InícioUncategorizedCapítulo V - FINANÇAS - 4. O prestamista

Capítulo V – FINANÇAS – 4. O prestamista

Desde os tempos bíblicos, quando os mercadores foram expulsos do templo, os prestamistas têm sido desprezados, criticados, vilipendiados, perseguidos e caricaturizados.  Shakespeare, em O mercador de Veneza, caracterizou o prestamista como um judeu que corria de um lado para o outro tentando cobrar sua “libra de carne”.  No cinema, no filme The Pawnbroker, o prestamista era objeto de repugnância. 

O prestamista, porém, juntamente com seus primos em primeiro grau, o usurário, o penhorista e o agiota, tem sido muito mal julgado.  Embora prestem um serviço necessário e importante, eles ainda assim são extremamente impopulares. 

O emprestar e o tomar emprestado existem porque as pessoas diferem quanto a sua taxa de preferência de tempo (a taxa à qual estão dispostas a negociar o dinheiro que possuem no presente pelo dinheiro que receberão no futuro).  O Sr.  A pode estar ansioso por ter dinheiro agora mesmo e não liga muito para o dinheiro que poderá ter no futuro.  Está disposto a desistir de 200 dólares, no ano que vem, para ter 100 dólares agora.  O Sr.  A tem uma taxa de preferência de tempo muitoalta.  Na outra ponta do espectro, estão as pessoas com taxas de preferência de tempo muitobaixas.  Para elas, o “futuro dinheiro” é quase tão importante quanto o “dinheiro atual”.  O Sr.  B, com uma baixa taxa de preferência de tempo, está disposto a desistir de apenas 102 dólares, no ano que vem, para receber 100 dólares agora.  Ao contrário do Sr.  A, que se importa muito mais com o dinheiro atual do que com o futuro dinheiro, o Sr.  B não abriria mão de uma grande importância de futuro dinheiro em troca de dinheiro vivo e à vista.  (Note-se que não existe uma preferência de tempo negativa, ou seja, uma preferência por dinheiro no futuro a dinheiro no presente.  Isso equivaleria a dizer que não haveria preferência por abrir mão de 100 dólares no presente a fim de obter 95 dólares no futuro.  Isso é irracional, a não ser que haja outras condições operando, que não a preferência de tempo.  Por exemplo, alguém poderia querer comprar proteção para o dinheiro que está inseguro agora, mas que estará a salvo daqui a um ano etc.  Ou alguém poderia querer saborear a sobremesa e adiar seu consumo para depois do jantar.  “Sobremesa antes do jantar”, então, seria considerado um bem diferente do que “sobremesa depois do jantar”, não importando o quanto os dois bens fossem similares em termos físicos.  Assim, não há preferência demonstrada por um bem no futuro ao mesmo bem no presente.)

Embora não seja necessário, é provável que uma pessoa com alta taxa de preferência de tempo (Sr.  A) torne-se um tomador líquido de dinheiro, e que uma pessoa com uma taxa de preferência de tempo baixa (Sr.  B) torne-se um emprestador.  Seria natural, por exemplo, para o Sr.  A, tomar dinheiro emprestado do Sr.  B.  O Sr.  A estaria disposto a abrir mão de 200 dólares daqui a um ano, a fim de ter 100 dólares agora, e o Sr.  B estaria disposto a emprestar 100 dólares agora, se pudesse receber pelo menos 102 dólares, passado um ano.  Se eles concordarem em que, daqui a um ano, deverão ser pagos 150 dólares por um empréstimo de 100 dólares hoje, ambos sairão ganhando.  O Sr.  A ganhará a diferença entre os 200 dólares que está disposto a pagar por 100 dólares agora e os 150 dólares que efetivamente pagará.  Ou seja, ganhará 50 dólares.  O Sr.  B ganhará a diferença entre os 150 dólares que de fato vai receber, daqui a um ano, e os 102 dólares que está disposto a aceitar, em um ano, por abrir mão de 100 dólares agora – um ganho de 48 dólares.  Na verdade, como emprestar dinheiro é um comércio como qualquer outro, ambas as partes têm de ganhar com o negócio, ou se recusariam a fazê-lo. 

