Os benefícios da divisão do trabalho são amplamente conhecidos e atestados. Mesmo o oponente da economia de mercado reconhece o fato de que a coordenação dos esforços produtivos gera benefícios materiais para todas as partes envolvidas. Porém, somente os economistas treinados são intelectualmente consistentes o bastante para extrair dessa constatação todas as implicações políticas necessárias. Em particular, a defesa do livre comércio baseia-se, direta e honestamente, no fato de que ele faz com que todas as pessoas fiquem em situação melhor do que a que estariam na ausência do livre comércio.
Observe a nuança nessa mensagem. A questão não é que o livre comércio faz necessariamente com que as pessoas fiquem em uma situação melhor do que a que estiveram até agora. Antes, ele faz com que elas fiquem melhores do que estariam caso o comércio fosse, de agora em diante, obstruído por intervenções governamentais, ou por outras violações de direitos de propriedade.
Essa distinção é importante, principalmente no atual contexto político mundial. Pela primeira vez em muitas décadas, os países do Primeiro Mundo, principalmente os EUA, estão diante de um cenário em que eles passaram a ser exportadores líquidos de capital. A consequência pode ser um empobrecimento relativo da população trabalhadora americana. Porém, mesmo se isso ocorrer, o argumento a favor do livre comércio permaneceria inabalado. O fato inapelável é que a única alternativa lógica — a obstrução governamental do comércio internacional — empobreceria a população ainda mais.
A divisão do trabalho
A colaboração produz benefícios materiais. Dois indivíduos trabalhando isolados um do outro produzem menos bens e serviços do que caso eles estivessem coordenando seus esforços. Esse é provavelmente o fato mais significativo da vida social. Qualquer reflexão sobre a organização econômica deve necessariamente começar dessa constatação.
Para ilustrar esse fato, considere o seguinte exemplo de uma economia de uma ilha primitiva. João e José trabalham isolados um do outro. Ambos gastam todo o seu tempo colhendo frutas e caçando coelhos. Todos os dias, João gasta 8 horas para capturar 1 coelho, e outras 2 horas para colher 3 kg de frutas. Já José gasta 6 horas para capturar 3 coelhos, e outras 4 horas para colher 7 kg de frutas. Observe que José é superior em ambas as atividades.
Agora eles resolvem se juntar e coordenar suas atividades. Desta forma, eles facilmente podem encontrar uma maneira de dividir suas tarefas de modo que ambos se beneficiem. Por exemplo, José pode dedicar todo o seu tempo para a caça de coelhos, ao passo que João dedica todo o seu tempo à coleta de frutas. O produto agregado da economia dessa ilha antes e depois da divisão do trabalho será o seguinte:
Antes: 4 coelhos, 10 kg de frutas
Depois: 5 coelhos, 15 kg de frutas
João e José têm agora, por dia, um coelho e cinco quilos de frutas a mais do que teriam caso não tivessem juntado forças. Não importa como eles dividam esse excedente, o fato é que cada um deles estará melhor do que antes.
Observe que a divisão do trabalho é benéfica para todos os envolvidos não apenas quando um produtor é superior ao outro em uma determinada área; a divisão também é benéfica mesmo quando um dos produtores é mais produtivo que o outro em todas as áreas. Em nosso exemplo acima, José é melhor do João como caçador, mas ele também é superior no que tange à coleta de frutas. Para a maioria dos não economistas, esse certamente é um aspecto surpreendente da divisão do trabalho.
Muitas pessoas estariam intuitivamente inclinadas a imaginar que produtores superiores em tudo, como José, não poderiam obter nenhum benefício material caso cooperassem com produtores inferiores como João. Se José aceitasse cooperar com João, isso seria apenas por uma questão de cortesia e generosidade. Tal era, de fato, filosofia social dos velhos conservadores europeus, como Carl-Ludwig Haller e Joseph de Maistre. Como eles costumavam dizer, produtores inferiores não poderiam de modo algum ser parceiros econômicos proveitosos para os produtores superiores. A única relação social possível entre eles era a da subordinação. O homem superior concedia favores e, em troca, deveria receber obediência.
