Thursday, November 21, 2024
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Bitcoin: vale a pena comprar bitcoins? (Parte Final)

bitcoin (1)Chegamos finalmente à última parte da série Bitcoin. Neste artigo, tratarei do mercado Bitcoin atual, dos desafios ao avanço da moeda digital, bem como da pergunta do título. Com certeza, poderia ter oferecido a resposta a essa questão já na primeira parte da série, o que possibilitaria que alguns aproveitassem uma forte queda na cotação da moeda, especulando no curto prazo.

A verdade é que posterguei lidar com o preço do bitcoin propositalmente. Por um lado, porque era fundamental compreender a essência do projeto, sua natureza e seu funcionamento. Por outro, porque não queria instigar ninguém a lançar-se em aventuras especulativas com a moeda digital — definitivamente, esse não é o seu propósito.

Ademais, e ainda que possa intrigar a muitos, o seu preço é, neste momento, praticamente irrelevante. Portanto, já adianto que a resposta é sim, sem dúvida alguma vale a pena comprar bitcoins. Mas para entender o porquê, é preciso ler o artigo na íntegra e com muita atenção.

Uma falsa dicotomia, uma nova classe de ativos

Se lhe pareceu haver uma dicotomia entre bitcoins e outras moedas, é preciso um esclarecimento. Ainda que possa ter transmitido essa ideia ao explicar a natureza da moeda digital e compará-la às moedas fiduciárias e ao ouro, a intenção foi meramente de realçar o contraste entre as diferentes moedas disponíveis no mundo. Em realidade, é preciso enxergar o Bitcoin não como mutuamente excludente, mas sim como complementário às formas de dinheiro até hoje existentes.

É verdade que não podemos saber se o Bitcoin irá perdurar. Não sabemos se sobreviverá outro ano, ou uma década. Mas arrisco dizer que uma moeda digital (ou criptomoeda) veio para ficar. “O preço do Bitcoin pode até colapsar, e os usuários podem repentinamente migrar para outra moeda”, escreveu a revista Britânica The Economist em artigo sobre o Bitcoin, “mas há grande probabilidade de que alguma forma de dinheiro digital deixará uma marca duradoura no ambiente financeiro”.

Como analisamos em detalhe nos artigos anteriores, há inúmeras vantagens que fazem de uma moeda digital um excelente complemento no meio financeiro. No seu atual estágio, o Bitcoin já representa uma substancial redução nos custos de transação. Portanto, independentemente de ele vir a algum dia tornar-se dinheiro (meio de troca universalmente aceito), já atua como um meio de troca secundário. Dessa forma, poderíamos considerar o Bitcoin o precursor de uma nova classe de ativos: a das “moedas digitais”. E como está a precificação do ativo Bitcoin?

Preço e volatilidade

Bitcoin está caro ou barato? Não sei. Ninguém sabe. O ponto fundamental não é se 1 BTC vale 100 ou 30 dólares, mas sim que o preço de uma unidade bitcoin está acima de zero, e isso, por si só, já é surpreendente. O simples fato de a moeda digital ter um preço e estar sendo utilizada por indivíduos em intercâmbios é sensacional.

Estamos ainda na infância do experimento Bitcoin. A cotação de um bitcoin em relação a outras moedas, ou o seu preço, é algo que está sendo descoberto pelo mercado, e não podemos prever a sua evolução. E ainda que, pelo lado da demanda, não saibamos como ela evoluirá, ao menos do lado da oferta não seremos surpreendidos por súbitos aumentos na quantidade de bitcoins em circulação.

É claro que a alta volatilidade testemunhada há algumas semanas complica a vida dos usuários de bitcoins — e talvez facilite a dos especuladores —, e é por esse fator que, quanto maior o número de aderentes, mais benéfico será para o avanço da moeda digital. Mas não interprete esse argumento como um convite à especulação. Quanto mais indivíduos aderirem e utilizarem a moeda, maior será sua liquidez. Quanto mais liquidez, menor tende ser a sua volatilidade e aceitação no mercado. No entanto, e aqui está o aviso, uma maior liquidez não necessariamente significa um preço maior.

Alguns afirmam tratar-se apenas de uma nova bolha que em breve vai estourar levando seus usuários à ruína. Será que estamos presenciando uma bolha de fato? Pode ser que sim. Pode ser que não. Não sabemos. Mas uma bolha especulativa em si não é um fator preponderante ao avanço e futuro do Bitcoin. A bolha da internet no início dos anos 2000 não decretou o fim da internet, e a mania das tulipas, séculos atrás, tampouco fez a lilácea desaparecer do mercado.

