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Capítulo IV — O conflito de interesses de classe e a luta de classes

§1
O conceito de classe e do conflito de classes

A qualquer dado momento a posição de um indivíduo na economia social determina suas relações com todos os outros membros da sociedade. Ele se relaciona com eles em termos de troca, tanto como aquele que dá quanto aquele que recebe, como vendedor e comprador. Sua posição na sociedade não precisa necessariamente prendê-lo a uma única atividade. Um homem pode ser, simultaneamente, dono de terra, recebedor de salário, e capitalista; outro pode ser simultaneamente empreendedor, empregado e dono de terra; um terceiro empreendedor, capitalista, e dono de terra, etc. Alguém pode produzir queijo e cestos, mas se empregar ocasionalmente como trabalhador-diário. Mas, até mesmo a situação daqueles que se encontram em posições aproximadamente iguais, diferem de acordo com as circunstâncias especiais em que eles aparecem no mercado. Até mesmo como um comprador para seu próprio consumo, todo homem está situado diferentemente dos outros de acordo com suas necessidades especiais. No mercado sempre existem apenas indivíduos singulares. E em uma economia livre, o mercado permite a emergência de diferenças individuais: ele “atomiza” como é algumas vezes dito — usualmente de certa forma lamentável. Até mesmo Marx teve de fazer um ponto de explicar que “conforme compras e vendas são feitas somente entre indivíduos, é inadmissível procurar nelas por relações entre classes sociais inteiras.” [1]

Se usarmos o termo classe para denotar todos aqueles em posições sociais aproximadamente iguais, é importante lembrar que a questão sobre se as classes têm qualquer importância especial na vida social não está, portanto, resolvida. A esquematização e classificação per se não possuem valor cognitivo. A significância científica de um conceito surge de sua função nas teorias em que ele pertence; fora do contexto dessas teorias é nada mais do que um brinquedo intelectual. A utilidade da teoria de classes não é provada quando é apontado que, como homens se encontram em diferentes posições sociais, a existência de classes sociais é inegável. O que importa não é a posição social do indivíduo, mas a significância dessa posição na vida de sociedade. Já é há muito reconhecido que o contraste entre ricos e pobres, como todo contraste econômico, desempenha uma grande parte na política. É igualmente bem conhecida a importância histórica de diferenças em ranques e castas, isto é, diferenças na posição legal, ou desigualdade perante a lei. A economia política clássica não contestou isso. Mas, encarregou-se de mostrar que todos esses contrastes se derivaram de instituições políticas erradas. De acordo com a economia política clássica, corretamente entendida, os interesses dos indivíduos nunca são incompatíveis. Acreditar em conflitos de interesse, que antigamente era bem importante, realmente veio de ignorância das leis naturais da vida social. Uma vez que os homens reconheceram que, corretamente entendidos, todos os interesses eram idênticos, esses problemas cessariam de influenciar na discussão política.

Mas, a economia política clássica, que ensinou a solidariedade de interesses, ela mesma colocou a pedra de fundação para uma nova teoria de conflito de classes. Os mercantilistas colocaram os bens como o centro da economia, que nos olhos deles era uma teoria de riqueza objetiva. Foi o grande feito dos clássicos estabelecer, a respeito disso, além dos bens, o homem econômico. Eles, assim, prepararam o caminho para a economia moderna que coloca o homem e suas valorações subjetivas no cerne de seu sistema. Um sistema em que homem e bens são colocados, por assim dizer, em pé de igualdade cai inevitavelmente em duas partes, uma ao tratar da produção de riqueza, e outra ao tratar da distribuição de riqueza. Conforme a economia vai se tornando uma ciência cada vez mais estrita, um sistema de catalaxia, mais essa concepção tende a retroceder. Mas a ideia de distribuição permanece por um tempo. E isso dá origem, por sua vez, a ideia de uma divisão entre o processo de produção e aquele de distribuição. Os bens são primeiramente produzidos, e então distribuídos. Independentemente do quão claro isso é, na economia capitalista, produção e “distribuição” estão indissoluvelmente interconectadas, essa concepção infeliz tende a confundir o assunto. [2]

Tais mal-entendidos são de fato inevitáveis uma vez que o termo “distribuição” é adotado e o problema de imputação é considerado como um problema de distribuição. Para tal teoria de imputação, ou, para usar um termo mais correspondente à configuração clássica do problema, teoria de renda, é preciso distinguirmos entre as várias categorias dos fatores de produção, embora o mesmo princípio fundamental de formação de valor seja aplicado a todas. O “Trabalho” é separado de “Capital”, e de “Terra”. Nada é mais simples, nesse contexto, do que considerar trabalhadores, capitalistas e donos de terras como classes diferentes, como Ricardo fez, pela primeira vez, no prefácio de seu Principles. O fato de que os economistas clássicos não separaram “lucro” em suas partes componentes, apenas aumentava essa tendência e nos deu a figuração de uma sociedade dividida em três grandes classes.

Mas Ricardo vai ainda mais longe. Ao mostrar como “em diferentes estágios da sociedade”[3] as proporções do produto total que será distribuído para cada uma das classes são diferentes, ele estende o conflito de classes para dinâmicas. Seus sucessores o seguem nesse caminho. E aqui é onde Marx entra com a teoria econômica que ele expõe no Das Kapital. Em seus escritos mais antigos, especialmente nas palavras introdutórias do Manifesto Comunista, Marx ainda concebe as classes e o conflito entre elas no sentido antigo de um contraste na posição legal e no tamanho da fortuna. O elo entre as duas noções é providenciado por uma visão das relações de trabalho modernas como a dominação do proprietário sobre o trabalhador. Mas mesmo em Das Kapital, Marx não define precisamente o conceito de classe, embora seja de fundamental significância para sua teoria. Ele não diz o que é classe, limitando-se a enumerar as “grandes classes” em que a sociedade capitalista moderna se organiza.[4] Aqui ele segue a divisão de Ricardo, negligenciando o fato que para seu predecessor, a teoria de classes é importante somente para a teoria da catalaxia.

O sucesso da teoria marxista de classes e do conflito de classes tem sido tremendo. Hoje em dia a distinção marxiana de classes presentes na sociedade e a teoria do irreconciliável conflito entre elas é quase universalmente aceito. Mesmo aqueles que desejam, e efetivamente trabalham pela paz entre classes, por via de regra, não contestam a visão de contrastes de classe e luta de classes. Mas o conceito do que é classe segue tão incerto quanto antes. Para os seguidores de Marx, assim como para o próprio Marx, o conceito se apresenta  em todas as cores do arco-íris.

Se, seguindo o sistema do Das Kapital, esse conceito é baseado na divisão clássica dos fatores de produção, então uma classificação que foi inventada apenas para propósitos da teoria de troca, e é apenas justificável nisso, é transformada na base do conhecimento sociológico geral. O fato que é despercebido é de que a organização do fator de produção em dois, três ou quatro grandes grupos econômicos é somente um problema de arranjo da teoria, e só é válido dentro desse contexto. A classificação dos fatores de produção não é uma categorização de homens ou grupos de homens, mas de funções; a justificativa da divisão reside exclusivamente no propósito da teoria da catalaxia que é pretendida a servir. A separação de “terra”, por exemplo, deve sua posição especial à teoria clássica de aluguel de terra. De acordo com essa teoria, terra é um requisito de produção que, sob certas suposições, pode gerar um aluguel. Da mesma forma, a posição do capital como fonte de lucro, e do trabalho como fonte do salário, dá-se por conta das peculiaridades do sistema clássico. Em soluções subsequentes do problema de distribuição que separava o “lucro” da escola clássica em lucro do empreendedor e em juros sobre capital, o agrupamento dos fatores de produção era completamente diferente. Na teoria de imputação moderna, pelo contrário, o agrupamento dos fatores de produção de acordo com o esquema da teoria clássica não é mais importante. O que foi primeiro chamado de problema de distribuição agora é o problema de formação de preços de bens de ordens superiores. Apenas o conservadorismo de classificação científica tende a manter a antiga terminologia. Um agrupamento em maior concordância com o espírito da teoria de imputação teria de proceder de uma base totalmente diferente — por exemplo, a separação de ramos dinâmicos e estáticos de renda.

