O exercício da função empresarial no âmbito de um processo de livre mercado, entendida como a descoberta e a percepção de oportunidades de lucro e a adoção de comportamentos conscientes para concretizá-las, envolve sempre conhecimento. Tal conhecimento, no entanto, tem algumas características peculiares sobre as quais é importante refletir.
O conhecimento que conforma a prática empresarial não é de tipo científico, mas um conhecimento subjetivo e prático. Em geral ele não pode ser formalizado, o que não significa que tenha menos importância ou pouca relevância. Na maior parte das situações o agente empresarial não é capaz de expressar ou simplesmente listar as informações que estão guiando sua ação em uma determinada conjuntura.
Além disto, o conhecimento prático relevante para a ação empresarial é disperso, encontrando-se disseminado em muitas mentes, sendo entendido de uma maneira pessoal e única por cada um dos envolvidos naquela ação. Em geral a atividade empresarial envolve a mobilização de inúmeras pessoas, cada uma contribuindo com sua parcela de conhecimento e informação para a consecução de determinados objetivos.
O conhecimento prático na maior parte dos casos é do tipo tácito não-articulável. O agente sabe como efetuar determinadas ações, mas não sabe quais são os elementos ou componentes daquilo que está fazendo. Alguém que sabe andar de bicicleta na maioria dos casos não tem a menor idéia dos princípios físicos envolvidos em sua habilidade, nem é capaz de formalizar os procedimentos utilizados para a manutenção do equilíbrio e a correta condução do veículo.
Michael Polanyi[1] afirma que o conhecimento tácito é o princípio dominante de todo tipo de conhecimento. Mesmo o conhecimento científico altamente formalizado se origina sempre de uma intuição ou um ato de criação que não são outra coisa que manifestações de conhecimento tácito.
Pode-se dizer que o conhecimento envolvido na ação empresarial é essencialmente do tipo tácito não-articulável. Tal conhecimento é altamente dinâmico e está sendo continuamente criado, modificado, transmitido, reinterpretado[2]. A informação importante e vital em um certo instante pode no momento seguinte se tornar superada e irrelevante. O preço de certo insumo pago hoje, amanhã, em uma nova conjuntura, será apenas um registro histórico sem significado econômico para as novas decisões que se façam necessárias.
Tais características do conhecimento e das informações sobre as quais se assenta a função empresarial impõem limites à ação governamental de controle e regulação. As agências reguladoras não conseguem ter acesso às informações relevantes que em cada momento estão conformando a atividade empresarial. Mesmo se estivessem o tempo todo se esforçando para colocar à disposição do órgão regulador as informações que estão, por exemplo, definindo preços e desenhando produtos e mercados, os empresários veriam baldados seus esforços.
Ao estabelecer regras rígidas baseadas na tecnologia e no conhecimento de hoje, os reguladores fatalmente dificultarão ou obstruirão a emergência de novos produtos e de novas e melhores maneiras de fazer as coisas. Em virtude da contínua evolução tecnológica propiciada pela sadia atividade empresarial, os aparentemente elevados padrões impostos hoje pelos burocratas amanhã já representarão proteção aos ineficientes, implicando preços mais elevados ou piores produtos. Vale lembrar que na Europa mercantilista a atividade econômica era fortemente regulada pelo estado e pelos grêmios de ofício e diversos historiadores explicam o surgimento da Revolução Industrial na Inglaterra, e não em outros lugares, pela relativa fragilidade da autoridade reguladora naquele país.
Claro que estas restrições ao livre fluxo das inovações significam custos sociais ocultos. Além dos custos explícitos da regulação[3], assumidos pelos governos e pelas empresas, ou melhor, pelos consumidores, os custos ocultos são simplesmente incalculáveis e podem representar a diferença entre a abundância e a fome, entre a independência e a submissão. Afinal um ente regulador pode impedir a emergência de um Bill Gates ou o desencadeamento de uma revolução verde.
Ao lado do limitado conhecimento do entorno econômico, os governos também padecem de restrições no seu poder de atuação. As agências reguladoras atuam por intermédio de seus funcionários que, embora não tenham o conhecimento necessário para intervir com eficácia no contexto econômico, têm muito claros e presentes seus próprios interesses.
Os demandantes de regulação parecem muitas vezes imaginar um governo composto de anjos incorruptíveis, sábios, oniscientes e poderosos. Como bem observou James Buchanan, os políticos, os funcionários, os burocratas são antes de tudo seres humanos e, como tais, além de se moverem fundamentalmente em função de seus próprios interesses, atuam num quadro de incertezas inarredáveis e de impotência irremediável. Enquanto os empresários, num ambiente de livre mercado, atuam sob o acicate da concorrência e arcam com as conseqüências de suas decisões, o mesmo não acontece com os funcionários e burocratas. Protegidos ou relativamente imunes aos resultados de suas ações, os reguladores tendem à situação que na teoria econômica é denominada de risco moral.
O livre mercado, ou seja, os inumeráveis consumidores e produtores atuando e escolhendo com liberdade, é o melhor regulador. Ele premia os empresários eficientes, pune os incompetentes, promove a qualidade crescente, possibilita os menores preços e é garantia de inovação contínua.
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[1] The Study of Man, The University of Chicago Press, Chicago 1959.
[2] Cf. Jesús Huerta de Soto, Socialismo, Cálculo Econômico y Función Empresarial, Unión Editorial, Madrid 2005
[3] Estimativas dos custos explícitos de cumprimento dos preceitos regulatórios pelas empresas nos EUA indicam algo como 9% do PIB, além dos gastos das agências reguladoras que alcançam 0,2%. Estes números aparecem em Thomas D. Hopkins, Regulatory Costs em Profile, Center for the Study of American Business, Rochester, Nova Iorque, ago. 1996.