Não existe crença mais persistente e mais influente do que a crença no fato de que gastos governamentais são benéficos para todos. Em todos os cantos do globo eles são apresentados como a solução para todas as mazelas econômicas. A indústria está parcialmente estagnada? Podemos estimulá-la por meio de gastos governamentais. O desemprego está alto? Culpa do “insuficiente poder aquisitivo das pessoas”. O remédio, claro, é óbvio: aumentar os gastos do governo.
Todo o necessário para corrigir a situação é o governo despender o suficiente para compensar estas “deficiências”.
Uma vasta literatura se baseia nesta falácia, e, como muitas vezes acontece com doutrinas dessa espécie, tornou-se parte de uma complexa rede de falácias que se sustentam mutuamente. Não podemos, a esta altura, investigar toda essa rede; mas podemos, aqui, examinar a falácia-mãe que deu nascimento a essa progênie.
Tudo o que não é oriundo das dádivas livres da natureza tem, de certo modo, que ser pago. O mundo, no entanto, está repleto de pseudo-economistas que estão cheios de planos para obter alguma coisa em troca de nada. Dizem-nos que o governo pode gastar livremente sem ter de tributar; que pode continuar a acumular dívidas sem jamais ter de liquidá-las, pois “nós devemos a nós mesmos”. Ao longo da história, todos os belos sonhos deste tipo foram sempre destruídos pela insolvência nacional ou por uma inflação galopante. Devemos aqui dizer, simplesmente, que todos os gastos governamentais terão, na prática, de ser pagos pela tributação.
Sim, pode-se recorrer à inflação monetária para se financiar estes gastos. Porém, a própria inflação monetária não passa de uma forma — particularmente anormal — de tributação. A inflação monetária gerará dois fenômenos: redistribuição de renda dos mais pobres para os mais ricos e aumento de preços, fenômeno este que também penalizará com mais severidade os mais pobres. A inflação é um imposto.
Em prol da argumentação, vamos admitir aqui que cada unidade monetária gasta pelo governo deverá ser arrecadada imediata ou posteriormente por meio de imposto. Uma vez considerada a questão nesse sentido, os supostos milagres dos gastos governamentais aparecerão sob outro prisma.
O governo continuamente gasta um determinado montante para cumprir suas despesas correntes: pagar seus funcionários, sua burocracia, redistribuir renda e fazer suas corriqueiras obras públicas. Tais gastos não serão o escopo deste artigo. Quero aqui tratar daquelas obras públicas consideradas como meios de se “criar empregos” ou de se aumentar a riqueza da sociedade, sem as quais — afirmam alguns economistas — tal enriquecimento não seria possível.
Constrói-se uma ponte. Se ela é construída para atender a uma demanda pública insistente; se ela soluciona um problema de tráfego ou de transporte, insolúveis sob outra forma; se, em suma, ela é mais necessária aos contribuintes coletivamente do que coisas com as quais eles individualmente gastariam seu dinheiro — se este não lhes houvesse sido tirado por meio dos tributos —, então sua construção pode ser aproveitável (embora seja praticamente impossível determinar que absolutamente todos os pagadores de impostos realmente queiram esta ponte).
Por outro lado, uma ponte construída com o intuito de “gerar empregos” é um outro tipo de ponte.
Quando “gerar empregos” se torna o objetivo, a real necessidade de algo passa a ser uma consideração secundária. O que importa é inventar “projetos”. Em vez de pensarem apenas naqueles locais específicos onde há uma suposta demanda popular por uma ponte, os responsáveis pelo dinheiro público começam a se perguntar onde mais podem sair construindo outras pontes. Mesmo que a construção de pontes não esteja sendo demandada, o empreendimento será feito. Aqueles que duvidarem desta necessidade serão tachados de obstrucionistas, atrasados, insensíveis e reacionários.
Normalmente, são apresentados dois argumentos para a construção de uma ponte: um, aquele que se ouve principalmente antes de ele ser construída; o outro, aquele que frequentemente se ouve depois de ele estar concluída. O primeiro argumento é que a construção proporcionará empregos. Proporcionará, digamos, 500 empregos durante um ano. A implicação disso é que esses empregos, de outra forma, não existiriam.