O prestamista pode ser definido como alguém que faz empréstimos com seu dinheiro próprio ou de terceiros.  No último caso, sua função é a de intermediário entre o que empresta e o que toma emprestado.  Em ambos os casos, o prestamista é tão honesto quanto qualquer outro negociante. Ele não obriga ninguém a fazer negócios com ele, e nem ele é obrigado a fazer negócios com os.outros.  Existem, é claro, prestamistas desonestos, assim como existem pessoas desonestas em todas as situações da vida.  Mas nada há de desonesto ou repreensível na atividade, per se, de emprestar dinheiro.  Algumas críticas a esse respeito merecem um exame mais cuidadoso. 

 

1.  “A agiotagem é infame, porque não raro é acompanhada pela violência.  Os tomadores (ou vítimas) incapazes de pagar suas dívidas são, com frequência, encontrados assassinados – geralmente pelo agiota.” Os indivíduos que tomam dinheiro emprestado dos prestamistas, geralmente possuem, com estes, contratos com os quais concordaram plenamente.  Dificilmente alguém é vítima de um prestamista, se essa pessoa concordou em pagar um empréstimo e, então, não cumpriu o trato.  Ao contrário, o prestamista é que é vítima do tomador.  Se o empréstimo é consumado, e o pagamento, não, a situação equivale a roubo.  Há pouca diferença entre o ladrão que invade o escritório do prestamista e rouba dinheiro, e a pessoa que o “toma emprestado” através de um trato e, depois, se recusa a pagá-lo.  Em ambos os casos o resultado é o mesmo – alguém tomou posse de um dinheiro que não era seu. 

Matar um devedor è uma reação injusta, assim como o é assassinar um ladrão.  A principal razão pela qual os prestamistas fazem justiça pelas próprias mãos, entretanto, e não hesitam em usar a força, o assassinato, até, é que a agiotagem é controlada pelo submundo.  Mas esse controle acontece, virtualmente, por exigência do público! Quando os tribunais se recusam a obrigar os devedores a pagarem suas justas dívidas e proíbem o empréstimo de dinheiro a altas taxas de juros, entra o submundo.  Sempre que o governo declara ilegal uma mercadoria para a qual existem consumidores, seja uísque, drogas, jogo, prostituição ou empréstimos a altos juros, o submundo entra no ramo que os empresários fiéis à lei temem atender.  Nada há, no uísque, drogas, jogo, prostituição ou agiotagem, que seja intrinsecamente criminoso.  É unicamente devido a uma proibição legal que métodos de quadrilhas tornam-se associados a esses campos. 

 

2.  “O dinheiro é estéril e não produz nada por si próprio.  Sendo assim, qualquer cobrança de juros por seu uso é exploração.  Os prestamistas, que cobram taxas de juros anormais, estão dentre as pessoas mais exploradoras da economia.  Eles bem merecem o opróbrio que recebem.”

Afora a capacidade do dinheiro de comprar bens e serviços, ter o dinheiro antes, e não depois, é um escape para a dor de esperar tê-lo para poder fazer determinada coisa.  Isso fomenta um investimento produtivo que, ao final do prazo do empréstimo, mesmo depois do pagamento dos juros, rende mais bens e serviços do que no início. 

Quanto às taxas “exorbitantemente altas” de juros, deve-se entender que, num mercado livre, a taxa de juros tende a ser determinada pelas preferências de tempo de todos os agentes econômicos.  Se a taxa de juros está extraordinariamente alta, tendem a se desenvolver forças que a pressionam para baixo.  Se, por exemplo, a taxa de juros é maior do que a taxa de preferência de tempo das pessoas envolvidas, a demanda por empréstimos é menor do que a oferta, e a taxa de juros é forçada para baixo.  Se a taxa de juros não mostra qualquer tendência de baixa, isso indica, não que ela está muito alta, e sim que somente uma alta taxa de juros pode equilibrar a demanda por empréstimos e satisfazer a taxa de preferência de tempo dos agentes econômicos. 

