No século XVIII, a maioria dos países recorria a tarifas de importação como sua principal fonte de receita. Sendo a maior fonte de receita em uma época em que não havia imposto de renda — ou cuja coleta era muito difícil e complicada —, tarifas de importação faziam sentido do ponto de vista puramente tributário.
Mas os tempos passaram e vivemos hoje em uma época totalmente diferente. Tarifas de importação não mais são vistas como um mero instrumento de arrecadação. Hoje, sua função é bastante diferente. Tarifas sobre bens importados são ferramentas eficazes para se subsidiar aliados políticos, proteger empresários favoritos e, com isso, se praticar o capitalismo de estado — ou o mercantilismo.
Tarifas são impostos sobre a venda de bens importados. O protecionista mercantilista sabe que impostos mais altos sobre a venda de bens importados representam um subsídio às empresas nacionais. Por quê? Porque eles impedem que os estrangeiros possam utilizar preços baixos para concorrer contra a indústria nacional.
O protecionista, como todo mercantilista, quer reduzir a variedade de opções disponíveis para os consumidores nacionais. Ele quer subsidiar a indústria nacional permitindo que ela cobre preços mais altos do que aqueles praticados por produtores estrangeiros sem que isso acarrete consequências negativas para ela. A justificativa é que tal política irá enriquecer a nação.
Um mercantilista é o filósofo supremo do capitalismo de estado. O protecionismo é o filho bastardo do estado intervencionista keynesiano. O keynesianismo é uma filosofia sobre gastos estatais criativos e mágicos e sobre endividamento público infinito. Assim como o mercantilismo.
Enriquecer uma nação por meio do aumento da tributação de seus consumidores é uma ideia estranha: “Tribute mais e enriqueça”. Se você acha que isso soa a keynesianismo é porque é keynesianismo.
Aprovar leis contra pessoas que querem apenas fazer uma transação voluntária de bens é um ato de restrição ao comércio. Por que uma nação enriqueceria restringindo o comércio? Qual é a lógica de dizer que enviar um sujeito com uma arma e um distintivo com a tarefa de impedir que as pessoas voluntariamente comercializem com quem elas quiserem — por crerem que isso irá melhorar suas vidas — é uma atitude que aumentará a riqueza da nação? A ideia de maior riqueza não pressupõe a ideia de maiores oportunidades de comprar mais coisas do que antes? Sendo assim, como as pessoas estariam mais ricas com o governo deliberadamente restringindo o número de bens que elas podem comprar?
Protecionistas mercantilistas negam que a maior riqueza de um país esteja diretamente ligada à sua maior liberdade comercial. Eles argumentam o contrário: “Oportunidades reduzidas são as bases da riqueza. Quanto menos oportunidade você tiver para comercializar, mais rico você estará.”
Se isso parece idiotice é porque é uma idiotice. Mas trata-se de uma idiotice amplamente disseminada e defendida, especialmente por intelectuais e membros da academia.
Estes mesmos também argumentam que, quanto mais impostos o governo coletar, mais rico o país ficará. De novo, você pode pensar que isso soa a keynesianismo. E é keynesianismo.
Combatendo a tirania com mais tirania
O mais incrível sobre os protecionistas mercantilistas é que eles são completamente impermeáveis à lógica econômica. Eles amam burocratas com armas e distintivos. Eles estão convencidos de que armas e distintivos são a base do crescimento econômico e da riqueza para todos. Eles realmente creem que, se o governo enviar um número razoável de burocratas com armas e distintivos para confiscar a riqueza alheia via impostos sobre bens importados, a nação ficará mais forte, mais rica e mais livre. Eles acreditam que mais impostos e menos liberdade de escolha tornam um país mais próspero.
Recentemente, recebi um email de um leitor que, embora não conheça, posso afirmar ser um protecionista mercantilista inveterado. Seu argumento é o preferido — aliás, o único — de todos os protecionistas ao redor do mundo. Eis um trecho:
Parece-me que o senhor, ao defender o livre comércio, ignora por completo o “conceito de nação” ou o nacionalismo. A questão não é que nossas indústrias sejam menos eficientes do que as indústrias estrangeiras; elas não são. O problema é que o governo impõe a elas uma carga tributária tão grande que faz com que elas passem a ser “ineficientes” contra a concorrência estrangeira. É o governo quem impõe “ineficiência” à indústria nacional. Portanto, para deixar as coisas com um maior nível de igualdade, o governo teria de remover estes fardos artificiais que ele criou. Mas enquanto isso não for possível, ele tem sim de impor tarifas iguais sobre os produtos estrangeiros para poder reequilibrar a situação.
