Uma contribuição para uma crítica das tentativas de construir um sistema de cálculo econômico para uma comunidade socialista
Podemos dividir as várias tentativas, que foram feitas para conceber um sistema de cálculo econômico que funcionasse sob o socialismo, em dois grupos principais. Ao fazê-lo, deixamos de lado as obras baseadas na teoria do valor-trabalho que são enganosas desde o início. A primeira conteria aquelas que podem ser designadas construções sindicalistas, a segunda aquelas que tentam fugir da impossibilidade de resolver o problema assumindo que os dados econômicos não mudam. O erro em ambos os grupos de propostas deve ficar claro pelo que dissemos acima (pp. 106-143). A crítica a seguir, que fiz a duas construções típicas desse tipo, visa acrescentar elucidações.[1]
Em um artigo intitulado “Sozialistische Rechnungslegung” [Contabilidade Socialista][2] Karl Polányi tentou resolver o que chama de “o problema da contabilidade socialista” que é, segundo ele, “geralmente reconhecido como o problema-chave da economia socialista”. Polányi primeiro admite sem reservas que considera impossível a solução do problema “em uma economia administrativa central”.[3] Sua tentativa de resolver o problema é projetada apenas para “uma economia de transição socialista funcionalmente organizada”. Esse é o nome que ele dá a um tipo de sociedade que corresponde aproximadamente ao ideal dos Socialistas de Guilda Ingleses. Mas seu conceito da natureza e das possibilidades de seu sistema não é, infelizmente, menos nebuloso e vago do que o dos próprios Socialistas de Guilda. A comunidade política “é considerada a ‘dona dos meios de produção’; mas nenhum direito direto de escoamento da produção está implícito nessa propriedade.” Esse direito pertence às associações de produtores, eleitas pelos trabalhadores nos vários ramos de produção. As várias associações de produtores individuais serão amalgamadas como o Congresso das associações de produtores, que “representa toda a produção”. Confrontando isso está a “Comuna”, como a segunda “principal associação funcional da sociedade”. A Comuna é não apenas o órgão político, mas também o “verdadeiro portador dos objetivos superiores da comunidade”. Cada uma dessas duas associações funcionais exerce “dentro de sua própria esfera as funções legislativas e executivas”. Os acordos entre essas associações principais funcionais constituem o mais alto poder na sociedade.[4]
Ora, o defeito desse sistema é a obscuridade em que ele foge ao problema central — Socialismo ou Sindicalismo? Com os Socialistas das Guildas, Polányi atribui expressamente à sociedade, à Comuna, a propriedade dos meios de produção. Ao fazer isso, ele parece pensar que disse o suficiente para salvar seu sistema da acusação de Sindicalismo. Mas na próxima frase ele retira o que disse. A propriedade é o direito de disposição. Se o direito de disposição não pertence à Comuna, mas sim à associação de produtores, esses são os donos, e temos diante de nós uma comunidade sindicalista. Precisa ser um ou outro; entre o Sindicalismo e o Socialismo não pode haver compromisso ou reconciliação. Polányi não vê isso. Ele diz: “Representantes funcionais (associações) de uma mesma pessoa nunca podem entrar em conflito irreconciliável uns com os outros; essa é a ideia fundamental de toda constituição funcional. Pois a solução de cada conflito, à medida que ele surge, são fornecidos ou comitês conjuntos da Comuna e da Associação de Produtores ou uma espécie de Supremo Tribunal Constitucional (órgãos de coordenação), que tem, no entanto, nenhum poder legislativo e apenas poder executivo limitado (guardando a lei e a ordem, etc.).”[5] Essa ideia fundamental da forma funcional da constituição está, entretanto, errada. Se o parlamento político for formado pelos votos de todos os cidadãos, com direitos iguais de voto para cada um — e esta condição está implícita em Polányi e todos os outros sistemas semelhantes — então o parlamento e o congresso das associações de produtores, que é o resultado de uma estrutura eleitoral construída de forma bem diferente, pode, facilmente, entrar em conflito. Esses conflitos não podem ser resolvidos por comitês conjuntos ou por tribunais. Os comitês podem resolver a disputa somente se uma ou outra das principais associações preponderar dentro delas. Se ambos forem igualmente fortes, o comitê não pode chegar a nenhuma decisão. Se uma das duas associações prevalece, a decisão final recai sobre ela. Um tribunal não pode resolver questões de prática política ou econômica. Os tribunais só podem julgar com base nas normas já existentes, que se aplicam a casos individuais. Se tiverem de lidar com questões de utilidade, então, na realidade, não são tribunais de justiça, mas autoridades políticas supremas, e tudo o que dissemos sobre os comitês vale para eles.
