Thursday, November 21, 2024
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A tragédia da inflação brasileira – e se tivéssemos ouvido Mises? (Final)

asa_sul2No artigo anterior, mostrou-se como que a depravação monetária praticada pelo Banco Central brasileiro durante o período 1980-1994 foi a principal responsável pelo aumento das desigualdades de renda no país.

Nesse artigo, veremos o que teria ocorrido se, na reforma monetária de julho de 1994, o país tivesse seguido os conselhos de Ludwig von Mises.

A TEORIA MISESIANA

Em seu livro The Theory of Money and Credit, Mises sugeriu um regime monetário diametralmente oposto àquele que se tornou o padrão monetário atual vigente em todos os países.  Aliás, quando se conhece a natureza do estado e seus interesses próprios, torna-se mais fácil entender que o fato de todos os governos mundiais adotarem em uníssono o mesmo sistema não é coincidência alguma.

Mises escreveu extensamente sobre a maneira correta de se implementar e preservar um sistema monetário que fosse compatível com os ideais de uma sociedade livre.  Vale notar também que, da perspectiva misesiana, a ideia de se manter uma “moeda sólida” não era um fim em si – e tampouco um princípio defendido em temos ideológicos ou mesmo morais (como o faz a ala rothbardiana) – mas simplesmente uma pré-condição necessária para se manter uma ordem de livre mercado.  Disse ele:

É impossível entendermos o significado da ideia de se ter um sistema monetário sólido sem antes compreendermos que tal sistema foi concebido como um instrumento para se proteger as liberdades civis contra as usurpações despóticas perpetradas pelos governos.  Em termos ideológicos, uma moeda sólida pertence à mesma classe das constituições políticas e das declarações de direitos.

Baseando-se nesse ideário, o método misesiano de reforma monetária pode ser resumido na seguinte frase que ele escreveu em 1953:

O primeiro passo é interromper definitiva, incondicional e radicalmente qualquer inflação monetária.  O total de cédulas monetárias, quaisquer que sejam seu nome ou características legais, não deve ser aumentado por emissões futuras.  Nenhum banco deve ser autorizado a expandir o total de depósitos sacáveis por meio de cheques – sejam esses depósitos as contas-correntes de cidadãos privados ou do Tesouro – a menos que tenha recebido depósitos em espécie ou em cheques a serem pagos por qualquer outro banco doméstico sujeito a essas mesmas limitações.  Isso significa um sistema bancário com 100 por cento de reservas para todos os depósitos futuros – isto é, para todos os depósitos ainda não feitos no primeiro dia da reforma.

Traduzindo: grosso modo, Mises quis dizer que, em termos atuais, o M1 deveria ser congelado.

INFLAÇÃO REAL VERSUS INFLAÇÃO DIVULGADA

Antes de analisarmos o que ocorreria com a economia brasileira caso tal método tivesse sido implantado, é muito importante antes entender que há uma diferença gritante entre a inflação de preços divulgada pelo estado e a inflação de preços que realmente ocorreu.

Os economistas da Escola Austríaca sempre enfatizaram que a definição de inflação utilizada não apenas pelo governo mas também pelos “economistas profissionais” é incorreta, e que o termo “aumento geral nos índices de preços” deveria ser substituído pelo termo “aumento da oferta monetária”.  Mas isso ainda não é o suficiente.  Por quê?

É fato que um aumento da oferta monetária provoca um aumento dos preços.  Entretanto, se a oferta monetária fosse fixa, os preços tenderiam a cair – e é essa queda em potencial que é completamente ignorada por todos os índices de preços divulgados.  Assim, para termos a exata noção do efeito de uma expansão monetária sobre os preços, temos antes de considerar qual seria a queda potencial nos preços caso essa expansão monetária não tivesse ocorrido.

E esse raciocínio tem de ficar claro.  Em uma economia de livre mercado, todos os indivíduos trabalham de modo a produzir bens e serviços de maneira cada vez mais eficiente.  Aliás, isso é válido até para mercados regulados.  Afinal, o governo tem de sustentar seus parasitas, e exatamente por isso ele é obcecado com políticas que “geram crescimento econômico”.  Caso a economia não crescesse – isto é, caso os indivíduos não produzissem mais – seria impossível o governo seguir aumentando suas arrecadações.

Mas o conceito de crescimento econômico é confuso, pois a economia não simplesmente “cresce” – ela se esforça para utilizar cada vez mais eficientemente os escassos recursos disponíveis, de modo a produzir bens e serviços que sejam cada vez mais apreciados pelos consumidores.  Esse aumento na eficiência é geralmente um feito de empreendedores – sejam eles os donos do capital ou os trabalhadores – e inovadores que labutam diariamente em busca de novas e engenhosas maneiras de utilizar os recursos disponíveis.  Nesse cenário, onde a oferta de bens e serviços aumenta constantemente, se a oferta monetária fosse fixa, o preço de cada bem e serviço inevitavelmente cairia com o passar do tempo.  Qualquer comportamento diferente desse seria incompreensível.

Mesmo no mundo maravilhoso da economia neoclássica isso é um fato – apesar dos infindáveis e fictícios cálculos baseados em funções de custo fixo.  A concorrência incentiva tanto o corte de custos supérfluos como também medidas que aumentam a eficiência da produção.  É dessa forma que os agentes ganham terreno no mercado: satisfazendo os desejos dos consumidores ao oferecer bens cada vez melhores a preços cada vez menores.  De novo: como seria possível os preços subirem nesse cenário?

Desta forma, se a inflação é entendida apenas como um aumento de preços, então a estatística está necessária e sistematicamente ignorando a queda natural de preços que também é parte da inflação.

