O problema de falar sobre Belo Monte — pior ainda, falar contra Belo Monte — é que você será imediatamente visto como aliado de gente esquisita, como artistas globais que mal sabem do que falam (mas falam assim mesmo, pois pertencem à casta dos bem pensantes e por isso gozam de plena imunidade intelectual) e ambientalistas lunáticos que não hesitariam em dizimar a humanidade para proteger minhocuçus, aranhas, tatus e macacos-prego.
É claro que eu não acharia nada ruim em ser visto ao lado de Juliana Paes, Letícia Sabatella e Maitê Proença (senti falta da Christiane Torloni). Porém, uma coisa é estar acompanhado delas; outra, bem distinta, é ser confundido com alguém que pensa da mesma maneira que elas. E é esta tragédia que quero evitar aqui.
O leitor provavelmente já deve ter assistido ao vídeo abaixo. Caso ainda não o tenha feito, reserve 5 minutos do seu tempo para a tarefa. O vídeo é tecnicamente muito bem feito e possui um roteiro bem elaborado. Para os incautos, ele é bastante persuasivo. O primeiro um minuto e meio é muito bom. Depois é que a coisa degringola. Veja:
Para resumir, a ideia do movimento contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte se apóia em três pilares:
1) A hidrelétrica será construída majoritariamente com o dinheiro de impostos.
2) A hidrelétrica vai desalojar índios e populações ribeirinhas.
3) A hidrelétrica vai matar peixes e inundar uma área de 640 km2 de floresta, algo que certamente vai alterar o eixo de rotação da terra. Ademais, hidrelétrica em floresta é energia suja (só seria boa no deserto, segundo Letícia Sabatella). Bom mesmo é moinho de vento e energia solar.
Primeiro item
O primeiro item é irretocável. Aliás, foi uma grata surpresa ver a classe artística tão preocupada com a imoralidade que é a espoliação do dinheiro alheio. No entanto, é óbvio que se trata de um mero truque emocional para atrair mais gente para o movimento; afinal, na hora de correr para o governo e pedir que ele confisque mais dinheiro do setor produtivo para repassar para o cinema nacional e inúmeros projetos culturais, os artistas são os primeiros a entrar na fila. Portanto, essa repentina guinada libertária é meramente um estratagema para ludibriar e atrair para o seu movimento ambientalista alguns indignados a mais. (Mesmo porque, até onde se sabe, nenhuma destas estrelas — inquestionáveis fontes de sabedoria e autoridade moral — parece estar se queixando da farra com o dinheiro público que está sendo feito em nome da Copa do Mundo, cuja importância é muito menor que a de uma hidrelétrica.)
No entanto, vamos ignorar essa manobra esperta e nos concentrar exclusivamente na mensagem anti-tributária, a qual, vinda de quem veio, já é um grande avanço. De fato, é o BNDES (sempre essa praga) quem irá financiar 80% da obra — de início, os R$ 24 bilhões de que fala o vídeo; porém é fácil prever que, como de praxe, tal valor acabará sendo muito maior que o planejado.
Há uma regra que nunca falha: sempre que o governo, à revelia de todos, se empenha laboriosamente em aprovar projetos de lei ou em empreender obras impopulares, pode ter certeza de que tem alguém ganhando muito dinheiro com isso. O seu dinheiro, obviamente. Políticos são sensíveis ao voto, é claro, mas são ainda mais sensíveis às necessidades de empreiteiras e bancos cujas contribuições de campanha serão proporcionais às benesses que ganharam do governo. Entre o eleitor comum e os grandes financiadores de campanha, não é nenhuma ciência complexa imaginar quem será o privilegiado.
No caso de Belo Monte, o dinheiro irá para as empreiteiras que formaram os consórcios e para os bancos que irão financiá-los. (Além do BNDES, há também o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia (Basa), o Bradesco, o Itaú Unibanco, o HSBC, o Santander, o Banco Votorantim, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e o BES Investimento do Brasil. Quanto às empreiteiras, os nomes de todas elas estão disponíveis aqui.
Os mais crédulos e otimistas diriam que o governo está apenas preocupado com o bem comum de uma massa ingrata e ignara. Desnecessário dizer que governo benevolente é um oximoro; governos se preocupam exclusivamente com os interesses de seus membros e com os interesses de grupos de interesse que fazem lobby. Na democracia, gentileza sempre vai gerar novas gentilezas — afinal, a conta sempre pode ser repassada para terceiros.