Se a decisão final não depender da Comuna nem do Congresso das Associações de Produtores, o sistema não poderá viver de forma alguma. Se a decisão final recai sobre a Comuna, temos de lidar com uma “economia administrativa central”, e isso, como até Polányi admite, não poderia ser calculado economicamente. Se as Associações de Produtores decidirem, então temos uma comunidade sindicalista.
A obscuridade de Polányi nesse ponto fundamental permite-lhe aceitar uma solução meramente aparente como uma solução viável real para o problema. Suas associações e subassociações mantêm uma relação de troca mútua; eles recebem e dão como se fossem donos. Assim, um mercado e preços de mercado são formados. Mas porque pensa ter superado o abismo intransponível entre o socialismo e o sindicalismo, Polányi não percebe que isso é incompatível com o socialismo. Podemos dizer muito mais sobre outros erros nos detalhes do sistema de Polányi. Mas, em vista de seu erro fundamental, eles são de pouco interesse, pois são peculiares à linha de pensamento de Polányi. Esse erro fundamental não é, entretanto, nenhuma peculiaridade de Polányi; todos os sistemas socialistas de guilda o compartilham. Polányi tem o mérito de ter elaborado esse sistema com mais clareza do que a maioria dos outros escritores. Ele então expôs sua fraqueza mais claramente. Ele também precisa receber o devido crédito por ter percebido que o cálculo econômico seria impossível em uma economia administrativa centralizada e sem mercados.
Outra contribuição para o nosso problema vem de Eduard Heimann.[6] Heimann é um crente de um socialismo ético ou religioso, mas suas opiniões políticas não o cegam para o problema do cálculo econômico. Ao tratar disso, ele segue os argumentos de Max Weber. Max Weber viu que esse era o problema “absolutamente central” para o socialismo e mostrou em uma discussão detalhada, na qual rejeitou os sonhos preferidos de Otto Neurath de “cálculo em espécie” (“Naturalrechnung”) que a ação econômica racional era impossível sem dinheiro e contabilidade de dinheiro.[7] Heimann, portanto, tenta provar que se pode calcular em uma economia socialista.
Enquanto Polányi procede de um sistema aliado aos socialistas corporativos ingleses, Heimann desenvolve propostas paralelas às ideias alemãs para uma economia planejada. É característico que os argumentos, no entanto, se assemelhem aos de Polányi no único ponto que importa: eles são lamentavelmente vagos apenas onde deveriam ser explícitos sobre a relação entre os grupos produtivos individuais, nos quais a sociedade organizada de acordo com a economia planejada e a sociedade como um todo precisam ser divididas. Assim, ele pode falar do comércio ocorrendo como em um mercado,[8] sem perceber que a economia planejada, completa e logicamente realizada, não tem comércio e que o que se poderia chamar de compra e venda precisa, segundo sua natureza, ser descrito de um tanto diferentemente. Heimann comete esse erro porque pensa que a marca característica da economia planejada é, acima de tudo, o amálgama monopolista de ramos individuais de produção, em vez da dependência da produção da vontade unitária de um órgão central. Esse erro é tanto mais surpreendente quanto o próprio nome “economia planejada” e todos os argumentos apresentados para apoiá-lo enfatizam, em particular, que a direção econômica seria unitária. Heimann de fato vê a vagueza da propaganda que trabalha com a palavra-chave “anarquia da produção”.[9] Mas isso nunca deveria ter permitido que ele se esquecesse de que apenas esse ponto e nada mais é o que separa nitidamente o socialismo do capitalismo.
Como a maioria dos escritores que trataram da economia planejada, Heimann não percebe que uma economia planejada realizada logicamente nada mais é do que puro socialismo e difere da comunidade socialista estritamente organizada centralmente apenas em aspectos externos. O fato de, sob a direção unitária da autoridade central, a administração de ramos de produção individuais ser confiada a departamentos aparentemente independentes, não altera o fato de apenas a autoridade central direcionar. As relações entre os departamentos individuais são estabelecidas, não no mercado pela competição de compradores e vendedores, mas pelo comando da autoridade. O problema é este: não existe um padrão pelo qual se possa contabilizar e calcular os efeitos dessas intervenções autoritárias, porque a autoridade central não pode se orientar por relações de troca formadas em um mercado. A autoridade pode de fato basear seus cálculos nas relações de substituição, que ela mesma determina. Mas essa decisão é arbitrária; não se baseia, como os preços de mercado, em avaliações subjetivas de indivíduos e imputada aos bens dos produtores pela cooperação de todos aqueles que atuam na produção e no comércio. O cálculo econômico racional não pode, portanto, basear-se nele.