Permita-me resumir o argumento do cavalheiro. (1) A indústria nacional não é ineficiente. (2) Ela é oprimida pelo governo, que a sobrecarrega de impostos. (3) Portanto, precisamos de um governo ainda maior, ainda mais intrusivo e com ainda maiores poderes tributários para retirar o fardo do governo sobre as indústrias.
Faz sentido? Ele é um protecionista mercantilista. Como todos os protecionistas mercantilistas, ele não consegue pensar direito. Ele adotou a ideia de que, ao se dar ainda mais poderes para o governo federal, os cidadãos poderão, magicamente, sobrepujar os efeitos de um governo federal muito poderoso. E ele defende tudo isso em nome do nacionalismo ou do “conceito de nação”. (Clique aqui apenas se o seu estômago for resistente).
A seguir, apresentarei a você, leitor, um teste. Veja se você é um protecionista mercantilista. Se você não for capaz de seguir o raciocínio abaixo, você é um protecionista mercantilista.
Este Lado e Aquele Lado
Você mora de um lado da rua. No outro lado da rua mora João. João quer vender para você um item que você quer comprar.
Silva, seu vizinho de porta — e que, portanto, mora no mesmo lado da rua que você —, também vende um item parecido com este que João vende. Mas este item de Silva custa 20% mais caro.
Silva se aproxima de você e lhe diz que, pelo bem do “lado de cá” ou em nome do “conceito Deste Lado”, temos de impor um imposto sobre vendas de pelo menos 25% sobre o item vendido por João. Afinal, não queremos perder a riqueza que há Deste Lado da Rua. Sem um imposto sobre a mercadoria de João, Aquele Lado irá ampliar sua presença Neste Lado.
Você rejeita a sugestão de Silva como sendo totalmente absurda e sem sentido. Você gosta do produto sendo vendido por João. É elegante. É barato. É um bom negócio. “Sai da minha frente, Silva.” (Sempre que você compra algum bem, você está na realidade falando para todos os outros vendedores saírem da sua frente).
Silva, ao constatar que você é teimoso, irá atrás de Bruno, seu outro vizinho de porta, e irá alertá-lo sobre a terrível ameaça representada por Aquele Lado sobre o estilo de vida aqui Deste Lado. Ele não irá mencionar você, é claro. Ele está apenas defendendo Este Lado em nome da verdade, da justiça e do modo de vida Deste Lado.
Após isso, Silva vai para outra casa mais ao lado e destila a mesma cantilena para Pedro. Ele sugere que Pedro e Bruno se juntem a ele para aprovar uma lei impondo um imposto de 25% sobre a venda do produto de João. Se esta lei for aprovada, promete Silva, Este Lado será mais rico. Este Lado será mais forte. Este Lado será mais livre.
E a lei, então, é democraticamente aprovada. Ato contínuo, eles nomeiam um sujeito chamado Peçanha para impingir esta nova lei. Peçanha tem um distintivo. Peçanha tem uma arma. Peçanha se aproxima de você e o alerta que, se você comprar o item de João sem pagar uma tarifa de 25% para Este Lado, ele irá multá-lo em bem mais do que 25%. Ele defende Este Lado com grande entusiasmo, dado que a alternativa a este emprego tranquilo e poderoso seria a iniciativa privada. E ele jamais se saiu bem no setor privado — característica esta que ele compartilha com Silva.
Bruno irá agora comprar de Silva. Pedro também irá comprar de Silva. E Peçanha, que não tinha um emprego em tempo integral há anos, também está muito contente em comprar de Silva.
Como é que Este Lado está mais rico?
Por que as palavras “Este Lado” tornam você mais rico? Como é que o “conceito Deste Lado” faz de você alguém mais rico?
Qual é a mágica que a linha invisível que divide Este Lado e Aquele Lado faz, em termos econômicos?
Se você é um protecionista mercantilista, linhas invisíveis têm total sentido econômico. Elas representam uma oportunidade de se subsidiar seus agentes econômicos favoritos. Elas são uma desculpa perfeita para se praticar o capitalismo de estado, algo muito eficaz em uma democracia.
