As notícias se avolumam. Redução no ritmo das vendas de imóveis (em algumas cidades, já há queda nos preços dos imóveis), redução no ritmo das vendas de material de construção, montadoras comestoques se acumulando, redução forte noritmo de contratações para a indústria, para o comércio varejista, para a construção civil e até mesmo para o setor de serviços. Apenas o setor agrícola apresenta expansão nos empregos, e isso por causa da alta cotação das commodities.
Todos esses fenômenos dão a entender que o ápice da expansão econômica já passou e, a julgar pelos dados macroeconômicos (que veremos mais abaixo), a economia brasileira já está em forte desaceleração, aproximando-se de uma recessão.
E aí vêm as perguntas inevitáveis: Quando isso ocorrerá? Qual será a intensidade? Já os mais céticos (ou mais governistas) perguntam até mesmo se realmente haverá alguma recessão.
Antes de abordamos mais especificamente essas perguntas, seria importante apresentar um pequeno, porém completo, resumo da mecânica de um ciclo econômico. Como ele começa, como ele termina e o que acontece nesse ínterim. Após essa explicação, poderemos então transportar a teoria para a prática.
O início de um ciclo econômico
Quando o Banco Central decide reduzir a taxa básica de juros da economia (no caso do Brasil, a SELIC), ele cria dinheiro eletronicamente e, com esse dinheiro criado do nada, compra títulos públicos que estão em posse do sistema bancário. O dinheiro eletrônico vai então para as reservas que os bancos mantêm depositadas junto ao Banco Central (os depósitos compulsórios).
E como isso afeta a SELIC?
A taxa SELIC nada mais é do que a taxa de juros que os bancos cobram (pagam) entre si no mercado interbancário para emprestar (tomar emprestado) dinheiro que possuem em suas reservas. Os bancos recorrem a essas operações interbancárias diariamente, pois, ao final de cada dia, precisam manter um determinado volume de dinheiro em suas reservas. (Esse volume é o equivalente a uma determinada porcentagem do total de suas contas-correntes, e é determinado pelo Banco Central.)
As reservas bancárias, portanto, são fundos que os bancos são obrigados — tanto por lei quanto por necessidade — a manter disponíveis na forma depósitos à vista junto ao Banco Central. Logo, uma redução na SELIC significa que o Banco Central está injetando dinheiro nas reservas do sistema bancário a uma velocidade maior do que antes. (Inversamente, um aumento da SELIC significa que o BC está injetando dinheiro nas reservas bancárias a uma taxa menor do que antes).
Com mais dinheiro nas reservas, menos bancos se veem na necessidade de pedir dinheiro emprestado no interbancário (ou do público em geral, via CDBs), e mais bancos se veem com reservas acima do nível estipulado pelo Banco Central. É essa mudança nas condições de oferta e demanda de reservas bancárias que altera a taxa de juros no mercado interbancário. E essa taxa de juros é justamente a SELIC.
No exemplo acima, a maior disponibilidade de reservas bancárias levou a uma redução da SELIC. Consequentemente, houve um aumento na capacidade do sistema bancário de criar contas-correntes adicionais, as quais serão utilizadas para a concessão de empréstimos — algo que os bancos só podem fazer quando possuem reservas em nível acima daquele estipulado pelo Banco Central. Consequentemente, os juros que os bancos cobram sobre empréstimos concedidos a pessoas e empresas diminuem.
Quando os juros são reduzidos, aqueles projetos de longo prazo que antes eram inviáveis tornam-se agora — justamente por causa dos juros mais baixos — aparentemente viáveis. Esses projetos de longo prazo (como empreendimentos imobiliários) são aqueles que demandam mais capital, mais investimentos vultosos. O que antes parecia caro, agora, repentinamente — por causa dos juros menores — parece bem mais acessível.
Consequentemente, os recursos econômicos — maquinário, matérias-primas, metais e mão-de-obra — começam a ser desviados para esses setores intensivos em capital; para esses projetos de longo prazo.
Porém, ao contrário do que muita gente pensa, as taxas de juros não são o principal fator determinante para a formação de bolhas ou mesmo de ciclos econômicos em geral. A redução da taxa de juros decorrente de manipulações monetárias feitas pelo Banco Central desencadeia o início do ciclo/bolha, porém, a partir daí, alterações na oferta monetária têm mais importância.
Por quê?
