Causou um pequeno frisson a recente notícia de que Dilma Rousseff “decidiu entregar à iniciativa privada a construção e a operação dos novos terminais dos aeroportos paulistas de Guarulhos e de Viracopos, dois dos principais do país.”
Ainda de acordo com a notícia:
A medida faz parte de pacote que será baixado por meio de medida provisória — talvez ainda neste mês.
O texto inclui também a abertura do capital da Infraero (estatal responsável pela administração do setor aeroportuário) e a criação de uma secretaria ligada à Presidência da República para cuidar da aviação civil.
A equipe de Dilma já conversou com empresas como a TAM e Gol, que manifestaram interesse na construção e operação de novos terminais. O prazo da concessão deve ser de 20 anos.
A princípio, a notícia parece boa, pois é exatamente desse tipo de desestatização que o setor aéreo precisa: deixar que as empresas aéreas construam e controlem seus terminais aeroportuários. Porém, a última frase do trecho acima nos traz de volta à realidade: trata-se apenas de uma concessão.
Qual o problema com concessões? Para responder a essa pergunta, basta o leitor se colocar no lugar de um empreendedor qualquer (o único pré-requisito é ser minimamente racional). Assim, partindo do pressuposto de que ninguém rasga dinheiro, faça a si próprio a seguinte pergunta: seria vantajoso eu despejar vários milhões de reais em uma obra que daqui a 20 anos será apropriada pelo governo? Faria sentido eu me esforçar, fazer um trabalho realmente bem feito, investir ousadamente e prestar bons serviços aos consumidores, se daqui a 20 anos tudo isso será do governo?
É claro que não — e é justamente por isso que nenhum arranjo sob essas condições jamais seria firmado. Não há empreendedores tão irracionais a esse ponto. Logo, se tal arranjo sair, é certo que haverá um enorme aporte de financiamentos subsidiados via BNDES. Ninguém seria insensato a ponto de usar capital próprio em um empreendimento que futuramente será arrebatado pelo governo, mesmo que tal arrebatamento envolva altas restituições. Portanto, as obras serão patrocinadas por nós, mas os lucros ficarão todos para as empresas aéreas e empreiteiras, que obviamente repassarão uma parte para as campanhas de seus políticos favoritos, como agradecimento pelo privilégio. Somos acionistas sem direito aos dividendos, cabendo a nós apenas o financiamento compulsório.
É possível um arranjo desses gerar serviços genuinamente interessados em bem atender o consumidor? Há algum estímulo ou concorrência?
Temos aí um ótimo exemplo de capitalismo de estado ou corporativismo. E o pior: tal artimanha já está sendo vendida sob o nome de ‘privatização’. Tão logo a insatisfação pública com os (futuros) serviços inevitavelmente negligentes começar a se manifestar, a culpa obviamente recairá sobre a livre iniciativa — muito embora esta esteja totalmente fora do arranjo —, restando ao governo, como sempre, o papel de salvador e agente promotor do “bem comum”.
Vale mencionar também a ideia de se abrir o capital da Infraero. Embora tal medida certamente irá melhorar os serviços prestados pela estatal (piorar é impossível), o fato é que na melhor das hipóteses teríamos algo como uma Petrobras: a empresa entrega o produto, mas com uma qualidade latrinária (a gasolina comum do Brasil não seria aceita em ferros-velhos americanos) e a preços monopolistas.
Por fim, pra agradar a companheirada, haverá a criação de mais uma burocracia: uma secretaria ligada diretamente à Presidência da República com a missão de “cuidar” da aviação civil, representando ainda mais centralização de decisões — uma ideia de sucesso comprovado desde o desmantelamento da URSS.
Sobre o setor aéreo brasileiro
Até meados da década de 1990, o setor aéreo brasileiro era rigidamente controlado pelo governo. A regulamentação determinava inclusive os preços das tarifas — ou seja, era o governo, e não o mercado, quem fixava os preços das passagens. Com preços arbitrariamente fixados (lá nas alturas), a concorrência entre as empresas aéreas se dava apenas nos detalhes, como qualidade do serviço de bordo e da comida, atenção dispensada pelos tripulantes, sorteios de quinquilharias a bordo ou entregas de brindes, frequência dos voos, e até mesmo a beleza das aeromoças (as da TAM eram particularmente imbatíveis).