No entanto — e esse é o ponto essencial — em nenhum sistema a base para o agrupamento de fatores é determinado por suas características naturais. É na falha em perceber isso que há o erro mais grave da teoria econômica de classes. Essa teoria começou assumindo inocentemente uma relação interna (criada por condições econômicas naturais) entre esses fatores de produção que foram agrupados por razões analíticas. Ela constrói uma terra uniforme, que pode ser usada para todos os tipos de agricultura, e um trabalho uniforme, que pode trabalhar com qualquer coisa. Ela faz uma concessão, uma tentativa de conformar-se com a realidade, quando distingue terras usadas para a agricultura, terras usadas para mineração, e terras para áreas urbanas, também quando distingue trabalho apto e inapto. Mas essa concessão não melhora o todo. Trabalho qualificado é tanto uma abstração quanto “trabalho” puro e simples, e terra agrícola é tanto uma abstração quanto “terra” pura e simples. E — o que importa aqui — são abstrações que deixam de fora apenas aquelas características que são essenciais ao estudo sociológico. Ao lidar com as peculiaridades da formação de preços, podemos, em certas circunstâncias, ser permitidos fazer o contraste entre os três grupos: terra, capital e trabalho. Mas isso não prova de forma alguma que tal agrupamento é permitido quando estamos lidando com um problema muito diferente.

§2
Estamentos e Classes

A teoria da luta de classes constantemente confunde as noções de estamento (em alemão, “Stand”) e de classe.[5] Estamentos eram instituições legais, não fatos economicamente determinados. Todo homem nascia em um estamento e geralmente permanecia nele até morrer. Por toda a vida possuía a filiação estamental, a qualidade de ser um membro de um determinado estamento. Alguém era mestre ou servo, homem livre ou escravo, dono da terra ou atado a terra (“Grundholde”), patrício ou plebeu, não porque ocupava uma determinada posição na vida econômica, mas porque pertencia a um determinado estamento. Admitidamente o estamento é, em suas origens, uma instituição econômica, no sentido de que, tal como toda ordem social, eles surgiram antes de tudo por causa da necessidade de proteger a cooperação social. Mas a teoria social que baseava essa instituição era fundamentalmente diferente da teoria liberal, pois a cooperação humana era concebida apenas como um “tomar” por alguns e um “dar” por outros. Que o dar e o tomar poderiam ser mútuos e todas as partes ganhassem por meio disso, era totalmente incompreensível a tal teoria. Uma época posterior, buscando justificar o sistema estamental que, à luz das ideias liberais que então começaram lentamente a raiar no mundo, tinha começado a parecer não social e também injusto, baseado em um fardo unilateral das ordens inferiores, fabricou uma reciprocidade artificial na relação: as ordens superiores davam às inferiores proteção, sustentação, o uso da terra, e assim em diante. Mas a própria existência dessa doutrina revela que a decadência da ideologia estamental já havia começado. Tais ideias eram alienígenas à instituição em seus tempos de auge, quando a relação era francamente uma relação de violência, como pode ser claramente visto na primeira distinção essencial trazida pelo estamento — a distinção entre livre e não livre. A razão pela qual o escravo via a escravidão como natural, resignando a si mesmo para sua sina em vez de continuar a se rebelar e correr enquanto houvesse ar em seu corpo, não era que ele acreditava que a escravidão era uma instituição justa, igualmente vantajosa ao mestre e ao escravo, mas simplesmente porque ele não queria pôr a sua vida em risco por insubordinação.

Ao enfatizar o papel histórico da escravidão, procurou-se refutar a visão liberal da sujeição e também da instituição estamental. A escravidão, era dito, servia para indicar um avanço na civilização, quando homens presos em batalha eram escravizados em vez de serem mortos. Sem a escravidão, uma sociedade dividindo o trabalho, na qual as trocas são separadas de uma produção primária, não poderia ser desenvolvida até que todo solo livre acabasse, pois todos teriam preferido ser mestres livres de suas próprias terras em vez de ser um trabalhador sem-terra com matérias primas produzidas por outros, muito menos um trabalhador sem propriedade na terra de alguém. Nessa perspectiva a escravidão possui uma justificativa histórica, já que uma civilização desenvolvida é inconcebível sem a divisão do trabalho que dá a parte da população uma vida de lazer, livre de preocupações comuns com o pão de cada dia.[6]

É apenas para aqueles que estudam história com os olhos de um moralista que a questão de se uma instituição histórica pode ou não ser justificada pode surgir no final das contas. O fato de que aconteceu historicamente nos mostra que forças estavam ativas para fazê-la surgir. A única questão que pode ser perguntada cientificamente é se a instituição realmente cumpriu a função designada. Nesse caso, a resposta é definitivamente negativa. A escravidão não preparou o caminho para a divisão do trabalho. Ao contrário, ela bloqueou-o. Em verdade, a sociedade industrial moderna, com sua divisão do trabalho altamente desenvolvida, não poderia começar a crescer até que a escravidão tivesse sido abolida. A terra livre e sem dono continuou a existir para a ocupação sem impedir a emergência de trocas especiais ou de uma classe de assalariados livres. Pois a terra livre teria primeiro de ser feita cultivável. Antes de render seus frutos precisaria de suprimentos e aprimoramentos. Frequentemente, em sua fertilidade e quase sempre em sua situação, era pior que a terra sob cultivo.[7] A propriedade privada nos meios de produção é a única condição necessária para o desenvolvimento extensivo da divisão do trabalho. A escravidão do trabalhador não era necessária para criá-la.

Na relação entre os estamentos, dois tipos são característicos. Um é a relação entre o senhor feudal e o cultivador. O senhor feudal permanece quase totalmente fora do processo de produção. Ele aparece apenas quando a safra tiver sido colhida e o processo de produção tiver sido completo. Então ele toma sua parte. Para entender a natureza dessa relação nós não precisamos entender se ela se originou do subjugo de camponeses livres ou pela ocupação de pessoas em terras pertencentes ao senhor feudal. O fato relevante é que a relação está fora da produção e não pode, portanto, ser dissolvida através de um processo econômico, tal como a comutação de aluguéis e dízimos pelo agricultor. Na medida em que o aluguel é comutável, a relação deixa de ser uma relação de dependência e se torna uma de direito de propriedade. A segunda relação típica é a do mestre com o escravo. Aqui o mestre exige trabalho, não bens, e recebe o que ele exige sem qualquer contrasserviço ao escravo, mas uma despesa necessária a não ser que ele queira perder o trabalho do escravo. Sob a instituição estritamente desenvolvida da escravidão, o escravo é alimentado apenas enquanto seu trabalho traz um excedente em relação a seus custos de subsistência.

