Thursday, November 21, 2024
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Ação Humana – Um Tratado de Economia

Capítulo XXI. Trabalho e salários

 

1. Trabalho introvertido e trabalho extrovertido

Um homem pode superar a desutilidade do trabalho (renúncia ao prazer do ócio) por várias razões.

1 . Pode trabalhar com o objetivo de fortalecer e agilizar sua mente e seu corpo. Neste caso, a desutilidade do trabalho não é preço a ser pago para a consecução desses objetivos; o contentamento que busca só pode ser alcançado pela superação da desutilidade do trabalho (pelo esforço despendido). Os exemplos mais evidentes são o esporte em si, praticado sem qualquer desejo de recompensa ou de sucesso social, e a busca da verdade e do conhecimento em si mesmos e não como meio de aumentar a própria eficiência e habilidade na execução de outras tarefas, visando a outros fins.[1]

2 . Pode submeter-se à desutilidade do trabalho para servir a Deus. Sacrifica o ócio para agradar a Deus e para ser recompensado, no outro mundo, com a glória eterna, e, na peregrinação terrestre, com a satisfação insuperável proporcionada pela certeza de ter cumprido todos os deveres religiosos. (No caso de se estar servindo a Deus com objetivos terrenos — o pão de cada dia, o sucesso nos negócios -, sua conduta não difere substancialmente de outras tentativas para obter vantagens mundanas através do trabalho. Se a teoria que orienta sua conduta é ou não correta e se suas expectativas se materializarão ou não, são fatos irrelevantes para a qualificação cataláctica do seu modo de agir).[2]

3 . Pode fatigar-se para evitar um inconveniente pior. Submete-se à desutilidade do trabalho para esquecer, para escapar de pensamentos depressivos, para não se aborrecer; o trabalho, neste caso, é como se fosse um jogo refinado. Esse jogo refinado não deve ser confundido com os simples jogos infantis, que são meramente geradores de prazer. (Não obstante serem as crianças suficientemente sofisticadas para também se deliciar com jogos refinados).

4 . Pode trabalhar porque prefere o produto que é capaz de obter com o seu esforço à desutilidade do trabalho e aos prazeres do ócio.

O trabalho referido nos itens 1, 2 e 3 é feito porque o que satisfaz ao indivíduo é a própria desutilidade do trabalho, não o seu produto. O indivíduo se esforça e se atormenta não para atingir um objetivo ao final de sua marcha, mas pelo próprio prazer de marchar. O alpinista não quer apenas chegar ao cume da montanha: quer escalá-la. Despreza o funicular que o levaria mais rapidamente e com menos esforço ao mesmo lugar, inclusive sabendo que o preço do bilhete será menor do que os custos da escalada (por exemplo, a remuneração do guia). O que o satisfaz é a superação do esforço, da desutilidade do trabalho que a escalada implica. Uma escalada mais fácil não lhe agradaria mais, e sim menos.

Podemos denominar o trabalho dos itens 1, 2 e 3 de trabalho introvertido e distinguí-lo do trabalho extrovertido do item 4. Algumas vezes o trabalho introvertido pode produzir resultados — como se fosse um subproduto — para cuja obtenção outras pessoas se submeteriam à desutilidade do trabalho. O devoto pode cuidar de pessoas doentes para merecer o reino dos céus; quem procura a verdade, exclusivamente preocupado com a busca do conhecimento, pode descobrir algo que tenha utilidade prática. Nessa medida, o trabalho introvertido pode influenciar a oferta no mercado de trabalho. Mas, como regra geral, só o trabalho extrovertido tem interesse para a cataláxia.

Os problemas psicológicos que o trabalho introvertido suscita são catalacticamente irrelevantes. Do ponto de vista da economia, o trabalho introvertido deve ser qualificado como consumo. Sua execução, em geral, requer não apenas os esforços pessoais dos indivíduos interessados, mas também um gasto de fatores materiais de produção e o produto do trabalho extrovertido de outras pessoas, as quais são pagas com o correspondente salário.

A atividade religiosa requer locais para o culto e seu aparelhamento; o esporte requer diversos utensílios e aparelhos, instrutores e treinadores. Todas essas coisas pertencem à órbita do consumo.

2. O trabalho como fonte de alegria e de tédio

Só o trabalho extrovertido, ou seja, aquele que por si mesmo não gratifica o indivíduo, é um tema de estudo para a cataláxia. O traço característico desse tipo de trabalho é o de ser ele realizado para atingir um fim, que está além do trabalho em si e de sua desutilidade. As pessoas trabalham porque querem colher o fruto do trabalho. O trabalho em si provoca desutilidade, fadiga. Mas, além dessa desutilidade que é fatigante e que por si só faria com que o homem trabalhasse o menos possível, mesmo que sua capacidade de trabalho fosse ilimitada e que ele fosse capaz de trabalhar sem parar, surgem às vezes fenômenos emocionais especiais, sensações de alegria e tédio, que acompanham a realização de certos tipos de trabalho.

Ambos, a alegria e o tédio do trabalho, nada têm a ver com a desutilidade do trabalho. O prazer de trabalhar não pode, portanto, aliviar ou remover a desutilidade do trabalho. Tampouco deve o prazer de trabalhar ser confundido com a satisfação imediata que certos tipos de trabalho proporcionam. É um fenômeno concomitante que decorre seja da gratificação mediata do trabalho, o produto ou a remuneração, seja de alguma circunstância acessória.

As pessoas não se submetem à desutilidade do trabalho pelo eventual prazer de trabalhar, mas para obter uma gratificação mediata. Na realidade, o prazer de trabalhar pressupõe, na maior parte dos casos, a própria desutilidade do trabalho em questão.

As fontes de onde emanam o prazer de trabalhar são:

1 . A expectativa de uma gratificação mediata pelo trabalho; a antecipação do prazer representado pelo reconhecimento de um trabalho bem feito e sua correspondente remuneração. Quem trabalha vê o seu trabalho como um meio de atingir determinado objetivo, e, à medida que o trabalho progride, sente a satisfação de estar aproximando-se do seu objetivo. Sua alegria é uma antecipação do prazer que lhe proporcionará a gratificação mediata. No contexto da cooperação social, essa alegria se manifesta pelo fato de ter sido capaz de encontrar o seu lugar no organismo social e de prestar serviços que os seus concidadãos apreciam, seja comprando seus produtos, seja remunerando o seu trabalho. O trabalhador se alegra, porque adquire respeito próprio e a consciência de que é capaz de se sustentar, e à sua família, sem depender da misericórdia alheia.

2 . Ao executar o seu trabalho, o indivíduo sente o prazer da experiência estética proporcionado pela sua habilidade e pela sua obra. Não apenas o prazer contemplativo de ver coisas feitas por outras pessoas, mas o orgulho de quem pode dizer: eu sei fazer isso, este é o meu trabalho.

3 . Tendo completado sua tarefa, o trabalhador sente prazer por ter superado com êxito o esforço e aborrecimento necessários à sua execução. Fica feliz por se livrar de um encargo difícil, desagradável e penoso, por se liberar, momentaneamente, da desutilidade do trabalho. Sente a agradável sensação de “haver feito algo”.

4 . Alguns tipos de trabalho satisfazem determinados desejos. Existem, por exemplo, ocupações que produzem satisfações eróticas — sejam elas conscientes ou subconscientes.

Esses desejos podem ser normais ou perversos. Os fetichistas, os sádicos, os homossexuais e outros pervertidos também podem, às vezes, encontrar no trabalho uma oportunidade de satisfazer apetites estranhos. Existem ocupações que são especialmente atraentes para essas pessoas. A crueldade e o gosto de sangue florescem luxuriantemente sob o manto de várias ocupações.

As condições para que haja prazer em trabalhar são diferentes conforme o tipo de trabalho. Essas condições geralmente são mais homogêneas nos casos referidos nos itens 1 e 3 do que no item 2. É óbvio que estão raramente presentes no caso do item 4.

O prazer de trabalhar pode estar inteiramente ausente. Fatores físicos podem eliminá-lo completamente. Por outro lado, é possível incrementá-lo deliberadamente.

Bons conhecedores da alma humana têm procurado realçar sempre a alegria do trabalho. Grande parte das façanhas dos organizadores e líderes de exércitos de mercenários se deveu a esse fato. Sua tarefa era facilitada na medida em que a profissão das armas provoca satisfações do tipo descrito no item 4. Não obstante, esse tipo de satisfação não depende da lealdade ao chefe. Também a tem o soldado que abandona seu comandante em dificuldades e se coloca a serviço de novos líderes. Por isso, os chefes de mercenários sempre tiveram a preocupação de promover uma solidariedade grupal (esprit de corps) e uma noção de fidelidade que afastasse de suas tropas a tentação de desertar. Houve também, é claro, chefes que não se preocupavam com essas questões intangíveis. Nos exércitos e nas armadas do século XVIII, o único meio de garantir obediência e evitar a deserção eram os castigos violentos.

O industrialismo moderno não se interessou especificamente em aumentar a alegria do trabalho. Bastava o progresso material que proporcionava aos seus empregados, tanto na qualidade de assalariados como na de consumidores e compradores dos produtos. Uma vez que os candidatos a emprego se apinhavam na porta das fábricas e se engalfinhavam por uma colocação, parecia não haver necessidade de recorrer a outros expedientes. Os benefícios que as massas obtinham no sistema capitalista eram tão óbvios que nenhum empresário considerava necessário arengar os trabalhadores com propaganda pró-capitalista. O capitalismo moderno consiste essencialmente na produção em massa para atender às necessidades das massas. Os compradores dos produtos são, na sua maioria, as mesmas pessoas que, como assalariadas, contribuem para sua produção. Vendas crescentes eram, para os empregadores, uma informação segura da melhoria do padrão de vida das massas. Não se preocupavam com os sentimentos de seus empregados enquanto trabalhadores. Estavam exclusivamente preocupados em servi-los como consumidores. Mesmo hoje, apesar da mais persistente e fanática propaganda anticapitalista, praticamente não existe qualquer tipo de contrapropaganda.

Essa propaganda anticapitalista visa sistematicamente a substituir o prazer de trabalhar pelo tédio. O prazer de trabalhar dos tipos 1 e 2 depende, numa certa medida, de fatores ideológicos. O trabalhador sente satisfação em ter seu lugar na sociedade e em participar ativamente do esforço de produção. Quando essa ideologia é ridicularizada e substituída por outra que apresenta o trabalhador como vítima desamparada de exploradores impiedosos, o prazer de trabalhar se transforma numa sensação de aversão e tédio.

As ideologias, por mais apregoadas e enfatizadas que sejam, não podem afetar a desutilidade do trabalho; é impossível removê-la ou aliviá-la por meio da persuasão ou da sugestão hipnótica. Por outro lado, também não pode ser incrementada por meio de palavras e doutrinas. O fenômeno da desutilidade do trabalho é um dado irredutível. O livre e espontâneo exercício das próprias energias e funções vitais é muito mais agradável do que a severa disciplina do esforço necessário ao cumprimento de uma tarefa. A desutilidade do trabalho também é penosa para alguém que se entregue de corpo e alma ao seu trabalho. Esse alguém, da mesma forma que seus semelhantes, gostaria de ver reduzida a sua carga de trabalho, se isso pudesse ser feito sem prejuízo da gratificação mediata e da satisfação referida no item 3.

Entretanto, o prazer de trabalhar do tipo 1 e 2 e, às vezes, até mesmo o do tipo 3 pode ser eliminado por influências ideológicas e substituído pelo tédio do trabalho. O trabalhador começa a detestar o seu trabalho quando se deixa convencer de que se submete à desutilidade do trabalho não por preferir a remuneração combinada mas, simplesmente, por depender de um sistema social injusto. Iludido pelos slogans da propaganda socialista, não chega a perceber que a desutilidade do trabalho é um fato inexorável da condição humana, um dado irredutível que não pode ser substituído por dispositivos ou métodos de organização social.

Torna-se vítima da quimera marxista, segundo a qual, numa sociedade socialista, o trabalho não será um esforço, mas um prazer.[3]

O fato de que o tédio pelo trabalho tenha substituído o prazer de trabalhar não afeta a desutilidade nem a produção do trabalho. Tanto a demanda como a oferta de trabalho permanecem inalteradas. Porque as pessoas não trabalham pelo prazer de trabalhar, mas pela gratificação mediata. O que se altera é apenas a atitude emocional do trabalhador. Seu trabalho, sua posição no contexto da divisão social do trabalho, suas relações com outros membros da sociedade e com a sociedade em geral passam a ser vistos por um outro ângulo.

Ele começa a se considerar vítima indefesa de um sistema absurdo e injusto. Torna-se um resmungão mal-humorado, uma personalidade desequilibrada, uma presa fácil para todos os tipos de charlatães e de farsantes. Estar de bom humor ao executar uma tarefa e ao superar a desutilidade do trabalho torna as pessoas mais bem dispostas e fortalece suas energias. Sentir tédio ao trabalhar torna as pessoas mal-humoradas e neuróticas. Uma comunidade na qual o trabalho seja tedioso não passa de um conjunto de pessoas rancorosas, briguentas, coléricas e descontentes.

Não obstante, no que concerne às motivações para superar a desutilidade do trabalho, o papel representado pela alegria e pelo tédio do trabalho é meramente acidental e sem importância. Ninguém trabalha pelo simples prazer de trabalhar; o prazer de trabalhar não substitui a gratificação mediata do trabalho. A única maneira de fazer um homem trabalhar mais e melhor é pela oferta de uma maior recompensa. É inútil tentar enganá-lo com a alegria do trabalho. Foi o que aprenderam os ditadores da Rússia soviética, da Alemanha nazista e da Itália fascista, quando tentaram atribuir à alegria do trabalho uma função específica no seu sistema de produção.

Nem a alegria e nem o tédio do trabalho podem influenciar a quantidade de trabalho oferecido no mercado. Quando essas sensações estão presentes com a mesma intensidade em todos os tipos de trabalho, a afirmativa é óbvia. Mas dá no mesmo se supusermos que a alegria e o tédio dependem do tipo de trabalho em questão ou das características particulares do trabalhador. Vejamos, por exemplo, a alegria referida no item 4. A ânsia de certas pessoas por obter empregos que lhes deem a oportunidade de desfrutar daquele tipo de satisfação tende a baixar os salários no respectivo campo de atividade. Mas é precisamente este efeito que faz com que outras pessoas, menos interessadas por aqueles prazeres duvidosos, prefiram setores alternativos do mercado de trabalho nos quais possam ganhar mais. Surge, assim, uma tendência oposta que neutraliza a primeira.

A alegria e o tédio do trabalho são fenômenos psicológicos que não influenciam a valoração subjetiva individual da desutilidade do trabalho e de sua correspondente gratificação mediata, nem o preço do trabalho no mercado.

3 — O salário

O trabalho é um fator de produção escasso. Como tal, é vendido e comprado no mercado. Se o trabalho foi executado pelo próprio vendedor do produto ou do serviço, o seu preço, do trabalho, está incluído no preço atribuído ao produto ou ao serviço. Quando se trata da compra e venda de trabalho puro e simples, seja por um empresário engajado no processo de produção para venda, seja por um consumidor desejoso de usar os serviços prestados para o seu próprio consumo, o preço assim pago recebe a denominação de salário.

Para o agente homem, o seu próprio trabalho é não apenas um fator de produção, mas também a fonte da desutilidade; ao valorar o seu trabalho, o homem considera não apenas a gratificação mediata esperada, mas também a desutilidade provocada. Mas para ele, assim como para qualquer outra pessoa, o trabalho oferecido à venda no mercado é apenas um fator de produção. O homem lida com o trabalho das outras pessoas da mesma maneira com que lida com todos os fatores de produção escassos. Avalia o trabalho pelos mesmos princípios que aplica na avaliação de outros bens. O nível dos salários é determinado no mercado do mesmo modo que o preço de qualquer mercadoria. Nesse sentido, podemos dizer que o trabalho é uma mercadoria. As conotações emocionais que as pessoas, sob a influência do marxismo, atribuem a esse termo não têm importância. Basta observar, incidentalmente, que os empregadores lidam com o trabalho do mesmo modo com que lidam com as mercadorias, porque a conduta dos consumidores força-os a agir dessa maneira.

