Estamos cercados por um grande número de mitos econômicos, mitos que distorcem a noção do público a respeito de problemas importantes e nos levam a aceitar políticas governamentais perigosas e frágeis. Aqui estão dez dos mais perigosos desses mitos e uma análise do que há de errado neles.
Mito 1: Déficits são a causa da inflação; déficits não têm nada a ver com a inflação.
Nas décadas recentes, sempre temos tido déficits federais. A reação invariável do partido fora do poder, qualquer que seja ele, é denunciar esses déficits como sendo a causa da inflação perpétua. E a reação invariável de qualquer que seja o partido no poder tem sido de alegar que déficits não têm nada a ver com a inflação. Ambas as declarações antagônicas são mitos.
Déficits significam que o governo federal está gastando mais do que está recolhendo em impostos. Esses déficits podem ser financiados de duas maneiras. Se eles são financiados pela venda de títulos do Tesouro ao público, então os déficits não são inflacionários. Nenhum dinheiro novo está sendo criado; o público e as instituições simplesmente tiram dinheiro de seus depósitos bancários para pagar pelos títulos, e o Tesouro, então, gasta esse dinheiro. O dinheiro simplesmente foi transferido do público para o Tesouro, que então gastará esse dinheiro com outros membros do público.
Por outro lado, o déficit pode ser financiado pela venda de títulos ao sistema bancário. Quando isso ocorre, os bancos criam novo dinheiro ao criar novos depósitos bancários e usá-los para comprar os títulos. O novo dinheiro, na forma de depósitos bancários, é então gasto pelo Tesouro, e entra, portanto, permanentemente na corrente de gastos da economia, aumentando preços e causando inflação. Através de um processo complexo, o Banco Central possibilita que os bancos criem esse novo dinheiro permitindo que eles gerem reservas bancárias de um décimo daquela quantidade. Assim, se os bancos forem comprar $100 bilhões de novos títulos para financiar o déficit, o Banco Central compra aproximadamente $10 bilhões de títulos velhos do Tesouro. Essa compra aumenta as reservas bancárias em $10 bilhões, permitindo que os bancos, através do multiplicador monetário, criem novos depósitos bancários — ou seja, dinheiro é criado do nada — em uma quantia 10 vezes maior que essa quantidade inicial de $10 bilhões. Em resumo, o governo e o sistema bancário que ele controla acabam, na prática, “imprimindo” dinheiro novo para pagar pelo déficit federal.
Assim, déficits são inflacionários quando são financiados pelo sistema bancário; eles não são inflacionários quando são financiados pelo público.
Alguns governantes apontam para o período de 1982-1983, quando o déficit estava se acelerando e a inflação estava se abatendo, como uma “prova” estatística de que déficits e inflação não têm relação mútua. Isso não é prova alguma. Mudanças de preços gerais são determinadas por dois fatores: a oferta de, e a demanda por, dinheiro. Durante o período de 1982-1983, o Banco Central americano criou dinheiro novo a uma taxa muito alta, a aproximadamente 15% ao ano. Muito desse dinheiro foi para financiar o déficit que estava em expansão. Maspor outro lado, a depressão severa daqueles dois anos aumentou a demanda por dinheiro (isto é, diminuiu o desejo de se gastar dinheiro em bens) como resposta às perdas severas dos negócios. Esse aumento temporário e compensatório na demanda por dinheiro não torna os déficits menos inflacionários. Na verdade, assim que começou a recuperação, o gasto aumentou e a demanda por dinheiro caiu, e o gasto do novo dinheiro acelerou a inflação.
Mito 2: Déficits não têm um efeito de crowding-out no investimento privado.
Em anos recentes tem havido uma compreensível preocupação a respeito da baixa taxa de poupança e investimento nos Estados Unidos. Uma preocupação é que o enorme déficit federal vai desviar poupança para gastos improdutivos do governo, levando a um crowding out do investimento produtivo, gerando dificuldades cada vez maiores para melhorar ou até mesmo para manter o padrão de vida do público, no longo prazo.
Alguns responsáveis por políticas econômicas mais uma vez tentaram refutar essa acusação com estatísticas. Eles declaram que em 1982-1983 os déficits foram altos e crescentes, ao passo que a taxa de juros caiu, indicando, portanto, que déficits não têm um efeito de crowding-out.
