1. O que é a teoria clássica do emprego?
O capítulo 2 do Teoria Geral é chamado de “Os Postulados da Economia Clássica.”
“A maior parte dos tratados a respeito da teoria do Valor e Produção [começa Keynes] são focados principalmente com a distribuição de uma certa quantidade de recursos empregados entre diferentes usos e com as condições as quais determinam suas respectivas recompensas. Mas a teoria pura de o que determina a real aplicação dos recursos disponíveis foi pouquíssimas vezes analisado de forma detalhada” (p. 4)
Eu duvido que essa constatação possa ser defendida. Muitas teorias anteriores a 1936 explicaram detalhadamente como o trabalho e outros recursos podem vir a se tornar inativos, e como bens já produzidos podem ficar muito tempo sem serem vendidos, por causa da rigidez ou “aderência” de alguns salários ou preços, i.e., devido à rejeição de sindicatos ou de outros vendedores em aceitar o mercado desvalorizado ou um salário ou preço “equilibrado” para os serviços ou bens que eles têm a oferecer.
“A teoria clássica do emprego – supostamente simples e óbvia – tem sido baseada [pensa Keynes] em dois postulados fundamentais, embora com praticamente nenhuma discussão” (p. 5)
O primeiro deste é:
“I. O salário é igual ao produto marginal do trabalho.” (Seus itálicos, p. 5)
Este postulado está corretamente e claramente exposto. Este não é, evidentemente, parte da teoria clássica do emprego. Esse adjetivo deveria ser reservado, de acordo com a clientela e os interesses de precisão, para a teoria anterior ao valor subjetivo ou à revolução “marginalista” de Jevons e Menger. Mas o postulado se tornou parte da teoria “ortodoxa” desde sua formulação pela escola “Austríaca” e, particularmente na América, por John Bates Clark.
Tendo escrito este simples postulado, Keynes adiciona oito linhas de “explicação” que são incrivelmente bizarras e confusas, as quais não servem a nenhum propósito que não o de atrapalhar o entendimento.
Ele então segue para expor o intitulado segundo “postulado fundamental” da “Teoria clássica do emprego,” sendo esse:
“II. A utilidade do salário quando uma certa quantidade de trabalho é alocada é igual à inutilidade marginal desta quantidade de emprego.” (Seus itálicos, p.5)
Ele acrescenta como parte de sua explicação:
“inutilidade deve ser tida como uma forma de camuflar todos os tipos de motivos que podem levar um homem ou vosso corpo, a negar seu trabalho comparado a aceitar um salário que lhes ofereça uma utilidade abaixo de uma taxa mínima” (p. 6)
“Inutilidade” é aqui tão amplamente definida que quase não possui significado. Pode se duvidar seriamente se todo esse segundo “postulado fundamental,” como Keynes o expõe e explica, não é ou nunca foi uma parte necessária da teoria “clássica” ou tradicional do emprego. Keynes menciona e (posteriormente) cita A. C. Pigou como uma das bases em que apoiou suas teorias. Ainda assim pode ser seriamente questionado se esse “segundo postulado” carrega consigo algum significado relevante, especificamente na complicada forma que Keynes o apresenta.
A “ortodoxa” teoria marginal dos salários e empregos é simples. Ela diz que os salários são determinados pela produtividade marginal dos trabalhadores; que quando há “pleno” emprego, os salários são iguais à produtividade marginal de todos aqueles que estão procurando emprego e são capazes de exercer tal tarefa; mas que haverá desemprego sempre que os salários excederem esta produtividade marginal. Salários talvez possam vir a extrapolar essa produtividade marginal devido a um aumento das demandas sindicais ou por uma queda dessa produtividade marginal. (a última pode ser causada tanto por um trabalho de menor eficiência quanto por uma diminuição do preço ou da demanda pelos produtos que os trabalhadores estão ajudando a produzir.)
E isso é tudo que esta teoria tem a oferecer em sua totalidade. O “segundo postulado,” da forma que Keynes apresenta, é desnecessário e não elucidativo.
Sujeito a certas condições, Keynes afirma:
“a quantidade de recursos alocados é devidamente determinada, de acordo com a teoria clássica, pelos dois postulados [citados por Keynes]. O primeiro nos dá a tabela de demanda para empregos; a segunda nos dá a tabela de oferta; e a quantidade de emprego é fixada no ponto, na qual a utilidade do produto marginal, está em equilíbrio com a inutilidade do emprego marginal” (p. 6)
É essa de fato a teoria “clássica” do emprego? O primeiro postulado – de que “o salário é igual ao produto marginal do trabalho” – não apenas nos dá a “tabela de demanda” para trabalho; ele também nos dá o ponto de intersecção tanto da “tabela de demanda” quanto da “tabela de oferta.” A tabela de demanda para trabalhadores é o salário que os empregadores estão dispostos a pagar por mão de obra. A “tabela de oferta” de trabalhadores é ajustada pelo salário que os trabalhadores estão dispostos a aceitar. Isso não é estabelecido ao trabalhador, pela “inutilidade” do emprego – pelo menos não se a definição de “inutilidade” utilizada for a do senso comum. Muitos trabalhadores desempregados estariam mais que dispostos a aceitar um emprego com remuneração abaixo de uma certa escala definida por um sindicato, se o deixassem fazer tal ou se o líder sindical concordasse em diminuí-la.