Porque a expansão da oferta monetária da economia, como Mises explicou, não ocorre de maneira uniforme. Sempre há aqueles setores que recebem esse novo dinheiro antes do resto da economia. E esse dinheiro recém-criado que entra primeiramente em determinados setores da economia altera toda a estrutura de preços da economia; altera todos os preços relativos. Se o dinheiro recém-criado vai primeiramente para o setor imobiliário, por exemplo, a estrutura de preços da economia fica distorcida em relação a este setor, fazendo com que investimentos nesse setor aparentem ser mais vantajosos, mais lucrativos, pois os preços estão sempre subindo.
A taxa de juros pode permanecer constante esse tempo todo. Ela pode estar nominalmente alta (como sempre foi no Brasil). Não interessa. O que interessa são as expectativas de lucros. As taxas de juros por si sós têm pequeno efeito sobre o planejamento empreendedorial e, consequentemente, sobre a formação de bolhas e de ciclos econômicos. O que afeta uma decisão de planejamento é a expectativa de lucros. E se os lucros propiciados por um investimento forem maiores do que os juros cobrados sobre os empréstimos para esse investimento, tal investimento é vantajoso.
Ademais, os lucros são totalmente afetados por variações da quantidade de dinheiro na economia. Mais dinheiro sendo criado, maiores os lucros contábeis daqueles setores que recebem esse dinheiro antes dos outros.
Portanto, para resumir: a redução da taxa de juros decorrente de manipulações monetárias feitas pelo Banco Central desencadeia o início do ciclo; porém, a partir daí, alterações na oferta monetária têm mais importância. Variações na quantidade de dinheiro na economia afetam os preços relativos dos setores da economia e, consequentemente, alteram as expectativas de lucros de cada setor. Isso importa mais do que os juros praticados.
O período da expansão econômica insustentável
Após a expansão monetária acima descrita causar uma redução nos juros, os investimentos começam a surgir mais intensamente na economia. Porém, como essa redução nos juros não foi causada por um aumento na poupança (isto é, pela abstenção do consumo), mas sim pela simples manipulação dos juros feita pelo Banco Central, não houve uma liberação de recursos de um setor para ser utilizado em outro setor. Aí começam os problemas.
Mais dinheiro entrando economia via financiamentos para investimentos faz aumentar a demanda por mão-de-obra na indústria e na construção civil, mas ao mesmo tempo os setores de serviço e comércio continuam precisando de mão-de-obra e recursos, pois não houve aumento na poupança (abstenção de consumo). Assim, começa a haver uma batalha por mão-de-obra e por recursos. Houvesse poupança genuína, a mão-de-obra de um setor seria liberada para outro setor, e os recursos mais demandados por um setor seriam liberados para outros setores. Mas como não há poupança, esses fatores de produção começam a ser disputados via aumentos salariais e aumentos de preços.
Assim, ao mesmo tempo em que uma construtora passa a demandar mais engenheiros, arquitetos, mestres-de-obras, corretores, vendedores, relações públicas etc., os setores de serviço e comércio continuam demandando com a mesma intensidade esses profissionais, pois as pessoas não estão poupando, o que significa que o consumo segue aquecido em todos os setores — a redução dos juros, como dito, não veio da poupança, mas sim da criação de dinheiro pelo Banco Central.
O desemprego cai e os preços e os salários sobem, exatamente como está acontecendo no Brasil.
Enquanto estiver havendo essa expansão do dinheiro e do crédito, mas os preços continuarem contidos — subindo a um ritmo moderado —, os números positivos da economia irão durar. A demanda por bens e serviços irá continuar em alta. Os estoques das empresas serão prontamente vendidos. Apartamentos continuarão sendo vendidos na planta. Novos empreendimentos continuarão sendo iniciados. Carros zero continuarão sendo vendidos aceleradamente. Novos restaurantes e novas lojas continuarão sendo abertos. Os preços e os lucros continuarão subindo. Trabalhadores continuarão encontrando empregos a salários nominais cada vez maiores.
No entanto, tal expansão econômica não pode durar. Em algum momento, essa expansão monetária começará a provocar um aumento generalizado nos preços, como já vem acontecendo no Brasil.
O fim da ilusão
A consequência é que esse aumento de custos vai ficando fora do controle das empresas que estavam realizando investimentos. Quando começaram a investir, elas não previam (e não tinham como prever) que haveria esse rápido aumento em seus custos (tanto de mão-de-obra quanto de matéria-prima).