Os que criticam as altas taxas de juros, têm em mente uma taxa de juros “justa”.  Mas uma taxa de juros “justa” ou um preço “justo” são coisas que não existem.  Este é um conceito atávico, uma regressão aos tempos medievais, quando os monges debatiam a questão, juntamente com a questão de quantos anjos podem caber na cabeça de um alfinete.  Se existe algum significado na doutrina da taxa de juros “justa”, só pode ser a da taxa que pode ser ajustada voluntariamente entre dois adultos, ou seja, nada mais, nada menos do que a taxa de juros de mercado. 

 

3.  “Os prestamistas exploram os pobres cobrando destes taxas de juros maiores do que cobram de outros credores.”

É mito corrente que os ricos compõem, virtualmente, a classe dos que emprestam como um todo, e os pobres, virtualmente, toda a classe dos que tomam dinheiro emprestado.  Isso, porém, não é verdade.  O que determina que uma pessoa se torne um emprestador ou um tomador de dinheiro é sua taxa de preferência de tempo, e não sua renda.  As empresas ricas que vendem títulos de crédito, são tomadores, pois a venda desses títulos representa dinheiro tomado emprestado.  A maioria das pessoas ricas que possuem imóveis ou outras propriedades sob pesadas hipotecas, são, é quase certo, tomadores, e não emprestadores.  Por outro lado, qualquer viúva ou pensionista pobre que possui uma pequena conta bancária é uma prestamista. 

E verdade que os prestamistas cobram dos pobres taxas de juros mais altas do que cobram de outras pessoas, mas, colocado desta maneira, isso pode gerar um mal-entendido.  Pois os prestamistas cobram taxas de juros maiores dos indivíduos que constituem um risco maior – os menos prováveis de pagar o empréstimo -, independentemente de sua condição econômica. 

Uma forma de diminuir o risco de inadimplência e, consequentemente, a taxa de juros cobrada, é dar bens reais em garantia, que são confiscados, se o empréstimo não é pago.  Uma vez que os ricos têm mais condições do que os pobres de oferecer tais garantias, seus empréstimos são concedidos a taxas de juros mais baixas.  A razão, porém, não é eles serem ricos, e sim que o emprestador fica menos sujeito a prejuízo, em caso de inadimplência. 

Nada há de desfavorável ou singular nessa situação.  Os pobres pagam um prêmio maior pelo seguro contra fogo, porque suas casas são menos à prova de fogo do que as dos ricos.  Pagam mais pela assistência médica, porque são menos saudáveis.  O custo da alimentação é maior para os pobres, porque há maior criminalidade nas zonas onde moram, e a criminalidade aumenta o custo de manter um negócio.  Para ser franco, isso é lamentável, mas não é resultado de malícia contra os pobres.  O prestamista, assim como a companhia de seguros, o sistema de saúde e o armazém, tenta proteger seu próprio investimento. 

Imaginemos os resultados de uma lei que proibisse a usura, que pode ser definida como cobrar uma taxa de juros mais alta do que a aprovada pelo legislador.  Já que são os pobres, e não os ricos, quem paga a taxa de juros mais alta, seria sobre esses que a lei teria seus primeiros efeitos. O efeito seria prejudicar os pobres e – quando muito – favorecer os ricos.  A lei pareceria destinar-se a proteger os pobres de terem de pagar taxas de juros altas, mas, na verdade, ela tornaria realmente impossível para eles tomarem qualquer dinheiro emprestado! Se o prestamista tivesse de escolher entre emprestar dinheiro aos pobres a taxas que considerasse baixas demais e, simplesmente, não lhes emprestar dinheiro, não é difícil saber qual seria sua escolha. 

O que o prestamista faria do dinheiro que, se não fosse pela lei proibitória, emprestaria aos pobres? Ele iria fazer empréstimos exclusivamente aos ricos, porque, quanto maior a oferta de um bem num dado mercado, menor é seu preço.  Não está em discussão, aqui, a questão de ser ou não justo proibir taxas de juros exorbitantes, mas somente os efeitos de uma lei nesse sentido.  E esses efeitos são, de forma bastante evidente, calamitosos para os pobres.

Walter Block
Walter Block
Walter Block é membro sênior do Mises Institute e professor de economia na Loyola University, Nova Orleans.
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