Heimann consegue uma solução aparente do problema invocando a teoria dos custos. O cálculo econômico precisa ser baseado em cálculos de custos, os preços precisam ser calculados com base nos custos médios de produção, incluindo salários, das obras anexas ao escritório de contabilidade.[10] Essa é uma solução que pode ter-nos satisfeito duas ou três gerações atrás. Não é suficiente hoje em dia. Se por custos queremos dizer a perda de utilidade que um uso diferente dos fatores de produção poderia ter evitado, é fácil ver que Heimann está se movendo em um círculo. Na comunidade socialista, apenas uma ordem da autoridade central poderia permitir à indústria usar os fatores de produção em outro lugar, e o problema é apenas se essa autoridade poderia calcular para decidir sobre tal ordem. A competição de empreendedores que, em uma ordem social baseada na propriedade privada, tentam usar bens e serviços de forma mais lucrativa, é substituída na economia planejada como em todas as formas imagináveis de sociedade socialista — por ações de acordo com o plano da suprema autoridade. Agora, é somente por meio dessa competição entre empreendedores, tentando arrancar uns dos outros os meios materiais de produção e os serviços de trabalho, que os preços dos fatores de produção são formados. Onde a produção precisa ser realizada “de acordo com o plano”, isto é, por uma autoridade central à qual tudo está sujeito, a base de cálculo da lucratividade desaparece; apenas a contabilidade em espécie permanece. Heimann diz: “Assim que existe uma concorrência real no mercado de bens de consumo, as relações de preços assim determinadas, espalham-se por todas os estágios da produção, desde que os preços sejam efetuados de maneira razoável; e isso acontece independentemente da constituição das partes nos mercados de bens de produção.”[11] No entanto, isso só aconteceria se houvesse concorrência genuína. Heimann concebe a sociedade como a associação de uma série de “monopolistas”, isto é, de departamentos da comunidade socialista, a cada qual é confiado o trabalho exclusivo de um campo de produção delimitado. Se esses compram bens dos produtores no “mercado”, não é concorrência, porque a autoridade central lhes atribuiu previamente o domínio no qual precisam exercer a sua atividade e do qual precisam não sair. A competição existe apenas quando todos produzem o que parece prometer o melhor lucro. Tentei mostrar que isso só pode ser garantido pela propriedade privada dos meios de produção.
A figuração que Heimann faz da comunidade socialista considera apenas a transformação atual de matérias-primas em bens de consumo; assim, cria a impressão de que os departamentos individuais poderiam proceder de forma independente. Muito mais importante do que essa parte do processo produtivo é a renovação do capital e o investimento do capital recém-formado. Esse é o problema central do cálculo econômico, não o problema de dispor do capital circulante já existente. Não se pode basear decisões desse tipo, vinculativas por anos e décadas, na demanda momentânea por bens de consumo. Precisa-se olhar para o futuro, ou seja, é preciso ser “especulativo”. O esquema de Heimann que, por assim dizer, amplia ou restringe a produção mecanicamente e automaticamente de acordo com a atual demanda por bens de consumo, falha totalmente aqui. Pois resolver o problema do valor voltando aos custos seria suficiente apenas para um estado de equilíbrio teoricamente concebível, imaginativamente concebível, mas empiricamente inexistente. Somente nesse estado imaginário de equilíbrio o preço e os custos coincidem, não em uma economia em mudança.
Por esta razão, a meu ver, a tentativa de Heimann de resolver o problema, que eu considero insolúvel, fracassa.
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Notas
[1] Archiv für Sozialwissenschaft, Vol. LI, pp. 490-95.
[2] lbid., Vol. XLIX, pp. 377-420.
[3] Ibid., pp. 378 e 419.
[4] Archive für Sozialwissenschaft, Vol. LI, p. 404.
[5] lbid., p. 404, n. 20.
[6] Heimann, Mehrwert und Gemeiwirtschaft, Kritische und positive Beitrilge zur Theorie des Sozialismus, Berlim 1922.
[7] Max Weber, Wirtschaft und Gezellchaft, op. cit., pp. 45-9.
[8] Heimann, op. cit., p. 184 et seq.
[9] Ibid., p. 174.
[10] Heimann, op. cit., p. 185.
[11] Ibid., p. 188 et seq.