Mas podemos voltar a este tema mais tarde. Afinal, Keynes não está aqui, apresentando sua própria teoria; ele está simplesmente nos mostrando uma versão modificada da teoria ortodoxa.
Além disso, de acordo com Keynes, a teoria “clássica” permite apenas duas possibilidades – desemprego “friccional” e desemprego “voluntário”.
“Os postulados clássicos não permitem a existência de uma terceira opção, que mais abaixo definirei como desemprego ‘involuntário’” (p. 6)
Aqui está uma definição que irá confundir qualquer pessoa lógica. Desemprego deve ser ou voluntário ou involuntário. Certamente essas duas opções sintetizam as possibilidades. Não há espaço para uma terceira alternativa. Desemprego “friccional”, deve ser ou voluntário ou involuntário. Na prática, é comum ser uma mistura dos dois. Desemprego “friccional” pode ser involuntário devido a alguma doença, deficiência, falência de uma empresa, interrupção inesperada de um cargo temporário ou demissão. Desemprego “friccional” pode também ser voluntário devido a alguma mudança familiar para outra residência, um homem abandonando o antigo emprego em busca de um melhor, porque acredita conseguir ganhar mais do que lhe é oferecido ou porque está tirando férias entre empregos. Tal desemprego é o resultado de uma escolha, sendo essa boa ou ruim, por parte do desempregado. “fricção,” embora seja um termo tradicional, talvez não seja a metáfora mais adequada para descrevê-lo.
Um dos motivos que faz ser tão difícil de acompanhar o raciocínio de Keynes, a respeito de tudo no Teoria Geral, é que ele escreve muito mal (apesar da admiração ditirâmbica para com a “lucidez”, “charme” e “brilhantismo” de seu estilo)[1]. E um dos motivos que o faz escrever tão mal (pelo menos no Teoria Geral) é o de que ele está constantemente apresentando novos termos técnicos que não apenas são desnecessários, mas inapropriados e deceptivos. E a maioria desses péssimos termos são de sua própria autoria, mas se o termo de outrem for suficientemente ruim, ele o adotará. Sendo assim, neste ponto, ele apresenta o termo “indústrias de bens salariais,” descrevendo-a como:
“O termo conveniente de Professor Pigou para bens sob o preço na qual a utilidade do salário nominal varia” (p. 7)
Ele então contrasta “bens salariais” com “bens não salariais.” Isso introduz uma terminologia que parece tão desnecessária quanto é confusa. “bens salariais” significam algo particularmente diferente de bens de consumo? “bens não salariais” significam algo particularmente diferente de bens de capital? Sem dúvidas de que “bens salariais” não incluiria casacos de vison ou casas no Riviera, mas o senso comum do leitor talvez seja confiável a ponto de não incluir esses itens a um índice imaginário de preços para bens de consumo. Dificilmente se vê necessário a criação de um termo especial para não os incluir. Este péssimo termo é infelizmente utilizado no decorrer do Teoria Geral. O leitor é forçado a traduzi-lo de volta ao familiar “bens de consumo,” e lembrar-se que não significa “bens na qual sua produção requerem o pagamento de salários”.
2. Taxas salariais e desemprego
A Seção II do Capítulo 2 considerada a primeira tentativa de Keynes no Teoria Geral de refutar uma premissa fundamental da economia tradicional – de que a causa mais comum do desemprego é a remuneração excessiva. Isso, evidentemente, ao se tratar de economia clássica, é simplesmente o paralelo entre a proposição de que a causa mais comum para que haja excedente de uma mercadoria é a negação dos vendedores em aceitar um preço que irá esvaziar o mercado. Se a proposição não é verdadeira no que diz respeito ao trabalho, também não é verdadeira em relação a mercadorias. Ambas proposições têm como base a mesma linha de pensamento. Os dois são casos específicos de uma ideia mais ampla que envolve tanto mercadorias quanto serviços.
É interessante perceber que Keynes nunca encara de frente essa proposição ou apresenta argumentos coerentes e diretos. Ao invés disso ele utiliza várias abordagens indiretas, na qual o argumento é dissimulado, esvaecido e muitas vezes claramente falacioso.
