O presidente da Argentina, Javier Milei, está empenhado em implementar políticas pró-mercado, incluindo uma vasta dessocialização, ou privatização, da economia. A privatização do setor aéreo argentino está aparentemente em primeiro lugar na agenda (junto com a privatização da mídia estatal). A privatização é necessária, mas, acima de tudo, deve ser feita corretamente.
A Aerolíneas Argentina, companhia aérea estatal, representa 63% do mercado aéreo doméstico no país. Além disso, sua rentabilidade vem caindo desde 2020. A companhia aérea surgiu de uma fusão dirigida pelo governo de quatro transportadoras aéreas locais em 1949. O governo essencialmente promoveu a criação dessa companhia aérea, prejudicando a concorrência.
Após muitas tribulações, a Aerolíneas chegou a ser “privatizada” em 1991, mas esse esquema de privatização foi se mostrou um fracasso diante de seus problemas financeiros. Consequentemente, a empresa foi renacionalizada em 2008, e assim permaneceu desde então.
Agora, os argentinos estão presos a uma companhia aérea nacionalizada que representa a maioria do mercado aéreo doméstico e foi diretamente salva pelo governo nacional desde 2021 (desde 2021, seus lucros foram impulsionados exclusivamente por transferências do governo). O presidente do sindicato dos trabalhadores da aviação chegou mesmo a afirmar que “esta empresa não funciona sem as contribuições do estado”. Essa declaração pretendia ser uma defesa da propriedade estatal, mas é uma omissão constrangedora da ineficiência da empresa. Os pagadores de impostos estão sendo obrigados a apoiar esta empresa contra a sua vontade. Isto tem de cessar o mais rapidamente possível.
A resposta é clara: privatização.
E se a empresa falir? A falência de negócios é uma característica de um sistema de livre mercado, não uma falha. Empresas falidas não merecem apoio do governo. Se a Aerolíneas tiver de falir, então que vá à falência, e seus ativos serão liquidados e transferidos para uma companhia aérea superior.
Além disso, toda e qualquer regulamentação que proíba a concorrência neste mercado deve ser abolida. Como propõe Murray Rothbard, a privatização deve coincidir com a desregulamentação e o corte de impostos. Toda a regulamentação e tributação sobre o setor aéreo deve ser eliminada. Mas isso não responde o problema do que fazer com a Aerolíneas.
A solução de Milei é entregar ações da empresa aos trabalhadores, tornando-a efetivamente uma empresa de propriedade dos trabalhadores. Ironicamente, muitos líderes trabalhistas criticaram os planos de Milei, alguns chegando a dizer que Milei “terá que literalmente nos matar” se quiser implementar a privatização. No entanto, se Milei realizar a privatização, os trabalhadores da companhia aérea serão forçados a arcar com a responsabilidade da empresa, ou venderão suas ações e se mudarão para pastagens mais verdes.
Resta saber se devolver a propriedade aos trabalhadores é a melhor forma de privatizar. Pode ser o método mais conveniente na Argentina, um país onde o movimento operário domina, mas será que é o caminho correto?
Rothbard parece ser um fã dessa abordagem:
De certo modo, abolir a propriedade governamental sobre ativos coloca esses ativos imediata e implicitamente em um estado em que estão sem dono. Sendo assim, um uso prévio desses ativos, de acordo com o princípio do homesteading, pode fazer com que eles rapidamente se convertam em propriedade privada. O princípio do homesteading afirma que estes ativos devem ser transferidos, não para o público abstrato em geral como no princípio da distribuição igualitária, mas para aqueles que realmente trabalharam com estes recursos: isto é, os seus respectivos trabalhadores, camponeses e gestores.
Mas as terras de propriedade do governo não são previamente desocupadas. O governo pode ser o primeiro usuário da terra, mas quando adquire a propriedade, sua aquisição é compensada por obrigações que assume ao agredir os pagadores de impostos. O governo não possui realmente bens porque tem a obrigação moral de corrigir imediatamente o dano que causou. Portanto, aqueles contra os quais os governos atacam têm direito exclusivo à propriedade do governo.
Hans-Hermann Hoppe afirma em Democracia – o deus que falhou: “A estratégia de privatização sindicalista só se aplica nos casos em que não existe nenhum proprietário privado ou herdeiro identificável de fatores de produção socializados. Se esse proprietário-herdeiro pudesse ser identificado, então ele deveria ser novamente instalado como proprietário privado.” Atribuir a propriedade a funcionários públicos quando proprietários privados expropriados são identificáveis é um “ultraje moral”, diz Hoppe.
Rothbard concorda com isso, afirmando que há um “quarto princípio de privatização” que exigiria que o governo “devolvesse todos os bens roubados e confiscados a seus proprietários originais, ou a seus herdeiros”. Este princípio torna-se difícil de implementar quando o ativo do governo é uma empresa criada através da tributação. A privatização, nesse caso, não é simplesmente a restauração de um título definitivo de terra. Além disso, fica ainda mais difícil quando o proprietário original não é identificável.