Não se pode falar de trabalho e de salários sem que se recorra a certas restrições. Não existe um tipo uniforme de trabalho ou um nível geral de salários. O trabalho varia em qualidade e cada tipo de trabalho presta serviços diferentes. É avaliado pela sua contribuição como fator complementar para produção de determinados bens de consumo e serviços. Não se pode comparar diretamente o desempenho de um cirurgião com o de um estivador. Mas, indiretamente, os diversos setores do mercado de trabalho estão ligados entre si. Um aumento na demanda de cirurgiões, por maior que seja, não fará com que estivadores se apresentem para executar serviços cirúrgicos. Não obstante, a demarcação entre os vários setores do mercado de trabalho não é muito nítida. Há uma tendência permanente de os trabalhadores mudarem de ocupação, para outras semelhantes, sempre que as condições lhes pareçam melhores. Dessa maneira, toda mudança na oferta ou demanda em determinado setor acaba afetando indiretamente todos os outros setores. Todas as atividades produtoras competem indiretamente entre si. Se um número maior de pessoas entra para a profissão médica, haverá falta de gente para outras ocupações que, por sua vez, serão preenchidas por mão de obra vinda de outros setores, e assim por diante. Nesse sentido, existe uma relação entre todos os grupos profissionais, por mais diferentes que sejam os requisitos necessários a cada um deles.

Uma vez mais defrontamo-nos com o fato de que a disparidade na qualidade de trabalho, indispensável para satisfação das necessidades, é maior do que a variedade de aptidões humanas inatas para realizar trabalho.[4]

Essa correlação existe não só entre os diferentes tipos de trabalho e os seus respectivos preços como também entre o trabalho e os fatores materiais de produção. Dentro de certos limites, o trabalho pode ser substituído por fatores materiais de produção e vice-versa.

Essas substituições ocorrerão em maior ou menor grau, dependendo do nível dos salários e dos preços dos fatores materiais de produção. Os salários — assim como os preços dos fatores materiais de produção — só podem ser determinados pelo mercado. Fora do mercado não existem salários, como também não existem preços. Onde existem salários, o trabalho é considerado como qualquer outro fator material de produção e é comprado e vendido no mercado. Usualmente denomina-se de mercado de trabalho o setor do mercado de bens de produção no qual o trabalho é contratado.

Como todos os outros setores do mercado, o mercado de trabalho é acionado por empresários desejosos de obter lucros. O empresário procura adquirir todos os tipos de trabalho de que necessita para a execução de seus planos pelo menor preço. Mas os salários que ele oferece devem ser suficientemente altos para atrair os trabalhadores de que precisa. O limite superior de sua oferta é determinado pelo preço que espera obter na venda dos bens suplementares a serem fabricados ao empregar os trabalhadores em questão. O limite inferior é determinado pelas ofertas dos demais empresários, que também são guiados por considerações análogas. É isso que os economistas têm em mente ao afirmarem que o nível de salário para cada tipo de trabalho é determinado pela sua produtividade marginal. Outra maneira de exprimir a mesma verdade é dizer que os salários são determinados pela oferta de trabalho e de fatores materiais de produção, por um lado, e pelo preço que se espera obter pelos bens de consumo, por outro.

Essa explicação cataláctica da determinação dos salários tem sido alvo de ataques violentos, embora inteiramente errôneos. Diz-se frequentemente que há um monopólio da demanda por trabalho. A maior parte dos que defendem essa doutrina pensam constituir prova suficiente de suas alegações a referência a uma observação incidental de Adam Smith relativa a “uma espécie de combinação tácita mas constante e uniforme” entre os empregadores, com a finalidade de manterem baixos os salários.[5] Outros fazem vagas referências à existência de associações de grupos de homens de negócios. É evidente a falta de base de tudo isso.

Entretanto, o fato de essas ideias deturpadas serem o principal fundamento ideológico do sindicalismo operário e da política trabalhista de todos os governos contemporâneos torna necessário analisá-las com a máxima atenção.

A atitude dos empresários em relação aos que vendem trabalho é a mesma que em relação aos que vendem fatores materiais de produção. Procuram adquirir todos os fatores de produção pelo menor preço. Mas se, nesse afã de reduzirem os seus custos, alguns empresários, ou alguns grupos de empresários, ou todos os empresários oferecem preços ou salários que são muito baixos, isto é, que são menores do que os que resultariam num mercado livre, eles só poderão adquirir o que desejam se o acesso à atividade empresarial estiver bloqueado por barreiras institucionais. Se não se impedir o surgimento de novos empresários ou a expansão dos já existentes, qualquer queda nos preços dos fatores de produção dissonante da estrutura do mercado enseja, necessariamente, novas oportunidades de se obterem lucros. Aparecem logo pessoas querendo aproveitar-se da margem entre o nível de salários existente e a produtividade marginal do trabalho; sua demanda por mão de obra fará com que os salários voltem ao nível compatível com a produtividade marginal do trabalho. A combinação tácita entre os empregadores a que se referiu Adam Smith, mesmo que tivesse existido, não poderia reduzir os salários abaixo do nível estabelecido pelo mercado, a não ser que para se ter acesso à atividade empresarial viesse a ser necessário não apenas a inteligência e o capital (este último está sempre disponível para empresas capazes de dar maiores retornos), mas também algum tipo de título institucional, uma carta patente, ou uma licença que só fosse concedida a pessoas privilegiadas.

Tem sido afirmado que um trabalhador desempregado estaria obrigado a aceitar qualquer salário, por menor que fosse, uma vez que depende exclusivamente de sua capacidade de trabalho e não tem nenhuma outra fonte de renda. Como não pode esperar, seria forçado a se contentar com qualquer remuneração que os empregadores lhe oferecessem. Sua fraqueza inerente o colocaria à mercê de uma ação coordenadora dos empregadores com o propósito de baixar os salários. Os patrões, se necessário, podem esperar mais tempo, uma vez que a sua demanda por mão de obra não seria tão urgente quanto a demanda dos trabalhadores pelos bens necessários à sua própria subsistência. O argumento é inconsistente: considera evidente o fato de que os empregadores embolsam a diferença entre o salário correspondente à produtividade marginal e o menor salário imposto, como se fosse um ganho monopolístico, sem repassá-lo para os consumidores sob a forma de uma redução nos preços. Ora, se houvesse uma redução nos preços correspondente à diminuição nos custos de produção, os empresários, enquanto empresários e vendedores dos produtos, não teriam nenhuma vantagem com a redução dos salários. Todo o ganho seria usufruído pelos consumidores e, portanto, também pelos assalariados na sua qualidade de compradores; os empresários mesmos só se beneficiariam na sua condição de consumidores. Para que pudessem reter esse ganho extra decorrente da “exploração” do menor poder de barganha dos trabalhadores, os empresários, na qualidade de vendedores dos produtos, teriam que se pôr de acordo e agir em concerto. Para isso teriam de implantar um monopólio universal de todas as atividades produtivas, o que só pode ocorrer se o acesso à atividade empresarial for impedido por barreiras institucionais.

O ponto essencial nesta questão é que a alegada combinação monopolística dos empregadores, a que se referem Adam Smith e uma boa parte da opinião pública, seria um monopólio de demanda. Mas já vimos antes que o monopólio de demanda é, na realidade, um monopólio de oferta de características especiais. Os empregadores só teriam condições de reduzir os salários por meio de uma ação conjunta se pudessem monopolizar um fator indispensável a qualquer tipo de produção e restringir monopolisticamente o emprego desse fator. Como não existe um fator material que seja indispensável a qualquer tipo de produção, seria necessário monopolizar todos os fatores de materiais de produção. Tal situação só pode existir numa comunidade socialista onde não há mercado, nem preços e nem salários.

Tampouco poderiam os proprietários dos fatores materiais de produção, os capitalistas e os proprietários de terras, formarem um cartel universal contra os interesses dos trabalhadores. O traço característico da atividade produtora no passado, e tanto quanto se possa prever também no futuro, é que a escassez de mão de obra excede a escassez da maior parte dos fatores de produção primários, fornecidos pela natureza. A relativamente maior escassez de mão de obra determina em que medida os relativamente abundantes fatores naturais primários podem ser usados. Existem terras não cultivadas, jazidas minerais não exploradas e assim por diante, porque não existe mão de obra suficiente para sua utilização.

Se os proprietários das terras que estão hoje cultivadas formassem um cartel para obter ganhos monopolísticos, não atingiriam o seu objetivo em virtude da competição dos proprietários das terras submarginais. Por sua vez, os proprietários dos fatores de produção já produzidos não poderiam formar um cartel sem a cooperação dos proprietários dos fatores primários.

Várias outras objeções foram apresentadas contra essa doutrina da exploração monopolística dos trabalhadores por meio de um conluio tácito ou declarado dos empregadores. Já foi demonstrado não ser verdade que os que estão procurando emprego não possam esperar e que, portanto, precisem aceitar qualquer salário que lhes seja oferecido, por menor que seja. Não é verdade que todo trabalhador desempregado esteja morrendo de fome; os trabalhadores também têm reservas e podem esperar; a prova é que, na prática, eles esperam até conseguir melhores condições. Por outro lado, esperar pode ser financeiramente desastroso para os empresários e para os capitalistas. Se não puderem empregar o seu capital, sofrerão perdas. Assim, todas essas discussões sobre uma alegada “vantagem dos empregadores” e “desvantagens dos trabalhadores” carecem de fundamento.[6]

Todavia, essas considerações são acidentais e secundárias. O fato central é que um monopólio de demanda de mão de obra não pode existir, e não existe, num mercado livre, não obstruído. Só pode existir em decorrência de restrições institucionais que impeçam o acesso à atividade empresarial.

Contudo, há mais um ponto que precisa ser enfatizado. A doutrina da manipulação monopolística dos salários pelos empregadores se refere ao trabalho como se fosse uma entidade homogênea. Utiliza conceitos como demanda por “trabalho em geral” e oferta de “trabalho em geral”. Mas essas noções, como já foi assinalado, não têm contrapartida na realidade. O que é comprado e vendido no mercado de trabalho não é “trabalho em geral”, mas determinado tipo de trabalho capaz de prestar determinados serviços. Cada empresário está à procura de trabalhadores que sejam capazes de executar tarefas específicas, necessárias à realização de seus planos. Para contratar esses especialistas, precisa convencê-los a deixar a ocupação a que se dedicam no momento. O único meio de conseguí-lo é oferecendo maior remuneração. Toda inovação que um empresário pretenda realizar — a produção de um novo artigo, a aplicação de um novo processo de produção, a escolha de um novo local para uma fábrica ou simplesmente a expansão da produção atual, seja na sua própria empresa ou em outras — requer o emprego de trabalhadores que até então trabalhavam em algum outro lugar.

Os empresários não se defrontam com uma escassez de “trabalho em geral”, mas com uma escassez daqueles tipos específicos de trabalho de que necessitam nas suas empresas. A competição entre os empresários para conseguir melhores colaboradores é tão intensa quanto a competição para obter matérias primas, ferramentas e máquinas, ou para conseguir capital no mercado de crédito. A expansão das atividades de cada empresa, assim como da sociedade em geral, não está limitada apenas pela disponibilidade de bens de capital ou pela quantidade de “trabalho em geral”. Cada setor de produção está também limitado pela quantidade de especialistas disponíveis. É claro que esta é uma dificuldade apenas temporária que desaparece a longo prazo, na medida em que maior número de trabalhadores, atraídos pela melhor remuneração oferecida aos que se especializam, procura se preparar para exercer as tarefas cuja carência de pessoal seja maior. Mas, na economia real, em permanente mudança, essa escassez de especialistas surge todos os dias e determina o comportamento dos empresários na sua busca por mão de obra. Todo empregador deve tentar comprar os fatores de produção de que necessita, inclusive o trabalho, pelo menor preço possível. Um empregador que pague mais do que estabelece o mercado para os serviços prestados pelos seus empregados será logo alijado da função empresarial. Por outro lado, o empregador que tentar pagar salários inferiores aos que correspondem à produtividade marginal do trabalho não conseguirá recrutar aquelas pessoas que lhe permitiriam utilizar melhor seu equipamento. Os salários, no mercado, tendem para um ponto no qual se tornam iguais ao preço do produto marginal, correspondente ao tipo de trabalho em questão. Se os salários estão abaixo desse ponto, o ganho obtido com o emprego de cada trabalhador adicional aumentará a demanda por trabalhadores e, consequentemente, fará com que os salários aumentem. Se os salários estão acima desse ponto, a perda incorrida com o emprego de cada trabalhador forçará o empregador a dispensar pessoal; a competição entre os trabalhadores desempregados criará uma tendência para que os salários diminuam.

4 — Desemprego cataláctico

Se uma pessoa que está à procura de emprego não consegue o trabalho que prefere, terá de se conformar com um outro tipo de trabalho. Se não consegue encontrar um empregador disposto a lhe pagar tanto quanto gostaria de ganhar, terá de reduzir suas pretensões. Se não quiser, não conseguirá nenhum emprego. Permanecerá desempregado.

O que causa o desemprego — ao contrário do que pressupõe a já mencionada doutrina da impossibilidade de o trabalhador esperar — é precisamente o fato de que os que estão procurando emprego podem esperar e, na realidade, esperam. Quem não quiser esperar, sempre encontrará emprego numa economia de mercado, pois existem, invariavelmente, recursos naturais ainda não explorados e, com frequência, fatores de produção já produzidos e ainda não aproveitados. Basta que reduza suas pretensões ou que se conforme em mudar de local ou de ocupação.

Havia, e ainda hoje continua havendo, pessoas que trabalhavam por algum tempo e depois viviam, por um período, da poupança que acumularam trabalhando. Nos países em que o nível cultural das massas é baixo, torna-se frequentemente difícil recrutar trabalhadores dispostos a permanecer no emprego. O homem comum, nesses casos, é tão primário e tão apático que não conhece outra utilização para os seus ganhos, a não ser a de comprar o próprio ócio. Trabalha apenas para poder permanecer desempregado durante algum tempo.

Nos países civilizados, as coisas são diferentes. O trabalhador considera o desemprego um mal. Gostaria de evitá-lo, desde que o sacrifício necessário não fosse muito penoso. Comporta-se diante da possibilidade de emprego ou desemprego da mesma maneira que diante de qualquer outra ação ou escolha: pesando os prós e os contras de cada alternativa. Se escolhe o desemprego, esse desemprego é um fenômeno do mercado, de natureza idêntica à de quaisquer outros fenômenos de mercado. Podemos denominar esse tipo de desemprego de desemprego gerado pelo mercado ou desemprego cataláctico.

As várias considerações que podem induzir um homem a preferir o desemprego podem ser classificadas da seguinte maneira:

1. O indivíduo acredita que acabará encontrando um emprego bem remunerado, no lugar onde mora, e na ocupação que mais lhe agrada e para a qual já foi treinado. Procura evitar a despesa e o incômodo de ter que mudar de ocupação e local de residência. Pode haver circunstâncias especiais que onerem ainda mais esses custos. Um trabalhador que possui sua própria casa está mais fortemente ligado ao local de sua residência, do que as pessoas que vivem em apartamentos alugados. Uma mulher casada tem menos mobilidade que uma mulher solteira. Existem também ocupações que concorrem para diminuir a habilidade profissional, dificultando o retorno à profissão anterior. Um relojoeiro que trabalha durante algum tempo como lenhador pode perder a destreza necessária à sua ocupação anterior. Em todos esses casos, o indivíduo prefere o desemprego temporário porque acredita que sua escolha é mais vantajosa a longo prazo.

2. Existem certas ocupações cuja demanda está sujeita a consideráveis variações sazonais. Durante alguns meses do ano, ela é muito intensa; em outros meses, diminui muito ou desaparece completamente. A estrutura dos salários leva em consideração essas flutuações sazonais: os setores da atividade econômica que precisam contratar mão de obra em tais condições pagam, na alta estação, salários suficientemente altos a ponto de compensarem os inconvenientes da demanda irregular. Assim sendo, muitos trabalhadores, tendo poupado parte de seus melhores ganhos na alta estação, permanecem desempregados na baixa.