Esse argumento mais uma vez mostra a falácia de se tentar refutar a lógica com estatísticas. As taxas de juros caíram devido à queda dos empréstimos ao setor privado em função da recessão. As taxas de juros “reais” (taxa de juros menos a taxa de inflação), porém, permaneceram em níveis altos como nunca antes visto — parcialmente devido ao fato de muitos de nós termos esperado inflação renovada, parcialmente devido ao efeito crowding-out. Em qualquer caso, a estatística não pode refutar a lógica; e a lógica nos diz que, se a poupança vai para os títulos do governo, vai haver necessariamente menos poupança disponível para o investimento produtivo, e as taxas de juros serão maiores do que seriam sem os déficits. Se os déficits são financiados pelo público, então esse desvio da poupança para projetos do governo será direto e palpável. Se os déficits são financiados por inflação bancária, então o desvio é indireto, e o novo dinheiro “impresso” pelo governo vai competir por recursos contra o dinheiro velho poupado pelo público. A tendência é que haja ocrowding-out do dinheiro velho pelo dinheiro novo
Milton Friedman tenta refutar o efeito de crowding-out dos déficits, alegando que todo o gasto governamental, não apenas os déficits, provoca da mesma maneira o crowding-out da poupança privada e do investimento. É verdade que o dinheiro extraído por impostos poderiam ter ido para a poupança privada e para investimentos. Mas os déficits têm um efeito crowding-out bem maior que os gastos gerais, já que os déficits financiados pelo público alteram a poupança e a poupança somente, ao passo que impostos reduzem o consumo do público, assim como a poupança.
Dessa forma, qualquer que seja a forma com que você encare os déficits, eles causam graves problemas econômicos. Se eles são financiados pelo sistema bancário, eles são inflacionários. Mas mesmo se eles forem financiados pelo público, eles ainda causam severos efeitos de crowding-out, pois desviam a tão necessária poupança dos investimentos privados e produtivos para os desperdícios governamentais. E, mais ainda, quanto maiores os déficits, maior será a carga tributária incidente sobre a população para pagar os juros da dívida, um problema agravado pelas altas taxas de juros trazidas pelos déficits inflacionários.
Mito 3: Aumento de impostos é a cura para os déficits.
Aquelas pessoas que estão corretamente preocupadas com os déficits, infelizmente oferecem uma solução inaceitável: aumentar impostos. Curar os déficits através de aumento de impostos é o equivalente a curar a bronquite de alguém dando-lhe um tiro. A “cura” é bem pior do que a doença.
Uma razão, como muitos críticos já apontaram, é que aumentar impostos simplesmente dá mais dinheiro ao governo, e, dessa forma, políticos e burocratas irão provavelmente reagir aumentando os gastos ainda mais. Parkinson disse tudo em sua famosa “Lei”: “Os gastos sobem de encontro à receita.” Se o governo está disposto a ter, digamos, um déficit de 20%, ele vai pegar as altas receitas e vai simplesmente aumentar os gastos ainda mais para manter a mesma proporção do déficit.
Mas mesmo deixando-se de lado esse sutil juízo sobre psicologia política, pergunto: por que alguém deveria acreditar que um imposto é melhor que um aumento de preços? É verdade que a inflação é uma forma de taxação, na qual o governo e aqueles que recebem primeiramente o dinheiro novo estão aptos a expropriarem os outros membros do público, cuja renda nesse processo de inflação só aumenta depois. Mas, ao menos com inflação, as pessoas ainda estão colhendo alguns benefícios da troca. Se o preço do pão vai a $10, isso é lamentável, mas ao menos você ainda pode comer o pão. Mas se os impostos sobem, seu dinheiro é expropriado para os benefícios de políticos e burocratas, e você é deixado de lado, sem receber nenhum serviço ou benefício. O único resultado é que o dinheiro do produtor é confiscado para o benefício de uma burocracia que vai usar parte desse dinheiro confiscado para benefício de seus apaniguados, piorando a situação.
Não, a única cura eficiente para os déficits é simples, porém quase nunca mencionada: cortar o orçamento federal. Como e onde? Em qualquer lugar e em todo o lugar.
Mito 4: Sempre que o Banco Central aperta a oferta monetária, as taxas de juros sobem (ou caem); sempre que o Banco Central expande a oferta monetária, as taxas de juros sobem (ou caem).
