A ideia corrente entre economistas desenvolvimentistas e keynesianos é que todas as agruras econômicas de um país podem ser rapidamente resolvidas por uma simples desvalorização da taxa de câmbio. Ao se desvalorizar o câmbio, dizem elas, as exportações são estimuladas e, liderada por um aumento nas exportações, a indústria volta a produzir e, por conseguinte, toda a economia volta a crescer.
Ainda segundo os defensores da desvalorização cambial, uma moeda depreciada permite aos exportadores reduzirem os preços de suas mercadorias no mercado internacional — o que os ajuda a abocanhar novas fatias de mercado — ao mesmo tempo em que suas receitas e seus lucros também aumentam. E isso traria ramificações positivas para a economia doméstica.
O problema, obviamente, é que este raciocínio olha apenas um lado da equação e ignora absolutamente todo o resto da economia. Ele olha apenas para os efeitos diretos, mas ignora totalmente todos os outros efeitos indiretos.
Um exemplo simples ajuda a entender o real problema. Suponha que a taxa de câmbio do seu país seja de 1 real para 1 dólar, e que os exportadores do seu país estejam vendendo seus produtos por US$ 100 no mercado americano. Nesse caso, os US$100 se convertem em R$ 100 de receita. Suponha também que os custos de produção foram de R$ 80. Logo, o lucro é de R$ 20 por produto exportado.
Suponha agora que o real se deprecie 50%, de modo que a nova taxa de câmbio passa a ser de R$ 1,50 por dólar [Nota do IMB: isso foi exatamente o que ocorreu no início de 1999, em total prejuízo da esmagadora maioria da população brasileira].
Logo de imediato, o exportador pode reduzir seu preço no mercado internacional para US$ 66,66 e ainda assimmanter a mesma receita em reais. Ele de fato ganhou uma vantagem competitiva sobre seus rivais estrangeiros, gerando benefícios para o setor industrial doméstico.
O problema é que a análise keynesiana/desenvolvimentista pára por aí e já dá o argumento por encerrado. Só que, infelizmente, o mundo real é um pouco mais complicado do que uma análise rápida e simplista.
O primeiro grande problema é que, no mundo globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores. Para fabricar, com qualidade, seus bens exportáveis, eles necessitam de importar máquinas e matérias-primas de várias partes do mundo. Uma mineradora e uma siderúrgica têm de utilizar maquinário de ponta para fazer seus serviços. E elas também têm de comprar, continuamente, peças de reposição. O mesmo vale para a indústria automotiva, que adicionalmente será prejudicada pele redução da oferta de aço no mercado interno (dado que agora mais aço está sendo exportado).
Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos de produção aumentem de R$ 80 para R$ 120, o exportador do nosso exemplo anterior não mais poderá reduzir seu preço em dólar. Consequentemente, ele não irá ganhar vantagem competitiva no mercado internacional.
É claro que nem todos os custos de produção são afetados pela desvalorização da moeda, pois nem todos componentes utilizados no processo produtivo são importados. No entanto, esse exemplo mostra como a desvalorização da moeda não irá necessariamente ajudar os exportadores no longo prazo.
Adicionalmente, se os exportadores de um país têm de recorrer continuamente ao mercado internacional para comprar maquinários e peças de reposição, e se os maquinários e as peças de reposição são demandados globalmente pelos exportadores de todos os outros países, então aqueles que tiverem uma moeda forte estarão em grande vantagem, pois poderão comprar tudo mais barato. Seu custo de produção será menor. Isso ajuda a explicar por que os produtos suíços — cuja moeda se valoriza continuamente desde 1971 — são de alta qualidade.
Trabalhadores não se beneficiam com a desvalorização
A desvalorização cambial gera carestia em praticamente todos os bens do mercado interno. Até mesmo os preços de coisas básicas como remédio, pão e carne encarecem em decorrência de uma alta do dólar — a química fina dos remédios é toda importada, ao passo que o trigo é uma commodity precificada em dólar; se o dólar encarece, mais trigo é exportado e menos trigo é importado, o que leva uma redução da oferta de trigo no mercado interno. O mesmo raciocínio se aplica às carnes.