3. O indivíduo prefere o desemprego temporário a partir de considerações que na linguagem comum são qualificadas de não econômicas ou até mesmo de irracionais. Por exemplo, quando o indivíduo não aceita empregos por serem incompatíveis com suas convicções religiosas, morais ou políticas; quando recusa ocupações que poderiam prejudicar o seu prestígio ou a sua posição social; quando se deixa levar por critérios tradicionais sobre o que é próprio ou o que é desonroso para um cavalheiro.

O desemprego no mercado livre, não obstruído, é sempre voluntário. Para o desempregado, o desemprego é o menor de dois males entre os quais ele tem que escolher. Às vezes, a situação do mercado pode fazer com que os salários diminuam. Mas, no mercado livre, para cada tipo de trabalho há sempre um salário pelo qual quem quiser encontrará emprego. O salário final é aquele pelo qual todos os desempregados encontram empregos e todos os empregadores conseguem mão de obra que desejam contratar. Seu nível é determinado pela produtividade marginal de cada tipo de trabalho.

As flutuações salariais são o instrumento pelo qual a soberania do consumidor se manifesta no mercado de trabalho. São a medida usada para alocar mão de obra aos vários setores de produção. Penalizam a desobediência com a redução dos salários nos setores relativamente bem-dotados de mão de obra, e gratificam a obediência com o aumento dos salários nos setores relativamente carentes de mão de obra. Dessa maneira, submetem o indivíduo a uma dura pressão social. É claro que, assim, limitam indiretamente a liberdade individual de escolha de sua ocupação. Mas essa pressão não é rígida. Deixa ao indivíduo uma margem para optar entre o que lhe convém mais e o que lhe convém menos. Dentro dessa margem, pode agir como melhor lhe convier. Esse grau de liberdade é o máximo de liberdade que um indivíduo pode gozar no sistema de divisão social do trabalho; e essa pressão é o mínimo de pressão indispensável à preservação do sistema de cooperação social. Só há uma alternativa à pressão cataláctica exercida pelo sistema de salários: a distribuição das ocupações e dos empregos por meio dos decretos inapeláveis de uma autoridade, de um órgão central de planejamento de todas as atividades. Isso equivale a suprimir toda liberdade.

É bem verdade que no sistema salarial o indivíduo não pode escolher o desemprego permanente. Mas nenhum outro sistema social imaginável poderia proporcionar-lhe o direito ao ócio sem limites. Que o homem não possa evitar a submissão à desutilidade do trabalho não é fruto de uma instituição social: é uma condição natural, inevitável, da vida e do comportamento humano.

De nada adianta qualificar metaforicamente o desemprego cataláctico de desemprego “friccional”. Na construção imaginária da economia uniformemente circular, não há desemprego por definição. O desemprego é um fenômeno de uma economia real, cambiante. O fato de um trabalhador, dispensado em virtude de modificações introduzidas em algum processo de produção, prolongar a sua desocupação, não aceitar imediatamente qualquer oportunidade de emprego e esperar uma oportunidade mais propícia de trabalho não é uma consequência da morosidade de ajustamento às novas condições, mas um dos fatores que reduzem o ritmo desse ajustamento. Não é uma reação automática às mudanças que ocorreram, independentemente da vontade e da escolha dos candidatos a emprego em questão, mas o efeito de suas ações intencionais. É um desemprego especulativo e não friccional. O desemprego cataláctico não deve ser confundido com desemprego institucional. O desemprego institucional não resulta de decisões dos indivíduos que estão desempregados; é o efeito da interferência estatal no mercado, com o propósito de impor, por coerção e compulsão, salários mais elevados do que os que o livre mercado determinaria. A análise do desemprego institucional será feita quando examinarmos os problemas do intervencionismo.

5 — Salário bruto e salário líquido

O que o empregador compra no mercado de trabalho e o que recebe pelos salários pagos é sempre uma performance avaliada segundo o seu preço de mercado. Os usos e costumes prevalecentes nos vários setores do mercado de trabalho não influenciam os preços pagos por um desempenho específico. Os salários brutos tendem sempre para um ponto em que serão equivalentes ao preço pelo qual pode ser vendido no mercado o produto suplementar produzido pelo trabalhador marginal, levando-se na devida conta os preços dos materiais empregados e o juro originário do capital necessário.

Ao pesar os prós e contras da contratação de trabalhadores, o empregador não se pergunta quanto o trabalhador receberá efetivamente; quer saber apenas o seguinte: qual o preço total que terei de pagar para poder dispor dos serviços desse trabalhador? Ao se referir a salários, a cataláxia refere-se sempre ao preço total que o empregador paga por determinada quantidade de um tipo específico de trabalho, isto é, ao salário bruto. Se as leis ou as práticas comerciais obrigam o empregador a fazer outros gastos além do que é pago diretamente ao empregado, o salário líquido sofre a correspondente redução. Esses gastos adicionais não afetam o salário bruto; incidem sobre o assalariado, reduzem o salário líquido.

Convém examinar as seguintes consequências desse estado de coisas:

1. Não faz diferença se os salários são pagos a tempo ou por unidade produzida. Mesmo quando paga salários a tempo, o empregador só leva uma coisa em consideração: o desempenho que espera de cada empregado. Nos seus cálculos, já estão consideradas todas as oportunidades que o trabalho a tempo oferece aos malandros e aos embromadores. Ele dispensa os trabalhadores que não produzem o mínimo previsto. Por outro lado, um trabalhador que deseje ganhar mais deve ou trabalhar por tarefa ou procurar um emprego cujo pagamento seja maior porque a performance mínima prevista é também maior.

Tampouco faz diferença, num mercado livre, se os salários a tempo são pagos diária, semanal, mensal ou anualmente. Pouco importa se o aviso prévio para dispensa é maior ou menor, se o contrato de trabalho é por um período determinado ou vitalício, se o empregado tem direito a aposentadoria e a uma pensão para si mesmo ou para sua viúva e seus órfãos, se tem férias remuneradas ou não, se tem algum tipo de ajuda no caso de doença ou de invalidez ou se tem direito a qualquer outro benefício e privilégio. A questão que o empregador se coloca é sempre a mesma: compensa ou não celebrar este contrato? Não estarei pagando demais pelo que estou recebendo.

2. Consequentemente, a incidência dos chamados encargos sociais recai, em última análise, sobre o salário líquido do trabalhador. Pouco importa que o empregador tenha ou não o direito de deduzir as contribuições dos salários que paga aos empregados; de qualquer forma, essas contribuições oneram sempre o empregado e nunca o empregador.

3. O mesmo se aplica aos impostos sobre salários. Também neste caso, é indiferente se o empregador tem ou não o direito de deduzi-los na folha de pagamento.

4. A redução da jornada de trabalho também não é um benefício gracioso. Se o trabalhador não compensar a menor carga horária aumentando sua produtividade na mesma proporção, os salários sofrerão a correspondente redução. Se é promulgada uma lei que reduz as horas de trabalho e proíbe uma redução nos salários, surgem logo todas as consequências de um aumento salarial por decreto. O mesmo é válido em relação a todas as outras chamadas conquistas sociais, como férias remuneradas e assim por diante.

5. Se o governo outorga ao empregador um subsídio para que uma certa categoria de trabalhadores tenha emprego, os salários líquidos desses empregados terão um aumento equivalente ao subsídio recebido pelo empregador.

6. Se as autoridades derem a cada trabalhador empregado, cujo ganho seja inferior a um certo padrão mínimo, um abono que aumente sua remuneração até esse mínimo, o nível dos salários em geral não será diretamente afetado. Indiretamente poderá haver uma queda nos salários, uma vez que esse sistema poderia induzir as pessoas que até então não estavam trabalhando a procurarem emprego, o que provocaria um aumento na oferta de trabalho.[7]

6 — Salários e subsistência

A vida do homem primitivo era uma luta incessante contra a insuficiência de meios de subsistência fornecidos pela natureza. Nesse esforço desesperado para sobreviver, muitos indivíduos e famílias inteiras, tribos e raças, sucumbiram. O homem primitivo esteve sempre ameaçado pelo espectro da fome e da morte. A civilização nos livrou desses perigos. A vida humana é ameaçada dia e noite por inúmeros perigos; pode ser destruída a qualquer momento por forças naturais que estão fora de nosso controle ou pelo menos não podem ser controladas no atual estágio do nosso conhecimento e de nossa capacidade. Mas o horror da morte pela fome já não aterroriza os que vivem na sociedade capitalista. Quem puder trabalhar, pode ganhar muito mais do que o necessário à mera subsistência.

Existem, evidentemente, pessoas inválidas, incapazes de trabalhar. Existem também os incapacitados que só podem realizar certas tarefas e cuja incapacidade os impede de ganhar tanto quanto um trabalhador normal; às vezes, o que ganham é tão pouco que não é sequer suficiente para a sua própria manutenção. Essas pessoas só podem subsistir se outras pessoas as ajudarem. O parente mais próximo, os amigos, a caridade dos benfeitores e dos donativos, a assistência pública comunal cuidam dos destituídos. Quem vive da caridade alheia não contribui para o processo social de produção; são pessoas incapazes de prover os seus próprios meios de subsistência; vivem porque outras pessoas se ocupam delas. Os problemas de assistência à pobreza são problemas que dizem respeito ao consumo e não à produção. Por esse motivo, escapam ao âmbito de uma teoria da ação humana que se ocupa apenas com a provisão dos meios necessários ao consumo e não com a maneira como esses meios são consumidos. A teoria cataláctica lida com os métodos adotados para sustentar os destituídos por meio da caridade apenas na medida em que possam afetar a oferta de trabalho. As políticas para aliviar a pobreza têm servido, algumas vezes, para estimular a relutância ao trabalho e o ócio de pessoas perfeitamente capazes e saudáveis.

Na sociedade capitalista prevalece uma tendência de contínuo aumento da quota de capital investido per capita. A acumulação de capital ultrapassa o aumento demográfico.

Consequentemente, a produtividade marginal do trabalho, os salários reais e o padrão de vida dos assalariados tendem a aumentar continuamente. Mas essa melhoria no bem-estar não é uma indicação da existência de uma lei inexorável da evolução humana; é uma tendência que resulta da interação de forças que só podem produzir seus efeitos no regime capitalista. É possível — e se considerarmos a orientação das políticas atuais é até provável — que o consumo de capital, por um lado, e um aumento ou uma insuficiente diminuição nos números demográficos, por outro, provoquem uma reversão dessa situação. Pode ser, então, que os homens aprendam de novo o que significa morrer de fome e que a relação entre a quantidade de bens de capital disponíveis e os números demográficos tornem-se desfavoráveis a ponto de fazer com que uma parte dos trabalhadores ganhe menos do que o necessário para sua mera subsistência. A simples aproximação de uma tal situação provocaria, certamente, dissenções irreconciliáveis na sociedade, conflitos cuja violência resultaria na desintegração dos laços sociais. A divisão social do trabalho não pode ser preservada, se parte dos membros da sociedade está condenada a ganhar menos do que o necessário para sobreviver. A noção de um mínimo de subsistência ao qual alude a “lei de ferro dos salários”, e que os demagogos repetem frequentemente, não tem serventia na formulação de uma teoria cataláctica da determinação dos salários. Um dos pilares sobre os quais repousa a cooperação social é o fato de que o trabalho realizado segundo o princípio da divisão do trabalho é tão mais produtivo do que os esforços de indivíduos isolados, que as pessoas saudáveis e normais não se sentem atormentadas pelo espectro da fome que ameaçava constantemente os seus antepassados. Numa comunidade capitalista, o mínimo de subsistência não representa nenhum papel do ponto de vista cataláctico.

Além do mais, a noção de um mínimo de subsistência carece da precisão e do rigor científicos que geralmente se lhe atribuem. O homem primitivo, melhor ajustado a uma existência mais animal do que humana, podia sobreviver em condições que seriam insuportáveis para os seus delicados descendentes, mimados que foram pelo capitalismo. Não existe o que se possa chamar de um mínimo de subsistência, biológica ou fisiologicamente determinados, válido para qualquer exemplar da espécie zoológica homo sapiens. A ideia de que é necessária uma quantidade específica de calorias para manter um homem saudável e reprodutivo, e de que uma quantidade adicional reporia as energias gastas no trabalho, é insustentável. Esses conceitos, que talvez interessem à criação de gado ou à vivissecção de cobaias, não ajudam o economista a compreender os problemas da ação humana consciente.

A “lei de ferro dos salários” e a essencialmente idêntica doutrina marxista segundo a qual a determinação do “valor da força de trabalho” é dada pelo “tempo de trabalho necessário à sua produção e, consequentemente, também à sua reprodução”[8] são as noções menos defensáveis de tudo quanto jamais foi formulado no campo da cataláxia.

Apesar disso, é possível atribuir algum sentido às ideias implícitas na lei de ferro dos salários. Se considerarmos o assalariado como um simples semovente e acreditarmos que esse é o seu papel na sociedade; se supusermos que não aspira a mais do que comer e reproduzir-se e que desconhece qualquer outra maneira de utilizar o que ganha, podemos considerar a lei de ferro como uma teoria da determinação dos salários. Na realidade, os economistas clássicos, por estarem bloqueados pela esterilidade da sua própria teoria do valor, não foram capazes de conceber outra solução para esse problema. Que o preço natural do trabalho fosse aquele que permitisse ao assalariado subsistir e perpetuar a raça, sem aumento ou diminuição, era a conclusão lógica, inescapável, a que teriam de chegar Torrens e Ricardo, a partir da insustentável teoria do valor que defendiam. Mas quando seus epígonos perceberam que não podiam mais aceitar tal lei manifestamente absurda, modificaram-na pelo recurso a uma complementação que implicava em abandonar completamente qualquer possibilidade de explicar economicamente a determinação dos salários. Tentaram preservar a noção tão acalentada de um mínimo de subsistência, substituindo o conceito do mínimo fisiológico pelo conceito do mínimo “social”. Já não falavam mais de um mínimo necessário à subsistência do trabalhador e à preservação da oferta de mão de obra. Em vez disso, referiam-se ao mínimo necessário para preservação de um padrão de vida consagrado pela tradição histórica e pelos costumes e hábitos adquiridos no passado. Quando a experiência quotidiana já mostrava de maneira inequívoca que no regime capitalista os salários reais e o padrão de vida dos assalariados estavam em contínua ascensão; quando já se tornava cada vez mais evidente que as muralhas que separavam as diversas camadas da população não podiam mais ser preservadas, porque a melhoria das condições dos trabalhadores industriais estava arrasando com os velhos conceitos de classe e posição social, esses visionários proclamavam que são os costumes tradicionais e as convenções sociais que determinam o nível dos salários. Só pessoas cegas por ideias preconcebidas e por preconceitos partidários poderiam recorrer a tal explicação numa época em que a indústria supre as massas com novas mercadorias, até então desconhecidas, e torna acessível ao trabalhador médio satisfações com as quais, no passado, nenhum rei poderia sequer sonhar.

