Esses são os fatos que são ensinados em muitos de nossos centros de ensino, contestáveis apenas sob o risco de nossa reputação de pessoas instruídas. Não obstante, esse disparate deve ser refutado.
O primeiro ponto a ser colocado é que um emprego não é uma coisa que possa ser possuída por um trabalhador – ou por qualquer pessoa. Um emprego é a manifestação de uma troca entre um trabalhador e um empregador. O trabalhador troca seu trabalho pelo dinheiro do empregador, por um valor de troca mutuamente aceitável. Portanto, quando dizemos “meu emprego”, é apenas uma forma figurativa de falar.
Embora estejamos habituados a usar expressões como “meu emprego”, “meu freguês” e “meu alfaiate”, não presumimos propriedade em qualquer desses casos. Tomemos, primeiro, o caso de “meu freguês”. Se a expressão fosse tomada literalmente, denotaria que o comerciante tem um direito de propriedade sobre a “condição de freguês” das pessoas que habitualmente compram dele. Ele possuiria essa condição do freguês e, portanto, teria o direito de se opor a que “seu freguês” comprasse de outro comerciante.
Essa é uma faca de dois gumes. Tomemos o caso de “meu alfaiate”. Se a expressão fosse tomada literalmente, teríamos de dizer que o alfaiate não poderia fechar a alfaiataria, mudar-se ou declarar falência, sem a permissão dos clientes. Ele é “seu” alfaiate.
Em ambos os casos, naturalmente, está claro que não se quer, com o pronome possessivo, expressar posse literal. Evidentemente, nem o comprador nem o vendedor têm o direito de insistir em que uma relação de negócios seja permanente, a não ser, é claro, que ambas as partes tenham feito um contrato de longo prazo. Então e somente então o comerciante e o cliente (ou freguês) teriam o direito de se opor a que uma das partes pusesse fim à relação sem o consentimento da outra.
Consideremos, agora, o “meu emprego”. O que o trabalhador quer dizer, quando se opõe a que o fura-greve tome “seu emprego”? O trabalhador argumenta como se possuísse o emprego. Em outras palavras, está presumindo que a prestação do serviço, após um certo período de tempo, obriga o empregador em relação ao empregado, de forma tão estrita como se eles tivessem feito um contrato nesse sentido. Mas, na verdade, o empregador jamais assumiu, contratualmente, tal obrigação.
Imaginemos como reagiriam os trabalhadores, se o princípio no qual se baseia seu sentimento de aversão aos fura-greves fosse adotado pelo empregador. Como se sentiriam, se os empregadores presumissem o direito de proibir trabalhadores antigos de deixarem o emprego? E se um deles acusasse de dissensão outro empregador que ousasse empregar “seu trabalhador”! A situação, ainda assim, seria inteiramente simétrica.
Evidentemente, haverá algo de errado com um argumento que afirme que, uma vez que as pessoas concordem, voluntariamente, em realizar um comércio, a partir daí fiquem obrigadas a continuar com esse comércio. Através de que artifício da lógica uma relação voluntária é convertida numa relação estritamente involuntária? Empregar um indivíduo não implica direitos de um senhor de escravos sobre essa pessoa, e tampouco ter trabalhado para um empregador dá a alguém o direito a um emprego. Devia ser evidente que o trabalhador nunca “possui” o emprego, que o emprego não é “seu”. O fura-greve, portanto, não é culpado de qualquer irregularidade, quando pega o emprego que o trabalhador tinha antes.
A questão da violência entre trabalhadores e fura-greves é uma questão à parte. Dar início à violência é condenável, e, quando os fura-greves dão início à violência, eles merecem nossa censura. Mas dar início à violência não é a característica que os define. Quando dela participam, fazem-no como indivíduos, e não como fura-greves enquanto fura-greves. Os leiteiros, afinal de contas, às vezes ficam furiosos e cometem agressão contra não agressores. Ninguém tomaria isso como prova de que a entrega de leite é uma atividade intrinsecamente maligna. Da mesma forma, o uso de violência ilegítima da parte dos fura-greves não torna ilegítima sua atividade.
Nestes últimos tempos, a opinião confusa e inconsistente acerca dos fura-greves tem se tornado cada vez mais evidente. Os “liberais”, tradicionalmente os mais veementes em denunciar fura-greves, ultimamente têm dado sinais de que estão confusos quanto a essa questão. Têm chegado à conclusão de que, em praticamente todos os casos, os fura-greves são mais pobres do que os trabalhadores que procuram substituir. E os “liberais” quase sempre têm defendido o trabalhador pobre. E, também, têm sido levantado o fantasma do racismo. Em muitos casos, os fura-greves negros têm sido colocados contra os trabalhadores brancos (não sindicalizados); GO trabalhadores mexicanos, contra trabalhadores mexicano-americanos; trabalhadores japoneses, contra trabalhadores americanos mais bem pagos.
O conflito com o conselho descentralizado de educação da escola Ocean Hill-Brownsville, no Brooklin, em Nova Iorque, é um caso de grande destaque. Seguindo o sistema de administração descentralizada, Rhody McCoy, o administrador negro do conselho escolar, demitiu vários professores brancos contra os quais fora alegado racismo dirigido a seus jovens alunos negros. Em resposta, a Federação dos Sindicatos dos Professores decretou greve geral do sistema educacional da cidade de Nova Iorque, incluindo o Ocean Hill-Brownsville. Para o distrito escolar negro do Ocean Hill-Brownsville continuar em atividade, o administrador da unidade, McCoy, teria de encontrar substitutos para os professores brancos grevistas. Ele encontrou, e, naturalmente, eram fura-greves. Daí o dilema enfrentado pelos “liberais”: por um lado, eram resolutamente contra os fura-greves, mas, por outro, resolutamente contra o racismo da Federação dos Professores. Evidentemente, havia mais emoção do que esclarecimento, em seus posicionamentos. Os fura-greves, obviamente, têm sido difamados injustamente. A relação de emprego não dá ao empregado qualquer privilégio de exclusividade perante trabalhadores que desejem concorrer ao mesmo emprego. A atividade do fura-greve e a livre concorrência são duas faces da mesma moeda.