O objetivo de uma sociedade civilizada é o progresso. Para que haja progresso, é necessário haver um aumento na eficiência desta sociedade.
E tal aumento na eficiência é baseado (1) no aumento da acumulação de capital, (2) no aumento da divisão do trabalho, (3) no aumento da especialização, e (4) em um melhor uso do conhecimento descentralizado.
À medida que uma sociedade avança, ela aumenta em complexidade. Esta é a própria essência da ordem social.
Mas a decisiva questão social que atormenta os países de hoje não é esta dicotomia entre “mais complexidade vs. menos complexidade”. A questão é a origem da complexidade. E por que esta questão é importante? Por causa daquilo que permite o aumento da complexidade de uma sociedade: o aumento do seu capital.
Capital são todos os ativos que ajudam a produzir tanto outros ativos quanto bens de consumo. Capital também pode ser entendido como o dinheiro que pode ser utilizado para a produção de bens produtivos. Em ambos os casos, o ativo empregado — o capital — produz um retorno mais do que capaz de cobrir os gastos do proprietário (empreendedores e capitalistas), permitindo que o empreendimento seja autossustentável. Por outro lado, se a atividade não gera lucros, então ela é consumidora por natureza, e não produtiva.
Por exemplo, um automóvel nas mãos de um caixeiro viajante é um capital, pois é a ferramenta de trabalho utilizada para obter um retorno financeiro; já um automóvel nas mãos de um universitário que o utiliza para ir ao cinema não é um capital. Dinheiro, também, pode ser capital ou não, dependendo dos fins para os quais ele é utilizado — para comprar um ativo produtivo ou para comprar um bem de consumo.
Logo, por definição, capital é aquilo que aumenta a produtividade e, em última instância, o padrão de vida de uma sociedade. Exemplos de bens de capital são todos os fatores de produção, como ferramentas, maquinários, edificações, meios de transporte etc., que tornam o trabalho humano mais produtivo.
É a acumulação de capital, portanto, o que financia e permite todos os processos de produção. A acumulação de capital faz isso ao acrescentar complexidade aos arranjos econômicos, o que significa que ela aumenta a especialização. Este capital utilizado deve ser substituído constantemente por meio de novos investimentos. Se a reposição do capital é interrompida, a sociedade entra em declínio.
Sendo assim, é preciso fazer uma distinção entre as atividades que realmente estimulam a acumulação de capital e aquelas que levam ao seu esgotamento. Uma economia em aparente crescimento não irá manter este crescimento caso não haja acúmulo de capital suficiente para sustentar este crescimento. Neste caso, diz-se que o crescimento é artificial, baseado exclusivamente em um aumento da quantidade de dinheiro e crédito que faz gerar a ilusão de enriquecimento. Já uma economia em recessão não sairá da recessão enquanto não acumular o capital necessário para tal.
O principal problema econômico enfrentado pelo mundo atual é a ampla difusão do planejamento central de estilo keynesiano sob os auspícios de burocratas dos governos e seus bancos centrais. O keynesianismo aumentou o nível de subsídios governamentais para praticamente todos os setores da economia. Isto vem tornando os sistemas econômicos mais frágeis. Eles estão sendo geridos e controlados nos mínimos detalhes por comitês de “burocratas especialistas”. Neste sentido, podemos prenunciar algo semelhante a um colapso. O melhor exemplo na história recente ainda é a URSS. Porém, o sistema keynesiano não possui o mesmo estilo soviético em sua intensidade. Trata-se de uma política ‘de meio termo’. Ela pode levar a sérias rupturas econômicas, e irá. Mas falar sobre um total colapso econômico é algo um tanto equivocado.
O livre mercado sabe como contrabalançar políticas errôneas. Indivíduos e empreendedores com melhor conhecimento (em busca do lucro) estarão constantemente substituindo indivíduos com pouco conhecimento (burocrático). Este processo ocorre na margem, “pouco a pouco, linha por linha”. Isto significa que prejuízos econômicos produzem como resposta novas alocações de recursos que beneficiam os consumidores. O gerenciamento burocrático da economia gera colapsos. A liberdade não.
Keynes argumentava, e seus discípulos seguem argumentando, que a causa de um baixo crescimento econômico — e, consequentemente, de um alto desemprego — seria uma insuficiente demanda agregada. Logo, o governo deveria criar vários programas de estímulo e incentivar todo e qualquer tipo de consumismo. Mas falar que o problema é uma baixa demanda agregada é apenas uma outra maneira de dizer que o problema seria um excesso de oferta agregada. O fato de os keynesianos jamais colocarem as coisas desta forma não afeta a verdade analítica do argumento.
O keynesiano é metodologicamente um coletivista. Ele olha apenas para agregados. Ele recomenda programas governamentais que afetem os agregados. Já o economista austríaco é um individualista metodológico. Ele olha para um recurso específico oferecido em um mercado específico em um momento específico.
O keynesiano culpa a baixa demanda agregada pelo baixo crescimento econômico e, consequentemente, pelo desemprego. Ele se concentra no lado da demanda. Logicamente, ele poderia perfeitamente se concentrar também no lado da oferta: a mão-de-obra agregada. Ele poderia, com a mesma facilidade e paixão, clamar por programas governamentais que reduzissem a oferta de mão-de-obra agregada. O fato de ele não fazer isso advém de sua preferência inabalável pelo contínuo aumento dos gastos governamentais. Ele odeia se concentrar em questões do lado da oferta.
