Os problemas de preços e de custos também foram tratados por métodos matemáticos. Houve até mesmo economistas que sustentaram que o único método apropriado para lidar com problemas econômicos é o método matemático; escarneciam os economistas lógicos chamando-os de “literários”.
– Ludwig von Mises, Ação Humana
Se não um economista, o que sou? Uma aberração ultrapassada cujo papel funcional no esquema geral das coisas já virou história? Talvez eu deva aceitar essa avaliação, aposentar-me graciosamente, e, com um bafo alcoólico, ir plantar minhas couves. Eu até faria isso — se os modernos tecnocratas tivessem realmente produzido “melhores” ratoeiras econômicas. Entretanto, ao invés de evidências de progresso, vejo uma contínua erosão do capital intelectual (e social) que foi acumulado pela “economia política” em seus melhores momentos.
– James Buchanan, What Should Economists Do?
A economia mainstream atual — economia neoclássica — é inteiramente matemática. A vasta maioria dos artigos em jornais acadêmicos está cheia de notações matemáticas. Abordagens não-matemáticas do assunto são normalmente vistas como pouco científicas e imprecisas.
No entanto, o sucesso da abordagem matemática em dar alguma guinada efetiva na ciência econômica tem sido mínimo. Mesmo Bryan Caplan, um crítico da economia austríaca, admite que “[Abordagens matemáticas] tiveram cinqüenta anos de hegemonia crescente nas ciências econômicas. A evidência empírica da contribuição desse método é decididamente negativa.”
Isso trouxe vários desafios ao mainstream. A parte da teoria neoclássica que está freqüentemente sob ataque é a suposição de que sempre há um comportamento econômico racional. A noção neoclássica de racionalidade postula que o comportamento humano deve ter os mesmos resultados de um computador que calcula como empregar certos “parâmetros” de modo a atingir um resultado “ótimo”. E sempre há um grande número de trapaças e manipulações em relação a quais devem ser os parâmetros utilizados, ou qual exatamente deve ser o ajuste considerado ótimo. A resposta neoclássica a esses desafios aos seus paradigmas é: modificar os modelos atuais, introduzindo novos parâmetros; ou modificar o ajuste que deve ser considerado o ótimo. Talvez um parâmetro “altruísmo” iria modificar o grau de egoísmo que os modelos aparentemente sugerem, ou a adição de alguma quantia de “conformidade social” ao resultado desejado poderia explicar melhor as fantasias correntes. Mas algumas das críticas vão ainda mais a fundo: a matemática, conquanto seja útil para a economia, não pode transmitir os princípios da ação humana.
Mises explicou o abismo fundamental entre a praxeologia econômica e a matemática em Ação Humana:
A lógica e a matemática lidam com um sistema ideal de pensamento. Suas relações e implicações são coexistentes e interdependentes. Podemos também dizer que são síncronas ou que são atemporais. Uma mente perfeita poderia compreendê-las, todas ao mesmo tempo. A incapacidade da mente humana em realizar esta síntese faz do pensamento em si uma ação, que progride, passo a passo, de um estado menos satisfatório de menor conhecimento para um outro estado mais satisfatório, de maior conhecimento. Não obstante, é preciso não confundir a ordem temporal na qual o conhecimento é adquirido com a simultaneidade lógica de todas as partes que integram um sistema dedutivo apriorístico. Em tal sistema, as noções de anterioridade e conseqüência são apenas metafóricas, pois não se referem ao sistema, mas sim à nossa própria ação intelectiva. O sistema lógico em si não implica as noções de tempo nem de causalidade. Há uma correspondência funcional entre seus elementos, mas não há nem causa, nem efeito.
A distinção epistemológica entre o sistema lógico e o sistema praxeológico consiste exatamente no fato de que este pressupõe as categorias tempo e causalidade.
Peguemos uma famosa descoberta matemática, o teorema de Pitágoras, como um exemplo do que Mises falou acima. Como os estudantes de geometria bem sabem, o teorema diz que há uma relação imutável entre os três lados de um triangulo reto, em que a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa (a2+b2=c2). Nenhum dos catetos de um triângulo determina o comprimento do outro cateto. A equação de Pitágoras não tem qualquer relação temporal com o infinito número de triângulos que ela descreve. Não precisamos ir a fundo e questionar se fórmulas matemáticas existem independentemente da mente humana. Em ambos os casos — uma vez entendida a relação de Pitágoras —, o universo de triângulos retos e a relação de seus lados com todos os outros fatos geométricos são apenas aspectos de uma forma ideal e completamente atemporal. Apesar de que nossas limitadas mentes devem abordar esses aspectos parceladamente, a própria existência desses aspectos é simultânea à noção própria de “triângulo reto”, e nenhum desses aspectos é anterior a qualquer outro aspecto da forma ideal — e nem possuem qualquer relação causal entre si.