Nada é menos razoável do que comparar estas duas relações com a relação entre empreendedor e trabalhador em uma economia livre. Historicamente, o trabalho livre assalariado cresceu a uma certa medida às custas do trabalho de escravos e servos, e isso foi a muito tempo antes de deixar para trás todos os vestígios de sua origem e se tornar o que é atualmente na economia capitalista. Mas é um desentendimento completo da economia capitalista equalizar o trabalho economicamente livre por salário com o trabalho feito pelos não livres. Pode-se traçar comparações sociológicas entre esses dois sistemas. Pois ambos envolvem divisão do trabalho e cooperação social, e nisso revela características em comum. Mas os estudos sociológicos precisam não negligenciar o fato de que o caráter econômico dos dois sistemas é bem diferente. A análise do caráter econômico do trabalho livre com argumentos derivados dos estudos do trabalho escravo está condenada a ser inútil. O trabalhador livre recebe em salário o que é economicamente imputado a seu trabalho. O senhor de escravos gasta o mesmo montante — ao providenciar para o sustento do escravo e ao pagar ao traficante de escravos um preço pelo escravo que corresponde ao valor presente dos montantes pelas quais os salários do trabalho livre são ou seriam maiores do que os custos de sustento do escravo. O excedente dos salários do trabalho sobre os custos de sustento do trabalhador, assim, vai à pessoa que transforma o homem livre em escravo — ao caçador de escravos, não ao vendedor de escravos ou ao dono de escravos. Esses dois não derivam qualquer renda específica na economia escravagista. É evidente que, portanto, qualquer um que tente defender a teoria de exploração ao se referir a condições de uma economia escravista possui um completo desentendimento do problema.[8]

Numa sociedade dividida em estamentos, todos os membros dos estamentos que carecem de direitos completos antes que a lei tenha um interesse em comum com outros membros: eles se esforçam para melhorar a posição legal de seu estamento. Todos os que estão ligados ao solo se esforçam para aliviar seu fardo através do aluguel; todos os escravos se esforçam pela liberdade, isto é, por uma condição sob a qual eles podem usar seu trabalho por si mesmos. Quanto mais forte a comunidade de interesses de todos os membros de um estamento, menos o indivíduo é capaz de ascender na sociedade acima da esfera legal de seu estamento. Não importa muito aqui que em alguns casos raros, especialmente de indivíduos talentosos, ajudados por felizes acidentes, puderam subir a estamentos superiores. Nenhum movimento de massa nasce dos anseios e das esperanças não satisfeitos em indivíduos isolados. O desejo de renovar sua própria força em vez de um anseio de aliviar a tensão social é o que causa a limpa de caminho dos estamentos mais privilegiados para a ascensão dos mais talentosos. Indivíduos talentosos que foram impedidos de ascender podem se tornar perigosos apenas se seus clamores por ações violentas encontram um eco no amplo estrato das pessoas descontentes.

§3
 Luta de classes

O estabelecimento de conflitos particulares entre estamentos não poderia remover a distinção entre os estamentos enquanto a ideia de dividir a sociedade permanecesse desse modo. Até mesmo quando os oprimidos perturbaram a subordinação, as diferenças de estamentos não foram abolidas. O liberalismo sozinho poderia superar os conflitos fundamentais entre estamentos. Ele o fez ao abolir a escravidão — com a fundamentação de que o trabalho livre era mais produtivo do que o não-livre — e ao proclamar a liberdade de movimento e mudança de profissão como o desiderato fundamental de uma diretiva racional. Nada expõe mais claramente a incapacidade do antiliberalismo de apreender a significância histórica do liberalismo além de uma tentativa de representar essa conquista como sendo produto de “interesses” de um grupo especial.

Na luta entre estamentos, todos os membros de um estamento permanecem juntos porque possuem um interesse em comum. Independente do quão seus interesses, de outro modo, divergem, eles encontram-se nessa fundamentação. Eles querem uma melhor posição legal de seu estamento. Vantagens econômicas geralmente acompanham isso, o porquê das diferenças legais serem mantidas entre estamentos se dá precisamente pelo fato delas conferirem vantagens econômicas para alguns e prejuízos econômicos a outros.

Mas a “classe” da teoria da luta de classes é um assunto totalmente diferente. A teoria do conflito inconciliável de classes é ilógica quando não continua ao dividir a sociedade em três ou quatro grandes classes. Levada às suas conclusões lógicas, a teoria teria de continuar, e então dissolver a sociedade em grupos de interesses até que alcançasse grupos cujos membros exerçam precisamente a mesma função. Não é suficiente separar os donos em donos de terra e capitalistas. A diferenciação precisa proceder até que atinja grupos como fiandeiros de algodão que manufaturam a mesma quantidade de fios, ou os manufatureiros de couro chevreau preto, ou os manufatureiros de cervejas leves. Tais grupos têm, é verdade, um interesse em comum contra a massa dos outros: eles estão vitalmente interessados na venda favorável de seus produtos. Mas esse interesse comum é estreitamente limitado. Numa economia livre, um único ramo de produção não pode, no longo prazo, obter mais do que um lucro médio e não pode, por outro lado, trabalhar em prejuízo. O interesse comum dos membros de uma troca não se estende, portanto, além da tendência do mercado dentro de um limitado espaço de tempo. Para o resto, a competição, não a imediata solidariedade de interesses, opera entre eles. Essa competição é suspensa por interesses especiais apenas quando a liberdade econômica é limitada de alguma maneira. Mas se o esquema é para reter sua utilidade para criticar a teoria da solidariedade dos interesses de classes, deve-se produzir evidências de que essa competição é suspensa numa economia livre. A teoria da luta de classes não pode ser provada sólida por uma referência a interesses comuns de donos de terra como estando em conflito com a população urbana por causa de políticas tributárias, ou ao conflito entre donos de terra e moradores da cidade sobre a questão de um governo político. A teoria liberal não nega que a interferência do Estado em trocas cria interesses especiais, nem que por esse meio grupos particulares posam extrair privilégios para si mesmos. Ela simplesmente diz que tais favores especiais, quando eles são privilégios excepcionais de pequenos grupos, levam a conflitos políticos violentos, a revoltas da maioria não privilegiada contra a minoria dos privilegiados, pela qual, ao constantemente perturbar a paz, faz o desenvolvimento social estagnar. Isso explica ainda que onde esses privilégios especiais constituem uma regra geral, eles prejudicam todos, pois eles tomam com uma mão o que eles dão com a outra, e deixam para trás, como um resultado permanente, apenas um declínio geral na produtividade do trabalho.

No longo prazo, a comunidade de interesses entre os membros de um grupo e o contraste entre seus interesses e os interesses de outros grupos surgem sempre das limitações do direito de propriedade, da liberdade de comércio e da escolha de ocupação. Apenas no curto prazo eles podem surgir da condição do mercado como tal. Mas se entre os grupos cujos membros ocupam a mesma posição na economia não houver comunidade de interesses que os coloca em oposição a todos os outros grupos, certamente não pode haver tal comunidade dentro dos grupos maiores cujos membros ocupam não a mesma, mas meramente uma posição similar. Se não há comunidade de interesses especiais dos fiandeiros de algodão entre si, também não há na indústria do algodão, nem entre os fiandeiros e os fabricantes de máquinas. Entre o fiandeiro e o tecelão, o fabricante da máquina e o usuário da máquina, o contraste direto de interesses é o mais acentuado possível. Uma comunidade de interesses existe apenas quando a competição é excluída, por exemplo, entre os proprietários de terras de uma  certa qualidade ou situação.