O aumento generalizado nos preços e nos custos força as empresas a obterem mais empréstimos (ou a refinanciar seus empréstimos) para que possam finalizar seus projetos já iniciados. Mais recursos passam a ser demandados. Essa busca por mais crédito provoca um aumento dos juros dos empréstimos. Entretanto, o Banco Central pode intervir aumentando o ritmo das injeções de dinheiro no sistema, evitando temporariamente essa subida nos juros. Porém, tais injeções de dinheiro farão — como foi explicado no início — com que haja ainda mais distorções nos preços relativos e na estrutura de produção da economia, reiniciando o ciclo de mais procura por crédito. Isso vai se repetir até o momento em que o Banco Central, assustado com a inflação de preços, resolver reduzir o ritmo das injeções monetárias e deixar os juros subirem gradualmente.
Mesmo que o Banco Central continuasse injetando dinheiro indefinidamente, uma hora os bancos teriam de aumentar os juros dos seus empréstimos, pois a expansão monetária estaria provocando um inevitável aumento de preços. Assim, se os bancos não aumentassem os juros cobrados, eles simplesmente receberiam — no momento da quitação do empréstimo — um dinheiro com um poder de compra menor do que o que esperavam receber quando concederam o empréstimo.
Enquanto isso, os preços dos fatores de produção (mão-de-obra e bens de capital) seguem subindo, por causa da forte demanda. Quanto mais os preços dos fatores de produção sobem, mais desesperadas por novos empréstimos ficam aquelas empresas que deram início a projetos de longo prazo levadas pela crença de que o crédito seria farto e barato durante muito tempo, e que os lucros seriam fáceis. O aumento dos preços — e, por conseguinte, dos juros — altera seus planos.
Esse aumento dos juros inviabilizará a conclusão desses empreendimentos de longo prazo — sejam eles a construção de shoppings, a construção de prédios, a expansão de indústrias ou até mesmo a abertura de franquias de restaurantes. Descobre-se, finalmente, que não havia poupança suficiente (poupança no sentido de recursos físicos disponíveis; a escassez fez com que seus preços subissem) para sustentar a viabilidade de longo prazo desses investimentos.
Quando isso ocorre, há um processo de correção na economia, também conhecido como recessão. A mão-de-obra que foi desviada para setores que se expandiram apenas por causa dos juros artificialmente baixos — indústrias e qualquer grande empreendimento de longo prazo — descobrirá que suas habilidades não mais estão sob demanda. Elas perdem o emprego e passam a ter de se reeducar para adquirir novas habilidades para outros empregos, os quais provavelmente estarão agora no setor de serviços e comércio.
O período da expansão econômica irá terminar e dar-se-á início à recessão. Quanto mais cedo esta vier, menor terá sido a destruição de capital desse período da expansão.
A expansão monetária no Brasil
Cada economista seguidor da Escola Austríaca tem seu método preferido para analisar a expansão monetária da economia brasileira. Alguns utilizam o M1. Outros, o M2. Outros, as reservas bancárias. E outros olham apenas a evolução dos depósitos em conta-corrente (este método é o meu segundo preferido).
Particularmente, acho que o método mais completo é analisar a evolução dos meios fiduciários. Meios fiduciários são os depósitos bancários que podem ser utilizados como meios de pagamento e que não estão lastreados por absolutamente nada (no atual sistema monetário, isso significa que não há nenhuma cédula de papel ou moeda metálica depositada no banco para cobrir essa quantia).
Ou seja, trata-se da moeda escritural que não tem nenhuma reserva lastreando-a, pois foi criada do nada pelo sistema bancário de reservas fracionárias. Falando mais popularmente, é o dinheiro que você utiliza como pagamento via cheques ou cartão de débito, mas que não possui um correspondente valor em dinheiro físico dentro dos cofres dos bancos ou nos depósitos eletrônicos dos bancos junto ao Banco Central.
Em termos técnicos, para você saber o total de meios fiduciários, basta subtrair o total da base monetária do total do M1[1]. (Aos mais interessados, realmente recomendo clicar nessa nota de rodapé).
E por que analisar os meios fiduciários? Porque a quantidade de meios fiduciários em qualquer momento representa o acumulado total de toda a expansão de crédito ocorrida na oferta monetária do país até aquele momento. Ela representa a soma de todos os empréstimos que o sistema bancário de reservas fracionárias fez baseando-se na criação de dinheiro sem qualquer lastro.