Ele começa argumentando que um “trabalho” é geralmente relacionado ao seu “salário nominal” mais do que ao seu “salário real”:
“Experiência comum nos mostra, sem sombra de dúvidas, que uma situação na qual o trabalho estipula (além dos limites) um salário nominal em comparação a um salário real, está longe de ser uma mera possibilidade, esse é o padrão. Embora trabalhadores geralmente se contrapunham à redução dos salários nominais, não é comum vê-los parar de trabalhar, sempre que há um aumento nos preços dos bens salariais” (p. 9)
Dado que os Estados Unidos estão preocupados (e eu suspeito, visto que quase todos os países industrialmente desenvolvidos também estão), esta discussão já é obsoleta. Todos os grandes sindicatos americanos têm seus “economistas” e “diretores de pesquisa,” que estão altamente cientes das mudanças mensais no índice oficial de preços de consumo. A partir de janeiro de 1958, mais de 4 milhões de funcionários, principalmente de indústrias pesadas – aço, automobilísticas e ferroviárias – insistiram e conseguiram contratos que garantem aumento salarial automático com o aumento do custo de vida[2]. Enquanto é verdade que sindicatos serão contra a queda dos salários nominais, mesmo que seja menor que a queda dos preços de consumo, não é verdade que os sindicatos irão concordar com salários fixos, quando os preços de consumo estiverem subindo.
Mesmo que a contestação de Keynes fosse factualmente verdadeira, ainda assim teria sido irrelevante para o debate “clássico”, de que se salários (seja esse em relação a salário nominal ou real) estão acima do nível de produtividade marginal do trabalho, haverá desemprego.
Porque Keynes está tão interessado em fazer esta observação sobre o comportamento do “trabalho” em relação a salários nominais e reais respectivamente? O termo coletivista “trabalho” implica que não precisamos pensar em relação ao que cada trabalhador individualmente deseja ou faz, mas apenas em relação ao que monopolistas sindicais desejam ou fazem. Ele está interessado porque ele estará ansioso para mostrar que enquanto é “impossível” convencer sindicatos a aceitarem um corte nos salários nominais, será fácil enganá-los a aceitar um corte nos salários reais, pelo simples processo de inflação monetária – degradação do poder de compra da unidade monetária. Será observado que mesmo este argumento, tacitamente concorda com a proposta “clássica” de que a principal causa do desemprego é a existência de salários acima do nível de produtividade marginal do trabalho.
“Além disso, [Keynes tenta sustentar] a alegação de que o desemprego, o que caracteriza uma depressão, é causado pela recusa dos trabalhadores em aceitar uma redução dos salários nominais, não é claramente amparado pelos fatos. É algo não tão plausível afirmar que o desemprego nos Estados Unidos em 1932 foi causado pelos trabalhadores persistentemente recusando uma redução dos salários nominais ou demandando um salário real além do que a produtividade da máquina econômica era capaz de fornecer” (p. 9)
O leitor notará que não há argumento aqui, apenas uma afirmação. “Não é tão plausível”, i.e., não é tão plausível para o Keynes, o que não prova nada. A maioria de nós precisa de mais do que afirmações ex cathedra.
Um truque que o Keynes utiliza aqui e em outras situações é a tentativa de desmerecer uma doutrina expondo-a exageradamente. As causas da crise de 1929 e da depressão de 1930 até 1940 foram complexas. Tentarei não falar sobre todas elas aqui. Mas não conheço nenhum economista sério que defendeu ou defende a causa que deu início à crise de 1929, sendo salários excessivos. O que economistas responsáveis disseram e dizem é que uma vez que a crise se desenvolve, e a demanda e preços tenham colapsado, era necessário que os salários se ajustassem para o nível reduzido de demanda e de preços, se quisessem evitar o desemprego em massa. Foi o fracasso em ajustar esses salários que prolongou o desemprego em massa por dez anos.
A insistência dos sindicatos com salários excessivos[3], é verdade, talvez não seja sempre uma explicação completa de todo o desemprego a qualquer momento. Mas é sempre parte da explicação. Embora não seja sempre motivo o suficiente, não pode ser desconsiderado (como faz Keynes) como sendo um motivo necessário. Rigidez ou firmeza de taxas de juros e aluguéis contratuais ou incerteza incomum ou receio entre os compradores e consumidores, talvez também possam ser causas. Mas aparentemente são fatores temporários. Quanto mais prolongado for o desemprego em massa, mais seguros estamos em atribuir o salário excessivo como principal causa.