Porém, como vimos acima, essa concepção é errada. Economistas, obviamente, não negam que favores sejam concedidos e obediência seja devida em certos casos. Eles meramente mostram que esses laços de favor e obediência estão longe de representar toda a realidade possível da cooperação social. E esses laços certamente não se comparam em importância aos laços que resultam dos benefícios materiais compartilhados. A divisão do trabalho é uma benção para todas as pessoas. Produtores inferiores e superiores podem ser genuínos parceiros sociais.
De Ricardo a Mises
Foi o economista britânico David Ricardo quem primeiro enfatizou esse fato em sua obra Principles of Economics and Taxation, dentro de um contexto de análise do comércio internacional. Ricardo não percebeu que ele de fato havia descoberto uma lei econômica geral que se aplica a todos os casos de cooperação humana. Ele meramente afirmou que o livre comércio entre as nações era benéfico. Ademais, em sua dedução, ele deixou claro que estava assumindo que a mão-de-obra e o capital eram fatores móveis somente dentro das fronteirasde uma nação. Em outras palavras, ele assumiu um cenário em que somente matérias-primas e bens de consumo eram comercializados para além das fronteiras nacionais. Esse comércio, declarou Ricardo, era benéfico.
Infelizmente, escritores posteriores erroneamente inferiram que as hipóteses de Ricardo eram também pré-condições para a validade de seu argumento. Eles raciocinaram assim: “Ricardo provou que o livre comércio é benéfico quando o capital e a mão-de-obra são imóveis. Consequentemente, o argumento a favor do livre comércio baseia-se nessas hipóteses.” O erro contido nesse argumento não é difícil de ser percebido. Suponha que alguém diga: “O físico XY provou que a Lei de Pitágoras é válida para um triângulo com uma hipotenusa medindo 3 centímetros, com uma margem de erro de 0,001 centímetro para mais ou para menos. Consequentemente, a validade dessa lei está comprovada apenas para triângulos que tenham exatamente essa medida.” Claramente, trata-se de um raciocínio falho. A Lei de Pitágoras é válida para qualquer triângulo retângulo; demonstrar que ela é válida para um triângulo específico não significa que ela valha apenas para aquele triângulo em questão. E, similarmente, o fato de Ricardo ter feito uma defesa do livre comércio baseando-se na hipótese de que o capital e a mão-de-obra são imóveis não significa que o livre comércio é benéfico apenas nesse caso.
O primeiro economista a enfatizar a validade geral dessa descoberta de Ricardo foi Ludwig von Mises. Em duas obras datadas do final da década de 1910, o economista austríaco ampliou as hipóteses ricardianas e conclui que, em um mundo de livre comércio e capitalismo universal, todos os fatores de produção seriam alocados para os locais que oferecessem a maior receita marginal para esses fatores. O capital seria exportado para esses locais, e a mão-de-obra migraria para lá. Assim que todos os fatores encontrassem seu local mais propício, os salários seriam iguais em todo o mundo, bem como as taxas de retorno sobre o capital (taxas de juros).
Ampliando a mensagem de Ricardo para o contexto mais geral possível, Mises enfatizou que essa alocação geográfica dos recursos seria a mais adequado do ponto de vista da satisfação do consumidor. Alguns anos mais tarde, em seu livro Socialism, Mises demonstrou que os benefícios materiais oriundos da divisão do trabalho são um incentivo fundamental para a cooperação humana. E, em sua obra mais desenvolvida, Ação Humana, ele deu ao funcionamento desses incentivos o nome de “lei da associação”.
Observe que Mises não disse que os fatores de produção deveriam se mover para os locais que oferecessem a maior remuneração. O que ele disse é que eles iriam se mover para esses locais, e que isso na verdade seria benéfico do ponto de vista dos consumidores. Observe, mais detalhadamente, que Mises na realidade trouxeduas contribuições.
Primeiro, ele digeriu a essência do argumento de Ricardo e demonstrou que ele era universalmente válido.
Depois, ele aplicou esse argumento a um hipotético mundo de capitalismo global, no qual nenhum obstáculo político iria dificultar a livre movimentação da mão-de-obra e do capital — o exato oposto do mundo ricardiano. No período anterior à Primeira Guerra Mundial, a hipótese misesiana de certa forma refletia as condições políticas do mundo real. O cenário que Mises analisou poderia ser observado em um grande número de casos concretos, o mais notável deles era o do Império Britânico. Capital e mão-de-obra constantemente saíam de Grã-Bretanha e iam para províncias como Austrália, Índia e Canadá, onde eles podiam ser empregados com maiores retornos.