No caso da Argentina, os proprietários originais são identificáveis: o pagador de impostos argentino. Nesse caso, Hoppe sugere o seguinte em relação às ruas, que pode se aplicar a todas as empresas governamentais:
Os ex-pagadores de impostos, de acordo com o valor dos tributos municipais, estaduais e federais pagos, devem receber títulos de propriedade negociáveis em ruas municipais, estaduais e federais. Eles então podem manter esses títulos como um investimento, ou podem se desfazer de sua propriedade de rua e vendê-la, mantendo seu direito de passagem irrestrito.
Essencialmente, seria formada uma sociedade anônima para a empresa privatizada. Cada pagador de impostos possuiria uma parcela percentual proporcional à sua participação na receita tributária total. No entanto, existem alguns problemas com essa abordagem.
A burocracia teria que escrutinar documentos fiscais e calcular ações para que ninguém receba menos ou mais do que tem direito legítimo. Consequentemente, pode haver repartições inteiras criadas para resolver essa questão, criando um ônus adicional para o pagador de impostos. Isso seria totalmente injustificável. Como afirma Hoppe, “cobrar de uma população vitimada um preço pela reaquisição do que era originalmente seu já seria um crime”. Esse método de privatização cometeria seus próprios abusos de direitos de propriedade. Isso não pode ser tolerado.
Além disso, a solução da sociedade anônima tem potencial para negligenciar a justiça real. Imagine pagar impostos a vida inteira e depois receber um certificado pelo correio que lhe dá uma participação infinitamente pequena em uma variedade de empresas estatais privatizadas. Alguém acha que isso sirva para corrigir as transgressões cometidas contra você? Absolutamente não. Claro, você pode vender o certificado, mas e se ninguém quiser comprá-lo? Azar o seu? Não, a justiça deve ir além de uma simples ação de uma sociedade anônima.
Para dar conta desses problemas, é necessário combinar as abordagens da sociedade anônima e sindicalista. Tomemos o exemplo do plano de privatização das companhias aéreas de Milei. Primeiro, Milei deve cessar todas as transferências do governo para a Aerolíneas e eliminar todos os privilégios concedidos pelo governo. Mais importante ainda, a empresa não deve ser perdoada de sua participação voluntária em impostos e desapropriações. Os pagadores de impostos devem poder apresentar reivindicações contra a companhia aérea, agora privada.
Milei pode dar a empresa aos burocratas que atualmente a dirigem exatamente como ele pretende atualmente, mas as entidades privadas devem ser capazes de entrar com ações contra ela na justiça civil. Eles devem comprovar esses créditos com documentação – recibos fiscais, por exemplo – e o pagador de impostos pode ser recompensado com um pagamento, título ou ação da empresa na proporção da parcela de tributação pela qual a empresa é responsável.
Essa abordagem é distinta das soluções postuladas por Rothbard e Hoppe. Reconhece que os pagadores de impostos, e não os funcionários públicos, detêm reivindicações legítimos sobre a empresa. No entanto, relega a divisão da empresa ao livre mercado e não ao governo. Inicialmente, espelhará a solução sindicalista, mas rapidamente se transformará em um sistema misto à medida que os pagadores de impostos obtiverem pagamentos, títulos e ações da empresa para retificação.
Seguindo essa abordagem, a Aerolíneas deveria ser cortada completamente do governo sem se importar com a forma como os ex-funcionários públicos organizam a empresa, em seguida, fazer uma ordem juridicamente vinculante de algum tipo (talvez uma ordem executiva) afirmando que as expropriações da empresa contra os pagadores de impostos não estão mais legalmente protegidas, permitindo que os pagadores de impostos extraiam retificação da empresa agora privada.
Quais são algumas das principais conclusões? Milei tem razão ao tentar transferir a Aerolíneas para os trabalhadores. Tal plano é rápido e fácil (supondo que os peronistas possam cooperar). No entanto, sem permitir que os pagadores de impostos extraiam a retificação da Aerolíneas, esse plano de privatização está fadado a causar injustiça desde o início.
Independentemente disso, qualquer plano de privatização será preferível ao status quo. Milei deve ser encorajado, mesmo que seus planos fiquem aquém do ideal. Nas palavras de Rothbard, “os erros cometidos na mudança para a liberdade tenderão a se resolver depois que um mercado livre for estabelecido”.
Rothbard continua: “Por outro lado, não devemos cometer o erro de assumir jubilosamente que os custos ou as ineficiências desse processo podem ser desconsiderados. Seria preferível ter já desde o início da privatização uma ideia do nível ótimo.” É justamente por isso que é necessário criticar as falhas do plano de Milei.
Artigo original aqui
Ditadura “Libertária” Milei reprime protesto e expulsa indígenas de praça pública.
Ele odeia o povo pobre e indígenas! Grande defensor da “liberdade” só para os ricos, óbvio!