A ação humana é algo diferente. Da mesma maneira que a idéia de um triângulo reto subentende o teorema de Pitágoras, a idéia da ação humana subentende a idéia do “antes” e do “depois”, a “causa” e o “efeito”. Não é possível entender os planos humanos sem antes entender que houve um passado, e que este passado forneceu o solo no qual as sementes da ação puderam ser plantadas pelo agente humano; há um presente durante o qual a semeadura pode se realizar; e há um futuro no qual o agente espera colher os frutos de qualquer ação. Similarmente, devemos entender que o agente espera que a sua ação gerará o efeito desejado – caso contrário, ele não teria agido.
Enxergar a economia como se ela fosse uma fórmula matemática seria coerente apenas se estivéssemos fazendo, por exemplo, o estudo de um estado de equilíbrio em torno do qual a economia pode gravitar. Mas usar fórmulas matemáticas para explicar a ação humana apenas cria confusão, pois elas não levam em conta as reais escolhas humanas, o principal fenômeno que distingue a economia das outras disciplinas.
Vejamos um exemplo. O livro-texto de microeconomia, Price Theory, de Steven Landsburg, diz aos estudantes que:
É importante distinguir entre causas e efeitos. Para um demandante ou ofertante individual, o preço é tido como dado e é quem vai determinar a quantidade demandada ou fornecida. Para o mercado como um todo, as curvas de demanda e oferta determinam simultaneamente o preço e a quantidade.
Landsburg está dizendo aos estudantes que eles não devem pensar que os preços são determinados pelas ações dos indivíduos — os indivíduos simplesmente encaram os preços como algo dado. Assim, de acordo com Landsburg, são as abstratas noções matemáticas das curvas de oferta e demanda que “simultaneamente” determinam o que ocorre no mercado.
Podemos concordar com Landsburg que realmente é importante fazer uma distinção entre causas e efeitos. Mas ao mesmo tempo devemos sustentar que, do ponto de vista da ciência da ação humana, ele entendeu tudo ao contrário. Preços e quantidades apenas se alteram como resultado da ação humana. De onde mais poderia surgir um novo preço que não de uma proposta, de um lance, feito por um agente humano? Ou mesmo de pressões para se vender acima ou abaixo do preço de mercado? É exatamente o empenho dos indivíduos em melhorar suas condições, face a um futuro incerto, que comanda o processo de mercado.
Landsburg é forçado a adotar essa postura estranha por causa do seu desejo de explicar a ação humana através de equações matemáticas. E essas equações são incapazes de levar em consideração quaisquer decisões humanas criativas baseadas nas categorias de causa, efeito, antes e depois. O que elas descrevem é um mundo de correlações atemporais em que a causalidade está ausente. Intenções humanas não têm qualquer importância nesse modelo, pois ele assume que todos os humanos só podem aceitar as coisas como dadas. Confrontado com a possibilidade de ter de reconhecer as limitações do seu modelo, Landsburg optou simplesmente por eliminar a ação humana da ciência econômica.
O fato de que as curvas de oferta e demanda podem nos dar uma idéia grosseira do comportamento do mercado é um efeito da ação humana, e certamente não a causa dela. Ninguém age com o intuito de trazer a oferta e a demanda para um equilíbrio. As pessoas agem no mercado com a intenção de lucrar, no sentido mais amplo da palavra: elas comercializam porque sentem que estarão melhor após a troca, em relação a como estavam antes da troca. Que o resultado dessa busca por lucros acabe por igualar a oferta à demanda é simplesmente um não-intencionado subproduto dos reais objetivos dos agentes. Como Hayek disse em Individualismo e Ordem Econômica, “a teoria moderna do equilíbrio competitivo assume que uma situação simplesmente existe; e assim, uma explicação verdadeira deve ser criada para esclarecer os efeitos do processo competitivo”.
Com o intuito de deixar a teoria econômica mais acessível ao tratamento matemático, os economistas neoclássicos removem o tema principal da praxeologia econômica, a ação humana, de suas teorias. Mises diz,
Ora, o economista matemático não acrescenta nada à elucidação do processo de mercado. Limita-se a descrever um modelo auxiliar que é utilizado pelos economistas lógicos como um conceito limite, ou seja, como uma descrição de um estado de coisas no qual não haja mais ação e o processo de mercado atinja completa imobilidade. Sua contribuição resume-se a isto. Aquilo que o economista lógico descreve em palavras quando define as construções imaginárias do estado final de repouso e da economia uniformemente circular — e que o próprio economista matemático também tem que descrever em palavras antes de iniciar suas operações matemáticas — é transformado em símbolos algébricos. Em suma: trata-se de uma analogia superficial que foi levada muito além do que deveria ter sido. (Ação Humana)
O estudo das correlações fornecidas por descrições matemáticas dos eventos é o princípio básico da física e da química, pois nesses campos podemos determinar as constantes de correlação que nos permitem fazer prognósticos. Estamos certos de que os elétrons não irão repentinamente decidir que não mais se sentem atraídos por prótons, e que o oxigênio não chegará à conclusão de que realmente prefere se coligar a três moléculas de hidrogênio, ao invés de a só duas.