Até mesmo Keynes se sente no dever de fornecer explicações do porquê ele acha que a associação de desemprego com salários excessivos “não tão plausível.” Mas as explicações que ele oferece são ou falaciosas ou contrárias a fatos já estabelecidos. Em esclarecimento à passagem que acabei de citar, ele continua:
“Diversas variações são experimentadas a respeito da quantidade de emprego sem nenhuma mudança aparente tanto na demanda real mínima de trabalho quanto em sua produtividade. O trabalho não é mais ríspido numa depressão do que é em um boom – longe disso. Tampouco é menor sua produtividade física. Esses fatos por experiência, são bases prima facie para questionar a pertinência da análise clássica” (p. 9)
Será mesmo? Aqui, Keynes incorreu em uma falácia gritante. A ausência de mudança na produtividade física é completamente irrelevante para os salários nominais. O que importa na economia é apenas produtividade de valor – está sendo, nesse caso, evidentemente, em relação a termos monetários. Se a produtividade marginal de um trabalhador é uma parcela de um produto que anteriormente custava 10$ e agora caiu para 5$, então a produtividade de valor marginal desse trabalhador, mesmo que esse esteja produzindo o mesmo número de unidades, caiu pela metade. Se considerarmos que essa queda nos preços foi geral e que essa representa a queda média, então o trabalhador que insiste em restaurar seu antigo salário nominal está na verdade desejando um aumento de 100% no seu salário real.
Se o trabalhador está sendo “exigente” ou não é totalmente irrelevante para a situação. Se os preços caírem por 50 por cento, e os sindicatos aceitarem um corte salarial, porém não maior que de 25 por cento, então os sindicatos estão na verdade pedindo por um aumento no salário real de 50 por cento. A única maneira de conseguirem isso, e manter emprego pleno, é por meio de um aumento de 50 por cento em suas produtividades marginais físicas (ou de valor “real”) para compensar a queda no preço de uma unidade do produto que eles ajudam a produzir.
A passagem que acabei de citar é por si só em base prima facie para questionar a pertinência de toda a análise Keynesiana.
“Seria interessante ver os resultados de uma averiguação estatística [escreve Keynes] em relação à verdadeira relação entre mudanças nos salários nominais e salários reais” (pp. 9-10)
Mas sem esperar pelos resultados, ele começa a dizer para o leitor o que seriam:
“Quando salários nominais estão subindo… será percebido que salários reais estão caindo; e quando os salários nominais estão caindo, salários reais estão subindo” (p. 10)
A segunda metade dessa afirmação está historicamente correta. A primeira, no mundo moderno, se mostra incorreta. Os resultados estatísticos os quais Keynes demonstrava tanto interesse em ver, já existiam, mas ele não se incomodou em procurar por eles, vamos citar alguns.
Durante o período de 18 anos entre 1939 e 1957, salários semanais para manufaturas nos Estados Unidos, de acordo com os gráficos do Departamento de Trabalho, subiram de 23.86$ em 1939 para 82.39$ em 1957, um aumento de 245 por cento. Em comparação com um aumento no índice oficial de preços de consumo no mesmo período de apenas 102 por cento, fazendo o aumento nos salários reais semanais dessa época igual a 71 por cento. A relação não é tão diferente se levarmos como base salários por hora ao invés de salários semanais. Estes aumentaram de 63 centavos por hora em 1939 para 2.07$ em 1957, um aumento de 229 por cento. Em outras palavras, quando os salários nominais estavam subindo nesse período, salários reais também estavam. Seja lá qual for a base histórica para a crença tradicional de que em uma inflação preços sobem primeiro e os salários o acompanham, essa asserção não foi válida para os Estados Unidos ou para tantos outros países, nos últimos vinte anos.
A segunda metade da afirmação de Keynes, de que “quando salários nominais estão caindo, salários reais estão subindo” é, entretanto, no geral verdadeira. Não é fácil encontrar na história estatística americana períodos longos onde salários nominais estavam caindo, mas 2 períodos assim, existem em tempos recentes – entre 1920 e 1922, e entre 1929 e 1933. Eu anexei uma comparação de certos períodos retirados de um índice publicado pelo governo[4] comparando ganhos por hora médios de funcionários em indústrias manufatureiras nos “preços atuais”, i. e., em relação ao real salário nominal pago, e nos “preços de 1954”, i. e., em relação aos salários reais ou salários nominais expressos na forma de um dólar com presumido poder de compra constante:
Ano Preços Correntes Preços de 1954
1920 $ 0,555 $ 0,743
1921 $ 0,515 $ 0,773
1922 $ 0,487 $ 0,780
1923 $ 0,522 $ 0,822
1924 $ 0,547 $ 0,859
1929 $ 0,566 $ 0,886
1930 $ 0,552 $ 0,887
1931 $ 0,515 $ 0,910
1932 $ 0,446 $ 0,876
1933 $ 0,442 $ 0,917
1934 $ 0,532 $ 1,068
Primeiramente vamos dar uma olhada no intervalo de 1920 até 1924. Entre 1920 e 1922 teve uma queda considerável nos salários nominais; ainda assim não caíram tanto quanto os preços de consumo, logo, salários reais ou salários em “dólares estáveis” na verdade aumentaram entre 1920 e 1922. Em 1923, salários nominais começaram a subir novamente; mas os salários reais também, mais uma vez refutando a afirmação de Keynes de que “quando salários nominais estão aumentando, será percebido que salários reais estão caindo.”