Não há nada de especialmente extraordinário no fato de que a Escola Historicista Alemã dos wirtschaftliche Staatswissenschaften[9] considerasse os salários, tanto quanto os preços das mercadorias e as taxas de juro, como “categorias históricas”, nem tampouco no fato de que, para tratar do tema salários, recorresse ao conceito de “renda adequada à posição hierárquica do indivíduo na escala das classes sociais”. A característica essencial dos ensinamentos dessa escola foi a de ter negado a existência da ciência econômica e ter pretendido substituí-la pela história. Mas o surpreendente é que nem Marx nem os marxistas tenham percebido que, ao endossarem essa doutrina espúria, estavam contribuindo decisivamente para solapar as bases do assim chamado sistema econômico marxista. Quando os artigos e as monografias publicados na Inglaterra no início da década de 1860 tornaram evidente que não era mais possível ater-se obstinadamente à teoria salarial dos economistas clássicos, Marx modificou sua teoria sobre o valor da contribuição do trabalho. Declarou então que “a extensão das assim chamadas necessidades naturais e a maneira pela qual serão atendidas são em si mesmas produto da evolução histórica” e “dependem em grande parte do grau de civilização atingido por um determinado país e, sobretudo, das condições, costumes e exigências de padrão de vida nos quais foi formada a classe trabalhadora”. Assim sendo, “um elemento de natureza histórica e moral intervém decisivamente na determinação do valor do trabalho”. Contudo, Marx se contradiz e confunde o leitor quando acrescenta que “para um determinado país, num momento dado, a quantidade média das necessidades vitais indispensáveis são um fato dado”.[10] O que tem em mente já não são mais as “necessidades vitais indispensáveis”, mas tudo aquilo considerado indispensável segundo os hábitos e costumes tradicionais, ou seja, os meios necessários para preservação de um padrão de vida adequado à situação do trabalhador na hierarquia social tradicional. Ao recorrer a essa definição, Marx virtualmente renuncia a qualquer explicação econômica ou cataláctica da determinação dos salários. Já não são considerados um fenômeno de mercado, mas um fator cuja origem nada tem a ver com a interação das forças que atuam no mercado. Apesar disso, mesmo aqueles que acreditam que os salários efetivamente pagos e recebidos são um dado externo ao mercado, e a ele imposto, não podem deixar de formular uma teoria que explique a determinação dos salários como o resultado das valorações e decisões dos consumidores. Sem tal teoria cataláctica dos salários, nenhuma análise econômica do mercado pode ser completa e satisfatória do ponto de vista lógico. Não faz o menor sentido circunscrever as explicações catalácticas à determinação dos preços das mercadorias e às taxas de juros, e aceitar os salários como um dado histórico. Uma teoria econômica, digna desse nome, não se pode contentar com a afirmativa de que os salários são determinados por um “elemento de natureza histórica e moral”. A função mais importante da ciência econômica é precisamente a de explicar as relações de troca ocorridas nas transações de mercado como fenômenos de mercado cuja determinação está sujeita a uma regularidade na concatenação e sequência dos eventos. É exatamente isso que distingue a concepção econômica da compreensão histórica, que distingue a teoria da história.

Podemos facilmente examinar uma situação histórica na qual os salários sejam impostos ao mercado, pelo recurso à compulsão e à coerção. Tal fixação coercitiva dos salários é um traço marcante nas políticas intervencionistas de nosso tempo. Mas, em relação a esse estado de coisas, cabe à economia investigar as consequências provocadas por essa disparidade entre os dois salários: de um lado, o salário potencial que seria fixado no mercado livre pela interação da oferta e da procura por mão de obra; do outro lado, o salário imposto às partes contratantes pela compulsão e coerção, externas ao mercado.

É verdade que os assalariados estão convencidos de que os salários devem ser suficientes para, pelo menos, permitir que mantenham um padrão de vida compatível com a sua posição na hierarquia da escala social. Cada trabalhador individualmente tem a sua própria opinião sobre que reivindicações tem o direito de postular em função de “status”, “posição”, “tradição” e “costume”, da mesma maneira que tem opinião própria quanto à sua eficiência e à sua produtividade. Mas tais pretensões e tal julgamento em causa própria não têm qualquer relevância no que diz respeito à determinação dos salários. Não provocam o aumento nem a diminuição dos salários. O assalariado terá, às vezes, de se contentar com muito menos do que, em sua opinião, é adequado à sua posição e à sua eficiência. Se lhe é oferecido mais do que esperava, embolsa a diferença sem hesitação. A era do laissez-faire, quando deveria estar em plena vigência a lei de ferro e a doutrina marxista da determinação histórica dos salários, assistiu a uma progressiva, embora às vezes temporariamente interrompida, tendência de aumento dos salários reais. O padrão de vida dos assalariados elevou-se a um nível sem precedentes na história, nunca antes imaginado. Os sindicatos querem que os salários nominais aumentem pelo menos na mesma proporção da queda do poder aquisitivo da unidade monetária, de maneira a garantir que o padrão de vida dos assalariados não diminua. Julgam-se com esse direito, mesmo quando em tempo de guerra ou quando diante de medidas adotadas para financiarem o esforço de guerra; na opinião deles, nem a inflação, nem a carga fiscal, mesmo em tempo de guerra, deveriam afetar o salário líquido real dos assalariados. Essa doutrina implica tacitamente na tese do Manifesto comunista, segundo a qual “a classe trabalhadora não tem pátria” e não tem “nada a perder, a não ser os seus grilhões”; consequentemente, permaneceria neutra nas guerras empreendidas pelos exploradores burgueses e não se importaria se o seu país fosse vencedor ou vencido. Não cabe à economia analisar tais afirmativas. Cabe-lhe apenas proclamar o fato de que não importa qual seja a justificativa invocada em favor da imposição de salários maiores do que os que seriam determinados no mercado não obstruído. Se, em decorrência dessas reivindicações, os salários reais se elevam acima do nível compatível com a produtividade marginal dos vários tipos de trabalho em questão, as inevitáveis consequências surgirão, qualquer que seja a filosofia subjacente.

Rememorando a história do gênero humano desde a aurora da civilização até os nossos dias, pode-se dizer que, em termos gerais, a produtividade do trabalho multiplicou-se, uma vez que os membros de uma nação civilizada produzem hoje muito mais do que os seus ancestrais. Mas esse conceito de produtividade do trabalho em geral é desprovido de qualquer significação praxeológica ou cataláctica, e não é passível de ser expresso em termos numerários; ainda menos admissível é usá-lo para explicar os problemas de mercado.

O sindicalismo de nossos dias usa um conceito de produtividade do trabalho formulado deliberadamente com o propósito de fornecer uma justificativa ética às pretensões sindicais. Define produtividade como sendo o valor total de mercado, em termos de moeda, que é acrescido aos produtos em virtude do processo produtivo (seja de uma firma, de todas as firmas ou de um setor de atividade) dividido pelo número de trabalhadores empregados na respectiva produção, ou então, como sendo a produção (de uma firma ou de um setor) por homem/hora trabalhada. Comparando as grandezas assim calculadas para o início e o fim de um determinado período de tempo, denominam de “aumento de produtividade do trabalho” a diferença pela qual a segunda cifra supera a primeira; e proclamam que essa diferença, de direito, pertence inteiramente aos trabalhadores. Exigem que esse montante seja inteiramente acrescido aos salários que os trabalhadores recebiam no início do período. Diante dessas reivindicações dos sindicatos, os empregadores, em sua maior parte, não contestam a doutrina subjacente e não questionam o conceito de produtividade do trabalho adotado. Aceitam-no implicitamente ao salientar que os salários já aumentaram muito, ou até mesmo mais do que o aumento de produtividade calculado dessa maneira.

Ora, esse modo de calcular a produtividade do trabalho realizado pelos operários de uma firma ou de uma indústria é inteiramente falacioso. Mil homens trabalhando quarenta horas por semana numa moderna fábrica americana de sapatos produzem m pares de sapatos por mês. Mil homens trabalhando com as ferramentas antiquadas em pequenas oficinas em algum país subdesenvolvido da Ásia produzem, no mesmo período de tempo, mesmo trabalhando mais de quarenta horas por semana, muito menos do que m pares. A diferença de produtividade entre os Estados Unidos e a Ásia, calculada segundo o critério adotado pela doutrina sindical, é enorme. Certamente, essa diferença não pode ser imputada às virtudes inerentes ao trabalhador americano. Ele não é mais diligente, esmerado, habilidoso e inteligente que os asiáticos. (Podemos até mesmo admitir que os operários de uma fábrica moderna realizem tarefas bem mais simples do que as necessárias para fazer um sapato à mão usando-se apenas ferramentas antiquadas). A superioridade da fábrica americana se deve inteiramente à superioridade de seu equipamento e à maneira equilibrada com que o empresário a dirige. O que impede os empresários dos países atrasados de adotarem os métodos americanos de produção é a falta de capital acumulado e não qualquer insuficiência de seus trabalhadores.

No início da “revolução industrial”, as condições no Ocidente não eram muito diferentes do que são hoje no Oriente. A mudança radical de condições que propiciaram às massas o atual padrão de vida (um alto padrão, sem dúvida, quando comparado com o pré-capitalista ou com as condições soviéticas) é fruto do capital acumulado pela poupança, investido criteriosamente por um empresário competente. Nenhum progresso tecnológico teria sido possível se os bens de capital adicionais, necessários à utilização prática das novas invenções, já não estivessem disponíveis graças à poupança previamente realizada.

Embora os trabalhadores, na qualidade de trabalhadores, não tenham contribuído e nem contribuam ao aperfeiçoamento do sistema de produção, são eles (numa economia de mercado não sabotada pela interferência governamental ou pela violência sindical) os que mais se beneficiam do progresso material resultante, tanto na sua condição de trabalhadores como na de consumidores.

O que deslancha a cadeia de ações que resulta na melhoria das condições econômicas é a acumulação de novos capitais através da poupança. Esses recursos adicionais tornam possível a execução de projetos que, pela falta de bens de capital, não puderam ser executados anteriormente. Os empresários, ao procurarem adquirir os fatores de produção necessários à realização de novos projetos, competem com aqueles cujos projetos já estão em operação. No seu afã de conseguir a quantidade necessária de matéria prima e mão de obra, provocam uma alta de preços e de salários. Assim sendo, os assalariados, já no início do processo, se beneficiam com a abstenção de consumo praticada pelos poupadores. Mais adiante, no curso do processo, são novamente beneficiados, desta vez como consumidores, pela queda nos preços que o aumento de produção tende a provocar.[11]

A economia descreve assim o resultado final dessa cadeia de mudanças: um aumento do capital investido resulta, mantida estável a população economicamente ativa, num aumento da utilidade marginal do trabalho e, portanto, dos salários. O que eleva os salários é um crescimento do capital superior ao crescimento populacional, ou, em outras palavras, um aumento no capital investido per capita. No mercado livre, os salários tendem sempre a igualar a produtividade marginal de cada tipo de trabalho, ou seja, tendem a igualar o valor acrescido, ou subtraído, ao valor da produção correspondente à contratação, ou à dispensa, de um trabalhador. Por esse valor, todos os que desejarem encontrarão emprego, e todos os que precisarem contratar trabalhadores encontrarão tantos quantos queiram. Se os salários forem aumentados acima desse valor de mercado, será inevitável o desemprego de uma parte da força de trabalho; pouco importa qual seja a doutrina adotada para justificar a imposição de salários superiores aos salários que o mercado determinaria.

Os salários, em última análise, são determinados pelo valor que os concidadãos atribuem aos serviços prestados pelos assalariados. O trabalho é avaliado como uma mercadoria, não porque os empresários e os capitalistas sejam duros e insensíveis, mas porque estão incondicionalmente sujeitos à supremacia dos consumidores, cuja imensa maioria, hoje, é composta de assalariados. Os consumidores não estão dispostos a satisfazer a pretensão, a presunção e a vaidade de ninguém; querem ser servidos da maneira melhor e mais barata possível.

Uma comparação entre a explicação historicista dos salários e o teorema da regressão

Pode ser vantajoso comparar a doutrina marxista e da Escola Historicista Alemã, segundo a qual os salários são um dado histórico e não um fenômeno cataláctico, com o teorema da regressão do poder aquisitivo da moeda.[12]

O teorema da regressão estabelece o fato de que nenhum bem pode ser empregado como meio de troca, se no início mesmo de seu uso com esse propósito ele já não tivesse um valor de troca em virtude de suas outras utilizações. Este fato não afeta substancialmente o poder aquisitivo da moeda, determinado, no dia a dia, pela interação da oferta e demanda de moeda efetuada por aqueles que desejam mantê-la em caixa. O teorema da regressão não afirma que uma relação de troca qualquer entre moeda, de um lado, e mercadorias e serviços, de outro, seja um dado histórico, independente da situação do mercado. Explica apenas como um novo tipo de meio de troca pode vir a ser adotado e permanecer em uso. Somente nesse sentido reconhece que existe um componente histórico no poder aquisitivo da moeda.

As coisas se passam de maneira completamente diferente no caso da doutrina marxista e historicista. Segundo essas doutrinas, o atual nível de salários, tal como determinado no mercado, seria um dado histórico. As valorações dos consumidores, que indiretamente são os compradores de trabalho, e as dos assalariados, os vendedores de trabalho, não teriam a menor importância. Os salários, continua a doutrina, seriam fixados pelos eventos históricos do passado; não poderiam ir além, nem ficar aquém desse nível. O fato de que os salários são hoje maiores na Suíça do que na Índia só poderia ser explicado pela história, da mesma maneira que só a história pode explicar por que Napoleão I tornou-se um francês e não um italiano, um imperador e não um advogado corso. Seria inútil tentar explicar a diferença entre o salário de um pastor de ovelhas e o de um pedreiro, naqueles dois países, recorrendo-se a fatores que invariavelmente operam no mercado; para as doutrinas marxista e historicista, só a história dessas duas nações poderia fornecer uma explicação para essa diferença.

7. Efeitos da desutilidade do trabalho sobre a disponibilidade de mão de obra

As circunstâncias que fundamentalmente afetam a disponibilidade de mão de obra são:

1 — Um indivíduo só pode despender uma limitada quantidade de trabalho.

2 — Essa limitada quantidade de trabalho não pode ser realizada a qualquer momento. É indispensável que sejam intercalados períodos de descanso e de recreação.

3 — Os indivíduos não são capazes de realizar qualquer tipo de trabalho. Existem diferenças, tanto inatas como adquiridas, na aptidão para executar os diferentes tipos de trabalho. Certos tipos de trabalho requerem faculdades inatas que não podem ser adquiridas por meio de treinamento ou de ensino.

4 — A capacidade de trabalho deve ser convenientemente administrada para que não se deteriore ou desapareça de vez. São necessários cuidados especiais para preservar as aptidões de uma pessoa — tanto inatas como adquiridas — por tanto tempo quanto permite o inevitável declínio de suas forças vitais.

5 — Ao esgotar-se a capacidade de trabalho de um homem, tornando indispensável um período de recreação ou descanso, a fadiga prejudica a quantidade e a qualidade de seu desempenho.[13]

6 — Os homens preferem não trabalhar, ou seja, preferem o lazer ao trabalho; ou, no dizer dos economistas: eles atribuem desutilidade ao trabalho.

O homem autossuficiente, que trabalha em isolamento econômico para satisfazer as suas próprias necessidades, para de trabalhar no momento em que começa a preferir o lazer — a ausência de desutilidade do trabalho — ao incremento de satisfação que obteria com o prolongamento do trabalho. Tendo atendido suas necessidades mais urgentes, considera a satisfação de outras necessidades como menos desejável do que a satisfação do seu anseio por lazer.

O mesmo ocorre no caso dos assalariados. Eles também não estão dispostos a trabalhar até esgotar toda a sua capacidade de trabalho. Preferem parar de trabalhar no momento em que a gratificação mediata esperada já não supera a desutilidade do correspondente trabalho adicional.

A opinião popular, influenciada por atavismos e ofuscada por slogans marxistas, ainda não conseguiu perceber esse fato; considerava e ainda considera o assalariado como um servo, e os salários como o equivalente capitalista do mínimo de subsistência que o proprietário de escravos ou de gado tem que prover para os seus escravos ou para os seus animais. Segundo essa doutrina, o assalariado seria um homem que foi obrigado, pela sua pobreza, a aceitar a servidão. O formalismo dos advogados burgueses, continua a doutrina, denomina essa submissão de voluntária e interpreta a relação entre empregador e empregado como um contrato entre duas partes iguais. Na realidade, o trabalhador não seria livre, porque age sob coação; tem de se submeter ao jugo de uma virtual servidão, por não ter alternativa; o trabalhador seria o pária deserdado pela sociedade. Até mesmo o aparente direito de escolher o seu patrão seria uma farsa, porque o conluio tácito ou declarado entre os empregadores, fixando as condições de emprego de maneira uniforme, tornaria ilusória essa liberdade.

Para quem presume que os salários são mero reembolso das despesas do trabalhador com sua preservação e reprodução da força de trabalho, ou que o nível dos salários é fixado pela tradição, qualquer redução das obrigações impostas ao trabalhador por um contrato de trabalho será, logicamente, considerada um ganho unilateral do trabalhador. Se o nível dos salários não depende da quantidade e qualidade do desempenho, se o empregador não paga ao trabalhador o preço que o mercado atribui à sua contribuição, se o empregador não está adquirindo determinada quantidade e qualidade de trabalho, mas apenas comprando um escravo, se os salários são tão baixos que por razões naturais ou “históricas” não podem baixar mais, qualquer redução forçada da jornada de trabalho é um benefício para os assalariados. Se fosse assim, seria admissível considerar as leis que limitam as horas de trabalho como equivalentes aos decretos com que os governos europeus dos séculos XVII, XVIII e princípio do século XIX pouco a pouco reduziram e finalmente aboliram a corveia (trabalho obrigatório gratuito) que os camponeses eram obrigados a prestar aos senhores feudais, ou como equivalentes aos regulamentos que aliviaram a carga de trabalhos forçados dos condenados. Se fosse assim, a diminuição da jornada de trabalho provocada pelo industrialismo capitalista deveria ser considerada uma vitória dos explorados, os escravos assalariados, sobre o egoísmo impiedoso de seus exploradores. Todas as leis que impõem aos empregadores o dever de fazer determinados gastos em benefício dos empregados poderiam ser consideradas como “conquistas sociais”, ou seja, como generosidades para cuja obtenção os empregados não precisam fazer qualquer sacrifício.