Isso é o que se vê de imediato. Se estamos, porém, treinados na ciência econômica; se sabemos enxergar as consequências secundárias de determinadas medidas econômicas, então somos capazes de ver mais além. Podemos, neste caso, saber que, além daqueles que são diretamente beneficiados por um projeto governamental, haverá outros que serão indiretamente afetados.
Neste ponto, o cenário passa a ser diferente. É verdade que determinado grupo de operários terá agora empregos, o que não ocorreria não fosse a construção da ponte. A ponte, porém, tem de ser paga com impostos, pois todo dinheiro gasto pelo governo tem de ser tirado dos contribuintes. Se a ponte custa $10 milhões, os contribuintes perderão $10 milhões. Os cidadãos deixarão de ter uma quantia que, não fosse a construção da ponte, seria despendida em coisas que voluntariamente considerassem mais necessárias. Os empreendimentos que agora não mais receberão este dinheiro — que foi desviado para a construção da ponte — começarão a demitir.
Portanto, para cada emprego público criado pelo projeto da ponte, foi destruído, em algum lugar, um emprego particular. Podemos ver os operários empregados na construção da ponte. Podemos vê-los trabalhando. Esta imagem real faz com que o argumento do governo — gerar empregos — se torne vívido, tangível e, muito provavelmente, convincente para a maioria das pessoas.
Há, no entanto, outras coisas que não vemos porque, infelizmente, não se permitiu que surgissem. São os empregos destruídos pelos $10 milhões tirados dos contribuintes. Na melhor das hipóteses, tudo o que aconteceu foi uma transferência de empregos por causa de um projeto. Mais operários para a construção da ponte; menos operários para a indústria automobilística, menos técnicos de rádio, menos empregados para fábricas de artigos de vestuário e para a agropecuária.
Chegamos, então, ao segundo argumento. A ponte existe. É, suponhamos, uma ponte realmente bonita. Surgiu graças à magia dos gastos governamentais. O que teria acontecido se os obstrucionistas e os reacionários tivessem imposto sua vontade? Não haveria a ponte. O país estaria mais pobre, afirmam eles.
Nisso, os responsáveis pelo dinheiro público, mais uma vez, levam a melhor ao debaterem com todos aqueles que não têm a capacidade de enxergar além do alcance imediato de seus olhos. Todos podem ver a ponte. Mas apenas aqueles mais versados em economia são capazes de perceber as consequências indiretas e não perceptíveis deste arranjo; apenas estes podem, mais uma vez, enxergar todas aquelas riquezas que nunca chegarão a existir. Podem enxergar casas que não foram construídas, automóveis, rádios, imóveis e roupas não fabricados, e talvez até mesmo alimentos que não foram cultivados e nem vendidos. Ver esses elementos que não foram criados requer certa imaginação e certo treino econômico, algo que nem todo mundo possui.
Podemos imaginar imediatamente esses objetos, mas não podemos ver sua existência. Por outro lado, podemos ver a ponte e utilizá-la todos os dias ao irmos para o trabalho. Simplesmente o que aconteceu foi que uma coisa foi construída em vez de várias outras.
O mesmo raciocínio aplica-se, naturalmente, a quaisquer outros tipos de obras públicas. Aplica-se também, por exemplo, à construção, com fundos públicos, de habitações para pessoas de baixa renda. O que acontece é que o dinheiro é arrancado, por meio de impostos, de famílias de renda mais elevada (e, talvez, até de famílias de renda menor) para forçá-las a financiar famílias selecionadas, de renda inferior, capacitando-as a viverem em melhores moradias.
Não é meu intuito aqui discorrer sobre questões morais no que tange à construção de moradias com dinheiro público. Interessa-me apenas apontar o erro em dois dos argumentos mais frequentemente apresentados a favor desse tipo de construção. Um, é o de que ela “gera empregos”; o outro, o de que ela cria riquezas que, sem estas obras, não teriam sido produzidas. Ambos os argumentos são falsos, uma vez que não levam em consideração o que se perde pela tributação. A tributação para a construção de moradias, com fundos públicos, destrói tantos empregos em outras atividades quanto cria na de construção. O resultado é a não construção de imóveis, a não fabricação de máquinas de lavar roupa e geladeiras e a falta de inumeráveis outros bens e serviços.