E o principal: a diferença entre a quantidade de meios fiduciários entre dois períodos de tempo representa exatamente a expansão do crédito ocorrida nesse intervalo.
Logo, a evolução dos meios fiduciários representa um bom indicador da evolução do crédito artificial no país, além de mostrar como esse crédito está sendo afetado pela política de juros do Banco Central.
Nos dois gráficos a seguir, foi mapeada a evolução dos meios fiduciários desde janeiro de 2003. Dividi a evolução em dois gráficos para fazer uma análise mais detalhada.
O primeiro gráfico vai de 2003 até o final de 2006. (Ignore os solavancos dos meses de dezembro e janeiro, pois são meses em que a oferta monetária aumenta temporariamente para acomodar as demandas por moeda geradas pelas festas de fim de ano, 13º e afins.)
Em primeiro lugar, é notável a queda ocorrida de janeiro a agosto de 2003. Quem se lembra dessa época vai se lembrar da total estagnação do país, com desemprego chegando a 13% (hoje está em 6%). Tal queda se deveu tanto a um aumento do compulsório quanto a um aumento dos juros, pois a inflação de preços em 2002 havia chegado a 12%. Para piorar o cenário, no primeiro semestre de 2003 ocorreram vários reajustes de preços, pois o câmbio havia disparado em 2002. A combinação de redução dos meios fiduciários com aumento de preços reduziu sobremaneira o volume de gastos na economia brasileira, o que levou ao aumento do desemprego.
Porém, a inflação de preços começou a cair já a partir de maio de 2003. Em maio, no acumulado de 12 meses, ela estava em espantosos 17,24%. (A partir daí, por causa dessa forte redução dos meios fiduciários, a inflação de preços caiu continuamente até maio de 2004, quando atingiu o acumulado de 5,15%. Mas em maio de 2004, ela volta a subir forte).
Em agosto de 2003, já sentindo a queda da inflação de preços, o Banco Central começa a afrouxar o compulsório, a reduzir os juros e a expandir o crédito, medida essa que dura até o final de 2004. Os meios fiduciários se expandem fortemente (mas não muito em relação a onde estavam ainda no início do ano de 2003). A economia cresce e o desemprego cai, mas a inflação de preços — que havia se reduzido rapidamente por causa do baque nos meios fiduciários em 2003 — volta a subir forte no segundo semestre de 2004, fechando o ano em 7,60%. Isso obriga o BC a iniciar um novo ciclo de elevação dos juros a partir do último trimestre daquele ano.
Como consequência desse ciclo de elevação dos juros, os meios fiduciários ficam bastante contidos em 2005. Veja no gráfico que, em termos líquidos, a expansão foi praticamente zero. A economia cresce pouco (houve uma queda no PIB no segundo trimestre de 2005), e a inflação de preços, que havia chegado a 8,07% em abril de 2005 (consequência da grande expansão dos meios fiduciários havida em 2004), perde fôlego e termina o ano em 5,69%.
A partir de 2006 começa a haver um maior afrouxamento dos juros, pois a inflação de preços indicava tendência de queda já no final de 2005, em decorrência justamente da quase zero expansão dos meios fiduciários ocorrida em 2005. Mas a expansão dos meios fiduciários só seria intensificada no segundo semestre de 2006, e seus efeitos só seriam sentidos no ano seguinte. Assim, o ano de 2006 terminaria apresentando uma inflação de preços de 3,14%, a segunda menor do real (perdendo apenas para 1998, quando foi de 1,66%).
O que nos leva ao segundo período da nossa análise: 2007 a julho de 2011. (Obs: desde a publicação original deste artigo, em setembro de 2011, o gráfico abaixo está sendo mensalmente atualizado).
Em 2007, principalmente a partir do segundo semestre, a expansão dos meios fiduciários é substancial (ignore, como sempre, os solavancos de dezembro e janeiro). O PIB cresce e o desemprego cai. A inflação de preços, que vinha baixa nos primeiros meses do ano, começa a subir continuamente, só que ainda em decorrência da expansão dos meios fiduciários ocorrida no segundo semestre de 2006. A inflação de preços de 2007 totaliza 4,47%, valor ainda baixo para os nossos padrões.