A exportação de capital
Esse cenário é relevante para o entendimento das condições do mundo atual. Nos últimos vinte anos, um número cada vez maior de países fora do tradicional hemisfério ocidental passou a adotar políticas mais voltadas para o livre mercado. Ao invés de confiscar os ativos dos capitalistas estrangeiros, como faziam antes, eles passaram a proteger os direitos de propriedade desses estrangeiros e a permitir que eles remetam suas receitas para seus países de origem. Investir em alguns desses países é hoje muito mais lucrativo do que no Ocidente. Como consequência, eles passaram a atrair uma enorme quantia de recursos ocidentais. Capitalistas dos EUA, da Europa ocidental e do Japão já investiram consideráveis somas de dinheiro nesses países, e a tendência é que eles aumentem essas exportações de capital nos próximos anos.
Assim, temos uma situação que em muito se parece com o caso britânico do século XIX. A Grã-Bretanha constantemente exportava mão-de-obra e capital. É óbvio que os fatores de produção exportados auferiam maiores receitas lá fora do que teriam auferido em casa. Por isso, para os donos desses fatores (os trabalhadores e os capitalistas), cruzar as fronteiras do estado-nação foi algo indubitavelmente benéfico. Mas, e quanto aos ex-usuários desses fatores, que ficaram em casa?
A emigração de trabalhadores havia gerado uma tendência de aumento dos salários na Grã-Bretanha. Boa notícia para os trabalhadores que ficaram. Má notícia para os capitalistas, que agora tinham de pagar salários maiores — mas quem se importa com os capitalistas? Porém, como esperado, estes souberam se virar, e exportaram seu dinheiro para o exterior, para aqueles locais aonde os trabalhadores foram e onde os retornos sobre o investimento do capital também eram maiores.
As exportações de capital haviam gerado uma tendência de aumento nas taxas de retorno (juros) na Grã-Bretanha até que elas se equiparassem às das colônias, sendo esse exatamente o motivo dessa exportação de capital. Mais importante ainda, as exportações de capital tendiam a diminuir os salários dos trabalhadores britânicos, uma vez que os salários dependem da quantidade de capital disponível. Essas exportações de capital geraram uma tendência, portanto, de empobrecimento dos assalariados — mais exatamente, elas reduziam os salários para um nível menor do que aquele que prevaleceria caso não tivesse havido essas exportações.
Portanto, exportações de capital essencialmente implicam um empobrecimento relativo dos assalariados. Mas isso não é o mesmo que um empobrecimento absoluto. Os salários tornam-se menores do que poderiam ser, porém eles não serão necessariamente menores do que antes. Por exemplo, suponha que haja um aumento líquido de 15% do estoque de capital. Se dois terços desse aumento forem exportados, o capital investido em casa ainda assim terá crescido 5%, acarretando dessa forma um aumento absoluto nos pagamentos salariais.
Ao que tudo indica, no caso britânico, o declínio nos salários domésticos foi apenas relativo, e não absoluto. Os salários reais na Grã-Bretanha aumentaram constantemente nesse mesmo período em que o país passou a exportar capital para todo o mundo. Porém, hoje as coisas podem ser diferentes. Não é impossível que haja um declínio em termos absolutos nos salários dos países ocidentais caso haja uma contínua exportação de capital para os países menos desenvolvidos.
Deveria isso ser um motivo suficiente para que os países ricos revejam sua defesa do livre comércio? Alguns economistas pensam que sim. Eles reconhecem que as exportações de capital irão aumentar os salários e a produtividade dos trabalhadores estrangeiros. Eles admitem que essa maior produtividade dos trabalhadores estrangeiros pode gerar um aumento indireto nos salários reais dos países ocidentais (em decorrência das importações baratas dos países subdesenvolvidos). E eles até mesmo aceitam o fato de que, de um ponto de vista global, exportações de capital é algo ao qual não é possível se opor. Entretanto, eles se recusam a adotar tal perspectiva global. Eles se importam apenas com os salários domésticos. Da maneira como eles veem, o argumento a favor do livre comércio é válido apenas enquanto as transações internacionais não estiverem diminuindo os salários absolutos dos trabalhadores domésticos.