De certa forma, o preço de uma unidade BTC é irrelevante. A questão-chave é que a moeda digital tem verdadeiras vantagens comparativas, oferecendo excelentes serviços de pagamentos e reduzindo de forma significativa os custos de transação. Como diz Tony Gallipi, sócio do site de pagamentos BitPay, “Bitcoin é simplesmente a maneira mais fácil até hoje inventada de enviar dinheiro de A para B”.

Mercados e desafios

Atualmente, a principal referência do preço de mercado da moeda digital é originada na casa de câmbio (exchange) Mt. Gox, responsável por cerca de 60% do volume total transacionado em bitcoins. Esse percentual já foi mais de 90%, mas em poucos meses novas empresas desbravaram o mercado, concorrendo fortemente nesse serviço.

As casas de câmbio, essenciais no progresso e desenvolvimento do Bitcoin, são o ponto de contato das moedas fiduciárias com o mundo Bitcoin. Por essa razão, são presas fáceis e óbvias aos ataques dos governos e reguladores — possivelmente, são o elo fraco do ecossistema Bitcoin.

Isso fica evidente quando analisamos a mais recente regulação do governo norte-americano, FinCEN, cujo efeito prático tem sido o de atravancar ou até mesmo impossibilitar empresas start-ups de operarem no mercado Bitcoin. A consequência não intencionada pelo governo dos EUA é a concorrência jurisdicional que essa medida tem gerado. As casas de câmbio estão baseadas nas mais diversas localidades – o Mt. Gox, por exemplo, tem seu domicílio fiscal no Japão –, e todo  tipo de legislação em que o intuito seja o de coibir de alguma forma o avanço de empresas nesse mercado conduzirá os empresários a buscar refúgio em outras jurisdições.

Outra complicação tem sua origem no próprio sistema bancário. No Canadá, por exemplo, duas casas de câmbio tiveram suas contas bancárias congeladas, repentinamente e sem esclarecimentos. Isso impossibilitou a continuidade normal de suas atividades. Vale ressaltar, contudo, que derrubar tecnologicamente alguma casa de câmbio, ou forçar legalmente o seu fechamento, em nada afeta a resiliência da rede Bitcoin. Mas com certeza impõe algumas complexidades adicionais à rápida adoção da moeda digital por parte de usuários e grandes comerciantes.

Uma vez que compreendemos o potencial revolucionário do Bitcoin, torna-se claro que não poderíamos esperar nada diferente de governos e bancos. Por esse motivo, talvez o futuro das casas de câmbio não esteja no modelo tradicional e mais evoluído — em que há um servidor central —, mas sim em casas de câmbio peer-to-peer. Da mesma forma como a rede Bitcoin é descentralizada, e por essa razão não pode sofrer ataques de governos, é preciso fazer com que a compra e venda de bitcoins com moedas fiduciárias ocorra de forma descentralizada, longe do alcance de legislações nocivas.

Embora as regulações desestimulem o investimento no setor, é notável o fato de finalmente termos nomes sérios da indústria de venture capital injetando dinheiro pesado no desenvolvimento de start-ups Bitcoin. A Union Square Ventures, cujo portfólio engloba empresas como Twitter, Zynga e Kickstarter, acaba de anunciar o maior investimento da história do projeto, investindo 5 milhões de dólares na Coinbase, empresa com sede em São Francisco, Califórnia.

Notável também é a menção à moeda digital feita por Bill Gross, CIO da Pimco, em sua última carta mensal. Ainda que em tom irônico, a mera referência ao Bitcoin pela maior gestora de títulos soberanos do mundo, com mais de US$2 trilhões de ativos sob gestão, é algo revelador. Bitcoin está atraindo cada vez mais observadores. Já não pode ser mais rejeitado como uma insignificante empreitada geek.

Se no mundo desenvolvido Bitcoin está na sua infância, no Brasil o projeto ainda engatinha. Mas há cada vez mais interessados em abrir casas de câmbio e cedo ou tarde gente séria estará investindo bastante capital nesse setor aqui no Brasil também. E em outros países emergentes a moeda tem ganhado cada vez mais espaço. Na Ásia, os chineses parecem ter finalmente despertado o interesse pela moeda digital. Imaginem o impacto que uma adoção maciça pelos chineses pode ter na evolução do Bitcoin.