O jornalismo financeiro agora entende de economia o suficiente para ficar observando semanalmente, como falcões, os números da oferta monetária; mas ele inevitavelmente interpreta esses números de uma forma caótica. Se a oferta monetária aumenta, isso é interpretado como uma queda dos juros e, logo, inflacionário; isto também é interpretado, frequentemente no mesmo artigo, como um aumento nos juros. E vice versa: se o Banco Central contrai o crescimento de dinheiro, isto é interpretado tanto como um aumento dos juros quanto como uma queda nos juros. Algumas vezes, parece que todas as ações do Banco Central, não importa o quão contraditórias sejam, devem resultar em aumento da taxa de juros. Claramente algo está muito errado aqui.
O problema é que, assim como no caso do nível de preços, existem vários fatores causais operando nas taxas de juros, e em direções diferentes. Se o Banco Central expande a oferta monetária, ele faz isso gerando mais reservas bancárias, expandindo assim a oferta de créditos bancários e depósitos bancários. A expansão do crédito necessariamente significa um aumento da oferta no mercado de crédito e, logo, uma queda no preço do crédito, ou da taxa de juros. Por outro lado, se o Banco Central restringe a oferta de crédito e o aumento da oferta monetária, isso significa que a oferta no mercado de crédito declina, o que leva a um aumento da taxa de juros.
E isso é precisamente o que acontece na primeira década, ou em duas, de inflação crônica. Uma expansão do Banco Central diminui as taxas de juros; uma contração do Banco Central as aumenta. Mas após esse período, o público e o mercado começam a perceber o que está acontecendo. Eles começam a perceber que a inflação é crônica devido à expansão sistêmica da oferta monetária. Quando eles perceberem esse fato, eles também vão perceber que a inflação prejudica o credor em benefício do devedor. Assim, se alguém arruma um empréstimo a 5% ao ano, e a inflação é de 7% para aquele ano, o credor perde com isso, ao invés de ganhar. Ele perde 2%, já que ele é pago de volta com dólares que agora têm 7% menos de poder de compra. Dessa maneira, é o devedor quem ganha com a inflação. Assim que os credores começam a perceber as coisas, eles colocam um prêmio de inflação na taxa de juros, e os devedores estarão dispostos a pagá-lo. Assim, no longo prazo, qualquer coisa que alimente as expectativas de inflação irá aumentar os prêmios de inflação nas taxas de juros; e qualquer coisa que arrefeça essas expectativas irá diminuir esses prêmios. Portanto, uma contração do Banco Central tenderá agora a arrefecer as expectativas inflacionárias e diminuir as taxas de juros; uma expansão do Banco Central vai estimular essas expectativas novamente e aumentar os juros. Portanto, existem duas correntes opostas em ação que causam essas reações. E, assim, a expansão ou a contração do Banco Central podem tanto aumentar quanto diminuir as taxas de juros, dependendo de qual corrente é a mais forte.
E qual delas será a mais forte? Não há maneira de saber ao certo. Nas primeiras décadas de inflação, não haverá prêmio de inflação; mas nas últimas décadas, como nessa na qual estamos, haverá. A força relativa e o tempo de reação dependem das expectativas subjetivas do público, e essas não podem ser previstas de maneira exata. E essa é uma razão pela qual previsões econômicas jamais podem ser feitas corretamente.
Mito 5: Economistas, usando gráficos ou modelos computacionais avançados, podem acuradamente prever o futuro.
O problema de prever as taxas de juros ilustra as armadilhas de se fazer previsões em geral. As pessoas são criaturas contraditórias cujos comportamentos, ainda bem, não podem ser previstos antecipadamente. Suas valorações, idéias, expectativas e conhecimentos mudam a todo momento, e mudam de maneira imprevisível. Qual economista, por exemplo, poderia ter previsto (ou realmente previu) a febre do Cabbage Patch Kid[1] no natal de 1983? Cada quantia econômica, cada preço, compra, ou renda são números que englobam milhares, até mesmo milhões, de escolhas imprevistas feitas por indivíduos.
Muitos estudos, formais e informais, têm sido feitos sobre a capacidade de previsão dos economistas, e os resultados são desanimadores. Esses previsores alegam que eles poderiam acertar sempre, desde que as tendências atuais continuassem indefinidamente; o que eles têm dificuldades em fazer é justamente perceber essas mudanças de tendência. Mas é claro que não há nada de especial em extrapolar tendências atuais para o futuro próximo. Você não precisa de modelos computacionais sofisticados para isso; você pode fazer melhor e bem mais barato usando simplesmente uma régua de cálculo. O grande lance está em precisamente prever quando e como as tendências vão mudar, e os previsores têm sido notoriamente ruins nisso. Nenhum economista previu a seriedade da depressão de 1981-1982, e nenhum previu a força do boom de 1983.