Tais constantes estão ausentes na ação humana. O tema principal da economia, na visão austríaca, é a lógica dos eventos econômicos, não a correlação existente entre eles. O estudo dessas correlações é assunto para a história econômica e nunca irá revelar leis fundamentais da economia, exatamente por causa da ausência de constantes. Se determinarmos que, no ano passado, um aumento de 10¢ no preço do pão resultou em uma redução de 2% na demanda — em termos neoclássicos, medimos a elasticidade da demanda por pão —, isso não quer dizer que vai acontecer a mesma coisa caso haja outro aumento de 10¢ no preço do pão neste ano.
Equações matemáticas podem ser úteis para modelar o resultado de pessoas que repetem mecanicamente movimentos previamente elaborados. Uma vez que um rebatedor de baseball decide girar em torno de si próprio durante um arremesso feito contra ele, podemos usar uma equação que, baseando-se na força inicial que o rebatedor decide aplicar no bastão, é capaz de predizer o progresso da jogada. No entanto, essa equação será de pouco uso para prever se o rebatedor irá mudar de estratégia e, assim, decidir não mais girar em torno de si.
Similarmente, o preço relativo de duas ações durante uma fusão corporativa pode se mover de acordo com as previsões feitas por um modelo matemático, durante algum tempo. Mas caso os participantes obtenham conhecimento de algo que altere suas percepções a respeito da fusão, o preço relativo das ações pode diferir enormemente do prognóstico feito pelo modelo. Se surgirem rumores indicando que a fusão pode ser cancelada, o preço relativo do vendedor pode despencar. Corretores que fazem arbitragem devem empregar o seu discernimento histórico como forma de tentar de se antecipar à reação dos outros participantes do mercado às notícias. Depois que uma reavaliação tiver sido feita, um novo fator de risco para uma eventual falha da transação deve ser inserido ao modelo, que pode voltar a funcionar razoavelmente bem. No entanto, o modelo não pode capturar a mudança de percepção, que é quando ocorre o início da criação de um novo plano. E as implicações desse planejamento representam exatamente o tema da economia austríaca. Esse é o momento da escolha humana, já que o plano deve almejar um objetivo ao mesmo tempo em que deixa outros de lado, e deve escolher alguns meios para se atingir aquele objetivo enquanto se rejeita outros. A economia matemática modela as fases dos mercados quando planos não estão sendo criados ou revisados; em outras palavras, quando os eventos que são de interesse dos economistas austríacos, as escolhas humanas, estão ausentes.
Apesar de tudo o que foi dito nesse texto, não se está querendo dizer que a abordagem matemática da economia é inútil; ela apenas não é capaz de capturar a essência da ação humana. O filosofo britânico Michael Oakeshott disse que é possível teorizar sobre um fenômeno particular, considerando-o como sendo ou um sistema mecânico — caracterizado por respostas, mensuráveis e constantes, a certas condições idênticas —, ou uma atividade inteligente, vista como inteligente precisamente por não ser vista como o resultado de um processo mecânico. Comentando sobre essas duas diferentes abordagens às ciências sociais, Oakeshott diz:
[Na formulação de uma] “ciência mecânica da sociedade”. . . uma sociedade é entendida como um processo, ou uma estrutura, ou uma ecologia; isto é, algo “que se movimenta” indiscernivelmente, como um processo genético, uma estrutura química, ou um sistema mecânico. Os componentes desse sistema não são agentes executando ações; são as taxas de natalidade, os grupos etários, as faixas de renda, os quocientes de inteligência, os estilos de vida, os evolutivos “estados da sociedade”, as pressões ambientais, a média das idades mentais, a distribuição no espaço e no tempo, o “número de diplomados”, os padrões de gravidez ou de gastos, os sistemas de educação, as estatísticas referentes a doenças, à pobreza, ao desemprego, etc. E a iniciativa é fazer essas identidades mais inteligíveis em termos de teoremas mostrando suas interdependências funcionais ou relações causais. . . Não é uma tarefa impossível. Mas tem pouco a ver com ações humanas e absolutamente nada a ver com as performances de agentes designáveis. Não importa que digam que pressões ambientais, estilos comportamentais, ou a distribuição de fogões a gás estão correlacionados a ou são a causa de (um aumento da taxa de suicídio? Uma diminuição do uso de detergentes?), esses não são termos em que a escolha de um agente que tenha que fazer isso ao invés daquilo — seja em resposta a uma situação inesperada, seja em um empreendimento para se conseguir uma imaginada e desejada gratificação — possa ser entendida. Somente se houver uma confusão categórica é que essa iniciativa pode fazer parecer que produziu um entendimento das ações e afirmações substantivas de um agente. (On Human Conduct)
A economia austríaca é a economia em que as pessoas são vistas como agentes inteligentes e criativos.