Sem dúvida alguma, o experimento enfrentará enormes obstáculos ao longo do percurso. Haverá volatilidade, bolhas e quedas, exchanges serão fechadas, outras quebrarão, e novas formas de usar a moeda surgirão. O livre mercado certamente saberá contornar os percalços e progredir. A inata capacidade criativa do ser humano é o motor do progresso, e nela reside meu otimismo em relação ao futuro da moeda digital.

Mas agora é preciso explicar claramente por que julgo valer a pena comprar bitcoins.

Tirania monetária

Sim, a moeda digital criada por Satoshi Nakamoto proporciona enormes vantagens comparativas em relação às demais moedas fiduciárias. Mas Bitcoin não é apenas uma forma de realizar transações globais com baixo ou nenhum custo. Bitcoin é, em realidade, uma forma de impedir a tirania monetária. Essa é a sua verdadeira razão de ser.

O entorno do surgimento da moeda digital não foi nenhuma coincidência. Bitcoin emergiu como uma resposta natural ao colapso da atual ordem monetária, à constante redução de privacidade financeira e a uma arquitetura bancária cada vez mais prejudicial ao cidadão comum. Governos não podem inflacionar bitcoins. Governos não podem apropriar-se da rede Bitcoin. Governos tampouco podem corromper ou desvalorizar bitcoins. E também não podem proibir-nos de enviar bitcoins a um comerciante no Maranhão ou no Tibet.

Imaginem um mundo sem inflação, sem bancos centrais desvalorizando o seu dinheiro para financiar a esbórnia fiscal dos governantes.[1] Sem confisco de poupança. Sem manipulação da taxa de juros. Sem banqueiros centrais deificados e capazes de dobrar a base monetária a esmo e a qualquer instante para salvar banqueiros ineptos que se apropriaram dos seus depósitos em aventuras privadas. A verdade é que o Bitcoin, ou o que vier a substituí-lo no futuro, poderá remover os bancos dos banqueiros e o dinheiro dos governos. Por isso, não espere nenhuma boa vontade dessa dupla simbiótica em relação ao Bitcoin.

A internet nos permitiu a liberdade de comunicação. O Bitcoin tem o potencial de devolver nossa liberdade sobre nossas próprias finanças. Bitcoin é a internet aplicada ao dinheiro.

Portanto, criem suas carteiras, comprem alguns bitcoins e familiarizem-se com a nova tecnologia. Quanto mais indivíduos empregarem a moeda, quanto maior a sua aceitação no mercado, maiores serão suas chances de sucesso.  Mas deem atenção ao aviso de Gavin Andresen, desenvolvedor líder do projeto:

“Somente invista o tempo e o dinheiro que você pode perder, pois o Bitcoin ainda é um experimento. Quanto mais ele perdure apesar de toda volatilidade e problemas técnicos, mais saberemos. Mas a confiança requer tempo.”

Aos economistas, deixo um recado: estudem a moeda digital a fundo. Não a desmereçam pela simples aparência virtual. De fato, o Bitcoin tem forçado os estudiosos da teoria monetária e bancária a revisitar conceitos que pareciam estar completamente compreendidos e superados. Temos uma oportunidade ímpar de refinarmos a teoria acerca dos fenômenos monetários.

Àqueles que prezam a liberdade, reitero que, pela primeira vez na história da humanidade, a possibilidade de não dependermos de nenhum órgão central controlando nosso dinheiro é real e está se desenrolando nesse exato instante diante de nossos olhos. À liberdade individual e ao desenvolvimento da civilização, as consequências desse arranjo são extraordinárias e sem precedentes. Dinheiro honesto é uma questão sobretudo moral e basilar para qualquer sociedade que almeja a paz e a prosperidade. E é precisamente essa a essência do experimento Bitcoin.

Em 2008, Satoshi Nakamoto supostamente teria dito que o Bitcoin “é muito atrativo do ponto de vista libertário, se conseguirmos explicá-lo adequadamente. Mas infelizmente sou melhor com código de programação do que com palavras”.

Espero que esta série tenha ajudado a explicar um pouco melhor em palavras o significado revolucionário dos códigos do Bitcoin.

Artigo originalmente publicado em O Ponto Base


[1] Em países onde a desordem financeira e os crimes contra a moeda são patológicos, os cidadãos já estão empregando bitcoins como reserva de valor. Na Argentina já é preferível estar sujeito à volatilidade da moeda digital do que à volatilidade do humor da Sra. Kirchner.

Fernando Ulrich
Fernando Ulrich
Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. É conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária, entusiasta de moedas digitais, e mantém um blog no portal InfoMoney chamado 'Moeda na era digital'. Também é autor do livro 'Bitcoin - a moeda na era digital'.
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