Logo no primeiro trimestre de 2008, o Banco Central inicia um novo ciclo de elevação da SELIC. Toda a expansão dos meios fiduciários ocorrida em 2007 começa a fazer efeito. A inflação acumulada em 12 meses bate em 6,37% já em junho.
Como mostra o gráfico, como consequência desse novo ciclo de aumento de juros a expansão dos meios fiduciários estanca em 2008. E isso após a vigorosa expansão iniciada ainda em meados de 2006. Os meios fiduciários aumentaram 34% em apenas um ano e meio. Essa parada súbita gerou a recessão do último trimestre de 2008 e de todo o ano de 2009. O setor intensivo em capital, como as indústrias, foi o mais atingido. Veja todos os detalhes desse período aqui.
Ainda em novembro de 2008, para combater a recessão que se avizinhava, o Banco Central reduziu o compulsório. Em janeiro de 2009, ele começou a reduzir a SELIC. Essa combinação expandiu sobremaneira os meios fiduciários, como mostra o gráfico. O crédito ficou farto. A partir daí intensificou-se a formação da bolha imobiliária e deu-se início à farra do consumo.
Em 2010, o ritmo da expansão dos meios fiduciários ficou ainda maior. A economia apresentou números vigorosos, vários setores se expandiram, o PIB foi o mais alto em décadas e o desemprego atingiu o menor patamar da era Lula. Porém, nos últimos meses do ano, a inflação de preços começou a sair do controle — evidência daquela briga por recursos e mão-de-obra explicada na seção sobre os ciclos econômicos.
De agosto de 2008 a novembro de 2010, os meios fiduciários cresceram 38%. Toda essa vigorosa expansão creditícia vem se refletindo na atual inflação de preços, que em agosto acumulou 7,23% em doze meses.
No entanto, o gráfico mostra uma situação interessante. A partir de fevereiro de 2011, a expansão dos meios fiduciários começou a se retrair fortemente, de modo que ao final de julho eles estavam no mesmo nível de setembro de 2010. Claramente, houve uma contração em relação ao último trimestre de 2010. Fenômeno igual a esse só ocorreu em 2003. É justamente essa contração que vem desacelerando a economia, reduzindo o ritmo de contratações e até mesmo reduzindo os preços dos imóveis em algumas regiões do país.
Essa forte desaceleração da expansão do crédito vem provocando um aumento dos juros para os empréstimos tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. Esse aumento dos juros, ao que tudo indica, está arrefecendo o desejo de se iniciar novos empreendimentos, algo que, por sua vez, está reduzindo a demanda por novos bens de capital — os preços dos produtos industriais, por exemplo, os quais são utilizados em investimentos intensivos em capital, fecharam 2010 com uma inflação de 10,13%. Com a redução do crédito e o arrefecimento da demanda por novos investimentos a partir de 2011, a inflação acumulada destes bens nos últimos 12 meses caiu para 4,97%.
O que vai acontecer?
A resposta típica é: depende. Caso esta tendência continue, isto é, caso o Banco Central continue deixando que os meios fiduciários decresçam ou até mesmo que se mantenham no atual nível, é possível que haja uma recessão durante algum trimestre vindouro, talvez no último trimestre deste ano ou no primeiro trimestre de 2012.
Entretanto, e isso deve ser muito enfatizado, caso ele reverta a atual postura, nitidamente contracionista, e adote uma mais expansionista, tanto a desaceleração econômica quanto a desinflação da bolha imobiliária podem ser revertidas — porém, ao custo de uma inflação de preços acima do teto da meta. A recente redução dos juros de 12,5% para 12%, a julgar pelos números divulgados provisoriamente, não alterou o atual quadro contracionista.
Vale sempre ressaltar que uma recessão nada mais é do que uma fase de correção dos investimentos insustentáveis cometidos no período expansionista. Em vez de ser combatida, toda recessão deve ser aceita e deixada livre para expurgar todos os desequilíbrios existentes na economia. Para alguns é difícil aceitar isso, mas recessões nada mais são do que correções necessárias para uma economia artificialmente inflada. Recessões ocorrem porque parte do capital da economia foi desperdiçada tanto em investimentos insustentáveis quanto na farra consumista, ambos fenômenos provocados pela expansão do crédito.
A importância da recessão está no fato de que ela libera recursos escassos (capital e mão-de-obra) de um setor que os estava sobreutilizando, e faz com que eles sejam alocados para setores que estavam subutilizados, e que agora estão precisando desses fatores. Trata-se de uma retirada de recursos de setores que não mais possuem a mesma demanda de antes. E isso representa poupança de recursos; isso evita o desperdício de recursos escassos, algo essencial para a saúde de qualquer economia.