A teoria de que a população se divide em três ou quatro grandes grupos, cada um com um interesse comum, erra ao considerar os proprietários de terras como uma classe com interesses unitários. Nenhum interesse comum especial une os proprietários de terras aráveis, de florestas, de vinhas, de minas ou real estate urbano, a não ser que defendam o direito à propriedade privada da terra. Mas esse não é o interesse especial dos proprietários. Quem quer que tenha reconhecido a importância da propriedade privada dos meios de produção precisa defender, possuindo propriedade ou não, o princípio em seu próprio interesse, bem como no interesse do proprietário. Os proprietários de terras têm interesses especiais genuínos apenas onde a liberdade de adquirir propriedade e de comercializar tem sido limitada.

Também não há interesses comuns entre os trabalhadores. O trabalho homogêneo é tão inexistente quanto o trabalhador universal. O trabalho do fiandeiro é diferente do trabalho do minerador e do trabalho do médico. Os teóricos do socialismo e do conflito de classes irreconciliável falam como se houvesse algum tipo de trabalho abstrato para o qual todos estivessem qualificados e como se o trabalho qualificado dificilmente fosse questionado. Na realidade, esse trabalho “absoluto” não existe. Nem o trabalho não qualificado é homogêneo. Um catador é diferente de um bagageiro. Além disso, o papel do trabalho não qualificado é muito menor, considerado puramente numericamente, do que supõe a teoria de classe ortodoxa.

Ao deduzir as leis da teoria da imputação, estamos justificados em falar simplesmente de “terra” e de “trabalho”. Pois, a partir desse ponto, todos os bens de ordem superior são significativos apenas como objetos econômicos. A razão para simplificar a variedade infinita de bens de ordens superiores em alguns grandes grupos é a conveniência de elaborar a teoria que é, obviamente, direcionada a um objetivo definido. É comum reclamar que a teoria econômica trabalha com abstrações; mas precisamente aqueles que fazem essa reclamação esquecem, eles mesmos, que os conceitos de “trabalho” e “trabalhador”, “capital” e “capitalista”, e assim por diante, são abstratos; e não hesitam em transplantar o “trabalhador” da economia teorética para uma figuração do que se supõe ser a vida social real.

Os membros de uma classe são competidores. Se o número de trabalhadores diminui, e se a produtividade marginal do trabalho cresce de acordo, os salários aumentam e, com eles, a renda e o padrão de vida do trabalhador. Os sindicatos não podem alterar isso. Quando eles, que deveriam ser chamados à existência para lutar contra os empreendedores, fecham sua filiação como guildas, eles implicitamente reconhecem o fato.

A competição opera entre os trabalhadores quando eles competem por posições mais altas e pela promoção a cargos mais altos. Membros de outras classes podem se dar ao luxo de permanecer indiferentes quanto às exatas pessoas que estão contadas na minoria relativa que sobe dos estratos mais baixos para os mais altos, contanto que esses sejam os mais capazes. Mas para os próprios trabalhadores este é um assunto importante. Cada um está competindo com os outros. Claro que cada um está interessado em ver que todo outro cargo de encarregado seja ocupado pelo homem mais adequado e melhor. Mas cada um está ansioso para que aquele trabalho que está ao seu alcance caia em suas mãos, mesmo que ele não seja o homem mais adequado para o trabalho; e a vantagem para ele supera a fração das desvantagens gerais que podem eventualmente surgir em seu caminho.

A teoria da solidariedade dos interesses de todos os membros da sociedade é a única teoria que mostra como a sociedade é possível; e se for abandonada, a unidade social se dissolve não apenas em classes, mas em indivíduos que se confrontam como adversários. O conflito entre os interesses individuais é superado na sociedade, mas não na classe. A sociedade não conhece outros componentes além dos indivíduos. A classe unida por uma comunidade de interesses especiais não existe; é a invenção de uma teoria articulada de forma incompleta. Quanto mais complicada for a sociedade, e quanto mais a diferenciação tiver progredido nela, tanto mais numerosos serão os grupos de pessoas igualmente colocadas dentro do organismo social; apesar de necessariamente, o número de membros em cada grupo diminuir conforme o número de grupos aumenta. O fato de os membros de cada grupo terem certo interesse imediato em comum não cria, por si só, uma igualdade universal de interesses entre eles.

A igualdade de posição os torna competidores, não pessoas com aspirações comuns. Nem pode qualquer comunidade absoluta de interesses surgir da semelhança incompleta entre as posições dos grupos aliados. Na medida em que suas posições sejam semelhantes, haverá competição entre eles.

Os interesses de todos os proprietários de fábricas de algodão podem ser paralelos em certas direções, mas, na medida em que for esse o caso, mais eles serão concorrentes entre si. Em outros aspectos, apenas os proprietários de fábricas que produzem o mesmo número de fios estarão em posições exatamente paralelas. Aqui, novamente, nessa medida, eles estão competindo entre si. Em outros aspectos, entretanto, os interesses comuns são semelhantes em um campo muito mais amplo; podem abranger todos os trabalhadores da indústria do algodão, depois, novamente, todos os produtores de algodão, incluindo plantadores e trabalhadores, ou ainda, todos os industriais de qualquer tipo, etc.: o agrupamento varia perpetuamente de acordo com o objetivo e os interesses a serem perseguidos. Mas a semelhança completa é rara e, onde existe, leva não apenas a interesses comuns vis-à-vis a terceiros, mas, simultaneamente, à competição entre as partes dentro do grupo.

Uma teoria que fizesse todo o desenvolvimento social proceder a partir das lutas de classes teria de mostrar que a posição de cada indivíduo no organismo social era inequivocamente determinada por sua posição de classe, isto é, por pertencer a uma determinada classe e a relação desta classe com outras classes. O fato de que em todas as lutas políticas certos grupos sociais estão em conflito uns com os outros não é de forma alguma uma prova dessa teoria. Para ser correta, ela precisa ser capaz de demonstrar que o agrupamento está necessariamente direcionado para um determinado caminho e não pode ser influenciado por ideologias que são independentes da posição de classe; que a maneira pela qual os grupos menores se combinam para formar grupos maiores, e estes novamente formam classes que dividem toda a sociedade, não é uma forma de compromissos e alianças formadas para cooperação temporária, mas resulta de fatos criados por necessidades sociais, de uma inequívoca comunidade de interesses.

Consideremos, por exemplo, os diferentes elementos dos quais o Partido Agrário é composto. Na Áustria, os viticultores, os produtores de cereais e os criadores de gado unem-se para formar um partido comum. Mas certamente não se pode afirmar que a semelhança de interesses os aproximou. Pois cada um desses três grupos têm interesses diferentes. A fusão com o fim de assegurar certas políticas de proteção é um compromisso entre interesses conflitantes. Esse compromisso, entretanto, só é possível com base em uma ideologia que vai além dos interesses da classe. O interesse de classe de cada um desses três grupos é oposto ao dos outros grupos. Eles só podem se encontrar pondo de lado certos interesses especiais, total ou parcialmente, embora façam isso para lutar com mais eficácia por outros interesses especiais.

Acontece o mesmo com os trabalhadores, que se contrapõem aos donos dos meios de produção. Os interesses especiais dos diferentes grupos de trabalhadores também não são unitários. Eles têm interesses bastante diferentes de acordo com o conhecimento e habilidade de seus membros. Certamente não é em virtude de sua posição de classe que o proletariado é aquela classe homogênea que os partidos socialistas imaginam que seja. Somente a adesão à ideologia socialista, que obriga todo indivíduo e todo grupo a renunciar aos seus interesses especiais, faz com que seja assim. O trabalho diário dos sindicatos consiste precisamente em efetivar compromissos entre esses conflitos de interesse.[9]

Coalizões e alianças entre grupos de interesse, exceto coalizões e alianças existentes, são sempre possíveis. E os que realmente existem dependem da ideologia, não da posição de classe dos grupos. Objetivos políticos, não identidade de interesses, são os que determinam a coerência do grupo. A comunidade de interesses especiais é sempre restrita a um campo estreito e é obliterada ou neutralizada pelo conflito de outros interesses especiais, a menos que uma certa ideologia faça a comunidade de interesses parecer mais forte do que o conflito de interesses.