Os protecionistas mercantilistas protestam
“Olha só”, diz o protecionista mercantilista. “Você está apenas tentando me ridicularizar com toda esta conversa sobre Este Lado e Aquele Lado”.
E eu retruco: “Estou ridicularizando a lógica da sua posição. Você crê que uma linha invisível passando no meio da rua é algo economicamente relevante. Eu não.”
Ele responde: “Eu não estou dizendo que uma linha invisível passando no meio da rua é economicamente relevante.”
Eu respondo: “Você está dizendo que a linha invisível que contorna as bordas do país é economicamente relevante”.
Ele responde: “Mas esta linha é sim economicamente relevante!”
Eu pergunto: “Por quê?”
Ele responde: “Porque as pessoas do outro lado daquela linha devem ficar do lado de lá da linha.”
“Ok”, eu respondo. “Mas e se eu contratar um intermediário daqui para ir até o outro lado da linha e me trazer alguns itens pelos quais estou pagando? O cara do outro lado da linha invisível continua do lado de lá, sem lhe incomodar.”
“Não, não, não”, se irrita o protecionista. “Aquela linha invisível é diferente. Ela defende a soberania e o Conceito de Nação”.
Eu pergunto: “O que é ‘Conceito de Nação’?”
Ele responde: “Este Lado — em grande estilo e escala.”
Portanto, estamos discutindo sobre o tamanho da linha e a posição geográfica da linha. Mas o que o comprimento da linha e sua posição geográfica têm a ver com eu ter de pagar um imposto sobre a compra de uma mercadoria?
O protecionista, um pouco mais exasperado, diz: “Não entendo aonde você quer chegar. Enquanto você fica aí falando um monte de teoria incompreensível, tudo o que estou fazendo é defender o Conceito de Nação.”
Protecionistas mercantilistas criam um termo em maiúsculas e pensam que apresentaram um argumento econômico lógico: “Conceito de Nação”. Porém, quando eu também crio um termo em maiúsculas — “Este Lado da Rua” —, o protecionista mercantilista imagina que estou tentando confundi-lo.
Protecionistas se confundem facilmente.
O livre comércio nos deixa mais pobres
O remetente do email não se contentou apenas em invocar o conceito de nação. Ele veio destruindo. Ele invocou o antiquíssimo argumento mercantilista: “A liberdade de escolha nos deixa mais pobres; impostos sobre vendas nos tornam mais ricos”. É óbvio que eles nunca utilizam o termo “liberdade de escolha”. Isso explicitaria aquilo que eles querem aniquilar. Sendo assim, eles utilizam o termo “livre comércio”. Ele escreveu:
O “livre comércio” gera, como efeito de longo prazo, a redução do nosso padrão de vida, de modo que, com o tempo, ficamos iguais a todo o resto do mundo. Não seria um objetivo nacional válido manter um elevado padrão de vida para nosso povo enquanto isso for possível?
Ele é o Silva. Ele olha para o outro lado da rua e vê João. Ele treme de medo. Ele vai até Bruno e diz isso:
O “livre comércio” gera, como efeito de longo prazo, a redução do nosso padrão de vida, de modo que, com o tempo, ficamos iguais a todo o resto do mundo. Não seria um objetivo válido para Este Lado da Rua manter um elevado padrão de vida para nosso povo enquanto isso for possível?
Bruno não está muito convencido. Ele olha para João e pensa: “Eu não ligo se João é rico ou pobre. Eu realmente gostaria de adquirir um daqueles produtos que ele vende. O preço é bom.” Ato contínuo, Silva aumenta a pressão:
João explora os pobres. Os trabalhadores Daquele Lado são escravos. Eles não conseguem empregos que paguem salários decentes. É por isso que João consegue vender seus produtos a preços baixos. Você não quer ficar igual àqueles trabalhadores explorados, quer?
Bruno pensa um pouco mais a respeito deste raciocínio. E então tem uma ideia:
Temos de dar a todos aqueles trabalhadores escravizados uma chance de melhorarem suas vidas. João precisa de um pouco de concorrência. Por que não investimos algum dinheiro nos concorrentes de João? Desta forma, o concorrente poderá oferecer melhores salários.
Silva fica horrorizado com esta ideia. Ele já tem problemas demais apenas lidando com João.