Entretanto, eles estão errados, como iremos demonstrar agora.
Em defesa do livre comércio
Para ver melhor o erro desses economistas, temos de fazer uma coisa acima de tudo: pensar em termos de alternativas; temos de adotar o ponto de vista econômico.
Por conseguinte, vamos definir claramente a questão que está em jogo. A questão não é definir se a redução, em termos absolutos, dos salários é algo bom ou ruim de acordo com algum ponto de vista ético ou estético. A maioria dos economistas provavelmente compartilha o mesmo desejo deste escritor: que todas as pessoas, tanto dos países desenvolvidos quanto dos subdesenvolvidos, constantemente progridam na prosperidade. Porém, isso é alheio à questão. A questão não é nem mesmo sobre a probabilidade de a atual exportação de capital gerar um declínio não apenas relativo, mas também absoluto, nos salários no hemisfério ocidental.
Podemos, em prol da argumentação, radicalizar e assumir que o declínio salarial será absoluto — haverá empobrecimento de todas as pessoas que dependem de renda salarial. Tudo isso é incapaz de afetar, mesmo que minimamente, a defesa do livre comércio. A única questão relevante é ver como o livre comércio se sai contra sua única alternativa lógica: a intervenção governamental. É possível que um governo melhore a vida de todos os seus cidadãos simplesmente impedindo o capital de cruzar suas fronteiras? Essa é a única questão relevante, e a resposta para ela é negativa.
Assim, suponhamos que o governo de um país — por exemplo, a Ruritânia — decrete leis claramente voltadas para a proibição das exportações de capital, que essas leis sejam efetivamente cumpridas e que, portanto, nenhuma exportação não autorizada de capital venha a ocorrer. Quais seriam as consequências?
A primeira consequência óbvia seria a de que aquele capital que de outra forma teria saído da Ruritânia ficará agora retido dentro de suas fronteiras. Entretanto, tal medida não necessariamente significa que todo esse dinheiro seria reinvestido no país. Parte dele poderia ir para o consumo pessoal do capitalista; outra parte poderia ser doada para campanhas políticas com a intenção de reverter esse neoprotecionismo. Tão logo o governo comece a ditar o que as pessoas devem fazer com seu dinheiro, os capitalistas tornar-se-ão receosos e começarão a se perguntar o que virá a seguir. Reinvestir seu dinheiro em algum projeto de longo prazo torná-lo-ia um alvo fácil. Por conseguinte, é seguro assumir que os capitalistas da Ruritânia procurariam investir somente em projetos de curto prazo extremamente líquidos — ou, melhor ainda, utilizariam o dinheiro exclusivamente para consumo próprio, enquanto ainda podem. A consequência inevitável seria uma redução na quantidade total de capital disponível (haveria um consumo improdutivo de capital) e, com isso, uma redução nos salários de todos os setores, exceto no setor de bens de consumo.
Porém, a intervenção não irá apenas incitar um maior consumo do capital existente. Ela irá também impedir a formação de mais capital. Os cidadãos da Ruritânia iriam reduzir sua poupança e entregar-se a um maior consumismo. Parte dessa poupança foi feita apenas por causa da perspectiva de maiores retornos, os quais, agora, só poderão advir de investimentos feitos no exterior. Impedir esses investimentos significa frustrar toda a poupança que foi feita até então com vistas a esse investimento. Novamente, o resultado seria um decréscimo nos salários.
Os capitalistas estrangeiros, que também foram impedidos de investir na Ruritânia, irão agir exatamente da mesma forma em seus respectivos países, gerando as mesmas consequências salariais para os ruritanos. Porém, o que é mais importante, eles deixariam de fazer investimentos futuros na Ruritânia. Não faria sentido comprar ativos ruritanos se é impossível expatriar as receitas. Já deve estar claro para o leitor bem informado que apenas isso já é um argumento forte contra tais intervenções. Nenhum país pode melhorar sua situação caso proíba a importação de capitais. Desencorajar tais investimentos significa reduzir os próprios salários.
