Friday, November 22, 2024
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Aula XIV – Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Na aula anterior, dissemos que a taxa de juros tem a função de regular o gasto em investimentos em relação à quantidade de dinheiro em poupança. Quando a quantidade de dinheiro em poupança não é suficiente para patrocinar um alongamento na estrutura de capital, de modo que os empreendimentos se revelam inviáveis no meio do caminho, é isso que resulta na chamada depressão ou recessão econômica.

Uma economia livre, sem intervenção de um governo, sempre tende ao crescimento, embora apresente as flutuações que lhe são inerentes. Flutuações econômicas acontecem em razão da natural impermanência das coisas. Como disse Rothbard:

As preferências dos consumidores mudam; as preferências temporais e as consequentes proporções de investimento e de consumo mudam; a força de trabalho muda em termos de quantidade, qualidade e lugar; alguns recursos naturais são descobertos, enquanto outros chegam ao fim; as mudanças tecnológicas alteram as possibilidades de produção; as alterações no clima influenciam as colheitas etc.[1]

Com efeito, a ânsia por estabilidade não é um equívoco apenas na esfera econômica. Dado que a própria natureza do universo é a mudança, qualquer desejo por uma fixidez racionalmente planejada é, de um lado, uma negação da realidade e, de outro, uma rejeição do progresso. Evidentemente, contudo, algum grau de estabilidade se faz necessário para uma boa condução dos negócios e da vida, sem que isso signifique uma rejeição da inconstância.

Embora esse não seja o assunto da presente aula, Rothbard enfatiza que é preciso diferenciar flutuações econômicas de depressões. As flutuações ocorrem em pontos específicos do tempo e do espaço, enquanto que as depressões acometem a economia como um todo. Desse modo, não há necessidade de uma teoria das flutuações, pois estas já são explicadas pela própria natureza das coisas, ao passo que uma teoria dos ciclos se faz imprescindível em ordem para se compreender o fenômeno das crises recessivas.[2]

 

***

 

Uma economia livre de intervenções tende naturalmente a aumentar sua estrutura de capital e, por conseguinte, sua acumulação de riquezas. Quando a preferência temporal da população está em baixa, há mais dinheiro em estoque disponível para ser tomado emprestado, pelo que os juros caem. Isso dá aos empreendedores um sinal verde para tomarem esse dinheiro e investirem na produção de algo mais demorado. Como acontece em toda atividade empresarial, eles buscam antecipar a situação futura do mercado e investir naquilo que, segundo creem, lhes proporcionará os maiores lucros. Seria o caso, por exemplo, de um empresário que, vendo uma baixa nos juros, e especulando que em determinado local a construção de um Shopping Center poderá lhe render enormes quantias, resolve tomar emprestado o montante necessário e inicia o empreendimento. Uma vez que essa baixa nos juros se deu em razão de uma poupança real, esse empresário logrará findar as obras normalmente, se nada se interpuser no caminho. Assim, graças à sua visão empreendedora e à poupança existente, ele pôde contribuir para o aumento do padrão geral de vida.[3]

Da mesma forma, se a preferência temporal da sociedade está em alta, o que significa que a demanda por bens presentes está maior que a demanda por bens futuros, então há pouco dinheiro disponível para ser pego emprestado, e portanto os juros aumentam. Fica mais caro tomar empréstimos. Isso representa um sinal vermelho para os investimentos em processos mais longos e demorados de produção e um sinal verde para os processos mais curtos, voltados para as necessidades imediatas.

Assim a economia avança em relativo equilíbrio, sem saltos ilusórios nem reajustes drásticos.

 

***

 

Acrescente-se agora na análise uma força interventora, perturbando o funcionamento natural do mercado.

Considere que um decreto ou qualquer outra iniciativa do governo obrigue os bancos a reduzir os juros, os quais, sem essa medida, estariam altos. O sinal, que antes era vermelho para os investimentos de longo prazo, agora parece verde, abrindo caminho para um precipício que se encontra logo adiante. Inicia-se o que os economistas chamam de boom. Os empresários, vendo o falso sinal verde, pegam dinheiro emprestado para realizar seus investimentos de longo prazo e compram mais bens de capital. Com isso se processa uma transferência do investimento das ordens inferiores (bens de consumo) para as ordens superiores (bens de capital). A estrutura de produção se reajusta para o futuro, quando na realidade a demanda social ainda está focada no presente. Como não houve uma real mudança na preferência temporal da sociedade, a demanda continua maior para bens de consumo do que para bens de capital. Só que agora já houve um grande investimento em bens de ordens superiores, os quais ficarão sem render lucros, porque a demanda, como dissemos, continua voltada para as ordens inferiores da estrutura de produção. Os empresários percebem, então, que investiram equivocadamente e que não terão dinheiro para concluir as obras, nem para pagar os empréstimos, nem para sustentar o negócio caso as obras se concluam. Falências em massa se seguem.