Da próxima vez que você for influenciado pelo jargão ou pela aparente perícia de um previsor econômico, faça uma pergunta a si próprio: se ele realmente pode prever o futuro tão bem, por que ele está perdendo tempo divulgando circulares ou fazendo consultoria quando ele próprio poderia estar ganhando trilhões de dólares nos mercados financeiro e de commodities?
Mito 6: Há um tradeoff entre desemprego e inflação.
Sempre que alguém pede que o governo abandone suas políticas inflacionistas, políticos e economistas pró-establishment alertam que o resultado inevitavelmente será um severo desemprego. Estamos, portanto, presos em jogo entre inflação versus alto desemprego — e ficamos persuadidos de que temos que aceitar um dos dois.
Essa doutrina é um refúgio para keynesianos. Originalmente, os keynesianos nos prometeram que, ao manipular os déficits e gastos governamentais, fazendo uma sintonia-fina neles, eles poderiam e iriam nos trazer prosperidade permanente e pleno emprego sem inflação. Então, quando a inflação se tornou crônica e cada vez maior, eles mudaram o tom e passaram a alertar sobre o alegado tradeoff, de modo a enfraquecer qualquer possível pressão feita com o intuito de pedir que o governo parasse sua criação inflacionária de dinheiro.
A doutrina do tradeoff é baseada na “Curva de Phillips,” uma curva inventada muitos anos atrás pelo economista britânico A.W. Phillips. Phillips correlacionou aumento nos salários com desemprego, e alegou que os dois se moviam inversamente: quanto maior o aumento nos salários, menor o desemprego. De cara, essa é uma doutrina peculiar, já que vai de encontro à lógica teórica e ao senso comum. A teoria nos diz que quanto maior os salários, maior o desemprego, e vice versa. Se todos fossem aos seus empregadores amanhã e insistissem em dobrar ou triplicar os salários, muitos ficariam imediatamente sem emprego. Ainda assim, esse achado bizarro foi aceito como um evangelho pelo establishment econômico keynesiano.
Hoje, já deveria estar claro que esse achado estatístico viola os fatos, bem como a teoria lógica. Durante a década de 1950, a inflação foi de apenas um ou dois por cento, e o desemprego flutuou entre três e quatro por cento. Depois, o desemprego atingiu entre oito e 11%, e a inflação entre cinco e 13%. Nas últimas duas ou três décadas, em resumo, ambos o desemprego e a inflação aumentaram abrupta e severamente. Se houve algo, nós tivemos foi uma curva de Phillips reversa. Houve qualquer coisa, menos um tradeoff entre inflação e desemprego.
Mas ideólogos raramente encaram os fatos, mesmo que eles continuamente aleguem “testar” suas teorias com fatos. Para salvar o conceito, eles simplesmente concluíram que a curva de Phillips ainda permanece um tradeoff entre inflação e desemprego, exceto que agora a curva inexplicavelmente se “moveu” para um novo arranjo de alegados tradeoffs. Sob esse tipo de argumentação, é claro, ninguém poderia jamais refutar qualquer teoria.
De fato, a inflação corrente, mesmo que ela reduza o desemprego no curto prazo ao fazer com que os preços aumentem bem mais que os salários (portanto reduzindo os salários reais), vai apenas criar mais desemprego no longo prazo. Em algum momento, os salários vão passar a subir junto com a inflação — e toda inflação inevitavelmente traz recessão e desemprego em seu rastro. Depois de mais de duas décadas de inflação, estamos agora vivendo esse “longo prazo.”
Mito 7: Deflação — queda de preços — é impensável, e causaria uma catastrófica depressão.
A memória do público é curta. Esquecemos que, do início da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, até o início da Segunda Guerra Mundial, os preços geralmente caíram, ano após ano. Isso porque um contínuo aumento da produtividade e da produção de bens, gerado pelo livre mercado, levou a uma queda nos preços. Não houve depressão, no entanto, já que os custos caíram junto com os preços de venda. Em geral, os salários permaneceram constantes, enquanto que o custo de vida caiu — de tal forma que os salários “reais”, ou o padrão de vida de todos, aumentou constantemente.