A comunidade de interesses de classe não existe de forma independente da consciência de classe, e a consciência de classe não é meramente adicional a uma comunidade de interesses especiais; ela cria essa comunidade. Os proletários não são um grupo especial dentro da estrutura da sociedade moderna, cuja atitude é inequivocamente determinada por sua posição de classe. Os indivíduos são reunidos para uma ação política comum pela ideologia socialista; a unidade do proletariado não vem de sua posição de classe, mas da ideologia da luta de classes. Como uma classe, o proletariado não existia antes do socialismo: a ideia socialista primeiro o criou, combinando certos indivíduos para atingir um determinado fim político. Não há coisa alguma no socialismo que o torne especialmente apropriado para promover os reais interesses das classes proletárias.

Em princípio, a ideologia de classe não é diferente da ideologia nacional. Na verdade, não há contraste entre os interesses de determinadas nações e raças. É a ideologia nacional que primeiro cria a crença em interesses especiais e transforma as nações em grupos especiais que lutam entre si. A ideologia nacionalista divide a sociedade verticalmente; a ideologia socialista divide a sociedade horizontalmente. Nesse sentido, os dois são mutuamente exclusivos. Às vezes, um tem a vantagem, às vezes o outro. Na Alemanha, em 1914, a ideologia nacionalista colocou a ideologia socialista em segundo plano — e de repente havia uma frente única nacionalista. Em 1918, a frente socialista triunfou sobre a nacionalista. Em uma sociedade livre, nenhuma classe está separada por interesses irreconciliavelmente contrastantes. A sociedade é a solidariedade de interesses. A união de grupos especiais tem sempre como objetivo seguro a destruição dessa coesão. Seu objetivo é antissocial. A comunidade especial de interesses proletários se estende apenas na medida em que perseguem um objetivo — quebrar a sociedade. O mesmo ocorre com a comunidade especial de interesses que supostamente existe para toda uma nação.

Porque a teoria marxista não define sua noção de classe mais de perto, as pessoas têm sido capazes de usá-la para a expressão das mais diversas ideias. Quando definem o conflito decisivo como aquele entre proprietários e não proprietários, ou entre interesses urbanos e rurais, ou entre burgueses, camponeses e trabalhadores; quando falam dos interesses do “capital armamentista”, do “capital do álcool” do “capital financeiro”;[10] quando em um momento falam da Internacional Dourada e no seguinte explicam que o imperialismo se deve aos conflitos do capital, é fácil perceber que estes são os mais simples slogans do demagogo, destituídos de qualquer interesse sociológico real. Assim, em suas contendas mais fundamentais, o marxismo nunca se elevou acima do nível de uma doutrina para o orador de caixote.[11]

§4
Formas da luta de classes

O produto nacional total é dividido em salários, aluguéis, juros e lucros. Toda a teoria econômica considera como definitivamente estabelecido que essa divisão procede, não de acordo com o poder extraeconômico de cada classe, mas de acordo com a importância que o mercado imputa aos fatores de produção individuais. A economia política clássica e a teoria moderna do valor marginal concordam nisso. Até mesmo a doutrina marxista, que emprestou da teoria clássica sua teoria de distribuição, concorda. Ao deduzir desta forma as leis segundo as quais o valor do trabalho é determinado, também é estabelecido uma teoria de distribuição na qual elementos econômicos são os únicos decisivos. A teoria marxista da distribuição nos parece cheia de contradições e absurdos. No entanto, é uma tentativa de encontrar uma explicação puramente econômica para a forma como os preços dos fatores de produção são formados. Mais tarde, quando Marx foi levado, por razões políticas, a reconhecer as vantagens do movimento sindical, ele fez algumas pequenas concessões nesse ponto. Mas o fato de ele se apegar ao seu sistema de economia mostra que essas foram apenas concessões que deixaram intocadas suas visões fundamentais.

Se fossemos descrever como uma “luta” o esforço de todas as partes no mercado para obter o melhor preço possível, então poderíamos dizer que há uma guerra constante de cada um contra cada um ao longo da vida econômica; mas de forma alguma que há uma luta-de-classes. A luta não é entre classe e classe, mas sim entre indivíduos. Até mesmo quando grupos de concorrentes se reúnem para a ação conjunta, classe não confronta classe, mas um grupo se opõe ao outro. O que um único grupo de trabalhadores obteve para si mesmo não beneficia a todos os trabalhadores; os interesses dos trabalhadores de diferentes ramos de produção são tão conflitantes quanto os dos empreendedores e trabalhadores. Quando se fala de luta de classes, a teoria socialista não pode ter em mente essa oposição de interesses de compradores e vendedores.[12] O que  ela entende por luta de classes ocorre fora da vida econômica, embora como resultado de motivos econômicos. Quando considera a luta de classes análoga à luta entre estamentos, ela pode apenas se referir à luta política que ocorre fora do mercado. Afinal, esse era o único tipo de conflito possível entre mestres e escravos, proprietários de terras e servos; no mercado, eles não tinham relações uns com os outros.

Mas o marxismo vai além disso. Ele assume isto como autoevidente, que apenas os proprietários estariam interessados em manter a propriedade privada dos meios de produção, que os proletários têm o interesse contrário ao dos proprietários e que ambos sabem seus interesses e agem de acordo. Já vimos que essa visão só é aceitável se estivermos preparados para engolir a teoria marxiana inteira. A propriedade privada dos meios de produção atende igualmente aos interesses de proprietários e não proprietários. Certamente não é de forma alguma verdade que os membros das duas grandes classes a partir das quais, de acordo com a teoria marxiana, a sociedade está dividida sejam naturalmente conscientes de seu interesse na luta de classes. Os marxianos tiveram de trabalhar duro para despertar a consciência de classe dos trabalhadores, isto é, fazer os trabalhadores darem suporte aos planos marxianos para a socialização da propriedade. O que une os trabalhadores para a ação cooperativa contra a classe burguesa é precisamente a teoria do conflito de classes irreconciliável. A consciência de classe, criada pela ideologia do conflito de classes, é o Ser da luta, e não o contrário. A ideia criou a classe, não a classe a ideia.

As armas da luta de classe não são mais econômicas do que as suas origens. Greves, sabotagens, ações violentas e terrorismo de todos os tipos não são meios econômicos. Eles são meios destrutivos, projetados para interromper o movimento da vida econômica. São armas de guerra que precisam levar inevitavelmente à destruição da sociedade.

§5
A Luta de classes como um fator na evolução da sociedade.

A partir da teoria da luta de classes, os marxianos argumentam que a ordem socialista da sociedade é o futuro inevitável da raça humana. Em qualquer sociedade baseada na propriedade privada, diz o marxismo, precisa haver necessariamente um conflito irreconciliável entre os interesses de classes distintas: os exploradores se opõem aos explorados. Esse contraste de interesses, presume-se, determina a posição histórica das classes; ela prescreve a política que eles precisam seguir. Assim, a história se torna uma corrente de lutas de classes, até que finalmente, no proletariado moderno, surge uma classe que pode se libertar do domínio de classe apenas ao abolir todos os conflitos de classe e toda a exploração em geral.