Não adianta tentar utilizar de meios artificiais para se evitar uma recessão, pois ela um dia virá inevitavelmente. E quanto mais ela for adiada, mais dolorosa ela será quando vir.
Por que uma estabilização dos meios fiduciários é desejável
A economia brasileira está claramente em desequilíbrio. A elevação dos preços vem causando vários desajustes setoriais e dificultando a situação fiscal de várias empresas.
E isso ocorre porque um dos principais efeitos da inflação (tanto a monetária quanto a de preços) é solapar a formação de capital das empresas. A inflação faz com que a carga tributária efetiva de uma empresa seja muito maior.
Por exemplo, imagine que uma empresa apresente uma taxa de lucro de 10%. Imagine também que os preços de todos os seus ativos que ela precisa constantemente repor subam 8%. Nesse cenário, a empresa ainda conseguiria pagar por todos os seus ativos de reposição e ficar com uma taxa de lucro de 2%. Entretanto, o imposto de renda de pessoa jurídica incide justamente sobre o lucro, a uma taxa que pode chegar a 34%. Caso seja esta a alíquota, ao invés de um lucro de 10%, a empresa ficará com um lucro líquido de apenas 6,6%, ao passo que ela precisa de 8% para pagar seus ativos de reposição. Logo, a empresa não conseguirá nem manter seu estoque de capital, muito menos acumular capital.
Daí a importância suprema de se combater a inflação de preços (bem como de se abolir o IRPJ). E a atual redução e/ou estabilização dos meios fiduciários é algo que vai nesse caminho e, por isso, deve ser comemorado. Entretanto, é natural — diria até que é compreensível — que nos próximos meses ainda haja substanciais aumentos de preços, pois os agentes econômicos estão aproveitando o momento atual da economia, em que ela ainda aparenta estar bem, para recuperar todas as “perdas inflacionárias” que ocorreram nos últimos anos.
Uma consequência bastante visível destas “perdas inflacionárias” é a insurreição de movimentos grevistas que exigem reposições salariais. Os funcionários dos Correios ameaçam cruzar os braços em troca de aumentos. Vários canteiros de obras pelo país afora estão enfrentando piquetes de movimentos sindicais que exigem altos reajustes para operários. Funcionários públicos de todas as áreas querem aumentos. No final, quem sai perdendo é o trabalhador comum, pois é o dinheiro dele que cobrirá todas essas exigências.
E há o protecionismo. Com a inflação em alta e o dólar barato, as importações se tornam atraentes. Consequentemente, o governo sai criando várias restrições para proteger a indústria nacional. A última foi um aumento de singelos 30 pontos percentuais no IPI sobre veículos importados, que agora terão taxas de até 55%. Curiosamente, a legislação não permite discriminar produto importado de nacional para a incidência de IPI. E depois reclamam dos altos preços dos carros nacionais…
E há também a bolha imobiliária. Sua duração e os preços tanto dos imóveis quanto dos recursos empregados em sua construção mostram que está havendo um consumo excessivo de bens escassos, bens que poderiam e deveriam estar sendo utilizados mais proficuamente em outros setores da economia, mas que não o estão justamente porque o dinheiro criado está indo majoritariamente para o setor imobiliário, dando-lhe vantagens na aquisição destes recursos.
Por tudo isso, é realmente imperativo acabar com a inflação monetária.
Uma consideração sobre a bolha imobiliária
Imóveis são bens. Como qualquer bem, seus preços são determinados essencialmente da mesma forma que os preços de todos os outros bens que existem em oferta limitada na economia, sejam eles carros clássicos, mão-de-obra qualificada, livros raros, moedas antigas, discos de vinil etc. Ou seja, os preços dos imóveis são determinados pela combinação de oferta limitada e intensidade da demanda.
Logo, pela lógica, o que fez aumentar os preços dos imóveis no Brasil foi um rápido e contínuo aumento na demanda por eles. Esse aumento na demanda, por sua vez, é consequência do aumento contínuo, intenso e progressivo dos meios fiduciários, praticado pelo sistema bancário e coordenado pelo Banco Central. Isso significa que os preços dos imóveis aumentaram em decorrência do acentuado aumento da quantidade de dinheiro na economia. O único fator que explica esse boom imobiliário que ocorreu nos últimos três anos é a criação de meios fiduciários.