Sob esse arranjo, os preços (muito) maiores permitiam que as empresas aéreas disponibilizassem uma maior frequência de voos em determinadas rotas, assim como um melhor serviço de bordo. Entretanto, o índice de ocupação das aeronaves era baixo. A partir do final da década de 1990, começou a haver uma maior flexibilização nos preços, porém estes ainda eram controlados. Houve apenas um alargamento nas chamadas bandas tarifárias. Foi só em 2005 que as tarifas para os vôos domésticos foram completamente liberadas; e só em 2008 aconteceu o mesmo para os voos dentro da América do Sul.
Como resultado, o setor aéreo doméstico vivenciou uma explosão de demanda sem precedentes. Mesmo havendo poucas empresas nacionais de grande porte concorrendo entre si, essa desregulamentação já foi suficiente para desencadear uma notável disputa por passageiros. Como agora as companhias aéreas concorrem com base no preço, as tarifas estão muito mais baixas do que estavam há dez anos — e isso em termos nominais; se considerarmos toda a inflação monetária havida nesse período, as tarifas em termos reais certamente estão no menor nível de toda a história do país.
Essa queda nos preços permitiu que muito mais pessoas pudessem fazer viagens aéreas, garantindo às companhias altos índices de ocupação. E os resultados para a população, pelo menos em termos de capacidade e facilidade de locomoção, foram predominantemente positivos. Após essa desregulamentação, as companhias aéreas reconfiguraram suas rotas e renovaram seus equipamentos, o que tornou possível vários aprimoramentos na capacidade de utilização das aeronaves. Foram essas eficiências que genuinamente democratizaram as viagens aéreas, tornando-as mais acessíveis para a população de baixa renda.
O governo gosta de se vangloriar de que sua política econômica está permitindo que “o povo voe”. Ora, a única política do governo foi sair do caminho, abolindo barreiras que ele mesmo criou e que sequer deveriam ter sido criadas, pra começar. O governo não fez nada; apenas deu mais liberdade para que a livre iniciativa fizesse mais coisas. Bastou permitir um pouco de livre mercado, e a classe operária pôde ir ao paraíso…
Gargalos — onde entra o governo
O problema é que até agora falamos apenas da parte positiva da história. É claro que, em um setor cuja infraestrutura é totalmente controlada pelo estado, a história nunca poderia ser feliz para todos. Afinal, o governo simplesmente não consegue acompanhar o ritmo de inovação e expansão do setor privado.
Para entender melhor o problema, vale a pena citar um conceito que em economia chamamos de ‘indústrias de rede’. Indústrias de rede são aqueles setores cujo bom desempenho depende essencialmente da utilização de infraestruturas físicas (as redes). Exemplos de indústrias de rede — que são críticas para qualquer economia que se pretenda moderna — são o setor aéreo, os setores ferroviário e rodoviário, o setor elétrico e as telecomunicações. A expressão indústria de rede advém do fato de que há um fluxo, uma corrente, circulando por uma rede. O fluxo representa os elementos móveis dessa rede. Por exemplo, os aviões, os trens, os automóveis, os caminhões, os ônibus, a eletricidade, as chamadas telefônicas e mensagens de texto representam o fluxo. Já os aeroportos e o controle de tráfego aéreo, as ferrovias, rodovias e estações, as fiações e os cabos de transmissão, e o espectro eletromagnético são as respectivas redes — isto é, são a infraestrutura por meio da qual o fluxo se move.
A eficiência de toda uma rede depende inteiramente da qualidade da coordenação que há entre a rede e o fluxo. Para que o fluxo interaja harmonicamente com a rede, esta tem de ter boa capacidade de operação. E boa capacidade de operação depende essencialmente da qualidade das decisões de investimento nessa rede. Quando o governo é o dono monopolístico dessa rede, mas o fluxo é feito por empresas privadas, operando em ambiente concorrencial e em busca do lucro, é impossível que o arranjo seja satisfatório para o usuário dessa rede.
E o resultado é que a maciça expansão que ocorreu na demanda por viagens aéreas não foi acompanhada de expansões comparáveis nem na infraestrutura física dos aeroportos e nem na tecnologia do controle do tráfego aéreo. Como os aeroportos são administrados monopolisticamente pela estatal Infraero, a gerência governamental da rede aérea está sempre subordinada a ineficiências criadas por conchavos políticos, a esquemas de propina em licitações, a loteamentos de cargos para apadrinhados políticos e a monumentais desvios de verba — afinal, a estatal não busca o lucro, não precisa se submeter ao mecanismo de lucros e prejuízos do mercado, não tem concorrência e não deve transparência a ninguém.