Presume-se, geralmente, que a correção dessa doutrina está suficientemente demonstrada pelo fato de que o indivíduo assalariado influi muito pouco na fixação das condições do contrato de trabalho. As decisões relativas à duração da jornada de trabalho, trabalho aos domingos e feriados, o tempo estabelecido para almoço e muitas outras coisas são fixadas pelo empregador, sem consulta aos empregados. Presume-se, por isso, que o assalariado tem de escolher entre ceder a essas imposições ou morrer de fome.

O erro principal desse raciocínio já foi salientado nas seções precedentes. Os empregadores não demandam por trabalho em geral, mas por homens que sejam capazes de executar o tipo de trabalho de que necessitam. Um empresário, da mesma forma que procura escolher para a sua fábrica a localização, o equipamento e as matérias primas mais adequadas, também procura contratar os trabalhadores mais eficientes. Procura organizar as condições de trabalho de maneira a torná-las atrativas àqueles tipos de trabalhadores que pretende contratar. É verdade que o trabalhador individual tem pouco a dizer em relação a essas disposições. Elas são, como o próprio nível dos salários, como os preços das mercadorias e como a forma dos artigos produzidos para o consumo das massas, o resultado da interação de inúmeras pessoas participando no processo social do mercado. Nesse sentido, são fenômenos de massa sobre os quais pouco influem as atuações de um único indivíduo. Entretanto, é uma deturpação da verdade afirmar que o eleitor individual não tem influência pelo fato de serem necessários milhares ou mesmo milhões de votos para decidir uma eleição, ou que os votos dos eleitores não vinculados a qualquer partido sejam destituídos de importância. Mesmo que admitíssemos essa tese, só para argumentar, seria absurdo concluir que a substituição de processos democráticos por princípios totalitários faria com que os funcionários públicos fossem representantes mais genuínos do povo do que os designados por eleições. A contrapartida dessas fábulas autoritárias no campo da democracia econômica do mercado são as afirmativas de que o consumidor individual é impotente diante dos fornecedores, e de que o empregado individual é impotente diante dos empregadores. Evidentemente, não há de ser um gosto individual, diferente do da maioria, que irá determinar as características dos artigos produzidos para consumo das massas. Os termos dos contratos de trabalho prevalecentes em cada área ou setor da indústria são determinados pelo conjunto da massa trabalhadora e não pelo trabalhador individual. Se é costume almoçar entre meio-dia e uma hora, um trabalhador que prefira almoçar entre duas e três da tarde terá pouca chance de satisfazer seu desejo.

Neste caso, note-se bem, a pressão social a que está sujeito o indivíduo isolado não é exercida pelo empregador, mas pelos seus próprios companheiros de trabalho.

Os empregadores, na sua busca por trabalhadores adequados, são muitas vezes forçados a aceitar condições custosas e inconvenientes, quando não conseguem contratá-los em melhores termos. Em muitos países — alguns estigmatizados pelos anticapitalistas como países socialmente atrasados — os empregadores são obrigados a concordar com vários desejos dos trabalhadores motivados por considerações de ordem religiosa, de casta ou de condição social. São obrigados a ajustar horários de trabalho, feriados e muitos problemas técnicos em função desses desejos, por mais onerosos que sejam tais ajustes. Toda vez que um empregador solicita um trabalho especial considerado fatigante ou repulsivo pelos empregados, tem de pagar um valor suplementar para compensar a maior desutilidade a ser suportada pelo trabalhador.

Os termos do contrato de trabalho não se referem apenas a salários; abrangem todas as condições de trabalho. O trabalho em equipe nas fábricas e a interdependência das várias empresas tornam impossível o desvio das disposições habituais no país ou no setor considerado, resultando assim numa unificação e padronização dessas disposições. Mas esse fato não enfraquece nem elimina a contribuição dos empregados na sua elaboração. Para os trabalhadores individuais, são certamente um dado inalterável, como o é o horário dos trens para um viajante individual. Não obstante, ninguém seria capaz de sustentar que, ao elaborar o seu horário, a companhia não leve em consideração os desejos dos possíveis usuários; sua intenção é, precisamente, atendê-los da melhor maneira possível.

A interpretação da evolução do industrialismo moderno tem sido inteiramente pervertida pelo preconceito anticapitalista dos governos e dos escritores e historiadores professamente pró-trabalhistas. O aumento do salário real, a diminuição da jornada de trabalho, a eliminação do trabalho infantil e a restrição do trabalho das mulheres, dizem eles, são o resultado da interferência de governos e sindicatos e da pressão da opinião pública despertada por autores humanitários. Se não fosse essa interferência e essa pressão, os empresários e os capitalistas se teriam apropriado de todas as vantagens decorrentes do aumento do capital investido e do consequente aprimoramento tecnológico. Assim sendo, pensam eles, o aumento no padrão de vida dos assalariados foi conseguido às custas da diminuição da renda “não ganha” dos capitalistas, empresários e proprietários de terra. Tais políticas, que beneficiam a muitos às custas tão somente de uns poucos exploradores egoístas, deveriam ter prosseguimento para reduzir cada vez mais os ganhos injustos das classes proprietárias.

A falsidade dessa interpretação é óbvia. Todas as medidas que restringem a oferta de trabalho oneram, direta ou indiretamente, os capitalistas, na medida em que aumentam a produtividade marginal do trabalho e reduzem a produtividade marginal dos fatores de produção. Ao restringirem a quantidade de trabalho sem reduzir a quantidade de capital, aumentam a parcela do produto líquido total que corresponde aos assalariados. Mas esse produto líquido total também sofrerá uma redução e, dependendo das condições específicas de cada caso, a maior quota-parte de um bolo menor poderá ser maior ou menor do que a quota-parte relativamente menor de um bolo maior. Os lucros e a taxa de juros não são diretamente afetados pela redução da quantidade total de trabalho. Os preços dos fatores materiais de produção diminuem e aumentam os salários por unidade produzida pelo trabalhador individual (o que não quer dizer que necessariamente aumente o salário per capita dos trabalhadores empregados). Os preços dos produtos também aumentam. Se todas essas mudanças resultam numa melhoria ou numa deterioração da renda média dos assalariados, é, como já foi dito, uma questão que depende das circunstâncias de cada caso.

Mas a suposição de que tais medidas não afetam a quantidade de fatores materiais de produção é inadmissível. A redução da jornada de trabalho, a restrição ao trabalho noturno e ao emprego de certos grupos de pessoas impedem a utilização plena de uma parte do equipamento disponível e equivalem a uma diminuição na quantidade de capital. Essa diminuição dos bens de capital existentes pode anular inteiramente o aumento potencial da produtividade marginal do trabalho em relação à produtividade marginal dos bens de capital.

Se, concomitantemente com a redução compulsória da jornada de trabalho, as autoridades ou os sindicatos proíbem uma correspondente redução dos salários que o funcionamento do mercado provocaria, ou se instituições já existentes impedem essa redução, a consequência será a mesma que resultaria de qualquer tentativa de manter os salários num nível superior ao determinado pelo mercado: desemprego institucional.

A história do capitalismo no mundo ocidental, nos últimos duzentos anos, registra um firme e constante aumento no padrão de vida dos assalariados. O traço característico do capitalismo é a produção em massa para consumo das massas, dirigida por indivíduos mais ativos e mais lúcidos que, persistentemente, procuram aprimorar os produtos de sua fabricação. Sua força motriz é o lucro, para cuja efetivação o empresário é constantemente obrigado a fornecer aos consumidores produtos em maior quantidade, de melhor qualidade e por um menor preço. Um excedente de lucros sobre prejuízos só existe numa economia em desenvolvimento e somente na medida em que o padrão de vida das massas melhora.[14] Por isso, o capitalismo é o sistema no qual as mentes mais ágeis e mais penetrantes são forçadas a usar toda a sua competência para promover o bem-estar de uma maioria apática.

A comparação de experiências históricas não pode ser feita pela recorrência a medições. A moeda, não sendo um padrão de valor e de satisfação de desejos, não pode ser usada para comparar o nível de vida das pessoas em épocas diferentes. Apesar disso, todo historiador, cujo julgamento não esteja obnubilado por preconceitos românticos, concorda com o fato de que o capitalismo multiplicou a existência de bens de capital em proporção muito superior ao aumento da população no mesmo período. O capital hoje existente, tanto per capita da população total como per capita da população economicamente ativa, é imensamente maior do que há cinquenta, cem ou duzentos anos atrás. Concomitantemente, houve um enorme aumento na parcela, recebida pelos assalariados, do conjunto total de mercadorias produzidas, conjunto esse que é muito maior do que no passado. O decorrente aumento no padrão de vida das massas pode ser considerado milagroso quando comparado às condições de épocas anteriores. Naqueles bons velhos tempos, mesmo as pessoas abastadas levavam uma vida que pode ser considerada miserável se comparada com o padrão médio de um trabalhador americano ou australiano dos nossos dias. O capitalismo — diz Marx, sem se dar conta de que repetia os argumentos dos que faziam o panegírico da Idade Média – tem uma tendência inevitável de empobrecer cada vez mais os trabalhadores. A verdade é que o capitalismo despejou uma cornucópia de abundância sobre as massas de assalariados, que, não raro, fizeram todo o possível para sabotar a adoção daquelas inovações que tornariam suas vidas bem mais agradáveis. Como se sentiria mal um trabalhador americano se fosse forçado a viver como vivia um lorde medieval, sem água corrente, esgoto, calefação, instalações elétricas e outras comodidades cuja existência é hoje considerada fato natural!

A melhoria do bem-estar material do trabalhador modificou o valor por ele atribuído ao lazer. Tendo hoje ao seu alcance um maior número de comodidades, mais rapidamente chega ao ponto em que considera qualquer incremento na desutilidade do trabalho como um mal que já não é superado por qualquer novo incremento na remuneração do seu trabalho.

Prefere diminuir a jornada de trabalho e poupar sua mulher e seus filhos dos dissabores do trabalho remunerado. Não foi a legislação trabalhista nem a pressão sindical que diminuiu a jornada de trabalho e tirou as mulheres e crianças das fábricas; foi o capitalismo que tornou o assalariado mais próspero, a ponto de lhe permitir mais tempo de lazer para si mesmo e para os seus dependentes. A legislação trabalhista do século XIX não fez mais do que ratificar as mudanças que a interação dos fatores do mercado já tinham provocado previamente. Quando, às vezes, a legislação se adiantou à evolução industrial, o rápido crescimento econômico compensou os efeitos desfavoráveis que tal precipitação, não fora isso, teria provocado. Essas leis, pretensamente favoráveis aos trabalhadores, quando estabeleceram medidas que não eram apenas uma ratificação de mudanças já ocorridas ou uma antecipação de mudanças que iriam ocorrer no futuro próximo, trouxeram mais prejuízos do que benefícios aos trabalhadores.

A expressão “conquistas sociais” é inteiramente ilusória. Se a lei obriga os trabalhadores que prefeririam trabalhar 46 horas por semana a não trabalhar mais do que 40 horas, ou se força os empregadores a efetuarem determinados gastos em benefício dos empregados, não está favorecendo os empregados às custas dos empregadores. Quaisquer que sejam as disposições da legislação social, sua incidência, em última análise, recai sobre o próprio empregado e não sobre o empregador. Afetam o montante do salário líquido. Se aumentam o preço que o empregador tem de pagar por unidade de desempenho acima do que seria o seu valor de mercado, criam desemprego institucional. A legislação social não impõe aos empregadores a obrigação de pagar mais pelo trabalho; impõe aos assalariados uma restrição quanto ao livre emprego de seus ganhos totais. Restringe a liberdade que o trabalhador deveria ter para organizar seus gastos segundo suas próprias decisões.

A conveniência de ser implantado um sistema de legislação social é, essencialmente, uma questão política. Pode-se tentar justificá-lo dizendo-se que aos assalariados falta o discernimento e a força moral para cuidar do seu próprio futuro. Mas, se for assim, como contestar aqueles que perguntam se não seria um paradoxo colocar o destino da nação nas mãos de eleitores que a própria lei considera incapazes de cuidar dos seus próprios interesses? Como responder àqueles que dizem ser um absurdo o fato de todo poder emanar de pessoas que precisam de um tutor para impedi-las de gastar totalmente sua própria renda? Seria razoável atribuir ao tutelado o direito de escolher o tutor? O fato de a Alemanha, país onde primeiro se implantou um sistema de legislação social, ter sido o berço das duas variedades modernas de detração da democracia — a marxista assim como a não marxista — não é acidental.

Consideração quanto à interpretação popular da “Revolução Industrial”

Costuma-se dizer que a história do industrialismo moderno, e especialmente a história da “Revolução Industrial” na Inglaterra, constitui uma evidência empírica da procedência da doutrina denominada “realista” ou “institucional”, e refuta inteiramente o dogmatismo “abstrato dos economistas”.[15]

Os economistas negam categoricamente que os sindicatos e a legislação trabalhista possam e tenham beneficiado a classe dos assalariados e elevado o seu padrão de vida de forma duradoura. Mas, dizem os antieconomistas, os fatos refutaram essas ideias capciosas.

Segundo eles, os governantes e legisladores que regulamentaram as relações trabalhistas revelaram possuir uma melhor percepção da realidade do que os economistas. Enquanto a filosofia do laissez-faire, sem piedade nem compaixão, pregava que o sofrimento das massas era inevitável, o bom senso dos leigos em economia conseguia terminar com os piores excessos dos empresários ávidos de lucro. A melhoria da situação dos trabalhadores se deve, pensam eles, inteiramente à intervenção dos governos e à pressão sindical.

São essas ideias que impregnam a maior parte dos estudos históricos que tratam da evolução do industrialismo moderno. Os autores começam esboçando uma imagem idílica das condições prevalecentes no período que antecedeu a “Revolução Industrial”. Naquele tempo, dizem eles, as coisas eram, de maneira geral, satisfatórias. Os camponeses eram felizes. Os artesãos também o eram, com a sua produção doméstica; trabalhavam nos seus chalés e gozavam de certa independência, uma vez que possuíam um pedaço de jardim e suas próprias ferramentas. Mas, aí, “a Revolução Industrial caiu como uma guerra ou uma praga” sobre essas pessoas.[16] O sistema fabril transformou o trabalhador livre em virtual escravo; reduziu o seu padrão de vida ao mínimo de sobrevivência; abarrotando as fábricas com mulheres e crianças, destruiu a vida familiar e solapou as fundações da sociedade, da moralidade e da saúde pública. Uma pequena minoria de exploradores impiedosos conseguiu habilmente subjugar a imensa maioria.

A verdade é que as condições no período que antecedeu à Revolução Industrial eram bastante insatisfatórias. O sistema social tradicional não era suficientemente elástico para atender às necessidades de uma população em contínuo crescimento. Nem a agricultura nem as guildas conseguiam absorver a mão de obra adicional. A vida mercantil estava impregnada de privilégios e monopólios; seus instrumentos institucionais eram as licenças e as cartas patentes; sua filosofia era a restrição e a proibição de competição, tanto interna como externa.