Veja como Richard Ebeling elucida esse processo:

E por que eles [os investimentos] eram insustentáveis no longo prazo?  Porque, à medida que o novo dinheiro criado ia sendo gasto em novos e alargados projetos de investimento, esse dinheiro adicional, com o tempo, chegava às mãos dos fatores de produção (isto é, à mão de obra) que foram atraídos para esses empregos por causa dos maiores salários.  À medida que esses maiores salários eram, por sua vez, gastos no mercado, as demandas por bens de consumo eram estimuladas, fazendo com que houvesse contrapeso: os recursos que haviam sido desviados para os investimentos de longo prazo passavam a ser novamente trazidos para a produção de bens de consumo e para projetos de investimento com horizontes temporais menores.[4]

E Murray Rothbard:

Em suma, os empresários foram iludidos pela inflação do crédito bancário a investir demais em bens de capital de ordens superiores, que só poderiam ser mantidos com prosperidade, por meio de preferências temporais mais baixas, e maiores poupança e investimento; assim que a inflação chega à massa do povo, a antiga proporção entre consumo e investimento se restabelece, e os investimentos empresariais nas ordens superiores revelam-se um desperdício. Os empresários foram induzidos a esse erro pela expansão do crédito e por sua interferência na taxa de juros do livre mercado.[5]

Após o boom, segue-se a depressão ou crise, que consiste no reajustamento da economia para o seu antigo estado de relativo equilíbrio. Restabelece-se, nesse momento, a antiga proporção que havia entre poupança e consumo. O mercado se recupera – à custa de muitas liquidações de investimentos e grande aumento do desemprego (são os recursos humanos e materiais saindo de onde não deveriam estar). Porém, como explica Rothbard, esse processo é necessário e benéfico para que a economia possa retornar ao seu estado de normalidade.[6]

Esse processo de recuperação pode se dar rapidamente ou prolongar-se por anos, a depender da atitude do governo. Se o governo nada fizer, como aconteceu nos EUA durante a crise de 1921 (houve, na realidade, uma contração do governo)[7], então a recuperação se processará em meses. Por outro lado, se ele continuar intervindo na economia e estimulando a expansão creditícia, maior será o boom, mas também mais aguda a subsequente depressão. É como usar drogas: quanto mais se usa, maior o tempo em que se fica entorpecido, mas também maior a ressaca que inevitavelmente se segue.

Em 1921, houve uma grande crise na economia americana, da qual muito pouco se fala.[8] O desemprego aumentou de 5% para 12%, a economia se contraiu 17% e os preços caíram mais de 10%. Porém, ao invés de intervir, o então presidente Warren Harding promoveu uma contração da atividade estatal. Permitiu que os salários caíssem, reduziu os gastos do governo em 50% e diminuiu o imposto de renda sobre todas as classes sociais. Em poucos meses a economia já estava voltando ao normal, e em 1923 essa crise já estava completamente superada.[9]

Já em 1929, na famosa Grande Depressão, aconteceu justamente o contrário: o então presidente Herbert Hoover impediu que os salários fossem reduzidos, aumentou os gastos do governo em 50% em termos nominais (87% em termos reais) e elevou a alíquota máxima do IR de 25% para 63%. Para completar, ele ainda implantou em 1930 a Tarifa Smoot-Hawley, que elevou as tarifas de importação de mais de 20 mil produtos, prejudicando assim as relações comerciais dos Estados Unidos.[10]

Vê-se, portanto, que as crises econômicas não acontecem, como se aprende no colégio, por causa de defeitos estruturais do capitalismo, que deveria então, segundo essa tese, ser subjugado a rígido controle estatal. Ao contrário: é a pretensão de controle que bagunça inteiramente a economia, e piora ainda mais a situação quando quer recuperá-la. E quando está feito o estrago, e multiplicado ainda, é a economia de mercado e os capitalistas que o governo culpa, seguido nessa posição por seus jornalistas e intelectuais comprados.

Cabe aqui, então, apresentar algumas das causas alternativas atribuídas às crises econômicas e mostrar por que estão erradas. Apresentaremos as três mais famosas, a saber: a superprodução, o subconsumo e uma expressiva queda na bolsa de valores.