O resultado é um enorme atrito entre fluxo e rede. Voos atrasados por falta de infraestrutura e por irracionalidade na alocação do tráfego aéreo (atribuição da ANAC) já viraram uma paisagem definitiva nos aeroportos brasileiros. Segundo notícias recentes, nos últimos dias os atrasos têm chegado a 34% dos vôos domésticos. Seria interessante alguém algum dia fazer um estudo sobre o custo total anual que os atrasos aéreos trazem tanto para os passageiros quanto para as companhias aéreas. Afinal, além de fazerem os passageiros perderem tempo precioso, um maior tempo de solo para a aeronave significa mais custos para a companhia aérea com seu pessoal de solo e maiores valores desembolsados com taxas de permanência.
Além dos atrasos, o próprio estado calamitoso dos aeroportos é arrepiante. Chega a ser engraçado ver a cara de desespero de um estrangeiro que precisa fazer uma conexão internacional no aeroporto de Guarulhos. Praticamente não há um sistema de informação digital indicando para qual portão ele deve prosseguir para pegar determinado voo. Em qualquer país do Leste Europeu, por exemplo, você desembarca do avião e, só de ler os monitores, já tem perfeita noção do que deve fazer e para onde deve ir. Ao estrangeiro que chega em Guarulhos, o maior aeroporto da América do Sul, resta apenas o pânico e a dependência da boa vontade dos outros passageiros que ali estiverem. Os funcionários do aeroporto não falam inglês e estão sempre mal humorados. A impressão é a de que você desembarcou em uma rodoviária egípcia.
Outro ótimo exemplo do estilo do gerenciamento estatal dos aeroportos foi relatado por David Neeleman, presidente da Azul. Segundo ele:
É fundamental […] que seja revisto o modelo de governança corporativa dos administradores aeroportuários, e em especial da Infraero. A Lei n.º 8.666 impõe à estatal uma série de obrigações e exigências que estão em total desalinho com a rapidez de decisões que a aviação exige. Testemunhamos decisões simples, como a concorrência pública para permitir a mudança do administrador de um estacionamento, ter seu resultado suspenso por mais de seis meses, por meio de liminar da Justiça, causando enormes transtornos aos clientes das empresas aéreas.
Ou seja, se uma decisão tão simples quanto escolher qual empresa irá gerenciar o estacionamento de um aeroporto ficou embargada por seis meses, causando transtornos para empresas e passageiros, imagine então questões infraestruturais bem mais complexas, como ampliações de terminais, construção de novas pistas ou mesmo construção de novos aeroportos? Uma estatal não tem mecanismos racionais de precificação para tomar tais decisões. Principalmente decisões que exigem rapidez e racionalidade.
Ainda pior do que a Infraero é ver os burocratas do governo batendo cabeça, sem a menor noção a respeito de qual solução deve ser tomada. Já se discutiu de tudo: uns querem abrir o capital da Infraero, outros querem dar ainda mais poder a ela, outros querem que a estatal fique apenas com os grandes aeroportos, outros querem que ela fique apenas com os pequenos e outros querem vendê-la totalmente.
Sugestões
É claro que, em um assunto como esse, todo mundo fica tentado a dar seus pitacos. Existem sugestões boas, sugestões mirabolantes, sugestões factíveis e sugestões implausíveis.
Abolir a Infraero e entregar a gerência dos aeroportos para empresas privadas é uma excelente sugestão, mas tal ideia sempre esbarra na questão da concorrência: como garantir que os aeroportos sejam vendidos de forma a garantir o melhor arranjo concorrencial possível? Aliás, esse é um problema relacionado à venda de qualquer ativo estatal. Dado que é o governo quem comanda o processo de venda, sempre haverá privilégios, influências, desmandos e ineficiência. Ademais, haveria uma briga acirrada pelos grandes aeroportos, e interesse praticamente nulo pelos pequenos.