Portanto, quanto ao primeiro item, a concordância é de 100% com o vídeo. O apelo para a não construção de Belo Monte com dinheiro de impostos é totalmente louvável. Por coerência, esperemos que estes artistas venham mais a público denunciar todos os tipos de obras públicas e demais empreitadas governamentais. Aliás, que venham a público protestar contra todos os tipos de gastos do governo. Afinal, se todos concordamos que construir hidrelétrica com dinheiro público é errado, imagine então tomar dinheiro da população para financiar coisas totalmente sem importância, como teatros, cinema e outros “projetos culturais”? Tenho certeza de que os artistas brevemente estarão protestando contra isso também. Um novo YouTube já deve sair na semana que vem.
E considerando que o gasto total do governo federal já está na casa de R$ 1 trilhão, e dado que “meros” R$ 24 bilhões provocaram toda essa azáfama entre os artistas, então é certo que eles se engajarão com ainda mais vigor para combater todo e qualquer tipo de gasto público, desde obras para a Copa até gastos com educação. O que é mais importante, ter hidrelétrica ou pagar professores de ciências sociais em universidades federais?
Mas é claro que nada disso vai acontecer. E por um motivo muito simples: como explicado, essa crítica ao fato de Belo Monte estar sendo construída com dinheiro público é mera espuma. É apenas um truque para agregar mais gente à causa. A real intenção desse movimento é uma só: avançar a agenda ambientalista, a qual será abordada no terceiro item.
Segundo item
O segundo item também traz uma revelação surpreendente: os artistas, uma classe progressista por natureza, se mostram inflexíveis defensores da propriedade privada. A população ribeirinha e os índios que habitam o local teriam de ser removidos para a construção de Belo Monte, desapropriação essa que no jargão técnico se chama ‘domínio eminente’. Mas a classe artística, destemida, veio a público denunciar este totalitarismo estatal, revelando-se resoluta em sua defesa da inviolabilidade do sacrossanto direito de propriedade privada.
O que chama atenção nessa abordagem é que apenas genuínos conservadores e libertários são favoráveis à total inviolabilidade dos direitos de propriedade. Se um grupo de pessoas se estabeleceu em uma região, se eles adquiriram aquela terra por meios honestos (sem roubo ou invasão) e se eles ‘misturaram seu trabalho àquela terra’, então tal local passa a ser sua propriedade privada. E de maneira inquestionável e sacra. Alguém removê-los de lá contra a vontade deles seria um violento atentado aos seus direitos de propriedade privada. Tanto os índios quanto a população ribeirinha teriam de ter o direito de recusar qualquer tipo de proposta que lhes fosse feita.
Mesmo liberais moderados e todos os social-democratas em geral defendem uma relativização dos direitos de propriedade. Segundo eles, a propriedade não pode se sobrepor ao ‘bem comum’. Se o governo decidir que uma casa deve ser derrubada para a construção de uma rodovia, está decidido. O proprietário não tem o direito de reclamar. Ele que se contente com sua indenização (sempre menor que o valor da propriedade) e se retire. É preciso abrir mão de confortos e se sacrificar pelo bem comum.
Já os artistas são muito mais reacionários. Com eles não tem negócio, não. A violação da propriedade privada não é negociável. Se os índios e os ribeirinhos não querem sair dali — e tudo indica que realmente não querem —, então tudo deve ser cancelado. É por isso que tenho certeza de que brevemente os artistas também estarão protestando contra todos os governos estaduais e municipais que estão praticando domínio eminente a rodo em todo o país para agradar à FIFA. O YouTube deve sair daqui a duas semanas, com Marcos Palmeira e Eriberto Leão recitando trechos de Hans-Hermann Hoppe.
Creio não ser realmente necessário explicar que esta postura é apenas mais uma velhacaria concebida ardilosamente para atrair mais pessoas à causa ambientalista, desta vez recorrendo ao apelo emocional da compaixão pelos destituídos. Respeito à propriedade privada? Só se for a deles. Esse povo nunca esteve interessado nisso. A real intenção desse movimento, repetindo, é uma só: avançar a causa ambientalista. E para isso é necessário conquistar as mentes e os corações (principalmente os corações) dos mais incautos.
Terceiro item
E é no terceiro item que o movimento explicita suas genuínas cores e intenções. A preocupação nunca foi o dinheiro público ou a propriedade privada. A preocupação sempre foi a de salvar girinos, bagres, minhocas e piranhas. Além de árvores e cipós, é claro. Um momento bastante impactante ocorre quando Eriberto Leão, com voz incisiva e sílabas pronunciadas sombriamente, anunciou que “a usina de Belo Monte vai alagar, inundar,destruir 640 km2 de floresta amazônica”. Apavorante? Parece muita coisa? Acha que isso causará o fim do sistema solar? Não se você considerar que a Amazônia tem uma área de 5.500.000 km2, detalhe que fizeram questão de nem mencionar. Logo, essa “tragédia” inundaria 0,01% da Amazônia. E qual é a área da floresta que é desmatada anualmente? 19.000 km2. Anualmente. Logo, o ‘estrago’ que Belo Monte fará é ínfimo se comparado ao tamanho do desmatamento anual da região. E todo esse desmatamento, ao que tudo indica, não alterou o equilíbrio mundial. Não obstante, o vídeo quase nos faz crer que justamente estes 640 km2 alterarão completamente o ecossistema da região, gerando chuva ácida, aquecimento global, tornados, furacões, tsunamis etc.