De acordo com a tese da superprodução, as depressões acontecem quando o mercado produz muito além da necessidade de consumo, ficando estoques inteiros de bens não vendidos, o que gera a sucessão de falências. Essa tese, embora popular e difundida, se mostra absurda. Isso porque a produção é sempre voltada para a satisfação dos desejos dos consumidores, os quais desejos são virtualmente infinitos.[11] É impossível, desse modo, chegar-se a um ponto em que todos os desejos estejam satisfeitos e os produtos sobejem nos estoques. Isso equivaleria à superação da realidade da escassez, que é um pressuposto a priori da própria ação humana. Além disso, em havendo excesso de produção e tendo-se, por conseguinte, mais do que se necessita, isso denota uma condição de prosperidade, e não de crise. O excesso de oferta baixaria os preços desses produtos excedentes e os consumidores sairiam ganhando, até que a eficiência ótima anterior se retomasse.[12]

Outra tentativa de se explicar a crise é a tese do subconsumo, segundo a qual a produção se mantém a mesma, mas o consumo é que diminui dramaticamente. O problema dessa tese é que, em qualquer economia, sempre haverá um nível mínimo de consumo, e não há motivo para crer que o mercado não possa se ajustar a esse novo nível tão bem quanto se ajustava ao anterior, à custa somente de algumas perdas temporárias no decorrer desse ajuste.[13] No dizer de Rothbard:

Como o entesouramento não pode chegar ao ponto de eliminar inteiramente o consumo, algum nível de consumo será mantido, e portanto algum fluxo monetário de demanda do consumidor persistirá. Não há razão por quê, num mercado livre, os preços de todos os diversos fatores de produção, assim como dos preços finais dos bens de consumo, não possam se adaptar a esse nível desejado.[14]

Ademais, essa tese, assim como a da superprodução, não explica por que todos os empreendedores errariam conjuntamente na previsão da demanda dos consumidores. Nem uma nem outra dão conta de elucidar o chamado “aglomerado de erros”.

Quanto à tese de que a crise de 29 ocorreu por conta de uma queda abrupta da bolsa de valores, ela se mostra equivocada por dois motivos. Primeiro porque foi a expansão creditícia anterior que ocasionou o posterior crash da bolsa, e segundo porque em 1987 houve uma queda ainda maior da bolsa (22%) que, no entanto, não provocou nenhuma crise recessiva.[15]

 

_____________________________

Notas

[1] Rothbard, A Grande Depressão Americana, p. 48.

[2] Idem, p. 49.

[3] Naturalmente, se ele falhou na previsão das futuras condições do mercado, pode ser que sofra prejuízos, mas erros pontuais de empresários não explicam uma depressão geral e uniforme na economia. “Empreendedores treinados não vão todos cometer erros ao mesmo tempo” (Rothbard, A Grande Depressão Americana, p. 52).

[4] Richard Ebeling, “A teoria austríaca dos ciclos econômicos e as causas da Grande Depressão”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/a-teoria-austriaca-dos-ciclos-economicos-e-as-causas-da-grande-depressao/>.

[5] Rothbard, A Grande Depressão Americana, p. 54.

[6] Idem, p. 54-55.

[7] Thomas E. Woods, “1920 – a última depressão na qual um governo não se intrometeu foi também a mais rápida”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/1920-a-ultima-depressao-na-qual-um-governo-nao-se-intrometeu-foi-tambem-a-mais-rapida/>.

[8] Leandro Roque, “Sobre a crise de 1929 e a Grande Depressão – esclarecendo causa e consequência”. Disponível em: < https://mises.org.br/artigos/2375/sobre-a-crise-de-1929-e-a-grande-depressao-esclarecendo-causa-e-consequencia >.

[9] Idem.

[10] Idem.

[11] Rothbard, idem, pp. 92-93.

[12] Idem, p. 92.

[13] Idem, p. 93.

[14] Idem, p. 93.

[15] A queda da bolsa de Nova Iorque em 29 de outubro de 1929 foi de 12% (Leandro Roque, “Sobre a crise de 1929 e a Grande Depressão – esclarecendo causa e consequência”. Disponível em: < https://mises.org.br/artigos/2375/sobre-a-crise-de-1929-e-a-grande-depressao-esclarecendo-causa-e-consequencia >.)

João Theodoro
João Theodorohttp://www.joaotheodoro.com
É escritor e palestrante especialista em desenvolvimento humano e marketing pessoal. Bacharel em Direito, dedica-se ao estudo autodidata de literatura e filosofia. Escreveu Diálogo para o infinito, texto de inspiração platônica sobre a arte da evolução pessoal, Seja Magnético, obra ficcional sobre os segredos do carisma e da arte da conversa, e o Curso Básico de Escola Austríaca, entre outros. Poeta e ensaísta, publica seus ensaios na Coluna JT.
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