Usemos agora, o intervalo entre 1929 e 1934. De 1929 até 1933, salários nominais caíram; mas os salários reais aumentaram. Houve uma breve exceção entre 1931 e 1932; mas isso não muda a tendência das comparações durante todo o período. Entre 1933 e 1934, no entanto, houve um salto dramático tanto nos salários nominais quanto nos reais, novamente contradizendo a “lei” de Keynes.
Não é nada mais do que justo sinalizar que este salto nos salários nominais e reais em 1934 foi resultado direto de intervenção governamental – As normas do Ministério de Recuperação Nacional postas em prática perante pressão governamental nos primeiros anos do New Deal. Mas é exatamente esse alto nos salários nominais e reais que ajuda a explicar a continuidade de desemprego em massa ao longo dos anos trinta. Isso novamente é refutação estatística da tese central de Keynes, de que desemprego não tem nada a ver com o valor dos salários – ou de que o desemprego é causado pelos salários estarem muito baixos do que por estarem muito altos. De 1931 até 1939 tanto os salários nominais quanto os reais aumentaram. Salários nominais subiram de 51 centavos por hora em 1931 para 63 centavos dólar em 1939. Em preços estáveis de (1954), salários reais subiram de 91 em 1931 para 122 em 1939. Qual foi o resultado? Nesse intervalo de dez anos, houve uma média anual de desemprego equivalente a 10 milhões de homens e mulheres.
Antes de prosseguirmos, levando em consideração o argumento de Keynes sobre esse assunto, talvez seja mais produtivo, desviar um pouco, para refletir sobre o tipo de argumento e principalmente o conjunto de suposições, com a qual devemos lidar. É pertinente fazer três observações:
- Quando Keynes escreve sobre a “teoria clássica” ou “teoria tradicional,” acaba que quase sempre, ele não está tratando a respeito de nenhum dos dois, estritamente falando, mas sim sobre uma caricatura ou especificamente as teorias da “escola de Cambridge” (que consiste principalmente em Marshall, Edgeworth e Pigou) na qual ele estudou.
- Essa escola nunca chegou a se livrar de uma teoria de preços de um custo de produção, assim como Keynes.
- Keynes é ainda pior do que os economistas de Cambridge os quais ele tanto critica em seu vício por pensamento fragmentado e fechado.
Uma vez que percebemos a existência dessas suposições no pensamento de Keynes, podemos economizar nossas críticas detalhistas. Podemos ignorar muitas de suas críticas a respeito das teorias de Marshall e Pigou, por exemplo, visto que essas teorias já foram superadas pelo melhor pensamento econômico, muito antes do surgimento do Teoria Geral. E não há necessidade de gastarmos tanto tempo a respeito das críticas de Keynes, quando sabemos que esses repousam sobre um pensamento fragmentado imperfeito. Keynes escreve na página 11, por exemplo:
“A teoria tradicional defende, em resumo, que a negociação de pagamento entre os empreendedores e trabalhadores, determinam o salário real.” (Seus itálicos, p. 11)
Agora, não há tal coisa como “o” salário real. Como também não existe “nível geral dos salários nominais” (pp. 10, 12, 13 e etc.). “o” salário, real ou nominal, é uma invenção da imaginação dos maus economistas. É uma simplificação violenta que ignora as milhares de diferenças em pagamentos e salários individuais que compõe a realidade.
Da mesma forma, “o nível geral de salários”, assim como “o nível geral dos preços” (sendo ambos os conceitos essenciais para o pensamento de Keynes), não existe na realidade. É uma criação de um estatístico, uma média matemática, a qual tem uma utilidade limitada em simplificar certos problemas. Mas simplifica alguns dos principais problemas dinâmicos da economia. A mesma relação entre uma média de preços e uma média de salários em duas épocas diferentes talvez apresentem grandes mudanças em relação aos preços e salários específicos. É precisamente a última que pode ser relevante para o equilíbrio ou falta dele, para a saúde de certas indústrias, para o pleno emprego ou considerável desemprego.
A palavra “nível” pode dar brecha para uma outra falsa pressuposição – de que preços e salários aumentam ou caem igualmente ou uniformemente. É exatamente o fracasso deles em fazer isso que cria a maioria dos problemas de inflacionários e deflacionários. É também o fracasso dos preços ou salários específicos em subir ou cair tanto quando a média que permite as mudanças estruturais contínuas na produção e na força de trabalho necessária para eficiência e progresso econômico contínuo.