Ato contínuo, os sábios apresentam a solução para o impasse: esqueçam essa bobagem de usinas hidrelétricas. São nocivas para o mundo. O must do momento é energia eólica e energia solar. Ou seja, a energia hidrelétrica pode ser perfeitamente substituída por vento e por raios de sol. É possível? Claro que é! E como seria isso? Ah, isso é um problema pequeno, que pode ser perfeitamente deixado para depois. O que importa é que Eriberto Leão garantiu que é possível. E Eriberto é a voz da ciência. Se ele diz que é possível, então não pode haver discordância.
Ora, energia eólica e a energia solar de fato podem gerar eletricidade, mas não o suficiente e em nível nacional. Ambas podem funcionar bem como complementos muito localizados, mas não em grande escala. O vídeo deixa claro que os artistas irão se opor veementemente à construção de novas hidrelétricas na Amazônia (as quais já estão programadas), e exigirão a substituição de todas essas hidrelétricas por vento e sol.
Como perfeitamente ironizou George Reisman,
Mas há um problema sério, e que aparentemente tem sido amplamente ignorado por aqueles mais impacientes pela construção dos moinhos e painéis solares: o incômodo fato de que nem sempre está ventando e nem sempre o sol aparece. E, até o presente momento, não há notícia de um método econômico e em larga escala capaz de armazenar eletricidade para uso posterior. Tal fato implica a necessidade de se manter o atual sistema de produção operando conjuntamente com o novo sistema baseado inteiramente no vento e no sol. Porém, caso tal sugestão seja demasiado reacionária, então que nos acostumemos a prolongados períodos de blecaute.
Uma curiosidade adicional é que a energia eólica, pelo visto, também gera problemas para os ambientalistas, pois está promovendo uma chacina de pássaros e águias.
A mentalidade ambientalista
Essa doentia insistência dos ambientalistas em querer impor ‘energia limpa’ e em exigir ‘energia mais eficiente’ é uma postura que, caso seja implementada como eles querem, irá solapar toda a produtividade da economia, bem como todo o nosso bem-estar. Por quê? Porque ‘energia mais eficiente’, no linguajar verde, significa simplesmente uma menor produção de energia por habitante. E é aí que surge a nossa miséria. Para que haja um aumento na produtividade da mão-de-obra, algo indispensável para o enriquecimento de economia, é necessário que haja um constante aumento na quantidade de energia disponível per capita. Caso contrário, para compensar este não aumento da energia disponível, cada trabalhador terá de aumentar sua carga de trabalho muscular caso queira continuar produzindo mais e melhores bens e serviços. E isso seria um ataque direto ao nosso padrão de vida. Afinal, nossa qualidade de vida depende primordialmente de um fato: nossa força muscular, que é bastante modesta, tem de ser continuamente auxiliada por quantidades cada vez maiores de energia mecânica, na forma de máquinas, motores e geradores, alimentados por gasolina, diesel, gás, eletricidade e energia nuclear. Quanto maior a variedade de opções, melhor. E é isso que os ambientalistas querem abolir.
O movimento ambientalista, portanto, é um movimento profundamente anti-mercado, anti-bem-estar e anti-desenvolvimento, pois suas propostas solapam por completo a produtividade do trabalho. Consequentemente, elas destroem todas as possibilidades de progresso econômico e de aumentos salariais — os quais estão diretamente ligados à produtividade. Somente um constante aumento na produtividade da mão-de-obra, auxiliado pela utilização de uma maior quantidade de energia per capita, pode gerar um aumento na oferta de bens e serviços em relação à oferta de mão-de-obra disponível (um marceneiro é mais produtivo utilizando uma serra elétrica em vez de um serrote). E é esse arranjo que gera uma redução nos preços em relação aos salários. Ou, falando de outra forma, é esse arranjo que torna possível os salários aumentarem sem que os preços tenham de subir, ou sem que tenham de subir na mesma proporção dos salários.