Ademais, não se deve imaginar a expressão “exportações de capital” em termos muito estritos. Praticamente qualquer bem pode ser um capital. Exportação de capital não ocorre somente quando máquinas e outros equipamentos industriais são enviados ao exterior. Ela também ocorre quando uma moeda é trocada por outras moedas ou quando bens de consumo são exportados. Um rigoroso controle sobre a exportação de capital, portanto, requer um controle governamental sobre todas as trocas estrangeiras e sobre todo o comércio de uma nação. Em suma, requer o controle governamental sobre todas as transações econômicas envolvendo residentes e estrangeiros.
Donde se conclui que o comércio exterior teria de ser reduzido a uma fração do que é atualmente. Trata-se de um grande erro supor que essa intervenção afetaria apenas as importações. Como John Stuart Mill e muito outros demonstraram, é impossível você reduzir suas importações sem que com isso você também tenha de reduzir suas exportações. Consequentemente, os salários irão reduzir em praticamente todas as indústrias voltadas para a exportação.
À luz dessas considerações, torna-se claro que uma política de restrição da livre mobilidade de capitais para fora da Ruritânia não faria com que o atual estoque de capital no país fosse preservado. Consequentemente, isso não impediria uma queda nos salários do país. Tal política gera tendências que agem contra suas intenções. A única questão remanescente é se os efeitos líquidos de tal restrição são positivos ou negativos. A resposta é que eles certamente serão negativos no longo prazo; e mesmo no curto prazo eles tendem a ser mais negativos do que positivos.
No longo prazo, é inevitável que as consequências inesperadas do bloqueio à livre movimentação de capital tornem-se muito maiores do que seus benefícios de curto prazo. Impedir que o capital da Ruritânia mova-se para países estrangeiros, onde eles podem ser aplicados com maiores retornos, significa privar os ruritanos da importação de produtos baratos. Significa privá-los dos benefícios trazidos pela divisão do trabalho em larga escala. O protecionismo produz pobreza.
E mesmo no curtíssimo prazo os efeitos líquidos tendem a ser negativos. À luz da nossa análise acima, certamente não se pode afirmar que eles são positivos. E, até agora, supomos que essas novas políticas seriam imediatamente aplicadas. Entretanto, é ingenuidade imaginar que as exportações de capital podem ser impedidas, principalmente quando se sabe que há retornos altos esperando logo ali além da fronteira. Em qualquer cenário desse tipo, teríamos de assumir que um enorme mercado negro iria rapidamente se desenvolver, e que a corrupção e o crime organizado viriam a reboque.
Observe que essas são considerações puramente práticas. Impedir os movimentos de capital simplesmente não faz sentido algum. A consequência inevitável é a ampliação dos mesmos malefícios que a proibição procura combater, além de uma infinidade de outros males que serão criados paralelamente.
Conclusão: o Grande Parênteses
Há alguns anos, o historiador francês Jean Baechler observou que o período compreendido entre o início da Primeira Guerra Mundial e a derrocada do império soviético em 1991 foi um “grande parênteses” na história ocidental. Podemos acrescentar: foi também um grande parênteses nas relações econômicas internacionais. Durante esse período — uma era de revoluções e guerras em grande parte do resto do mundo — os Estados Unidos eram virtualmente o único lugar seguro para se investir o capital. Muitas pessoas perceberam isso, e muitas aplicaram seu dinheiro nos EUA. A prosperidade americana dos últimos noventa anos foi, portanto, e em grande parte, uma prosperidade emprestada. De todos os cantos do mundo, capitalistas perseguidos levavam seu dinheiro para os EUA. Dentre os beneficiários deste aumento — de certa forma artificial — do estoque de capital estavam os assalariados americanos.
Agora esse período está chegando ao fim. O parênteses está sendo fechado e as coisas estão retornando ao seu estado normal. O capital está começando a sair dos países capitalistas desenvolvidos e se difundindo por outras regiões da economia mundial, certamente para o benefício dessas áreas; porém, em última instância, para o benefício de toda a humanidade. É possível que os americanos vivenciem uma redução salarial por alguns anos. Porém, eles serão imprudentes caso permitam que esse temor sobrepuje um julgamento sóbrio da situação. O livre comércio não é meramente uma política digna de um país livre. Ele também é, de um ponto de vista mais estreito e materialista, muito superior à sua única alternativa lógica: permitir que o governo destrua o comércio e a divisão mundial do trabalho.