Sendo assim, a sugestão mais fácil seria dizer que as próprias companhias aéreas é que deveriam construir e manter seus terminais, isoladas ou em grupo. Isso de fato seria o ideal. O problema é que os aeroportos já estão construídos. Essa é a realidade. E são esses aeroportos que precisam urgentemente de reparos e de uma nova gerência. Logo, como definir qual companhia aérea — ou, mais provavelmente, qual o pool de companhias aéreas — ficaria com Guarulhos, por exemplo? Não é algo simples. Tampouco é algo que possa ser feito de maneira justa e imparcial, dado que os aeroportos foram construídos com recursos públicos. Logo, não seria justo entregar a uma companhia aérea a administração de um grande aeroporto já em plena operação. Afinal, tal cia. poderia perfeitamente impedir que outras companhias rivais utilizassem o aeroporto
Assim, apenas para enfatizar, é claro que as empresas aéreas devem ser totalmente livres para construir e operar seus próprios aeroportos. Inclusive as estrangeiras, que deveriam ter total liberdade para operar no Brasil, ofertando voos nacionais (isso só não ocorre porque a ANAC não deixa; demanda para tal há de sobra). Porém, os aeroportos já existentes (os grandes, pelo menos; aqueles que são o destino de várias aeronaves) deveriam ser inicialmente geridos por administradoras, e não por uma companhia aérea.
Um bom exemplo a ser seguido de privatização bem sucedida (privatização mesmo, e não concessão) ocorreu no Reino Unido, em 1987, quando o governo britânico vendeu a British Airports Authority, hoje conhecida apenas como “BAA Limited”.
Desde a privatização, a BAA — que administra os aeroportos de Heathrow, Stansted e Southampton, na Inglaterra, e Aberdeen, Edimburgo e Glasgow, na Escócia — conseguiu fazer com que seus aeroportos, os mais movimentados do Reino Unido, jamais ficassem saturados, pois sabe que isso é péssimo para os negócios. Se os serviços ali ficassem ruins, os passageiros poderiam simplesmente optar por pegar voos que desembarcassem em outros aeroportos locais, não administrados pela BAA (é como um sujeito poder escolher Viracopos em vez de Guarulhos ou Congonhas, Galeão em vez de Santos Dumont, ou Confins em vez de Pampulha).
Para ter maior rentabilidade, a BAA expandiu a proporção da área de seus terminais voltada para atividades comerciais. Isso fez com que ela tivesse de expandir seus terminais para alojar mais restaurantes e lojas, diminuindo a saturação e aumentando o conforto. Os passageiros são facilmente direcionados para essas áreas (tanto no embarque quanto no desembarque), maximizando assim a exposição desses complexos comerciais, que pagam um aluguel à BAA — apenas um exemplo de como pode se dar a rentabilidade de um aeroporto privado, além das tarifas que seriam cobradas das empresas aéreas por pousos, decolagens, querosene, estadia e pernoite das aeronaves.
Com uma administração privada, voltada para o lucro, e sem prazos de retomada dos seus ativos pelo governo — além da concorrência de outros aeroportos —, haveria um maior incentivo para se cuidar da infraestrutura aeroportuária, priorizando a segurança e o bem-estar dos passageiros, que são seus clientes.
Outra providência fundamental seria a desestatização do controle do tráfego aéreo, medida adotada com muito sucesso no Canadá e na Suíça, por exemplo. No Canadá, o controle aéreo é operado por uma empresa chamadaNav Canada, que foi fundada pelas próprias empresas aéreas canadenses e por proprietários de aviões particulares. A empresa não recebe dinheiro do governo, como informa seu site. Já na Suíça, o controle aéreo fica por conta da empresa Skyguide, responsável pela segurança não só do espaço aéreo suíço, mas também de partes do espaço aéreo da Alemanha, França e Áustria. O financiamento da Skyguide advém de taxas pagas pela utilização de seus serviços.
Já no Reino Unido, o controle aéreo fica por conta da National Air Traffic Services (NATS), uma parceria público-privada cuja composição acionária é assim distribuída: 49% é do governo, 42% é de um consórcio de empresas aéreas (British Airways, BMI, EasyJet, Monarch Airlines, Thomas Cook Airlines, Thomson Airways e Virgin Atlantic), 4% é da BAA (a empresa que administra alguns aeroportos) e 5% é dos empregados da NATS.
Por que desestatizar o controle aéreo? Não se trata de um mero fetiche antiestado. Tampouco se está dizendo que uma empresa privada necessariamente terá um corpo técnico melhor que os militares do DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), que é subordinado ao Ministério da Defesa (assim como também o são a Infraero e a ANAC, embora esta última seja apenas vinculada, pois é administrativamente independente).