O número de pessoas à margem do rígido sistema paternalista de tutela governamental cresceu rapidamente; eram virtualmente párias. A maior parte delas vivia, apática e miseravelmente, das migalhas que caíam das mesas das castas privilegiadas. Na época da colheita, ganhavam uma ninharia por um trabalho ocasional nas fazendas; no mais, dependiam da caridade privada e da assistência pública municipal. Milhares dos mais vigorosos jovens desse estrato social alistavam-se no exército ou na marinha de Sua Majestade; muitos deles morriam ou voltavam mutilados dos combates; muitos mais morriam, sem glória, em virtude da dureza de uma bárbara disciplina, de doenças tropicais e de sífilis.[17]

Milhares de outros, os mais audaciosos e mais brutais, infestavam o país vivendo como vagabundos, mendigos, andarilhos, ladrões e prostitutos. As autoridades não sabiam o que fazer com esses indivíduos, a não ser interná-los em asilos ou casas de correção. O apoio que o governo dava ao preconceito popular contra a introdução de novas invenções e de dispositivos que economizassem trabalho dificultava as coisas ainda mais.

O sistema fabril desenvolveu-se, tendo de lutar incessantemente contra inúmeros obstáculos. Teve de combater o preconceito popular, os velhos costumes tradicionais, as normas e regulamentos vigentes, a má vontade das autoridades, os interesses estabelecidos dos grupos privilegiados, a inveja das guildas. O capital fixo das firmas individuais era insuficiente, a obtenção de crédito extremamente difícil e cara. Faltava experiência tecnológica e comercial. A maior parte dos proprietários de fábricas foi à bancarrota; comparativamente, foram poucos os bem-sucedidos. Os lucros, às vezes, eram consideráveis, mas as perdas também o eram. Foram necessárias muitas décadas para que se estabelecesse o costume de reinvestir a maior parte dos lucros e a consequente acumulação de capital possibilitasse a produção em maior escala.

A prosperidade das fábricas, apesar de todos esses entraves, pode ser atribuída a duas razões. Em primeiro lugar, aos ensinamentos da nova filosofia social que os economistas começavam a explicar e que demolia o prestígio do mercantilismo, do paternalismo e do restricionismo. A crença supersticiosa de que os equipamentos e processos economizadores de mão de obra causavam desemprego e condenavam as pessoas ao empobrecimento foi amplamente refutada. Os economistas do laissez-faire foram os pioneiros do progresso tecnológico sem precedentes dos últimos duzentos anos.

Um segundo fator contribuiu para enfraquecer a oposição às inovações. As fábricas aliviaram as autoridades e a aristocracia rural de um embaraçoso problema que estas já não tinham como resolver. As novas instalações fabris proporcionavam trabalho às massas pobres que, dessa maneira, podiam ganhar seu sustento; esvaziaram os asilos, as casas de correção e as prisões. Converteram mendigos famintos em pessoas capazes de ganhar o seu próprio pão.[18]

Os proprietários das fábricas não tinham poderes para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos. Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar. É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos. Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos. Essas crianças estavam carentes e famintas. Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.

É deplorável que tal situação existisse. Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la. O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem dos “bons velhos tempos”.

Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial. A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.

A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente. Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente -, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.

A ideologia do laissez-faire e sua consequência, a “Revolução Industrial”, destruíram as barreiras ideológicas e institucionais que impediam o progresso e o bem-estar. Demoliram a ordem social na qual um número cada vez maior de pessoas estava condenado a uma pobreza e a uma penúria humilhantes. A produção artesanal das épocas anteriores abastecia quase que exclusivamente os mais ricos. Sua expansão estava limitada pelo volume de produtos de luxo que o estrato mais rico da população pudesse comprar. Quem não estivesse engajado na produção de bens primários só poderia ganhar a vida se as classes superiores estivessem dispostas a utilizar os seus serviços ou o seu talento. Mas eis que surge um novo princípio: com o sistema fabril, tinha início um novo modo de comercialização e de produção.

Sua característica principal consistia no fato de que os artigos produzidos não se destinavam apenas ao consumo dos mais abastados, mas ao consumo daqueles cujo papel como consumidores era, até então, insignificante. Coisas baratas, ao alcance do maior número possível de pessoas, era o objetivo do sistema fabril. A indústria típica dos primeiros tempos da Revolução Industrial era a tecelagem de algodão. Ora, os artigos de algodão não se destinavam aos mais abastados. Os ricos preferiam a seda, o linho, a cambraia. Sempre que a fábrica, com os seus métodos de produção mecanizada, invadia um novo setor de produção, começava fabricando artigos baratos para consumo das massas. As fábricas só se voltaram para a produção de artigos mais refinados, e portanto mais caros, num estágio posterior, quando a melhoria sem precedentes no padrão de vida das massas tornou viável a aplicação dos métodos de produção em massa também aos artigos melhores. Assim, por exemplo, os sapatos fabricados em série eram comprados apenas pelos “proletários”, enquanto os consumidores mais ricos continuavam a encomendar sapatos sob medida. As tão malfaladas fábricas que exploravam os trabalhadores, exigindo-lhes trabalho excessivo e pagando-lhes salário de fome, não produziam roupas para os ricos, mas para pessoas cujos recursos eram modestos. Os homens e mulheres elegantes preferiam, e ainda preferem, ternos e vestidos feitos pelo alfaiate e pela costureira.

O fato marcante da Revolução Industrial foi o de ela ter iniciado uma era de produção em massa para atender às necessidades das massas. Os assalariados já não são mais pessoas mourejando para proporcionar o bem-estar de outras pessoas; são eles mesmos os maiores consumidores dos produtos que as fábricas produzem. A grande empresa depende do consumo de massa. Não há atualmente na América uma só grande empresa que não atenda aos desejos das massas. A própria essência da atividade empresarial capitalista é a de prover para o homem comum. Na qualidade de consumidor, o homem comum é o soberano que, ao comprar ou ao se abster de comprar, decide os rumos da atividade empresarial. Na economia de mercado não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza, a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.

Ofuscados por seus preconceitos, muitos historiadores e escritores não chegam a perceber esse fato fundamental. Segundo eles, os assalariados mourejam em benefício de outras pessoas. Nunca questionaram quem são essas “outras” pessoas.

O Sr. e a Sra. Hammond nos dizem que os trabalhadores eram mais felizes em 1760 do que em 1830.[19] Trata-se de um julgamento de valor arbitrário. Não há meio de comparar e medir a felicidade de pessoas diferentes, nem da mesma pessoa em momentos diferentes.

Podemos admitir, só para argumentar, que um indivíduo nascido em 1740 estivesse mais feliz em 1760 do que em 1830. Mas não nos esqueçamos de que em 1770 (segundo estimativa de Arthur Young) a Inglaterra tinha 8,5 milhões de habitantes, enquanto que em 1830 (segundo o recenseamento) a população era de 16 milhões.[20] Esse aumento notável se deve principalmente à Revolução Industrial. Em relação a esses milhões de ingleses adicionais, as afirmativas dos eminentes historiadores só podem ser aprovadas por aqueles que endossam os melancólicos versos de Sófocles: “Não ter nascido é, sem dúvida, o melhor; mas para o homem que chega a ver a luz do dia, o melhor mesmo é voltar rapidamente ao lugar de onde veio”.

Os primeiros industriais foram, em sua maioria, homens oriundos da mesma classe social que os seus operários. Viviam muito modestamente, gastavam no consumo familiar apenas uma parte dos seus ganhos e reinvestiam o resto no seu negócio. Mas, à medida que os empresários enriqueciam, seus filhos começaram a frequentar os círculos da classe dominante. Os cavalheiros de alta linhagem invejavam a riqueza dos parvenus e se indignavam com a simpatia que estes devotavam às reformas que estavam ocorrendo. Revidaram investigando as condições morais e materiais de trabalho nas fábricas e editando a legislação trabalhista.

A história do capitalismo na Inglaterra, assim como em todos os outros países capitalistas, é o registro de uma tendência incessante de melhoria do padrão de vida dos assalariados. Essa evolução coincidiu, por um lado, com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a difusão do sindicalismo, e, por outro, com o aumento da produtividade marginal. Os economistas afirmam que a melhoria nas condições materiais dos trabalhadores se deve ao aumento da quota de capital investido per capita e ao progresso tecnológico decorrente desse capital adicional. A legislação trabalhista e a pressão sindical, na medida em que não impunham a concessão de vantagens superiores àquelas que os trabalhadores teriam de qualquer maneira, em virtude de a acumulação de capital se processar em ritmo maior do que o aumento populacional, eram supérfluas. Na medida em que ultrapassaram esses limites, foram danosas aos interesses das massas. Atrasaram a acumulação de capital, diminuindo assim o ritmo de crescimento da produtividade marginal e dos salários. Privilegiaram alguns grupos de assalariados às custas de outros grupos. Criaram o desemprego em grande escala e diminuíram a quantidade de produtos que os trabalhadores, como consumidores, teriam à sua disposição.

Os defensores da intervenção do governo na economia e do sindicalismo atribuem toda melhoria da situação dos trabalhadores às ações dos governos e dos sindicatos. Se não fosse por isso, dizem eles, o padrão de vida atual dos trabalhadores não seria maior do que nos primeiros anos da Revolução Industrial.

Certamente essa controvérsia não pode ser resolvida pela simples recorrência à experiência histórica. Os dois grupos não têm divergências quanto a quais tenham sido os fatos ocorridos. Seu antagonismo diz respeito à interpretação desses fatos, e essa interpretação depende da teoria escolhida. As considerações de natureza lógica ou epistemológica que determinam a correção ou a falsidade de uma teoria são, lógica e temporalmente, antecedentes à elucidação do problema histórico em questão. Os fatos históricos, por si só, não provam nem refutam uma teoria. Precisam ser interpretados à luz da compreensão teórica.

A maioria dos autores que escreveu sobre a história das condições de trabalho no sistema capitalista era ignorante em economia e disso se vangloriava. Entretanto, tal desprezo por um raciocínio econômico bem fundado não significa que esses autores tenham abordado o tema dos seus estudos sem preconceitos e sem preferência por uma determinada teoria; na realidade, estavam sendo guiados pelas falácias tão difundidas que atribuem onipotência ao governo e consideram a atividade sindical como uma bênção. Ninguém pode negar que os Webbs, assim como Lujo Brentano e uma legião de outros autores menores, estavam, desde o início de seus estudos, imbuídos de uma aversão fanática pela economia de mercado e de uma entusiástica admiração pelas doutrinas socialistas e intervencionistas. Foram certamente honestos e sinceros nas suas convicções e deram o melhor de si. Sua sinceridade e probidade podem eximi-los como indivíduos; mas não os eximem como historiadores. As intenções de um historiador, por mais puras que sejam, não justificam a adoção de doutrinas falaciosas. O primeiro dever de um historiador é o de examinar com o maior rigor todas as doutrinas a que recorrerá para elaborar suas interpretações históricas. Se negligencia fazê-lo e adota ingenuamente as ideias deformadas e confusas que têm grande aceitação popular, deixa de ser um historiador e passa a ser um apologista e um propagandista.

O antagonismo entre esses dois pontos de vista contrários não é apenas um problema histórico: está intimamente ligado aos problemas mais candentes da atualidade. É a razão da controvérsia naquilo que se denomina hoje, na América, de relações industriais.

Salientemos apenas um aspecto da questão: em vastas regiões — Ásia Oriental, Índias Orientais, sul e sudeste da Europa, América Latina — a influência do capitalismo moderno é apenas superficial. A situação nesses países, de uma maneira geral, não difere muito da que prevalecia na Inglaterra no início da “Revolução Industrial”. Existem milhões de pessoas que não encontram um lugar seguro no sistema econômico vigente. Só a industrialização pode melhorar a sorte desses desafortunados; para isso, o que mais necessitam é de empresários e de capitalistas. Como políticas insensatas privaram essas nações do benefício que a importação de capitais estrangeiros até então lhes proporcionava, precisam proceder à acumulação de capitais domésticos. Precisam percorrer todos os estágios pelos quais a industrialização do Ocidente teve de passar. Precisam começar com salários relativamente baixos e com longas jornadas de trabalho. Mas, iludidos pelas doutrinas prevalecentes hoje em dia na Europa Ocidental e na América do Norte, seus dirigentes pensam que poderão conseguí-lo de outra maneira. Encorajam a pressão sindical e promovem uma legislação pretensamente favorável aos trabalhadores. Seu radicalismo intervencionista mata no nascedouro a criação de uma indústria doméstica. Seu dogmatismo obstinado tem como consequência a desgraça dos trabalhadores braçais indianos e chineses, dos peões mexicanos e de milhões de outras pessoas que se debatem desesperadamente para não morrer de fome.

8. Os efeitos das vicissitudes do mercado sobre os salários

O trabalho é um fator de produção. O preço que o vendedor de trabalho pode obter no mercado depende das circunstâncias do mercado.

A qualidade e a quantidade de trabalho que um indivíduo está apto a fornecer são limitadas pelas suas características inatas ou adquiridas. As habilidades inatas não podem ser alteradas por meio de uma conduta que tenha esse propósito. São a herança do indivíduo, que lhe foi legada pelos seus ancestrais no dia do seu nascimento. Ele pode fazer bom uso dessa dádiva, cultivar os seus talentos e evitar que se esvaneçam prematuramente; mas não pode ultrapassar os limites que a natureza impôs às suas forças e à sua habilidade. Pode revelar um maior ou menor talento para vender a sua capacidade de trabalho pelo maior preço possível nas condições vigentes no mercado; mas não pode mudar sua natureza de forma a ajustá-la melhor às circunstâncias do mercado. Pode considerar-se um sujeito de sorte, se as condições do mercado forem tais que as suas aptidões sejam esplendidamente remuneradas; o fato de que seus talentos inatos sejam altamente apreciados por seus contemporâneos depende da chance, e não do mérito pessoal. Greta Garbo teria ganho muito menos do que ganhou se tivesse vivido cem anos antes da era do cinema. No que concerne aos seus talentos inatos, ela está na mesma posição de um fazendeiro cuja fazenda pode ser vendida por um preço elevado porque a expansão de uma cidade próxima converteu-a em área urbana.

Nos estritos limites das suas habilidades inatas, a capacidade de trabalho de um homem pode ser aprimorada, por meio de treinamento, para realização de determinadas tarefas. O indivíduo ou seus pais fazem despesas com um treinamento a fim de adquirir a aptidão necessária à realização de certos tipos de trabalho. Essa aprendizagem e esse treinamento aprimoram algumas características do indivíduo; fazem dele um especialista.

Todo treinamento especializado aumenta o caráter específico da capacidade de trabalho de um homem. O trabalho e a preocupação, a desutilidade do esforço feito para adquirir uma habilidade especial, os ganhos não realizados durante o período de treinamento, os gastos incorridos, tudo isso o homem suporta na expectativa de que um futuro aumento de seus ganhos compense esses inconvenientes. Tais dispêndios são um investimento e, consequentemente, uma especulação. Que tenha valido a pena fazê-lo, ou não, depende da futura configuração do mercado; só a partir de então será possível dizer se o investimento deu lucro ou prejuízo. Ao se treinar, o trabalhador se torna um especulador e um empresário.

Portanto, o assalariado tem dois tipos de interesse pré-estabelecidos: o interesse que decorre do fato de possuir determinadas qualidades inatas e o que decorre da circunstância de ter adquirido determinadas aptidões.

O assalariado vende o seu trabalho no mercado pelo preço que o mercado, em cada caso e a cada dia, lhe permite. Na construção imaginária da economia uniformemente circular, a soma dos preços que o empresário tem que pagar por todos os fatores complementares de produção deve ser igual — levando-se devidamente em conta a preferência temporal — ao preço do produto. Numa economia real, as mudanças no mercado provocam diferenças entre essas duas grandezas. Os lucros e perdas daí decorrentes não afetam o assalariado; recaem exclusivamente sobre o empregador. A incerteza do futuro só afeta o empregado no que diz respeito aos seguintes itens:

1 — Os dispêndios em tempo, desutilidade e dinheiro efetuados para treinamento.

2 — As despesas incorridas com a mudança de residência em virtude de mudança do local de trabalho.

3- No caso de um contrato de trabalho por um determinado período de tempo, as mudanças no preço do tipo específico de trabalho ocorridas nesse meio tempo e mudanças na solvência do empregador.