E nada disso é refutado pela contra-argumentação que diz, por exemplo, que a construção de moradias com dinheiro público pode ser financiada por várias parcelas anuais, em vez de por uma quantia a ser paga de uma só vez. Isso significa simplesmente que o custo passa a ser distribuído por muitos anos, em vez de concentrar-se em um só. Significa, também, que o que se tira dos contribuintes é distribuído por muitos anos, em vez de concentrar-se num só. Tais detalhes técnicos são irrelevantes para o ponto principal.
A grande vantagem psicológica a favor da construção de moradias com dinheiro público está no fato de que é possível ver homens trabalhando enquanto estão sendo construídas as casas, e que estas são vistas depois de finalizadas. Passam a ser habitadas e os moradores, orgulhosamente, mostram as dependências aos amigos. Não se veem os empregos destruídos pelos impostos destinados às moradias, nem os bens e serviços que deixaram de ser ofertados. Isso exige um esforço de pensamento. E, a cada vez que se veem as casas e seus felizes moradores, um novo esforço é necessário para se imaginar toda a riqueza que por causa disso não foi criada.
É de se surpreender que os defensores da construção de moradias com dinheiro público não tenham considerado esse ponto. Se alertados sobre isso, tacham-no de pura imaginação, de simples objeção teórica, ao mesmo tempo em que realçam a beleza das moradias públicas existentes. Isso faz lembrar um personagem de Saint Joan, de Bernard Shaw, que, ao lhe falarem sobre a teoria de Pitágoras, segundo a qual a terra é redonda e gira em torno do sol, respondeu: “Que consumado idiota! Não podia ver isso com os próprios olhos?”
O mesmo raciocínio deve ser aplicado a todos os grandes projetos empreendidos pelo governo. Quanto mais faraônica a obra, maior o perigo da ilusão de ótica. Ali está uma gigantesca represa, um formidável arco de aço e concreto “maior que qualquer outro empreendimento que o capital privado pudesse ter construído”, o fetiche dos fotógrafos, o símbolo mais frequentemente utilizado dos milagres da construção e da operação estatal. Ali estão gigantescos geradores e usinas de força. Ali está toda uma região, diz-se, elevada para o mais alto nível econômico, atraindo fábricas e indústrias que, de outro modo, não teriam existido. E tudo é apresentado, nos louvores de seus proponentes, como sendo ganho econômico líquido para o país, sem contrapartidas.
De novo, não vamos aqui entrar novamente no mérito das obras públicas. Vamos apenas nos concentrar no esforço da imaginação, algo de que poucas pessoas são capazes, para ver o lado devedor da equação. Se os impostos, arrecadados de pessoas e empresas, são aplicados em determinada região de um país, por que motivo causaria surpresa, por que deveria ser considerado um milagre que esta região se tenha tornado relativamente mais rica? Outras regiões do país, sempre é válido lembrar, se encontram, em decorrência disso, relativamente mais pobres.
Aquele empreendimento tão grande que “o capital privado não teria podido realizar”, foi, na verdade, realizado pelo capital privado — pelo capital expropriado mediante imposto (ou, se o dinheiro foi tomado como empréstimo, acabará sendo expropriado também com impostos, só que mais no futuro).
É necessário, novamente, fazer um esforço de imaginação para vermos os edifícios comerciais e as habitações particulares, os automóveis e os aparelhos de televisão cuja existência não foi permitida, pois o dinheiro que foi extraído do povo, em todo o país, foi empregado na construção de uma fotogênica obra pública.
Escolhi aqui propositadamente os mais favoráveis exemplos de projetos de dispêndios públicos — isto é, aqueles que são mais frequente e ardentemente aconselhados pelos agentes governamentais e mais altamente considerados pelo público. Não falei das centenas de projetos frívolos que, invariavelmente, surgem sempre que o objetivo principal é “gerar empregos” e “colocar gente para trabalhar”. Isso porque, conforme vimos, a utilidade do próprio projeto torna-se, inevitavelmente, uma consideração secundária. Além disso, quanto mais extravagante a obra, quanto mais dispendioso o trabalho, quanto maior o custo da mão-de-obra, tanto melhor para o objetivo de gerar mais empregos.
Sob tais circunstâncias, é altamente improvável que os projetos inventados pelos burocratas proporcionem o mesmo aumento líquido à riqueza e ao bem-estar, por unidade monetária gasta, como teria sido proporcionado pelos próprios pagadores de impostos se, individualmente, o governo lhes tivesse permitido comprar ou fazer o que eles mesmos desejassem em vez de serem forçados a entregar parte de suas poupanças ao estado.
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