A questão principal, novamente, é a capacidade de gerência e a independência e rapidez de decisões. O controle do tráfego aéreo envolve uma constante alocação de tecnologia e de pessoal capacitado, e é patente que o DECEA não tem conseguido acompanhar os avanços da aviação mundial. O resultado é que a expansão do setor aéreo não foi acompanhada de uma expansão na rede. E o resultado foi um congestionamento tanto no espaço aéreo quanto nos aeroportos.
Um sistema que combine gerenciamento privado de aeroportos com um gerenciamento privado do controle aéreo parece ser a única solução capaz de fornecer uma melhor coordenação entre investimentos em infraestrutura, expansões da malha aérea, decisões operacionais dos aeroportos e redução do congestionamento e dos atrasos. Por exemplo, a utilização de mecanismos de preços com a intenção de melhor alocar o tráfego aéreo seria uma excelente solução de mercado para aliviar os congestionamentos e alocar recursos de maneira mais eficiente. Agências estatais monopolistas, por não operarem em ambiente de mercado, não conseguem criar mecanismos de preços por meio dos quais se balizarem. É impossível um setor monopolizado pelo governo tomar decisões econômicas racionais, pois não o há um mercado para fornecer mecanismos de preços. Consequentemente, é impossível fazer qualquer cálculo econômico racional.
Atualmente, o controle aéreo brasileiro organiza as operações de pouso e decolagem na base do “quem chegou primeiro” — um arranjo que cria abarrotamentos nas horas de pico. Um sistema baseado em precificações acordadas voluntariamente pelos participantes do mercado, e não por burocratas, reduziria esse congestionamento. Uma das consequências seria justamente o uso de “tarifas de congestionamento”, com os aeroportos e o sistema de controle de tráfego cobrando taxas maiores durante as horas de pico e taxas menores em horários de menor demanda, como durante as madrugadas.
Outra vantagem do sistema privado é que agora os aeroportos poderiam alocar livremente seus slots (horários de pouso e decolagem), baseando-se justamente nesse sistema de preços. Atualmente, a ANAC se limita a fazerisso aqui, algo que é inadvertidamente cômico e que só pode fazer sentido no linguajar governamental: a agência quer limitar as operações em aeroportos porque isso iria, segunda ela, aumentar a concorrência. É a velha crença de que limitar a oferta por meio de decretos governamentais irá magicamente solucionar os problemas de demanda.
Permitir que os aeroportos, em conjunto com o sistema de controle aéreo, criem sistemas de precificação anticongestionamento, e deixar que os aeroportos utilizem seus slots da maneira que for mais conveniente dentro desse arranjo, levaria a resultados muito melhores em termos de conforto para os passageiros. Permitir que os aeroportos tenham total flexibilidade para precificar tarifas de decolagens e aterrissagens, baseando-se na oferta e demanda, também ajudaria a aliviar o congestionamento e a superlotação nos aeroportos.
Finalmente, retirar do estado — moroso, burocrático e corrupto — o monopólio da gerência dos aeroportos e de sua combalida infraestrutura, e deixar tal tarefa a cargo de empresas privadas operando em ambiente concorrencial, e que têm de agradar passageiros, seria a única solução não pirotécnica para o grave e extremamente perigoso problema aeroportuário brasileiro.
Conclusão
O setor aéreo é uma indústria de rede, porém apenas o elemento fluxo passou por uma relativa desestatização — muito embora as barreiras de entrada no mercado, limitadoras da concorrência, continuem firmemente controladas pela ANAC.
A infraestrutura dos aeroportos estatais está em frangalhos e o sistema de controle do tráfego aéreo está mal adaptado e mal equipado para fornecer serviços seguros para uma indústria dinâmica. Mecanismos de preços de mercado acordados voluntariamente entre as administradoras dos aeroportos e o controle aéreo devem ser adotados para balizar o uso dos slots e dos terminais. Tal medida é bem mais eficaz do que meros decretos governamentais.
Com a crescente demanda por serviços aéreos, empresas estrangeiras deveriam ser liberadas para fazer voos domésticos, trazendo mais concorrência ao setor. Da mesma forma, as companhias aéreas, independentemente da nacionalidade, deveriam ser liberadas para construir e operar aeroportos no Brasil, mas sem os privilégios dos regimes de concessão. Elas devem fazer suas obras com capital próprio, tendo a garantia de que sua propriedade será respeitada.
Em suma: se houver uma genuína desestatização da rede, com a adoção de soluções de mercado, os benefícios da desregulamentação do fluxo irão aumentar sensivelmente, e os custos das viagens aéreas ficarão ainda menores, principalmente para vôos internacionais.