Mas qual o problema em se estimular a economia e o emprego por meio de gastos do governo? Porque gastos do governo, ao contrário de estimular o necessário acúmulo de capital, geram seu consumo e consequente esgotamento. Apenas gastos gerados por uma genuína demanda de mercado são saudáveis para uma economia. Apenas uma genuína demanda de mercado pode estimular o acúmulo de capital. Por quê?
A demanda de mercado é gerada e conduzida por consumidores, isto é, por pessoas que voluntariamente decidem o que comprar e o que não comprar com o dinheiro que ganharam com seu próprio esforço. As prioridades dos consumidores determinam o que deve ser produzido no mercado, como deve ser produzido e para quando deve ser produzido. Os financiamentos serão ofertados de acordo com estas preferências.
Já a demanda criada pelos gastos do governo é conduzida por políticos e burocratas. O que quer que eles determinem ser “bom” para a população será produzido de acordo com decretos governamentais, e não de acordo com a real preferência dos consumidores. As prioridades e conveniências eleitorais de políticos e burocratas é que irão determinar quem será beneficiado pelos gastos do governo e o que tais empresas deverão produzir.
A demanda de mercado é satisfeita por empreendedores que incorrem em riscos. Ou eles obtêm êxito em produzir e vender justamente aquilo que os consumidores querem (e, consequentemente, são recompensados por isso), ou eles fracassam e se mostram incapazes de ofertar aquilo que os consumidores queriam (e, consequentemente, pagam o preço por este seu julgamento mal sucedido, incorrendo em prejuízos). Esta constante necessidade de estar sempre tendo de agradar aos consumidores implica necessariamente prudência e poupança para os contínuos investimentos futuros.
Já a demanda do governo é financiada pelo dinheiro extraído via impostos. Os cidadãos pagadores de impostos são obrigados a sustentar os desejos e projetos de uma elite de políticos e burocratas coligada aos grandes setores empresariais, que são poderosos lobistas. Tal demanda, totalmente artificial, gera desperdícios de capital e investimentos insustentáveis, muito embora seja bastante eficiente para encher os bolsos daqueles mais bem conectados politicamente. Nenhum sacrifício é exigido da parte deste grupo beneficiado — todo o capital é confiscado da sociedade e redistribuído entre eles.
A demanda de mercado é cada vez mais restringida por regras e regulamentações governamentais. Pense na miríade de agências reguladoras, secretarias e ministérios que são criados supostamente para se “proteger” o consumidor. Seu único feito é dificultar e obstruir a harmonia dos mercados, sem gerar benefício algum para os consumidores. Uma enorme e crescente quantia de capital é queimada apenas para se adaptar às regulamentações estatais.
Já a demanda do governo é limitada unicamente pela perspectiva de falência da entidade estatal. Ocasionalmente, ela pode também ser limitada pela ação de eleitores mais sensatos. O primeiro cenário é factível apenas na zona do euro. O segundo, por enquanto, em lugar nenhum.
Em situações extremas, uma demanda de mercado (por comida, por exemplo) pode levar a revoluções contra um governo déspota e suas interferências no mercado. Já uma demanda de governo (por bens como armamentos) irá apenas perpetuar seu poder e tirania sobre seu povo.
A demanda de mercado cria empreendimentos lucrativos. Empreendimentos lucrativos geram capital para outros empreendimentos e empregos sustentáveis, que não dependem de estímulos artificiais.
Já a demanda criada por gastos do governo gera apenas empregos improdutivos, isto é, empregos que consomem capital em vez de criar mais capital. Empregos governamentais são um bom exemplo de empregos integralmente sustentados pelos pagadores de impostos. Isto significa que o governo deve confiscar capital de empreendimentos lucrativos para poder criar um emprego consumidor de capital (ou ele pode também pegar dinheiro emprestado, desta forma reduzindo a disponibilidade de financiamento para estes empreendimentos).
A demanda de mercado recompensa aqueles indivíduos produtivos e competentes, que tiveram presciência e souberam satisfazer às demandas dos consumidores. Seus lucros são um sinal de que eles estão sabendo como satisfazer as demandas de seus consumidores. Lucros são um sinal de que o capital está sendo eficientemente empregado. Lucros fornecem capital para outros empreendimentos.
Já a demanda do governo recompensa lobistas, políticos corruptos, burocratas e empresas que possuem grande capacidade de subornar reguladores (ou de serem subornadas). Tudo isso com o capital confiscado dos produtivos.
A demanda de mercado requer apenas uma moeda estável e a menor interferência governamental possível para crescer. Já a demanda do governo requer a criação cada vez maior de dinheiro (inflação) e um contínuo aumento do endividamento e da carga tributária. Todos estes três fatores são destruidores de capital.
A demanda de mercado tem de ser livre das demandas do governo para poder funcionar harmoniosamente. Os consumidores são prioritários em uma economia de mercado.
Já a demanda do governo cresce até o ponto em que a demanda de mercado definhe por completo, pois as demandas de governo — em decorrência do seu monopólio da violência e do poder de polícia — têm prioridade sobre as demandas de mercado.
Além das questões puramente econômicas, qual das duas demandas é a mais moralmente defensável?