A teoria marxista da luta de classes estendeu sua influência muito além dos círculos socialistas. O fato da teoria liberal da solidariedade dos interesses últimos de todos os membros da sociedade ter ficado em segundo plano não se deve, é claro, apenas a essa teoria, mas também ao renascimento das ideias imperialistas e protecionistas. Mas, quanto mais o pensamento liberal perdia seu glamour, mais fortes precisariam se tornar as fascinações das promessas marxianas. Pois há uma coisa em comum com a teoria liberal que falta às outras teorias antiliberais: ela afirma a possibilidade da vida social conjuntamente. Todas as outras teorias que negam a solidariedade de interesses negam também, por implicações, a existência da própria vida social. Quem quer que argumente com os nacionalistas, os dogmáticos raciais e até mesmo os protecionistas que o conflito de interesses entre nações e raças não pode ser reconciliado, nega a possibilidade de cooperação pacífica entre as nações e, portanto, a possibilidade de organização internacional. Aqueles que, com os defensores implacáveis dos interesses camponeses ou pequeno-burgueses, consideram a busca inflexível dos interesses da classe baixa como a essência da política, só seriam lógicos se negassem todas as vantagens da cooperação social. Comparado com essas teorias, que necessariamente levam a visões muito pessimistas do futuro da sociedade, o socialismo parece ser uma doutrina otimista. Pelo menos para a desejada ordem social futura, reivindica a solidariedade dos interesses de todos os membros da sociedade. O desejo por uma filosofia, que não negue totalmente as vantagens da cooperação social, é tão intenso que muitas pessoas foram levadas aos braços do socialismo que o teriam, de outra forma, evitado por completo. O socialismo é o único oásis que encontraram no deserto das teorias antiliberais.

Mas em sua prontidão para aceitar os dogmas marxistas, tais pessoas negligenciam o fato de que sua promessa de um futuro sem classes para a sociedade repousa inteiramente na afirmação apresentada como irrefutável, de que a produtividade do trabalho organizado socialisticamente seria maior — na verdade, ilimitada. O argumento é bem conhecido: “A possibilidade de dar a todos os membros da sociedade, pela produção social, uma existência que seja não apenas materialmente adequada, aumentando em riqueza dia a dia, mas que lhes garanta também a liberdade completa de que se desenvolver e praticar suas habilidades físicas e mentais — esta possibilidade, agora, está aí pela primeira vez, mas ela está”.[13] A propriedade dos meios de produção é o mar vermelho que impede o nosso caminho para esta terra prometida do bem-estar geral. Que passou de uma “forma evolutiva das forças de produção”, para suas “correntes”.[14] A libertação das forças produtivas das algemas do capitalismo é “o único pressuposto para um desenvolvimento ininterrupto a um ritmo cada vez maior das forças produtivas e, portanto, para um aumento praticamente ilimitado da própria produção”.[15] “Uma vez que o desenvolvimento da técnica moderna torna possível uma satisfação suficiente, até mesmo abundante, das necessidades de todos, na condição de que a produção seja economicamente direcionada por e para o país, o conflito de classes agora aparece, pela primeira vez, não como uma condição de desenvolvimento social, mas como obstáculo à sua organização consciente e planejada. À luz desse conhecimento, o interesse da classe dos proletários oprimidos é direcionado para a abolição de todos os interesses de classe e a criação de uma sociedade sem classes. A velha e aparentemente eterna lei da luta de classe exige praticamente por sua própria lógica, pelo interesse da última e mais numerosa classe — o proletariado — a abolição de todos os contrastes de classe e a criação de uma sociedade na qual os interesses são unitários e que é humanamente solidário.”[16] Em última análise, portanto, a demonstração marxista é esta: o socialismo precisa vir, porque o modo de produção socialista é mais racional do que o capitalista. Mas em tudo isso, a suposta superioridade da produção socialista é simplesmente tomada como certa. Exceto por alguns comentários casuais, nenhuma tentativa de provar qualquer uma dessas coisas é feita. [17]

Se alguém assume que a produção sob o socialismo seria maior do que sob qualquer outro sistema, como se pode limitar a asserção ao dizer que isso é verdade apenas sob certas condições históricas e que nem sempre foi assim? Por que o tempo precisa amadurecer para o socialismo? Seria compreensível se os marxianos explicassem por qual razão, antes do século XIX, as pessoas não se depararam com essa feliz ideia ou por qual razão, mesmo se tivesse sido concebida antes, não poderia ter sido realizada. Mas por que uma comunidade, para atingir o socialismo, precisa passar por todos os estágios de evolução, embora já esteja familiarizada com a ideia do socialismo? Pode-se entender que “uma nação não está madura para o socialismo enquanto a maioria das massas se opõe ao socialismo e não quer ter nada relacionado ao socialismo”. Mas não é fácil de ver por que “não se pode dizer com certeza” que é chegado o momento “em que o proletariado constitui a maioria da nação e esta, em sua maioria, manifesta a vontade para o socialismo”.[18] Não é totalmente ilógico sustentar que a Guerra Mundial atrasou nossa evolução e, assim, retardou a chegada do momento certo para o socialismo? “O socialismo, isto é, o bem-estar geral dentro da civilização moderna, só se torna possível através do enorme desenvolvimento das forças produtivas trazidas pelo capitalismo, através da enorme riqueza que o capitalismo criou e concentrou nas mãos da classe capitalista. Um estado que desperdiçou essa riqueza em políticas sem sentido, como uma guerra malsucedida, não oferece oportunidade favorável para a disseminação mais rápida do bem-estar entre todas as classes”.[19] Mas certamente aqueles que acreditam que o socialismo vai multiplicar a produtividade devem ver, no fato de que a guerra nos empobreceu, uma razão dos motivos para apressar sua chegada.

Para isso, Marx responde: “uma ordem social nunca sucumbe até que todas as forças produtivas de que é capaz sejam desenvolvidas, e que novas e mais elevadas condições de produção nunca a substituam até que a própria velha sociedade tenha concebido em seu seio as condições materiais de sua existência”.[20] Mas essa resposta pressupõe que o que precisa ser demonstrado já está provado: que a produção socialista seria mais produtiva e que a produção socialista é uma produção “superior”, isto é, que está em um estágio superior de desenvolvimento social.

§6
A teoria da luta de classes e a interpretação da história

A opinião de que a história leva ao socialismo é quase universal hoje. Do feudalismo até o capitalismo, do capitalismo ao socialismo; do governo da aristocracia até o da burguesia, do governo da burguesia à democracia do proletariado — assim, mais ou menos, as pessoas concebem a inevitável evolução. O evangelho de que o socialismo é nosso inevitável destino é clamado por muitos com alegria, aceitos por outros com pesar, duvidado apenas por poucos corajosos. Esse esquema de evolução era conhecido antes de Marx, mas Marx o desenvolveu e o tornou popular. Acima de tudo, Marx consegui encaixá-lo num sistema filosófico.

Dos grandes sistemas da filosofia do idealismo alemão apenas os de Schelling e de Hegel tiveram uma influência direta e duradoura na formação das ciências individuais. Da Filosofia Natural de Schelling surgiu uma escola especulativa cujas conquistas, outrora tão admiradas, há muito foram esquecidas. A Filosofia da História de Hegel hipnotizou os historiadores alemães de toda uma geração. Pessoas escreveram sobre História Universal, História da Filosofia, História da Religião, História da Lei, História da Arte, História da Literatura de acordo com o esquema Hegeliano. Essas hipóteses evolucionárias arbitrárias e frequentemente excêntricas também desapareceram. O desrespeito ao qual as escolas de Hegel e Schelling trouxeram a filosofia levou a Ciência Natural a rejeitar tudo o que fosse além da experiência e análise de laboratório, e fez com que as Ciências Morais rejeitassem tudo, exceto a coleta e seleção de fontes. A ciência limitou-se a meros fatos e rejeitou todas as sínteses como sendo não científicas. O impulso de permear a ciência mais uma vez com o espírito filosófico teve de vir de outro lugar — da biologia e da sociologia.