“Talvez não haja nenhum método disponível para o trabalho como um todo, por meio do qual este consiga fazer bens salariais equivalente ao nível geral de salários nominais, ficarem em conformidade com a inutilidade marginal da quantidade de emprego atual. Talvez não haja um meio pelo qual trabalho como um todo, possa reduzir seu salário real à um certo valor ao se realizar trocas monetárias revisadas com os empreendedores. Esse será nosso argumento.” (p. 13)
Não tentarei aqui, analisar minuciosamente, este altamente implausível argumento. É suficiente evidenciar, até o momento, que “trabalho” não faz algo “como um todo”, mais do que “negócios” fazem. “Trabalho” certamente não determina “seu” salário. Existem milhares de salários diferentes sendo estabelecidos todos os dias úteis, algumas vezes indústrias por indústrias, mais comumente empresa por empresa ou associação por associação e a mais comum indivíduo por indivíduo. Até mesmo conjuntos de associações de proporções industriais, não há uma única relação uniforme, mas uma complicada escala de relações, determinado por “classificações.”
Todo o dilema que Keynes apresenta, como veremos mais tarde, não existe no mundo real da economia, mas em seu próprio e confuso método de pensamento.
3. Sem “níveis gerais” de salário
Seção III do Capítulo 2 do Keynes, tem menos de uma página e meia, ainda assim é lotado de falácias e distorções de fatos, e essas falácias e distorções são tão importantes para toda a teoria de Keynes, que requer mais que uma página e meia de análise.
O argumento de Keynes nessa seção tem base em 3 imprecisões principais:
- A palavra “salários” algumas vezes é usada com o significado de salário, e às vezes como receita salarial ou como folhas de pagamento completas. Não é indicado para o leitor quando o significado muda, e o próprio Keynes, também parece não estar ciente disso. Essa confusão persiste pelo Teoria Geral e dá origem a vários “semi-enganos” e “semi-falácias”.
- “Trabalho” é tratado em seu significado Marxista, como um valor fixo, com interesses fixos em oposição a um interesse de empreendedores igualmente fixo. Esse tipo de atitude analisa de forma descuidada tanto o frequente conflito de interesses entre diferentes grupos de trabalhadores e a semelhança de interesses entre trabalhadores e empreendedores da mesma indústria ou firma.
- Keynes está constantemente confundindo os reais interesses dos trabalhadores com suas fantasias a respeito de seus interesses.
Veja essa estranha proposição da página 14:
“Qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, que concordam com uma redução dos salários nominais de outros, sofrerão uma redução relativa nos salários reais, o que é motivo o suficiente para eles resistirem a isso.” (Seus itálicos, p.14)
Para vermos quão ruim esse argumento é, vamos tentar aplicá-lo para mercadorias. Teríamos então que dizer, por exemplo, que se o preço do trigo caísse em comparação ao do milho, os fazendeiros de trigo estariam “certos” em recusar o preço menor. Se o fizessem, obviamente, irão simplesmente deixar parte de seu trigo sem ser vendido. O resultado disso seria negativo tanto para os fazendeiros de trigo, quanto para os consumidores.
Em uma economia livre, simples e funcional, mudanças consideráveis nos preços acontecem todos os dias. Esse processo gera tanto “ganhadores” quanto “perdedores”. Se os “perdedores” se recusassem a aceitar as circunstâncias, e mantivessem os seus preços congelados (ou os aumentassem tanto quanto “o nível geral” tivesse), o resultado seria meramente o congelamento da economia, consumo restrito e menor produção, particularmente dos bens que de outra forma, teriam uma certa queda em seu preço. Isso é exatamente o que acontece com o trabalho, quando os membros de um único sindicato recusam uma “certa” redução dos salários reais. Ao recusarem isso, eles, na realidade, não melhoram sua situação. Eles simplesmente provocam desemprego, especialmente em seus próprios cargos, e também ferem seus próprios interesses, assim como o dos empreendedores que os empregam.
Keynes se manteve cego a respeito do fato mais evidente da vida econômica real – de que preços e salários nunca (com exceção talvez em estados totalitários) mudam uniformemente ou como uma unidade, mas sempre “variavelmente”. São preços e salários individuais que sobem ou caem e se ajustam entre si de acordo com mudanças periódicas na relativa oferta e demanda.