Se esse aumento do custo de vida doméstico não fizer com que os trabalhadores das indústrias exijam reajuste salarial, então os exportadores — aqueles que não possuem muitos maquinários importados em sua linha de produção — realmente irão se beneficiar com uma desvalorização cambial. Mas, vale ressaltar, o ganho dos exportadores ocorreu em detrimento da redução salarial, em termos reais, dos trabalhadores.
Por outro lado, se os trabalhadores exigirem um reajuste salarial de modo a restaurar seu poder de compra, então os ganhos dos exportadores serão anulados. A depreciação cambial terá criado um ganho apenas temporário para os exportadores, mas terá gerado uma carestia permanente para todo o restante da população.
São poucos os jornalistas econômicos que parecem realmente entender que uma política de desvalorização cambial é, na realidade, uma mera política de transferência de renda dos trabalhadores — classe média e pobres — para os ricos empresários do setor exportador. O cidadão comum não ganha absolutamente nada com a desvalorização de sua moeda — só perde — ao passo que os grandes industriais podem ganhar, e muito, se seus empregados não exigirem reajustes salariais.
Desvalorização cambial é apenas mais um exemplo de governo e Banco Central agindo como um Robin Hood às avessas, tomando de quem não tem para dar a quem tem.
[Nota do IMB: a popularidade de FHC era alta quando o real era forte, e desabou junto com o desabamento do real. A popularidade de Lula cresceu à medida que o real se fortaleceu, e atingiu o ápice justamente quando o real estava no ápice (meados 2008 e em todo o ano 2010). Com Dilma, a trajetória é absolutamente à mesma: de 2011 a fevereiro de 2015, a popularidade desaba junto com o real]
Conclusão
Todos os outros agentes econômicos são afetados por uma política de desvalorização cambial. Os consumidores terão de lidar com preços maiores em praticamente todos os produtos, desde gêneros alimentícios até móveis (que são fabricados com commodities transacionadas em dólar) e utensílios domésticos (desde panelas de aço a aparelhos eletroeletrônicos). E os empreendedores que utilizam produtos importados — uma simples firma que utiliza computadores e precisa continuamente comprar peças de reposição — vivenciarão um grande aumento de custos.
Há vários outros efeitos indiretos que tornam a depreciação cambial uma péssima política. Como Mises explicou, a contabilidade padrão utilizada nas contas do balanço de pagamentos não pode ser utilizada quando a unidade de conta está sendo distorcida. Mesmo que os exportadores estejam vivenciando lucros nominais maiores, isso não é algo necessariamente positivo, dado que, em termos reais, seus lucros podem estar ainda menores do que eram antes da desvalorização.
Por fim, quanto ao argumento de uma valorização cambial seria ruim para os exportadores, há dois pontos:
1) Como dito, qualquer indústria exportadora tem também de importar máquinas e bens de capital de qualidade, além de peças de reposição, para produzir seus bens exportáveis. Se isso puder ser feito a um custo baixo (permitido por uma moeda forte), tanto melhor. Uma moeda forte permite que as indústrias comprem bens de capital, máquinas e equipamentos de qualidade a preços baixos. Isso as deixaria mais produtivas, aumentaria a qualidade dos seus produtos, e faria com que eles fossem mais demandados lá fora.
[Nota do IMB: nos primeiros anos do Plano Real, a moeda era muito mais forte do que é hoje, e não houve nenhuma desindustrialização; ao contrário, houve modernização do parque industrial].
2) Os exportadores têm hoje à sua disposição uma variedade de produtos financeiros criados justamente para protegê-los (fazer hedge) contra variações na taxa de câmbio. Swaps permitem que eles até mesmo se protejam de variações cambiais no longo prazo.
Moeda desvalorizada não apenas não traz pujança a um país, como ainda é sinal de debilidade econômica e de empobrecimento.
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Leandro Roque contribuiu para este artigo e o adaptou à realidade brasileira.
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