De todas as criações da escola hegeliana apenas uma estava destinada a uma vida mais longa — a Teoria Social Marxiana. Mas o lugar dela estava fora da academia. As ideias marxianas provaram ser totalmente inúteis como guias para a pesquisa histórica. Todas as tentativas de escrever a história de acordo com o esquema marxiano falharam lamentavelmente. As obras históricas dos Marxistas ortodoxos, tais como Kautsky e Mehring, não fizeram nenhum progresso em pesquisas originais e exaustivas. Elas produziram apenas exposições baseadas nas pesquisas de outros, exposições cuja única característica original fora o esforço de observar tudo através de óculos marxistas. Mas a influência das ideias marxistas se estende muito além do círculo dos discípulos ortodoxos. Muitos historiadores, que de forma alguma devem ser classificados politicamente como socialistas marxianos, aproximam-se delas em seus pontos de vista sobre a filosofia da história. Em suas obras a influência marxiana é um elemento perturbador. O uso de tais expressões indefinidas como “exploração”, “a busca do capital pela mais valia”, e “proletariado” entorpece a visão que deveria ser mantida clara para o exame minucioso imparcial do material, e a ideia que toda história é meramente uma preliminar à sociedade socialista leva o historiador a usar a violência em sua interpretação das fontes.

A noção de que o domínio do proletariado precisa substituir o domínio da burguesia é amplamente baseada nessa classificação dos vários estamentos e classes que se generalizou desde a Revolução Francesa. As pessoas chamam a Revolução Francesa e o movimento que ela introduziu em vários estados da Europa e da América de emancipação do Terceiro Estado e pensam que agora o “Quarto Estado” precisa ter a sua vez. Podemos ignorar aqui o fato de que a visão que retrata a vitória das ideias liberais como um triunfo de classe da burguesia e o período de Livres Trocas como uma época do domínio da burguesia pressupõe que todos os elementos da teoria social dos socialistas já estão provados. Mas outra questão imediatamente nos ocorre. Esse Quarto Estado, cuja vez de ser reconhecido supostamente teria chegado, teria necessariamente de ser buscado no proletariado? Não poderíamos buscá-lo  igualmente, o que poderia ser até mais justo, no campesinato? Marx, é claro, não poderia ter dúvidas sobre o assunto. Em sua opinião, era uma coisa estabelecida que, na agricultura, as preocupações de empreendimentos de grande escala expulsariam os de pequena escala e o campesinato abre caminho para o trabalhador sem-terra do latifúndio. Agora, quando a teoria da incapacidade do empreendimento agrícola de médio e pequeno porte de competir há muito fora enterrada, surge um problema que o marxismo não pode responder. A evolução que se passa na frente de nossos olhos nos permitiria supor que a dominação estaria passando para as mãos dos camponeses e não para a dos proletários.[21]

Mas aqui, também, nossa decisão precisa estar fundamentada em nosso julgamento da eficiência das duas ordens sociais, a capitalista e a socialista. Se o capitalismo não é o esquema diabólico mostrado na caricatura socialista, e se o socialismo não é a ordem ideal que os socialistas afirmam que é, então toda a doutrina colapsa. A discussão sempre retorna ao mesmo ponto — a questão fundamental, se a ordem socialista da sociedade promete uma maior produtividade do que o capitalismo.

 

§7
Resumo

Raça, nacionalidade, cidadania, direitos de estamento: essas coisas diretamente afetam a ação. Não importa se uma ideologia partidária une todos aqueles que pertencem à mesma raça ou nação, o mesmo estado ou estamento. O fato que as raças, nações, estados ou estamentos existem determinam a ação humana até quando não há ideologia para guiar os membros de um grupo em uma certa direção. O pensamento e as ações de um alemão são influenciados pelo tipo de mente que ele adquiriu enquanto membro da comunidade linguística alemã. Se ele é ou não influenciado pela ideologia do partido nacionalista, não é importante aqui. Enquanto alemão, ele pensa e age diferentemente do Romeno cujo pensamento é determinado pela história da língua romena, e não da alemã.

A ideologia do partido nacionalista é um fator bastante independente da filiação de alguém a qualquer dada nação. Várias ideologias de partidos nacionalistas mutuamente contraditórias podem existir simultaneamente e lutar pela alma do indivíduo; por outro lado, pode não haver qualquer tipo de ideologia de partido nacionalista. Uma ideologia de partido é sempre algo especialmente introduzido de fora para os membros já estabelecidos em um grupo social, e para o qual, a partir de então, constitui uma fonte especial de ação. Meramente viver em uma sociedade não cria uma doutrina partidária na mente de alguém. Atitudes partidárias sempre surgem de uma teoria do que é vantajoso e do que não o é. A vida social pode, sob determinadas circunstâncias, predispor uma determinada pessoa a aceitar uma determinada ideologia e, ocasionalmente, as doutrinas partidárias são formadas de modo a atrair especialmente membros de um grupo social particular. Mas a ideologia precisa sempre ser mantida separada do real ser social e natural.

O ser social é em si ideológico conforme a sociedade é um produto da vontade humana e, portanto, do pensamento humano. A concepção materialista da história erra profundamente quando considera a vida social independente do pensamento.

Se a posição do indivíduo no organismo cooperativo da vida econômica for considerada sua posição de classe, então o que dissemos acima se aplica também à classe. Mas, novamente, é preciso fazer uma diferenciação aqui, também, entre as influências às quais sua posição de classe expõe o indivíduo e as ideologias políticas que o influenciam. O fato de ele ocupar sua posição particular na sociedade tem influência na vida do bancário. Se ele deduz ou não a partir disso que ele deva advogar pelas políticas capitalistas ou socialistas, isso depende das ideias que o dominam.

Mas se se concebe “classe” no sentido marxista, como uma divisão tripartida da sociedade em capitalistas, proprietários de terra e trabalhadores, perde-se toda a definição. Torna-se nada mais que uma ficção para justificar uma ideologia político-partidária concreta. Assim, os conceitos de Burguesia, Classe Trabalhadora e Proletariado são ficções, cujo valor cognitivo depende da teoria a serviço da qual são aplicados. Essa teoria é a doutrina marxiana de que os conflitos de classe são irreconciliáveis. Se considerarmos essa teoria inadmissível, então não existem diferenças de classe e nem conflitos de classe no sentido marxiano. Se provarmos que, corretamente entendidos, os interesses de todos os membros da sociedade não estão em conflito, mostramos não apenas que a ideia marxiana de um conflito de interesses é insustentável: descartamos como sem valor o próprio conceito de classe que figura na teoria socialista. Pois apenas dentro da estrutura dessa teoria tem qualquer significado a tentativa de classificar a sociedade em capitalistas, proprietários de terras e trabalhadores. Fora dessa teoria, isso é tão sem propósito quanto, por exemplo, qualquer tentativa de agrupar todas as pessoas louras ou morenas — a menos que propunhamos, como determinados teóricos de raça, dar especial importância à cor do cabelo, seja como uma característica externa ou como um elemento constitutivo.