Praticamente a única época em que os preços subiram, naqueles dois séculos, foi em períodos de guerra (Guerra de 1812, Guerra Civil, Primeira Guerra Mundial). Os governos em guerra inflaram descontroladamente a oferta monetária para pagar pela guerra, de modo que essa inflação foi bem maior do que os ganhos em produtividade — o que levou ao aumento dos preços.
Podemos ver como o capitalismo de livre mercado — quando não oprimido por inflação do governo ou de um banco central — funciona se olharmos para o que tem acontecido nos últimos anos com o preço dos computadores. Mesmo um simples computador costumava ser enorme, custando milhões de dólares. Agora, com o incrível surto de produtividade trazido pela revolução do microchip, os preços dos computadores estão caindo nesse mesmo momento em que escrevo. A indústria computacional tem tido sucesso apesar da queda dos preços porque seus custos têm caído, e a produtividade, subido. Na verdade, essa queda de custos e de preços permitiu a ela produzir para uma variada massa de consumidores, uma característica do crescimento dinâmico do capitalismo de livre mercado. A “deflação” não trouxe nenhum desastre para a indústria.
O mesmo ocorre para outras indústrias com alto crescimento, como a de calculadoras eletrônicas, aparelhos de TV, e videocassetes. Deflação, longe de trazer uma catástrofe, é a marca tradicional de um crescimento econômico sadio e dinâmico.[2]
Mito 8: O melhor imposto é o imposto de renda “flat” (de alíquota única), proporcional à renda para todos os segmentos, sem isenções ou deduções.
Geralmente os proponentes do imposto “flat” acrescentam que, eliminando tais isenções, o governo federal poderia diminuir substancialmente a alíquota corrente.
Mas essa visão, pra começar, assume que as deduções atuais do imposto de renda são subsídios imorais ou “meios de evasão” (loopholes) que devem ser extintos pelo bem de todos. Uma dedução ou isenção somente é um “meio de evasão” se você assumir que o governo é dono de 100% da renda de uma pessoa — e que permitir que parte daquela renda permaneça isenta de taxação constitui um irritante “meio de evasão.” Permitir que uma pessoa mantenha parte de sua própria renda não é nem um “meio de evasão” nem um subsídio. Diminuir a carga tributária total abolindo deduções para gastos com saúde, pagamento de juros, ou perdas que não estavam seguradas, é simplesmente baixar os impostos para um grupo de pessoas (aqueles que têm poucos gastos com saúde, ou poucos juros à pagar, ou pequenas perdas sem seguro) às custas de aumentá-los para aqueles incorreram em tais gastos.
Não há também nenhuma garantia, nem mesmo probabilidade, de que, uma vez que as isenções e deduções estiverem seguramente fora do caminho, o governo vá manter sua carga tributária nesse nível mais baixo. Vendo os antecedentes de governos, antigos e atuais, há toda razão para pressupor que mais do nosso dinheiro seria levado pelo governo assim que ele aumentasse a alíquota de volta (no mínimo) ao nível anterior, consequentemente sugando uma maior quantidade de recursos dos produtores para a burocracia.
Supõe-se que o sistema tributário deveria ser análogo àquele de preços ou rendimentos no mercado. Mas a precificação no mercado não é proporcional às rendas. Seria um mundo peculiar se, por exemplo, Rockefeller fosse forçado a pagar $1,000 por um pedaço de pão — isto é, um pagamento proporcional à sua renda em relação ao homem comum. Isso significaria um mundo no qual a igualdade de renda seria forçada de uma maneira particularmente bizarra e ineficiente. Se um imposto fosse aplicado como um preço de mercado, ele seria igualpara todo “consumidor,” e não proporcional à renda de cada consumidor.
Mito 9: Um corte no imposto de renda ajuda a todos; não apenas o contribuinte, mas também o governo vai se beneficiar, já que as receitas vão aumentar quando a taxa for cortada.
Esta é a chamada “curva de Laffer,” criada pelo economista californiano Arthur Laffer. Ela foi promovida como um meio de permitir que políticos pudessem fazer o impossível: cortar impostos, manter os gastos em níveis correntes, e equilibrar o orçamento. Tudo ao mesmo tempo. Dessa maneira, o público iria desfrutar de um corte de impostos, se deliciaria com um orçamento equilibrado, e ainda receberia o mesmo nível de subsídios do governo.