Após o fim de um certo ano ou mês civil, surge também um estatístico e descobre a nova média. Se esse for um estatístico ruim, ele nos diz que houve tal e tal mudança no “nível” médio de preços ou salários. E então economistas ruins constroem teorias falsas nessa terminologia enganosa. Eles reificam este dito “nível.” Seu próximo passo é anunciar que se os salários ou preços em uma economia livre “não agirem dessa forma totalmente uniforme ou estática, deve haver uma injustiça afrontosa acontecendo, e de que há “justificação o suficiente” para qualquer grupo de trabalhadores resistirem a uma certa redução dos salários reais, mesmo que ao resistir a isso, eles apenas gerem desemprego em seus próprios cargos. Isso está adicionando pseudo éticas a uma pseudo economia. É como dizer a um homem que ele está certo em cortar seu nariz para irritar seu rosto.
“Seria impraticável [continua Keynes, para qualquer grupo de trabalhadores] resistirem a todas as reduções nos salários reais, devido a uma mudança no poder de compra do dinheiro, o qual afeta todos os trabalhadores igualmente; e de fato, reduções do salário real surgindo dessa forma, não são, no geral, resistidas, a não ser que eles recorram a medidas extremas.” (p. 14)
A segunda parte dessa afirmação, como já vimos, é contrário aos fatos do mundo moderno. Sindicatos agora insistem em contratos escaláveis ou aumentos salariais para balancear mudanças menores do que 1 por cento no índice de custo de vida.
Também não é sempre verdade que “uma mudança no poder de compra do dinheiro afeta todos os trabalhadores igualmente.” Uma mudança dessas no poder de compra é sempre acompanhada e parcialmente causada por aumentos de alguns salários. A falácia de Keynes aqui, surge mais uma vez da brusca suposição de que “o nível do preço” como um todo, aumenta em uma inflação, enquanto “o nível dos salários” permanece fixo. Médias estatísticas, podem às vezes dar a impressão que isso ocorre, mas isso acontece exatamente porque meras médias, escondem a real variedade e dispersões do processo econômico.
Keynes está constantemente caindo nessa falácia das médias ou agregados. Seu “agregado” ou “macroeconomia” não é um passo para frente; mas sim um para trás, que oculta relações e causas reais, o que o faz criar uma elaborada estrutura de relações e causas fictícias.
“O propósito de uma união por parte dos grupos de trabalhadores [Keynes continua] é o de proteger seus relativos salários reais. O nível geral dos salários reais depende das outras forças do sistema econômico.
Embora seja positivo que os trabalhadores, mesmo inconscientemente, sejam economistas instintivamente mais sensatos, do que os da escola clássica, na medida que resistam a reduções de salários nominais, os quais são raros ou inexistentes em um mundo completamente caracterizado, enquanto que eles não resistem a reduções de salários reais.” (Seus Itálicos, p. 14)
Percebam, primeiramente, o significado da palavra “proteger.” O propósito e efeito de sindicatos, evidentemente, é o de aumentar os salários correspondentes aos membros do sindicato em comparação aos dos outros trabalhadores. O “nível geral” dos salários reais é meramente a combinação da média dos salários individuais. Esse não depende “dos outros vetores do sistema econômico.” Depende dos cálculos de estaticistas. Claro que qualquer degradação da unidade monetária, por meio de inflação, causa um aumento na média de salários e preços. Mas isso ocorre na verdade, devido a um diferente (embora às vezes apenas levemente diferente) aumento percentual no preço de cada mercadoria ou salário individual. A proporção de câmbio do trigo e milho é determinado pelo valor tanto de um alqueire de trigo quanto de um de milho, e nunca apenas pelo valor de um deles. Um preço monetário ou salarial é determinado pelo valor de troca da unidade monetária e o valor de troca de uma unidade de uma mercadoria ou serviço, e não apenas pelo valor da unidade monetária isoladamente
Finalmente, o irônico comentário sobre trabalhadores serem “mais sensatos que a escola clássica” é baseado na ideia errada de como salários mudam e como economistas “clássicos” pensam. Nenhuma redução de salários, exceto aquelas que podem ser impostas por um governo autoritário, são sempre “completamente caracterizados.” Se a economia for livre, salários individuais variam tanto quanto os preços, e a há grande flutuação, tanto quando sobem ou descem. (Ver gráficos nas páginas. 284 e 285.)
4. Economia “não euclidiana”
Seção IV e V do Capítulo 2 do Keynes são excepcionais, até mesmo no Teoria Geral, devido ao retrocesso e ambiguidade do estilo deles e pela tendência notável de Keynes de dizer tudo de trás para frente. Ele começa nos dizendo que “a teoria clássica” não permite nem a possibilidade de desemprego “involuntário” estritamente falando. Se é verdade ou não, depende de como definimos “involuntário,” e como interpretamos a palavra em relação à condição de um trabalhador ou em relação aos sindicatos que insistem em uma determinada escala de salários e analisá-lo pelos seus métodos de intimidação, que não só seus próprios membros, mas como ninguém aceita um emprego abaixo desse valor.