9. O mercado de trabalho

Denomina-se salário o preço pago pelo fator de produção trabalho humano. Como ocorre com os demais preços de fatores complementares de produção, seu nível, em última análise, é determinado pelos preços que se espera obter pelos produtos no momento em que o trabalho é comprado e vendido. Pouco importa se quem executa o trabalho vende os seus serviços a um empregador que os combina com os outros fatores materiais de produção e com os serviços de outras pessoas, ou se ele mesmo se engaja, por sua conta e risco, na tarefa de combinar os fatores de produção. O preço final do trabalho de uma mesma qualidade é, de qualquer forma, o mesmo no sistema de mercado. Os salários são sempre iguais ao valor do fruto do trabalho. O slogan popular segundo o qual “os trabalhadores têm direito a todo o fruto do seu trabalho” não é mais do que uma formulação absurda da pretensão de que os bens de consumo sejam distribuídos exclusivamente entre os trabalhadores, sem que nada caiba aos empresários e aos proprietários dos fatores materiais de produção. As mercadorias não podem, jamais, ser consideradas como produto exclusivo do trabalho; são o resultado da combinação intencional de trabalho com fatores materiais de produção.

Na economia cambiante, os salários de mercado tendem constantemente a se ajustar ao nível dos correspondentes salários finais. Esse ajustamento é um processo que absorve tempo. A extensão do período desse ajustamento depende do tempo necessário ao treinamento de operários para os novos empregos e à migração dos mesmos para novos locais de residência. Depende também de fatores subjetivos, como, por exemplo, o grau de informação e conhecimento dos trabalhadores em relação às condições e perspectivas do mercado de trabalho. Esse ajustamento é um risco especulativo na medida em que o treinamento para novo tipo de trabalho e a mudança de residência envolvem gastos que só serão efetuados por quem acredita que a futura situação do mercado de trabalho será compensadora.

Em relação a todas essas coisas, não há nada que seja uma característica exclusiva do trabalho, dos salários e do mercado de trabalho. O que dá uma feição particular ao mercado de trabalho é o fato de que o trabalhador não é apenas um fornecedor do fator de produção de trabalho, mas, também, um ser humano, e que é impossível separar o homem de sua performance. Várias referências a esse fato têm sido feitas em discursos extravagantes que tentam impugnar os ensinamentos da economia em matéria de salários. Não obstante, tais disparates não devem impedir a economia de dar a devida atenção a esse fato primordial. Para o trabalhador, são questões da maior importância: o tipo de trabalho a escolher entre as alternativas de que dispõe; onde executá-lo; e em que condições e circunstâncias. Um observador insensível pode achar que as ideias e sentimentos que influenciam um trabalhador na escolha do tipo, local e condições de trabalho sejam meros preconceitos inúteis ou até mesmo ridículos. Entretanto, tais considerações acadêmicas, mesmo se feitas com imparcialidade, são desprovidas de interesse. Para um exame econômico desses problemas, não há nada de especialmente extraordinário no fato de o trabalhador considerar o esforço e a preocupação decorrentes do seu trabalho e de sua remuneração mediata, mas também do ponto de vista da interferência das condições e circunstâncias especiais de seu desempenho com o seu prazer de viver. O fato de que um trabalhador esteja disposto a renunciar à oportunidade de aumentar os seus ganhos para não ter de mudar-se para um lugar que considere menos desejável, e de que prefira ficar no local ou no país onde nasceu, é uma conduta ditada pelas mesmas considerações que fazem com que uma pessoa rica e distinta, sem ocupação, prefira a vida mais cara da capital à vida mais barata da cidade do interior. O trabalhador e o consumidor são a mesma pessoa; a divisão dessa unidade em duas funções sociais é mero fruto do raciocínio econômico. Os homens não podem separar as decisões relativas à utilização de sua capacidade de trabalho daquelas relativas ao desfrute de seus ganhos.

A descendência, a língua, a educação, a religião, a mentalidade, os laços de família e o meio social influem de tal maneira sobre o trabalhador, que a escolha do tipo e do local de trabalho não dependem apenas do nível da remuneração.

Podemos denominar de salário-base (S) o salário que, para cada tipo de trabalho, prevaleceria no mercado se os trabalhadores não discriminassem entre os vários locais e, para salários iguais, não preferissem um local em detrimento de outro. Se, entretanto, os trabalhadores, pelas considerações acima, valoram diferentemente o trabalho em locais diferentes, o salário de mercado (M) não coincidirá com o salário base (S). Denominemos de componente A a diferença máxima entre o salário de mercado e o salário-base ainda incapaz de provocar a migração de trabalhadores dos locais de menor salário de mercado para os de maior salário de mercado. O componente A de uma determinada região geográfica ou de um local específico pode ser positivo ou negativo.

Consideremos ainda que as várias regiões ou locais diferem no que concerne ao aprovisionamento de bens de consumo, em função do seu custo de transporte (no sentido mais abrangente do termo). Esses custos são menores em algumas áreas, maiores em outras. Além disso, existem diferenças em relação aos dispêndios materiais necessários para obter um mesmo grau de satisfação material. O homem, para conseguir idêntica satisfação, deverá gastar mais num local do que em outro, independentemente das circunstâncias que determinam o valor do componente A; ou, dito de outra forma, existem locais onde um homem pode evitar certos gastos, sem que isso implique uma redução da satisfação de seus desejos. Denominemos de componente de custo (C) as despesas nas quais um trabalhador terá de incorrer, em certos locais, para alcançar um mesmo grau de satisfação de seus desejos, ou que poderá poupar sem diminuir a satisfação de seus desejos. O componente de custo de uma determinada região geográfica ou de um local específico pode ser positivo ou negativo.

Se supusermos que não existem barreiras institucionais impedindo ou penalizando a transferência de bens de capital, de trabalhadores e de mercadorias de um local ou de uma região para outra, e que aos trabalhadores seja indiferente o local onde moram e trabalham, prevalecerá uma tendência de distribuição da população sobre a superfície da terra segundo a produtividade física dos fatores naturais de produção e a imobilização dos fatores de produção inconversíveis efetuada no passado. Haverá, se não considerarmos o componente de custo (C), uma tendência de equalização dos salários, para o mesmo tipo de serviço, sobre toda a superfície da terra.

Seria admissível qualificar de relativamente superpovoada uma região na qual o salário de mercado acrescido do componente de custo (positivo ou negativo) fosse menor do que o salário-base, e de relativamente subpovoada uma região na qual o salário de mercado acrescido do componente de custo (positivo ou negativo) fosse maior do que o salário-base.

Mas essa definição não seria adequada; não explicaria as condições reais de formação dos salários nem a conduta dos assalariados. É melhor adotar outra definição. Podemos qualificar de relativamente superpovoada uma região na qual os salários de mercado são menores do que os salários-base acrescidos de ambos os componentes A e C (positivos ou negativos), isto é, onde M<(S + A + C). Da mesma forma, qualificaremos de relativamente subpovoada uma região na qual M > (S + A + C). Na ausência de barreiras institucionais à migração, os trabalhadores se deslocarão das regiões relativamente superpovoadas para as regiões relativamente subpovoadas, até que, por toda parte, M = S + A + C.

O mesmo também se aplica, mutatis mutandis, em relação à migração de indivíduos que trabalham por conta própria e vendem seu trabalho, alienando os produtos de sua fabricação ou prestando serviços pessoais. Os conceitos relativos aos dois componentes acima referidos se aplicam da mesma forma às mudanças de setor de atividade ou de profissão.

É quase desnecessário acrescentar que as migrações em questão só podem ocorrer na medida em que não haja barreiras institucionais à mobilidade de capital, de trabalho e de mercadorias. Na época atual, de desintegração da divisão internacional do trabalho, em que todas as nações buscam a autossuficiência econômica, tais migrações só podem ocorrer em sua plenitude dentro das fronteiras de cada país.

O trabalho dos animais e dos escravos

Para os homens, os animais são um fator material de produção. Pode ser que um dia uma mudança nos sentimentos morais induza as pessoas a tratarem os animais mais delicadamente. Entretanto, enquanto os animais não forem deixados em paz e em liberdade, os homens os considerarão como simples instrumentos de sua própria ação. A cooperação social só existe entre seres humanos porque só eles são capazes de perceber o significado e as vantagens da divisão do trabalho e da cooperação pacífica.

O homem subjuga o animal e o considera, nos seus planos de ação, como um objeto material. Ao domar, domesticar e treinar animais, o homem frequentemente manifesta certo apreço pelas peculiaridades psicológicas dessas criaturas; interessa-se, por assim dizer, pela sua alma. Mas, mesmo assim, o abismo que separa o homem do animal continua sendo intransponível. A um animal não se pode proporcionar mais do que a satisfação de seus apetites por alimento e sexo, e uma proteção adequada contra danos que possam ser provocados pelo meio ambiente. Os animais são bestiais e não humanos, exatamente porque são como a lei de ferro dos salários imagina que os trabalhadores o sejam. Pela mesma razão que a civilização humana jamais teria surgido se os homens estivessem unicamente interessados em alimento e acasalamento, também os animais jamais poderão contrair laços sociais ou participar da sociedade humana.

Houve pessoas que consideraram os seus semelhantes como animais e assim os trataram. Usaram chicotes para obrigar escravos a remarem nas galés e a puxarem pesadas barcaças, como se fossem animais de tração. Entretanto, a experiência mostrou que os resultados desses métodos brutais são insatisfatórios. Mesmo as pessoas mais rudes e mais apáticas trabalham melhor por consentimento do que pelo medo do chicote.

O homem primitivo não fazia distinção entre a propriedade que exercia sobre mulheres, crianças e escravos, e a propriedade de gado e objetos inanimados. Mas, à medida que começa a querer que seus escravos prestem serviços diferentes dos que podem ser prestados por animais de carga e de tração, é obrigado a libertá-los da servidão. O incentivo pelo medo vai sendo substituído pelo incentivo baseado no interesse pessoal; começam a surgir entre o escravo e o senhor sentimentos humanos. Se já não são os grilhões e a vigilância que impedem o escravo de fugir, e se já não é obrigado a trabalhar pelo medo de ser açoitado, a relação entre o senhor e o escravo se transforma numa ligação social. O escravo pode, especialmente se ainda tiver fresca na memória a lembrança dos dias mais felizes em que era livre, lamentar seu infortúnio e ansiar pela libertação. Mas ele se adapta ao que parece ser um estado de coisas inevitável e se acomoda à própria sorte, de maneira a torná-la o mais suportável possível. Procura então satisfazer o seu senhor, executando com aplicação as tarefas que lhe são confiadas; o senhor, por seu lado, procura aumentar o zelo e a lealdade do escravo, tratando-o convenientemente. Desenvolve-se entre o lorde e o lacaio um tipo de relação que, inclusive, pode ser considerada como de amizade.

Pode ser que os defensores da escravidão não estivessem inteiramente errados ao afirmar que muitos escravos estavam satisfeitos com a sua situação e não pretendiam mudá-la.

Existem, possivelmente, indivíduos, grupos de indivíduos e mesmo povos inteiros ou raças que apreciem a proteção e a segurança proporcionadas pela servidão; que, insensíveis à humilhação e à mortificação, estejam satisfeitos em poder trocar uma moderada quantidade de trabalho pelo privilégio de usufruir das comodidades de uma casa abastada; que considerem a submissão aos caprichos e maus humores de um senhor apenas um mal menor, ou nem mesmo isso.

Evidentemente, as penosas condições dos trabalhadores escravos nas grandes plantações e fazendas, nas minas, nas oficinas e nas galés eram muito diferentes das descrições idílicas da boa vida dos empregados domésticos, arrumadeiras, cozinheiras e babás, e das condições dos lavradores, vaqueiros, boiadeiros e pastores que trabalhavam nas pequenas fazendas, embora em condição servil. Nenhum apologista da escravidão teve o desplante de exaltar a sorte dos escravos romanos, que viviam acorrentados e encarcerados nos ergástulos, ou dos negros nas plantações americanas de cana e algodão.[21]

A abolição da escravatura e da servidão não deve ser atribuída nem aos ensinamentos dos teólogos e dos moralistas, nem à fraqueza ou à generosidade dos senhores. Havia, entre os pregadores religiosos e os professores de ética, tanto os que defendiam eloquentemente a escravidão como os que a ela se opunham.[22] O trabalho escravo desapareceu porque não pôde suportar a competição do trabalho livre; sua inviabilidade econômica provocou o seu desaparecimento na economia de mercado.

O preço pago na compra de um escravo é determinado pelo benefício líquido que se espera obter de seu emprego (não só como trabalhador, mas também como progenitor), da mesma forma que o preço pago por uma vaca é determinado pelo benefício líquido que se espera obter de sua utilização. O proprietário de um escravo não aufere automaticamente uma renda específica; para ele, não há “exploração” no fato de o trabalho escravo não ser remunerado e no fato de o preço potencial de mercado dos serviços prestados ser possivelmente maior do que os custos de alimentá-lo, abrigá-lo e vigiá-lo. Quem compra um escravo por um determinado preço considera que obterá o ressarcimento de todos os custos na medida em que sejam previsíveis; no preço pago, estão compreendidas todas essas circunstâncias e levada na devida conta a preferência temporal. O proprietário, quer utilize o escravo na sua própria casa, na sua atividade econômica, quer alugue os seus serviços para outra pessoa, não usufrui qualquer vantagem específica da existência da instituição da escravatura. O ganho específico vai para o caçador de escravos, isto é, para aquele que priva homens livres de sua liberdade, levando-os à escravidão. Mas, evidentemente, a lucratividade do caçador de escravos depende do nível de preço que os compradores estão dispostos a pagar para adquiri-los. Se esse preço for menor do que os custos de operação e transporte inerentes a esse tipo de atividade, ela deixa de ser lucrativa e terá de ser interrompida.

Ora, jamais, em tempo algum, em nenhum lugar, as iniciativas que utilizaram trabalho escravo puderam competir no mercado com as iniciativas que utilizaram trabalho livre. O trabalho servil só pôde ser utilizado quando não teve de enfrentar a competição do trabalho livre.

Se os homens forem tratados como gado, terão um desempenho do mesmo tipo que o do gado. Mas, sendo o homem menos forte que o boi ou o cavalo, e, em relação ao rendimento a ser obtido, sendo mais caro alimentar e vigiar um escravo do que alimentar e vigiar o gado, resulta que, tratado como escravo, o homem rende menos do que o animal doméstico por unidade de custo incorrido em alimento e vigilância. Para se obter de um trabalhador servil um desempenho humano, será necessário oferecer-lhe incentivos de natureza especificamente humana. Se o empregador pretende obter produtos que, em quantidade e qualidade, excedam os obtidos debaixo de chicote, terá de interessar o trabalhador no rendimento do seu trabalho. Em vez de punir a preguiça e a negligência, deverá recompensar a diligência, o talento e o zelo. Mas, por mais que se esforce, nunca obterá de um escravo, isto é, de um trabalhador que não aufere o valor total de mercado correspondente à sua contribuição, o desempenho equivalente ao de um homem livre, isto é, um homem contratado num mercado de trabalho sem obstruções. O limite superior acima do qual é impossível aumentar a qualidade e a quantidade dos produtos e serviços prestados por trabalho servil ou escravo é muito inferior aos padrões alcançados pelo trabalho livre. Na produção de artigos de qualidade superior, uma empresa que utilizasse mão de obra aparentemente barata, representada por trabalhadores não livres, jamais poderia competir com empresas que utilizassem trabalhadores livres.