É verdade que se as alíquotas de imposto fossem de 99%, e daí fossem cortadas para 95%, as receitas iriam aumentar. Mas não há nenhuma razão para crer em tais simples conexões em outras situações. Na verdade, essa relação funciona bem melhor para um imposto sobre o consumo em nível local do que para um imposto de renda nacional. Alguns anos atrás, o governo do Distrito de Columbia decidiu aumentar a receita simplesmente aumentando severamente o imposto sobre a gasolina. Não funcionou, pois os motoristas podiam simplesmente atravessar a fronteira com a Virginia ou com Maryland e encher o tanque a um preço bem menor. As receitas do imposto sobre a gasolina em D.C. caíram e, para grande vexame e assombro dos burocratas de D.C, eles tiveram que revogar o imposto.
Mas não é provável que isso aconteça com o imposto de renda. As pessoas não vão parar de trabalhar ou deixar o país por causa de um relativamente pequeno aumento de impostos, ou fazer o inverso por causa de um corte de impostos.
Há outros problemas com a curva de Laffer. A quantidade de tempo que se deve esperar para que o efeito Laffer ocorra nunca é especificada. Mas ainda mais importante: Laffer supõe que o que todos nós queremos é maximizar a receita de impostos para o governo. Se — e um grande se — nós estamos realmente na metade de cima da Curva de Laffer, todos nós deveríamos então querer ajustar as alíquotas de impostos para aquele ponto “ótimo.” Mas por quê? Por que deveria ser o objetivo de cada um de nós maximizar a receita do governo? Por que, em resumo, estaríamos interessados em elevar ao máximo a fatia do produto privado que é canalizado para as atividades do governo? Eu penso que estaríamos mais interessados em minimizar a receita do governo derrubando as alíquotas de impostos para em nível muito, muito abaixo de qualquer que seja o nível de Ótimo de Laffer.
Mito 10: Importação de países onde a mão-de-obra é barata provoca desemprego nos Estados Unidos.
Mas o que dizer de certas indústrias nos EUA que reclamam barulhenta e cronicamente sobre a “injusta” competição de produtos de países com mão-de-obra barata? Aqui, devemos ter em mente que os salários em cada país são interconectados entre uma indústria — sua ocupação e região — e outra. Todos os trabalhadores competem entre si, e se os salários na indústria A são bem menores que em outras indústrias, os trabalhadores — liderados por jovens trabalhadores começando suas carreiras — iriam sair da indústria A, ou se recusar a ir pra ela, e se dirigir para outras empresas ou indústrias onde o salário é maior.
Dessa forma, os salários nessas indústrias que estão reclamando estão altos devido à competição de todas as outras indústrias nos EUA. Se as indústrias siderúrgicas ou têxteis nos EUA acham difícil competir com suas concorrentes estrangeiras, não é porque as indústrias estrangeiras estão pagando baixos salários, mas porque outras indústrias americanas forçaram para cima os salários americanos a um nível tão alto que as siderúrgicas e as têxteis não estão conseguindo pagar. Em resumo, o que realmente está acontecendo é que siderúrgicas, têxteis e outras firmas do tipo estão usando mão-de-obra ineficientemente em comparação às outras indústrias americanas. Tarifas ou cotas de importação para manter empresas ineficientes ou indústrias em operação são ruins para todo mundo — em cada país — que não está naquela indústria. Elas prejudicam todos os consumidores do país, pois mantêm os preços altos, a qualidade e a concorrência baixas, e distorcem a produção. Uma tarifa ou uma cota de importação é o equivalente a fatiar uma estrada de ferro ou destruir uma companhia aérea, já que a idéia é fazer com que o transporte internacional seja artificialmente caro.
Tarifas e cotas de importação também prejudicam outras indústrias eficientes, pois restringem recursos que de outra forma iriam para usos mais eficientes. E, no longo prazo, tarifas e cotas, como qualquer tipo de privilégio monopolista garantido pelo governo, não garantem lucros nem para as empresas que estão sendo protegidas e subsidiadas, pois, como já vimos nos casos das estradas de ferro e das companhias aéreas, indústrias que gozam de monopólios garantidos pelo governo (sejam através de tarifas ou regulamentações) acabam se tornando tão ineficiente que elas perdem dinheiro de qualquer jeito, e acabam limitadas a ficar somente clamando por mais e mais ajuda do governo, por uma proteção privilegiada, perpétua e sempre em expansão contra a livre concorrência.
[1] Marca de bonecas de grande sucesso nos EUA, que chegava a gerar brigas entre clientes que disputavam, às vezes no tapa, seus raros estoques nas lojas. Ver mais detalhes aqui. (N. do T.)