Mas aqui está a definição do próprio Keynes de “desemprego involuntário”:
“Homens são involuntariamente desempregados se, no caso de um pequeno aumento no preço de bens salariais relativo ao salário nominal, tanto a oferta agregada de trabalhadores que desejam fazê-lo pelo salário nominal atual quanto a demanda agregada por isso, por essa remuneração, seria maior do que a quantidade de empregos.” (Seus Itálicos, p. 15)
Seria difícil pensar em uma definição mais prolixa, velada ou ofuscada. Eu já li inúmeras vezes, e pelo que consegui entender, significa simplesmente: Homens são involuntariamente desempregados se um aumento nos preços relativo aos salários levasse a um aumento de empregos.
Assim que traduzimos a afirmação de Keynes para inglês compreensível, sua falsidade se torna evidente. A afirmação de Keynes negligencia o fato de que tal aumento de empregos poderia ter sido tratado de forma igualmente satisfatória por uma diminuição dos salários nominais, com os preços de mercadorias permanecendo o mesmo. Porém, para admitir essa possibilidade, também deveria se admitir que o desemprego não foi de fato involuntário. Keynes tenta dispensar essa possibilidade, fingindo, de forma nem um pouco persuasiva, que deveria ser uma redução uniforme e simultânea dos salários de todo o sistema econômico, para tornar esse resultado possível. Mas como já mostrei, salários nunca sobem ou descem uniformemente ou simultaneamente. (veja novamente os gráficos nas páginas 284 e 285.)**
Não iremos gastar mais tempo nas seções IV e V, por mais que estejam lotadas com mais proposições veladas e implausíveis. Keynes nos informa que:
“A Teoria dos Salários em relação ao emprego, a qual estamos nos direcionando, não pode, no entanto, ser completamente explicada, até chegarmos ao Capítulo 19 e seu apêndice” (p. 18)
Também podemos esperar por esse Capítulo antes de fazermos mais análises da teoria de Keynes sobre esse tema.
Porém, antes de sairmos dessas seções, vale a pena lembrar da alegação extravagantemente pretensiosa que aparentemente capturou o interesse dos discípulos mais fervorosos de Keynes.
“Os teóricos clássicos [ele escreve] lembram a geômetros euclidianos em um mundo não euclidiano que, ao descobrirem empiricamente que linhas retas, aparentemente paralelas, muitas vezes se encontram, repreendem as linhas por não seguirem em linha reta… Ainda assim, na realidade, não há solução, exceto ignorar o axioma dos paralelos e utilizar geometria não euclidiana. Algo semelhante é necessário atualmente na economia.” (p. 16)
Se formos falar dentro dessas pretensiosas condições, gostaria de lembrar que o mundo econômico real em que vivemos, é antes de tudo, bem “euclidiano,” e que seria melhor soarmos “euclidianos” ao descrevê-lo. É exatamente Keynes, como iremos ver, que começa a repreender o mundo econômico real, por não agir de acordo com suas teorias – como quando ele fala, por exemplo, contrariando todas as experiências sob uma economia livre, que salários “deveriam” aumentar ou cair ou se ajustar ao “nível de preço” uniformemente e simultaneamente ou de nenhuma outra forma.
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Notas
[1] Existem apenas alguns oásis de lucidez e eloquência em um vasto Saara de obscuridade. Essa péssima escrita vem sendo comentada tanto por admiradores, como Paul A. Samuelson (já citado) e pelos críticos menos simpáticos, como Jacob Viner e Frank H. Knight. Knight remete diversas vezes ao “pesado trabalho envolvido” em ler um livro. “Termos familiares e modos de expressão aparentam ser evitadas a princípio.” “Minha dificuldade (e sem pouco aborrecimento) tem sido essa de escolher entre interpretações, uma aparentemente sem sentido e a outra mais ou menos comum.” The Canadian Journal of Economics and Political Science, 1937, pp. 123, 108 e 122.
[2] Revisão Mensal de Trabalho, Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, Dez, 1957.
[3] Quando eu falo a respeito de salários “excessivos” eu quero dizer, obviamente, apenas aos salários que extrapolam a produtividade marginal do trabalho. O termo “excessivo” não deve ser entendido como uma forma de implicar em uma desaprovação moral de tais salários. Mas sim, implica que, quando tais salários existirem, haverá desemprego e uma impossibilidade de todos os funcionários receberem a renda salarial total máxima, que outras condições tornavam possível.
[4] Suplemento Histórico e descritivo para Indicadores Econômicos. Preparado para a comissão mista no Relatório Econômico pela equipe do comitê e Banca de Padrão Estatístico, Bureal of the Budget, página. 29.