Outro problema do movimento ambientalista, e aqui o efeito é meramente cômico, é sua total incoerência e a total ignorância. Explico: os ambientalistas afirmam que não se pode confiar cegamente na ciência e na tecnologia para a construção de usinas nucleares, nem para a produção de pesticidas, conservantes químicos, agrotóxicos, transgênicos etc. No entanto, quando o assunto é aquecimento global (que é o bicho-papão que realmente move essas campanhas ambientalistas), imediatamente surge uma área cujos métodos científicos e tecnológicos despertam nos ambientalistas a mais excitante e irreversível confiança, uma área em que, até bem recentemente, ninguém — nem mesmo o mais fervoroso defensor da ciência e da tecnologia — jamais havia demonstrado ter muita confiança. Se há uma coisa, afirmam os ambientalistas, que a ciência e a tecnologia podem fazer perfeitamente, sem nenhuma margem de erro significativa, e na qual podemos ter confiança ilimitada, é prever o tempo — para os próximos cem anos!
Afinal, é exatamente com base na previsão do tempo que os ambientalistas praticamente exigem que abandonemos todas as benesses trazidas pela Revolução Industrial. Ou, como eles eufemisticamente costumam dizer, que ‘mudemos profundamente o nosso estilo de vida’ — em total prejuízo do nosso bem-estar material, é claro. Temos de reduzir continuamente nossas emissões de dióxido de carbono e, óbvio, reduzir nosso consumo de petróleo, gás natural, carvão e qualquer coisa que libere CO2. E, pelo visto, a seguir a nova tendência, também teremos de reduzir nosso consumo de eletricidade gerada por meios hídricos. Daqui a pouco seremos proibidos de respirar.
Outro fator hilariamente contraditório diz respeito à energia nuclear. Por mais que cientistas e engenheiros nos assegurem, baseando-se nos mais mínimos detalhes das mais reputadas leis da física, que a energia nuclear é perfeitamente segura (no Brasil não há terremotos como no Japão), os ambientalistas se retraem em espasmos quando ouvem o termo — mais ou menos como fez Bruno Mazzeo, que teve de fazer uma concessão e dizer que a energia hidrelétrica é mais limpa que a energia nuclear. E por que reagem assim? Porque, segundo eles próprios, não devemos arriscar de maneira irresponsável a vida das próximas cinquenta gerações, que correm o risco de ser expostas a radiações nocivas. Porém, paradoxalmente, baseando-se exclusivamente na previsão do tempo, eles estão dispostos a destruir todo o sistema econômico da atualidade e abolir toda a civilização industrial — o que impediria que avançássemos sequer mais umas duas gerações.
Em resumo: a nossa civilização industrial deve ser abolida unicamente para evitar que, no futuro, o clima fique ruim. Lunáticos estão exortando a destruição do nosso padrão de vida com o intuito de manipular a temperatura média do mundo e o nível dos oceanos nos séculos futuros. E, de quebra, também para evitar a morte de insetos, sapos, micos, árvores e mato.
Qual a semelhança e qual a diferença entre o “socialismo científico” marxista e o atual movimento ambientalista? O marxismo representa o coletivismo em sua fase jovem, arrogante e impetuosa. Já o ambientalismo representa o coletivismo em sua fase senil e esclerosada. O marxismo, falsa e desonestamente, ao menos prometia grandes bonanças: o potencial humano seria finalmente libertado dos grilhões da opressão capitalista e a prosperidade material seria o inevitável resultado dessa nova ordem. Já o ambientalismo se limita a aterrorizar pessoas cuja mentalidade é menos desenvolvida que a de uma criança, e oferecer a elas uma lista de coisas que elas devem fazer caso queiram evitar vento e chuva. De certa forma, o ambientalismo é o estágio final do coletivismo.
Conclusão
Não foi o objetivo deste artigo falar como funcionaria um livre mercado de energia elétrica, como ele seria mais eficiente, mais barato e mais abrangente. Isto já foi dissecado nestes dois artigos. O objetivo aqui foi analisar um pouco das nuanças do movimento ambientalista e mostrar como eles estão aprendendo a se adaptar e a remodelar seu discurso para atrair gente desavisada para a sua causa.
No mais, o Brasil possui 851 milhões de hectares. Apenas 0,2% são ocupados por cidades e suas obras de infra-estrutura. Dizer que os ocupantes de meros 0,2% de um imenso território estão causando a destruição irreversível de todo o ecossistema seria vigarice ou imbecilidade?
Quem quiser ser contra a construção de Belo Monte, ótimo. Eu também sou. Mas sou unicamente porque se trata de uma obra corporativista — na qual o dinheiro público é dividido entre os amigos do rei — e anti-mercado. Também sou contra porque ela representa um ataque indefensável à propriedade privada. E é só. Pouco me importa o que ocorrerá com as minhocas e as piranhas de uma ínfima região da Amazônia. A natureza sempre se adapta. É assim há pelo menos 2,5 milhões de anos.
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