também. No entanto, os oligarcas vão viver. Eles vão se sair bem. Guerra e paz — os oligarcas ganham dinheiro de qualquer maneira. “L’état, c’est moi!” Sim, exatamente.

O fato de o Departamento de Justiça dos Estados Unidos ter conseguido aplicar sanções aos “oligarcas” russos em tempo recorde após a invasão da Ucrânia por Putin, e agora está implantando uma “força-tarefa” especial para apropriar-se da propriedade de Putin e sua rede de vigaristas, diz tudo o que precisamos saber sobre o que está acontecendo na Europa Oriental agora. A força-tarefa – dá para acreditar na ousadia? – é destinada a “Elites, seus representantes e oligarcas russos”. O estado leva, e então o estado leva um pouco mais.

Lenin chamou a Primeira Guerra Mundial de guerra entre os capitalistas da Europa. Ele estava errado. Foi uma guerra entre oligarcas, estatistas que extraem riqueza da atividade econômica legítima através do cano de um revólver. E quando alguns oligarcas saem da linha, eles são mortos e os outros oligarcas ficam com os despojos. Idem para a Ucrânia. Não é o “Ocidente” contra os oligarcas russos lá. São os oligarcas contra os oligarcas contra os oligarcas. São oligarcas do começo ao fim. Leia Hoppe e Rothbard, e não caia na última rodada de fake news sobre o estado, que é sempre criminoso, em todos os lugares.

 

 

 

Artigo original aqui

Jason Morgan
Jason Morgan
é professor associado da Universidade Reitaku em Kashiwa, Japão, e foi bolsista do Mises Institute em 2016.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Concordo em gênero, número e grau com o autor deste texto e acrescento com um exemplo simples, venho assistindo ultimamente vídeos no You%%tube sobre viagens de ônibus pelo interior do Brasil e vejo terminais rodoviários em mau estado de conservação, aparentemente qualquer turista e viajante desinformado vai alegar”como são pobres as cidades do interior brasileiro, basta ver o estado de conservação de seus terminais rodoviários”,nada mais equivocado e falseado este pensamento, todas as cidades brasileiras tem orçamentos milionários( na faixa de R$ 3.000,00 per capita,basta multiplicar pelo número de vítimas do município) e portanto todas tem condições de manter seus terminais rodoviários em bom estado de conservação e impecável, mas os oligarcas locais torram o dinheiro furtado do cidadão(prefeituras inchadas, cheia de cupinchas,cabos eleitorais puxadores de voto, sinecuras,um cabide de emprego de todos os níveis,fundamental, médio e nível superior, desperdícios e mais desperdícios sendo o pior deles é claro a corrupção(Enriquecimento ilícito dos oligarcas locais e seus amigos corporativistas(Fornecedores e lavadores do dinheiro desviado do cidadão humilde)parceiros na pilhagem), passam uma imagem errada das cidades e todos nós pagadores de impostos somos vítimas destes oligarcas locais(municípios) regionais(estados) e federais(brasília,ilha da fantasia), enfim infelizmente somos impotentes contra estas gangues nojentas.

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