A posição do indivíduo na divisão do trabalho influencia toda sua forma de viver, seu pensamento e sua atitude para com o mundo. Isso é verdade em alguns aspectos das diferenças nas situações que os indivíduos ocupam na produção social. Empreendedores e trabalhadores pensam de maneira diferente porque os hábitos de seu trabalho diário lhes dão pontos de vista diferentes. O empreendedor sempre tem em mente o amplo e o todo, o trabalhador apenas o próximo e o pequeno.[22] O empreendedor aprende a pensar e agir em larga escala, o trabalhador permanece preso na ranhura de pequenas preocupações. Esses fatos são certamente de importância para o conhecimento das condições sociais, mas isso não quer dizer que, introduzir o conceito de classe no sentido da teoria socialista serviria a qualquer propósito útil. Pois essas diferenças não derivam simples e unicamente das diferenças de posição no processo de produção. O modo de pensar do pequeno empreendedor é mais próximo ao do trabalhador do que ao do empreendedor de grande escala; o gerente assalariado de grandes empreendimentos está mais proximamente alinhado com o empreendedor do que com o trabalhador. A diferença entre o pobre e o rico é, em muitos aspectos, mais útil para nossa compreensão das condições sociais que estamos estudando do que a diferença entre trabalhador e empreendedor. O nível de renda, ao invés da relação do indivíduo com os fatores de produção, determina o padrão de vida de um homem. Sua posição como produtor se torna importante apenas na medida em que afeta a classificação de sua renda.

 

____________________________

Notas

[1]              Marx, Das Kapital, Vol. I p. 550. A passagem da qual se retira a citação acima não estava na primeira edição, publicada em 1867. Marx a inseriu pela primeira vez na versão francesa, publicada em 1873, donde Engels levou para a quarta versão alemã. Masaryk (Die philosophischen und soziologischen Grundlagen des Marxismus, Vienna 1899, p. 299) justamente remarca que a alteração é presumivelmente conectada com a mudança que Marx fez em sua teoria no Volume III de Das Kapital. Isso pode ser considerado uma retratação da teoria de classes marxista. Significativamente, o terceiro volume é interrompido após algumas sentenças do capítulo intitulado “As classes”. Ao tratar o problema de classes, Marx conseguiu no máximo organizar um dogma sem justificativa, e nada mais.

[2]              Sobre a história do conceito de distribuição, veja Cannan, A History of the Theories of Production and Distribution, p. 183 et seq.

[3]              Ricardo, Principles of Political Economy and Taxation, p. 5.

[4]              Marx, Das Kapital, Vol III, Parte 2, 3ª edição, p. 421.

[5]              Cunow (Die Marxsche Geschichts-,Gesellschafts-und Staatstheorie, Vol. II, Berlim 1921, p. 61 et seq.) tentou proteger Marx da acusação de ter misturado os conceitos classe e “Stand” (“Estamento”). Mas as suas próprias observações e as passagens que cita de Marx e Engels mostram quão justificada é esta acusação. Leia, por exemplo, os primeiros seis parágrafos da primeira parte do Manifesto Comunista, intitulado “Burgueses e Proletários” e você estará convencido de que, pelo menos, as expressões “Stand” e classe são usadas indiscriminadamente. Já temos dito que quando, mais tarde em Londres, Marx familiarizou-se com o sistema Ricardiano, ele separou o seu conceito de classe do conceito de “Stand” e relacionou-o com os três Fatores de Produção do sistema Ricardiano. Mas ele nunca desenvolveu esse novo conceito de classe. Nem Engels, nem qualquer outro marxista, tentou mostrar o que realmente funde os competidores — pois esses são as pessoas das quais a “uniformidade de rendas e de fontes de rendas” faz uma unidade conceitual — em uma classe inspirada pelos mesmos interesses especiais.

[6]              Bagehot, Physics and Politics, Londres 1872, p. 71 et seq.

[7]              Mesmo hoje em dia há muitas terras sem dono, livres para apropriação. No entanto, o proletário europeu não migra para o interior da África ou do Brasil, mas permanece trabalhando como assalariado em sua terra natal.

[8]              “A fonte dos lucros do proprietário de escravos”, diz Lexis (ao discutir o livro de Wicksel “Uber Wert, Kapital, und Rente” em Schmoller Jahrbuch, Vol. XIX, p. 335 et seq.) “é inconfundível, e isso provavelmente ainda é verdade para o ‘suéter’. Na relação normal entre empreendedor e trabalhador não existe tal exploração, mas sim uma dependência econômica por parte do trabalhador, o que inegavelmente influencia a distribuição da produção do trabalho. O trabalhador sem propriedade precisa obviamente adquirir ‘bens presentes’ para si mesmo; caso contrário, ele morre. Ele geralmente pode realizar seu trabalho apenas pela colaboração na produção de ‘bens futuros’. Mas esse não é o fator decisivo, pois embora ele produza, como o trabalhador do padeiro, uma mercadoria a ser consumida no dia de sua produção, ainda sua parte no que é produzido está condicionada pela circunstância desvantajosa a ele, que ele não pode fazer um uso independente de seu trabalho, mas é forçado a vendê-lo por meios de vida mais ou menos suficientes, renunciando sua  reivindicação ao seu produto. Essas são proposições triviais, mas acredito que eles sempre terão uma força convincente para observadores sem preconceitos por causa de sua autoevidência direta.” Alguém concorda com Böhm-Bawerk (Einige strittige Fragen der Kapitals theorie, Viena e Leipzig 1900, p. 112) e Engels (Prefácio ao terceiro volume de Das     Kapital, p. xii) que nessas ideias, que, aliás, apenas reproduzem as visões dominantes na “Economia Vulgar” alemã, deve ser encontrado um reconhecimento fantasiado em palavras cuidadosas, da teoria socialista de exploração. As falácias econômicas da teoria de exploração em nenhum lugar são expostas mais claramente do que nessa tentativa de Lexis para encontrar uma base para ela.

[9]              Até o Manifesto Comunista tem de admitir: “A organização dos proletários numa classe, e por conseguinte num partido político, é sempre quebrada pela competição entre os próprios trabalhadores”. (Marx e Engels: Das Kommunistische Manifest, p. 30). Ver também Marx, Das Elend der Philosophie, 8th edition, Stuttgart 1920, p. 161.

[10]             Nesse ponto, as pessoas ignoram de forma bastante ilógica o fato de que o assalariado também está interessado na prosperidade do ramo de produção e da fábrica em que está envolvido.

[11]             O próprio Cunow, Die Marxsche Geschichts—, Gesellschafts-und Staatstheorie, Vol. II, p. 53, em sua apologia acrítica de Marx tem de admitir que Marx e Engels em seus escritos políticos falam não apenas das três classes principais, mas diferenciam entre uma série inteira de classes de menor importância e secundárias.

[12]             — Veja, ademais, as palavras de Marx citadas na página 319.

[13]             Engels, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft, p. 305.

[14]             Marx, Zur Kritik der Politischen Ökonomie, editado por Kautsky, Stuttgart 1897, p. xi.

[15]             Engels, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft, p. 304.

[16]             Max Adler, Marx als Denker, 2nd Edition, Viena 1921, p. 68.

[17]             Sobre as provas tentadas por Kautsky, veja acima, p. 179 et seq.

[18]             Kautsky, Die Diktatur des Proletariats, 2nd Edition, Viena 1918, p. 12.

[19]             Ibid. p. 40.

[20]             Marx, Zur Kritik der Politischen Ökonomie, p. XII.

[21]             Gerhard Hildebrand, Die Erschütterung der Industrieherrschaft und des Industriesozialismus, Jena 1910, p. 213 et seq.

[22]             Ehrenberg, Der Gesichtskreis eines deutschen Fabrikarbeiters (Thünen-Archiv, Vol. I), p. 320 et seq.

Ludwig von Mises
Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.
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