Esse dinheiro criado do nada aportou primeiramente no setor imobiliário, financiando a juros baixos novas construções e empreendimentos. À medida que os projetos iam sendo aprovados, especuladores compravam apartamentos na planta apenas para revendê-los mais tarde, a um preço mais alto. Isso era possível justamente porque mais dinheiro ia sendo criado e jogado no mercado imobiliário, o que dava sustentação a esse processo de contínua alta dos preços.
Essa criação contínua de dinheiro não elevou apenas os preços dos novos imóveis comprados. Elevou também os preços de todos os outros imóveis já existentes no mercado. Isso porque as pessoas que compravam imóveis na planta e os revendiam a preços mais altos utilizavam o lucro obtido nesse processo para adquirir outros imóveis que estavam com preços menores. E os vendedores destes imóveis, por sua vez, utilizavam esse dinheiro da venda para adquirir outros imóveis. Assim, o dinheiro criado do nada e jogado no mercado para financiamentos imobiliários ia passando sucessivamente pelas mãos de vários compradores e vendedores, elevando nesse processo os preços de todos os imóveis.
No entanto, é claro que essas injeções monetárias não elevam somente os preços dos imóveis. Inevitavelmente, uma parte desse dinheiro sempre acaba “vazando” para fora desse ciclo — seja por meio de vendedores que agora resolveram gastar em outras coisas, seja por meio de operários e corretores que, com seus inevitáveis aumentos salariais, resolveram aumentar seu consumo de bens e serviços. Esse dinheiro irá parar em outros setores da economia, elevando também os preços nesses outros setores (a inflação do setor de serviços é especialmente notável).
É desta forma que os meios fiduciários criados vão se espalhando pelo resto do sistema econômico, elevando o nível de gastos e, consequentemente, os preços de todos os setores por onde passa.
O leitor mais atento já deve ter percebido que, caso houvesse apenas uma rodada de injeção monetária, ou apenas algumas poucas rodadas, a elevação de preços ocorreria até um certo ponto. Uma vez findada as injeções monetárias, e todo esse dinheiro novo já tiver perpassado toda a economia, os preços irão se estabilizar. Não haveria como eles continuarem subindo indefinidamente.
Sendo assim, para que haja uma contínua e sustentada elevação dos preços dos imóveis e, por conseguinte, de todos os bens e serviços da economia, as injeções de dinheiro criado do nada têm de ser constantes e cada vez maiores. Essas injeções não apenas irão mais do que contrabalançar esse inevitável vazamento de dinheiro para fora do setor imobiliário, como também, em decorrência de já terem estabelecido um padrão de ganhos contínuos no setor imobiliário — desta forma criando e mantendo a crença de que é impossível ter prejuízos nesse setor —, conseguirão atrair para o mercado ainda mais financiamento. E assim o ciclo de alta se perpetua.
Portanto, todo o processo de formação de bolha se resume à inflação monetária, e eleva os preços não só do setor imobiliário, como também de todos os outros setores da economia.
Esse processo de formação de bolha só será interrompido quando a criação de meios fiduciários for interrompida. Geralmente isso acontece quando o Banco Central fica preocupado com o nível da inflação de preços e decide elevar os juros. Consequentemente, o fluxo de dinheiro para esse setor que está em uma bolha será interrompido. Os preços não somente pararão de subir, como na realidade irão necessariamente cair.
Irão cair por uma combinação de dois motivos: pelo fato de que sempre há aquela parte do dinheiro que vaza e vai parar em outros setores da economia, pelos motivos já explicados acima, e pelo fato de que boa parte da valorização dos imóveis se dava justamente porque as pessoas estavam levadas pela crença de que os preços subiriam continuamente. Tão logo fica claro que o processo de aumento acabou, o mercado irá necessariamente entrar em declínio. E ele vai entrar em declínio simplesmente porque não mais se espera que ele continue subindo.
Conclusão
Bolhas e ciclos econômicos são iniciados por reduções nos juros, mas são sustentados por aumentos na oferta monetária, os quais são mais importantes do que o nível nominal dos juros. Sendo assim, é perfeitamente possível haver bolhas no Brasil, mesmo com sua taxa de juros nominal sendo reconhecidamente alta.