Não, não, não. Isso faria com que todos aqueles trabalhadores vislumbrassem, ainda que de leve, uma vida melhor. E isso pioraria ainda mais a vida deles: o desapontamento. Eles não estão preparados para aumentos salariais. Eles precisam de mais tempo. A melhor coisa que podemos fazer é não nos tornarmos iguais a eles. Temos de fechar as fronteiras para todos os bens produzidos por escravos. Nosso objetivo não é reduzir a escravidão Daquele Lado. Nosso objetivo é preservar nossa liberdade Neste Lado.
Bruno fica pensativo. “Como você define liberdade?”
Silva responde:
Liberdade é o direito de cada homem Deste Lado se juntar ao vizinho e impor aumento de tarifas sobre bens produzidos Daquele Lado. Esta é a única maneira de continuarmos sendo prósperos.
Bruno pensa um pouco mais a respeito. “Então a melhor maneira de preservarmos nossa riqueza é limitando nossas escolhas.” Silva diz que é isso aí.
Bruno tenta se aprofundar em seu raciocínio. “Então o caminho para a liberdade é reduzir as escolhas.” Silva o assegura de que é exatamente isso.
“Sendo assim”, diz Bruno, “a melhor maneira de não nos tornarmos escravos com poucas escolhas é criando leis que reduzam nossas escolhas.”
Silva tem sérios problemas em seguir argumentos lógicos, mas até mesmo ele é capaz de sentir que a coisa está desandando e indo perigosamente para o lugar errado, muito embora ele não consiga saber exatamente para onde. Ele apenas sente que não quer prosseguir neste caminho. Sendo assim, ele muda sua linha de raciocínio. “Você tem de defender sua renda como trabalhador.”
Bruno completa: “Restringindo minhas escolhas como consumidor.”
Silva diz: “É isso aí, exatamente. E você também deve limitar as escolhas de todos os outros cidadãos consumidores.”
Bruno diz: “Então, a melhor maneira de manter minha renda como produtor é reduzindo o número de vendas que as pessoas Daquele Lado podem me fazer, e também reduzindo o número de vendas que eu posso fazer para as pessoas Daquele Lado.”
Silva responde: “Não se preocupe quanto à redução de vendas para Aquele Lado. Eles são todos um bando de escravos.”
Bruno pergunta: “E por que eles são escravos?”
Silva tem a resposta certa: “Porque eles passaram a vida toda seguindo ordens dadas por pessoas com armas e distintivos.”
Conclusão
O leitor seguiu meu raciocínio? Se sim, você provavelmente não é um protecionista mercantilista.
O leitor concorda com meu raciocínio? Se sim, então você definitivamente não é um protecionista mercantilista.
Protecionistas mercantilistas não gostam de argumentos econômicos que sejam claros. Eles consideram a clareza argumentativa um truque para confundir incautos. Eles creem que qualquer argumento que evolua passo a passo até uma conclusão é inerentemente inconfiável.
Eles preferem termos populares e de fácil apelo, os quais os levam a clamar por tarifas em nome da defesa destes termos por eles inventados. Tudo se resume a “Este Lado” e “Aquele Lado”. Eles temem que o comércio com pessoas Daquele Lado irá nos empobrecer.
Um protecionista acredita que, se alguém na China descobrisse a cura para o câncer, a única maneira de proteger os cidadãos de seu país contra a concorrência desleal e a inevitável pobreza que isso geraria seria impondo uma tarifa de pelo menos 50% sobre a importação deste remédio. “Temos de dar ao nosso povo a chance de concorrer”, diz ele. Não aos compradores da cura do câncer, é claro. Aos vendedores.
Se você acha que isso é um argumento ignaro, você não é um protecionista mercantilista. Você não crê que armas, distintivos e tarifas sobre importações tornam as pessoas de um dos Lados da linha invisível mais ricas. Mas tais coisas de fato tornam algumas pessoas mais ricas: (1) produtores ineficientes que podem agora vender a preços mais altos e não ir à falência em decorrência da perda de consumidores, e (2) pessoas que usam distintivos e carregam armas como meio de vida. Se você acha que estes dois grupos são devotos do “capitalismo de estado” e nada mais são do que “extorsores assalariados”, você acertou a classificação das categorias.
Se você quer uma imagem visual, pense nas palavras de Don Corleone: “Fiz uma proposta que ele não podia recusar”. Pense também no sujeito que acordou em sua cama ao lado de uma cabeça de cavalo decepada. Isso é o protecionismo mercantilista.