As instituições sociais, em tempos passados, reservavam regiões inteiras ou setores da produção exclusivamente para emprego da mão de obra servil, protegendo-as da competição com os empresários que empregam trabalho livre. A escravidão e a servidão tornavam-se, assim, características essenciais de um rígido sistema de castas que não podia ser eliminado nem modificado pelos indivíduos. Onde não existiam tais instituições protetoras, os próprios donos dos escravos adotaram medidas que, pouco a pouco, acabariam por fazer desaparecer por completo o sistema de trabalho servil. Não foram sentimentos humanitários e de clemência que induziram os insensíveis e impiedosos proprietários da antiga Roma a relaxarem os grilhões de seus escravos, mas o desejo de tirar o maior rendimento possível da sua propriedade. Abandonaram o sistema centralizado de exploração de suas vastas terras, os latifúndios, e transformaram os escravos em virtuais arrendatários que cultivavam suas glebas, por conta própria, pagando ao proprietário simplesmente um aluguel ou uma parte da colheita. Nas atividades de transformação e de comércio, os escravos se tornaram empresários e os seus encaixes, o peculium, constituíam quase uma propriedade legal. Os escravos foram alforriados em grandes números, porque, livres, prestavam ao seu antigo dono, o patronus, serviços que valiam mais do que os que se podiam esperar de um escravo. A alforria não era um favor e uma generosidade da parte do proprietário. Era como uma operação de crédito, uma compra da liberdade para pagamento em prestações. O alforriado ficava obrigado a prestar ao antigo dono, durante muitos anos ou mesmo por toda a vida, determinados serviços ou pagamentos. O patronus tinha, além disso, direitos especiais de herança sobre os bens do antigo escravo, quando de sua morte.[23]

Com o desaparecimento do trabalho servil nas grandes explorações agrícolas e industriais, a escravidão deixou de ser um sistema de produção e tornou-se um privilégio político de uma casta aristocrática. Os suseranos tinham direito a determinados tributos em mercadorias ou em dinheiro e a determinados serviços a serem prestados pelos seus vassalos; além disso, os filhos de seus servos deviam prestar serviços, durante um certo tempo, como empregados domésticos ou como integrantes da guarda pessoal. Mas os camponeses e artesãos desprivilegiados faziam funcionar suas fazendas e suas oficinas por sua própria conta e risco. O senhor só recebia uma parte do resultado depois de terminado o processo de produção.

Mais tarde, a partir do século XVI, novamente voltou-se a utilizar trabalho servil na agricultura e até mesmo na produção industrial em larga escala. Na América, a escravidão negra tornou-se o sistema padrão das plantações coloniais. Na Europa oriental — no nordeste da Alemanha, na Boêmia, Morávia e Silésia, na Polônia, nos países bálticos, na Rússia e também na Hungria e adjacências — a agricultura em larga escala se desenvolveu com base no trabalho servil não remunerado. Em ambos os casos, as instituições políticas protegiam esses sistemas da competição com empresas que contratavam trabalhadores livres. Nas plantações coloniais, os altos custos de imigração e a falta de suficiente proteção legal e judicial ao indivíduo, diante do arbítrio das autoridades governamentais e da aristrocracia rural, impediram o surgimento de um número suficiente de trabalhadores livres e o desenvolvimento de uma classe de agricultores independentes. Na Europa oriental, o sistema de castas tornava impossível o acesso de pessoas estranhas à produção agrícola. A agricultura em larga escala era reservada aos membros da nobreza. As pequenas propriedades eram reservadas aos servos não livres. No entanto, ninguém contestava o fato de que as iniciativas que empregavam trabalho escravo não seriam capazes de competir com as que empregavam trabalho livre. Neste particular, os autores do século XVIII e princípio do século XIX, que escreveram sobre atividades agrícolas, eram tão unânimes quanto os escritores da antiga Roma que trataram de problemas rurais. Mas a abolição da escravatura e da servidão não chegava a ocorrer pelo livre jogo do sistema de mercado, uma vez que as instituições políticas impediam que as propriedades rurais dos nobres e as plantações coloniais se submetessem à soberania do mercado. A escravidão e a servidão foram abolidas pela ação política ditada pelo espírito da tão injuriada ideologia do laissez-faire, laissez-passer.

Hoje a humanidade novamente se defronta com a tentativa de substituir o trabalho do homem livre, que vende sua capacidade de trabalho no mercado como uma “mercadoria”, pelo trabalho compulsório. Evidentemente, as pessoas pensam que existe uma diferença essencial entre as tarefas de que são incumbidos os camaradas numa comunidade socialista e as de que são incumbidos os escravos e os servos. Os escravos e os servos, dizem essas pessoas, mourejavam em benefício de um senhor que os explorava. No sistema socialista, continuam elas, o produto do trabalho vai para a sociedade da qual o trabalhador faz parte; de certo modo, o trabalhador trabalha para si mesmo. O que as pessoas que assim raciocinam não percebem é que identificar um camarada ou todos os camaradas com a entidade coletiva que se apropria do produto do trabalho é simplesmente uma ilusão. Tem menos importância o fato de que os objetivos dos dirigentes não coincidem com os anseios e desejos dos vários camaradas; o mais importante é que a contribuição individual à riqueza da entidade coletiva não é remunerada sob a forma de salários determinados pelo mercado. Uma comunidade socialista não tem como efetuar o cálculo econômico; não tem como determinar separadamente que parcela do total de bens produzidos corresponde aos diversos fatores complementares de produção. Como não pode apurar quanto a sociedade deve à contribuição de cada indivíduo, não lhe é possível remunerar os trabalhadores segundo o valor de sua contribuição.

Para distinguir trabalho livre de trabalho compulsório, não é necessário recorrer a sutilezas metafísicas quanto à essência da liberdade e da compulsão. Podemos denominar de trabalho livre o trabalho extrovertido, não gratificante em si mesmo, que um homem realiza para satisfazer direta ou indiretamente suas próprias necessidades, seja para satisfazê-las indiretamente, gastando o montante obtido com a venda de seu trabalho no mercado. Trabalho compulsório é o realizado sob pressão de outros incentivos. Se alguém não gostar desta terminologia, porque o emprego de palavras do tipo liberdade e compulsão possam sugerir juízos de valor incompatíveis com o exame desapaixonado dos problemas em questão, podemos muito bem recorrer a outros termos. Podemos substituir o termo trabalho livre pela expressão trabalho L e o termo trabalho compulsório por trabalho C. O problema crucial não pode ser afetado pelos termos adotados. O que importa é o seguinte: que tipo de incentivo pode estimular um homem a se submeter à desutilidade do trabalho, se a satisfação dos seus desejos não depende nem direta nem — em grau apreciável — indiretamente da quantidade e qualidade de sua atuação?

Suponhamos, só para argumentar, que muitos trabalhadores, talvez até mesmo a maior parte deles, resolvam espontaneamente esmerar-se para cumprir da melhor maneira possível as tarefas que lhes forem atribuídas por seus superiores. (Não precisamos levar em conta o fato de que uma comunidade socialista se confrontaria com problemas insolúveis ao ter que determinar as tarefas que deveriam caber aos vários indivíduos). Mas como lidar com os indolentes e com os negligentes? Não há outro meio, a não ser punindo-os; os seus superiores devem estar investidos da autoridade para constatar a falta, julgá-la segundo razões subjetivas e impor o correspondente castigo. Um vínculo hegemônico substitui o vínculo contratual. O trabalhador fica sujeito ao poder discricionário de seus superiores; está pessoalmente subordinado ao poder disciplinatório de seu chefe.

Na economia de mercado, o trabalhador vende os seus serviços da mesma maneira que outras pessoas vendem suas mercadorias. O empregador não é o senhor do empregado; é simplesmente um comprador, que compra os serviços de que precisa, ao preço de mercado. É evidente que, como ocorre com qualquer comprador, um empregador pode ter seus caprichos.

Mas, se agir arbitrariamente ao contratar e ao dispensar seus empregados, terá de arcar com as consequências. Um empregador ou um empregado encarregado da direção de um departamento de uma empresa pode agir com parcialidade ao contratar trabalhadores, despedi-los arbitrariamente ou reduzir os seus salários abaixo do valor de mercado. Mas, ao agir dessa maneira, estará comprometendo a rentabilidade de sua empresa e sua posição no sistema econômico. Na economia de mercado, tais caprichos acarretam o seu próprio castigo.

A única proteção real e efetiva do assalariado, na economia de mercado, é a proporcionada pelo jogo dos fatores que afetam a formação dos preços. O mercado torna o trabalhador independente da vontade arbitrária do empregador e de seus auxiliares. Os trabalhadores ficam sujeitos, exclusivamente, à soberania do consumidor, à qual também estão sujeitos os seus empregadores. Ao comprar ou abster-se de comprar, os consumidores determinam os preços dos produtos e o emprego dos fatores de produção; desta forma determinam também o preço de mercado de cada tipo de trabalho.

O que faz do trabalhador um homem livre é precisamente o fato de o empregador, submetido à pressão da estrutura de preços do mercado, considerar o trabalho como uma mercadoria, um instrumento para obtenção de lucros. Para o empregador, o empregado é meramente um homem que, por considerações de ordem pecuniária, o ajuda a ganhar dinheiro. O empregador paga por serviços prestados e o empregado os executa para ganhar salários. Na relação entre empregador e empregado não existe favor ou desfavor. O homem contratado não deve gratidão ao empregador; deve determinada quantidade de trabalho de determinado tipo e qualidade.

É por isso que, na economia de mercado, o empregador não tem necessidade de punir o empregado. Todos os sistemas de produção que dispensam o funcionamento do mercado precisam dotar os dirigentes do poder de acicatar o trabalhador preguiçoso, a fim de que este se torne mais aplicado e mais zeloso. Como o encarceramento retira o trabalhador de seu local de trabalho, ou pelo menos reduz consideravelmente o valor de sua contribuição, o castigo corporal foi sempre a maneira clássica de forçar os escravos e os servos ao trabalho.

Com a abolição do trabalho servil, o chicote perdeu a sua utilidade; a chicotada ficou sendo o símbolo da escravidão. Os membros de uma sociedade de mercado consideram o castigo corporal tão desumano e humilhante, que também o aboliram nas escolas, no código penal e na disciplina militar.

Quem acredita que uma comunidade socialista poderia prescindir da compulsão e da coerção contra o trabalhador indolente, porque todos espontaneamente cumpririam suas tarefas, está sendo vítima das mesmas ilusões inerentes à doutrina do anarquismo.
[1] O saber não visa a algo que esteja além do próprio saber. O que satisfaz o pensador é o pensar em si mesmo, e não a obtenção do conhecimento perfeito, meta inacessível ao homem.

[2] Parece ser desnecessário comentar que comparar a sede por conhecimento e o comportamento de uma vida piedosa com o esporte e os jogos não implica nenhuma conotação pejorativa para qualquer dos dois.

[3] Engels, Herrn Eugen Dübrings Umwälzung der Wissenschaft, 7. ed. Stuttgart, 1910, p. 317. Ver p. ……..

[4] Ver página

[5] Ver Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, Basiléia, 1791, vol. 1, livro I, cap. viii, p. 100. O próprio Adam Smith parece ter inconscientemente abandonado a ideia. Ver W.H.Hutt, The Theory of Collective Bargaining, Londres, 1930, p. 24-25.

[6] Todos esses e muitos outros pontos são cuidadosamente analisados por Hutt, op.cit., p. 35-72.

[7] Nos últimos anos do século XVIII, o governo inglês, em meio a dificuldades provocadas pela longa guerra contra a França e pelo método inflacionário empregado para financiá-la, recorreu a esse expediente (o sistema Speenhamland). O objetivo real era evitar que os trabalhadores agrícolas abandonassem o campo para trabalhar nas fábricas, que pagavam melhor. O sistema Speenhamland foi portanto um subsídio disfarçado, outorgado aos aristocratas proprietários de terra, dispensando-os de pagar maiores salários. * Em fevereiro de 1793, a Inglaterra entrou em guerra contra a França. A guerra foi financiada sobretudo por meio da inflação, fato que, agravado por colheitas fracas e pela vigência das Corn Laws (ver nota anterior), acarretou o aumento dos preços da alimentação mais rapidamente do que o nível dos salários, provocando grandes sofrimentos entre os trabalhadores e suas famílias. Em 1795, os magistrados de Berkshire, reunidos em Speenhamland, não querendo aumentar os salários de seus empregados, usaram a arrecadação de impostos para suplementar os salários e prover as famílias com o que consideravam suficiente para manter a subsistência. O sistema se difundiu rapidamente e foi adotado em outros países. Resultou em maiores ganhos para a aristocracia proprietária de terras, menores salários para os trabalhadores, menos incentivo para que os trabalhadores da agricultura procurassem os melhores salários da indústria, aumento da natalidade e constante aumento dos impostos. Este sistema durou até ser substituído em 1834 por um sistema de leis de amparo à pobreza com recursos públicos. Extraído de Mises Made Easier, Percy L. Greaves Jr., op.cit. (N.T.)

[8] Ver Marx, Das Kapital, 7. ed., Hamburgo, 1914, vol. 1, p.133. No “Manifesto comunista”, seção 2, Marx e Engels formulam sua doutrina do seguinte modo: “O preço médio do trabalho assalariado é o salário mínimo, isto é, a quantidade de meios de subsistência que sejam absolutamente necessários para manter o trabalhador vivo e apto a trabalhar”. É o que “for meramente suficiente para prolongar e reproduzir a sua existência”.

[9] Em português, “aspectos econômicos da ciência política”. (N.T.)

[10] Ver Marx, Das Kapital, p. 134. O termo usado por Marx, aqui traduzido como “necessidades vitais”, é Lebensmittel. O dicionário Muret-Sanders (16. edição) traduz este termo como “artigos de alimentação, provisões, víveres, comida”.

[11] Ver página …..

[12] Ver página /….

[13] Outras flutuações na qualidade e quantidade do desempenho por unidade de tempo, como por exemplo a menor eficiência no período que se segue a uma interrupção para recreação, são praticamente destituídas de importância no que diz respeito à disponibilidade de mão-de-obra no mercado.

[14] Ver página

[15] A atribuição da expressão “Revolução Industrial” ao período dos reinados dos dois últimos reis da casa de Hanover — George III e George IV (1760-1830) — resultou do desejo de dramatizar a história econômica, de maneira a ajustá-la aos esquemas marxistas procustianos.* A transição dos métodos medievais de produção para o sistema de livre iniciativa foi um processo longo que começou séculos antes de 1760 e que, mesmo na Inglaterra, em 1830, ainda não tinha terminado. Entretanto, é verdade que o desenvolvimento industrial na Inglaterra acelerou-se bastante na segunda metade do século XVIII. Consequentemente, é admissível usar a expressão “Revolução Industrial” ao se examinarem as conotações emocionais que lhe foram imputadas pelo fabianismo, pelo marxismo e pela Escola Historicista.

* Relativo a Procusto, gigante salteador da Ática que, segundo a mitologia grega, despojava viajantes e torturava-os deitando-os num leito de ferro: se a vítima fosse maior, cortava-lhe os pés; se menor, esticava-a por meio de cordas até que atingisse as dimensões do leito. O termo serve para metaforizar o ato de se tentar ajustar arbitrariamente a realidade a um sistema ou teoria previamente concebidos. (N.T.)

[16] J.L. Hammond and Barbara Hammond, The Skilled Labourer, 1760-1832, 2. ed., Londres, 1920, p. 4.

[17] Na guerra dos Sete Anos, 1.512 marinheiros ingleses morreram em combate, enquanto 133.708 morreram de doenças ou desapareceram. Ver W.L.Dorn, Competition for Empire 1740-1763, Nova Iorque, 1940, p.114.

[18] No sistema feudal inglês, a maior parte da área rural constituía-se de campos e florestas. Grande parte dessas áreas era utilizada para o cultivo de grãos e criação de gado para consumo próprio. Com o advento da produção agrícola para o mercado e não para o senhor feudal, essas terras começaram a ser cercadas e apropriadas. Diversos atos do Parlamento, no século XVIII e parte do século XIX, endossaram esse movimento, que tinha oposição das classes inferiores. Tal situação resultou num aumento da produção agrícola e na criação de um proletariado rural, que veio a se tornar a força de trabalho usada pelas fábricas inglesas na “Revolução Industrial”. (N.T.).

[19] J.L. Hammond e Barbara Hammond, op. cit.

[20] F.C. Dietz, An Economic History of England, Nova Iorque, 1942, p. 279 e 392.

[21] Margaret Mitchell, que na famosa novela E o vento levou (Nova Iorque, 1936) tem uma postura favorável ao sistema escravagista do sul dos EUA evita cautelosamente referências aos que trabalhavam nas plantações, preferindo fixar sua atenção nos empregados domésticos, que, até mesmo para ela, constituíam uma elite entre os escravos.

[22] Ver, a propósito da doutrina americana pró-escravidão, Charles e Mary Beard, The Rise of American Civilization, 1944, vol.1, p.703-710; e C.E. Merriam, A History of American Political Theories, Nova Iorque, 1924, p. 227-251.

[23] Ver Ciccotti, Le déclin de l’esclavage antique, Paris, 1910, p. 292 e segs.; Salvioli, Le capitalisme dans le monde antique, Paris, 1906, p.141 e segs.; Cairnes, The Slave Power, Londres, 1862, p. 234.

 

Ludwig von Mises
Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.
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