Uma observação à parte: os aficionados podem comparar a evolução dos meios fiduciários com a evolução do Ibovespa. O processo de alta das ações funciona semelhantemente ao processo descrito de alta dos imóveis. De 2003 a 2011, o Ibovespa funcionou de acordo com a evolução dos meios fiduciários (e não poderia ser diferente). O aumento ocorrido a partir de meados de 2003, o soluço ocorrido no primeiro semestre de 2005, a recuperação do segundo semestre, o crescimento trôpego do primeiro semestre de 2006, e finalmente a disparada até abril de 2008, quando chegou à cotação máxima. A estagnação dos meios fiduciários em 2008 derrubou acentuadamente o índice, o qual recuperou-se fortemente em 2009, manteve-se alto em 2010, e caiu de novo em 2011.
A atual evolução dos meios fiduciários indica que a economia está adentrando uma fase contracionista. Caso o atual padrão seja mantido, uma recessão tende a ocorrer já nos próximos trimestres. Caso o atual padrão seja revertido, a recessão pode ser evitada, mas ao custo de uma inflação de preços perigosamente acima do teto da meta.
O fim do boom do setor imobiliário é algo que deve ser fervorosamente desejado. Não apenas porque sua eventual continuação gera um crescente estado de mania e obsessão, no qual fortunas são criadas sem nenhuma causa racional, meramente em virtude da pressão de um crescente fluxo de dinheiro que busca vazão em canais que nada mais são do que sonhos e esperanças vazios, mas principalmente porque tal atividade gera um grande desperdício de capital. Recursos que poderiam ser mais bem aproveitados em outros setores da economia acabam sendo desviados para uma atividade esbanjadora de recursos e destruidora de capital, escasseando e encarecendo toda a oferta de bens de capital e de mão-de-obra para o restante da economia.
E o mesmo deve ser dito para a desaceleração da economia brasileira e a consequente correção de todos os seus atuais desequilíbrios. Que ela venha rápido para que possa acabar rápido. Quem mais perde com os atuais desarranjos são justamente aqueles que possuem menos recursos e menos influência política. Além disso, há o fato de que a economia como um todo fica mais pobre durante essa expansão econômica artificial, pois recursos escassos são desperdiçados em empreendimentos insustentáveis.
Uma recessão (ou “reajuste da estrutura de produção da economia”) se faz necessária para o bem de nossas riquezas.
Notas
[1] Essa operação é fácil de entender.
A base monetária é igual ao total de cédulas e moedas metálicas criadas pela Casa da Moeda mais o total de reservas bancárias eletrônicas que os bancos mantêm depositados junto ao Banco Central.
O M1 é igual às cédulas e moedas metálicas (papel-moeda) em poder do público mais os depósitos em conta-corrente.
Ao fazermos a subtração M1 – BM, temos o seguinte resultado:
Meios fiduciários = (a) papel-moeda em poder do público + (b) depósitos em conta-corrente – (c) papel-moeda total – (d) reservas bancárias.
Essas variáveis podem ser rearranjadas da seguinte forma:
Meios fiduciários = (b-d) + (a-c)
b – d = depósitos em conta-corrente que não possuem um valor equivalente em reservas bancárias eletrônicas depositadas junto ao Banco Central
a – c = — (papel-moeda em posse da rede bancária; isto é, papel-moeda nos cofres dos bancos, nos caixas eletrônicos etc.); como a é necessariamente menor que c, esse valor será negativo.
Consequentemente,
Meios fiduciários = (b-d) + (a-c) = dinheiro na conta-corrente que não possui lastro nem em reservas bancárias eletrônicas depositadas no Banco Central, nem em dinheiro vivo que os bancos mantêm em seus cofres.
E por que não levar em conta as outras variáveis, como M2, M3 e M4? Por que escolher apenas os depósitos em conta-corrente? Porque é sobre o volume das contas-correntes que se baseiam todas as formas de crédito do sistema financeiro de uma economia. Todas as outras aplicações financeiras (sejam elas depósitos a prazo, renda fixa, curto prazo, multimercado, referenciado, ações etc.) são meros papeis que, para serem convertidos em dinheiro, precisam antes ser vendidos para algum agente obviamente disposto a comprá-los. E este só irá fazê-lo se tiver dinheiro disponível em sua conta-corrente. Portanto, os depósitos em conta-corrente definem, em última instância, a oferta monetária da economia brasileira.
Para mais detalhes técnicos sobre meios fiduciários, veja este artigo.