Para ficar mais claro: suponhamos que, em uma economia qualquer, na qual a oferta monetária fosse fixa, os preços no mercado caíssem naturalmente 5% ao ano.  Agora, suponha que um banco central tenha sido criado e que, já no ano seguinte, ocorresse um aumento de 5% nos preços em relação ao ano anterior.  Nesse cenário, os economistas diriam que a inflação foi de meros 5%.  Mas isso estaria errado.  A inflação não foi de meros 5%.  Para sabermos a real inflação ocorrida, temos de comparar esse novo nível de preços com o nível que ocorreria caso não tivesse ocorrido uma expansão monetária – isto é, caso o banco central não tivesse sido criado.

Assim, tomemos como base o ano anterior à expansão monetária.  O nível de preços seria 100 (apenas para facilitar os cálculos).  No ano seguinte, caso tudo continuasse como antes – isto é, com oferta monetária fixa – haveria uma queda de 5% nos preços.  Logo, o nível de preços seria de 95.  Porém, como houve uma expansão monetária e os preços subiram 5%, o nível dos preços foi de 105.

Qual a inflação real do período?  Ora, se o nível de preços era para ser de 95, mas foi de 105, então a inflação real do período foi de 105/95 = 10,5%.  Ou seja, nesse exemplo simples, a estatística oficial, ao declarar inflação de apenas 5%, declarou menos da metade da real inflação de preços ocorrida na economia.

Historicamente – e isso é válido para praticamente todos os países do mundo -, quando o crescimento econômico se dá em conjunto com aumentos na oferta monetária, os efeitos inflacionários decorrentes da expansão monetária são maiores do que os efeitos deflacionários decorrentes do crescimento econômico.  Na economia brasileira, desnecessário dizer, os primeiros praticamente destruíram o segundo.

COMO SERIA NO BRASIL?

Explicadas essas diferenças, fica pergunta: o que teria acontecido com a economia brasileira caso o Banco Central tivesse sido extinto após a implantação do Real – exatamente como defendia um de seus criadores, Roberto Campos – e a oferta monetária tivesse sido congelada?

Antes, um pequeno parênteses.  Alguns grupos ideológicos podem protestar dizendo que, se a oferta monetária fosse congelada, não haveria crescimento econômico, pois a escassez de moeda geraria um aumento de juros tão grande que a economia entraria em recessão profunda e duradoura.

Ora, antes de mais nada, dizer que a economia depende de papel-pintado para crescer é o equivalente a dizer que um carro precisa de vento para se locomover.  O que gera crescimento econômico é trabalho, produção, poupança e investimento – e não papel-pintado.  O que nos torna ricos é a abundância de bens, e o que limita essa abundância é a escassez de recursos – a saber, terra, capital e trabalho.  Simplesmente aumentar a quantidade de dinheiro não vai fazer com que esses bens surjam do nada; não vai fazer com que haja empregos para trabalhar recursos inexistentes.  O dinheiro é apenas um meio de troca que facilita as transações indiretas.  Uma maior quantidade vai apenas diluir os preços e redistribuir a renda em prol daqueles que obtiveram essa nova quantidade antes dos outros.  Não existe uma quantidade ótima a ser perseguida; qualquer quantidade servirá, no longo prazo.

Quanto ao argumento de que tal congelamento levaria a um aumento acentuado dos juros, isso é verdade no curto prazo.  Afinal, se a impressão de dinheiro cessou, a quantidade a ser emprestada parou de aumentar, e essa súbita paralisia pode gerar um aumento temporário de juros.  Entretanto, uma vez entendida que a quantidade de dinheiro não vai mais aumentar, e que os preços estão na verdade caindo, as pessoas perceberão que de nada adiantará cobrar juros nominais altos: afinal, como eles seriam pagos?  Em um cenário de quantidade de moeda fixa, se você emprestar 100 reais e cobrar 10% de juros, não haverá como receber 110 reais, pois não está havendo aumento na oferta monetária.  Assim, se você não cobrar juros (muito) menores, simplesmente não fará empréstimo algum.  Esse raciocínio, aliás, não é exclusividade austríaca.  Milton Friedman – monetarista convicto que no final da vida passou a defender a extinção do banco central – também concluiu que era isso que ocorreria.

Assim, sob um regime misesiano de oferta monetária constante, os juros de mercado seriam um reflexo do aumento esperado da produção.  Uma vez que o poder de compra do dinheiro varia em proporção inversa à produção, as taxas nominais de juro estariam muito abaixo da SELIC atual.  (Desnecessário dizer que é impossível prever qual seria essa taxa; apenas keynesianos sabem com perfeita acurácia qual é a taxa de juros que equilibra otimamente não só o mercado interno, como também o mercado de câmbio, a balança comercial e o balanço de pagamentos).

Dito isso, vamos ao que interessa.  Uma vez que a reforma monetária ocorreu em julho de 1994, e considerando-se realisticamente que qualquer reforma monetária leva tempo até ser entendida pelos agentes econômicos – o que pode gerar grandes flutuações de preço -, é válido começarmos apenas pelo ano de 1995.  Assim, se o M1 tivesse sido congelado em dezembro de 1995, como seriam os preços em 2008?

(Só para relembrar: o efeito total sobre o nível de preços em decorrência da expansão monetária leva em conta o aumento dos preços como consequência dessa expansão e a queda potencial dos preços que teria ocorrido caso não tivesse ocorrido essa expansão monetária.)

Assim, para termos uma estimativa da deflação potencial de preços, vamos assumir que qualquer mudança na oferta monetária gera um efeito proporcional sobre o nível de preços.  Por exemplo, se, durante um determinado período de tempo, a oferta monetária aumentou de $1.000 para $2.000, então o nível de preços no final desse período será duas vezes maior àquele que teria ocorrido caso não tivesse ocorrido nenhuma expansão monetária.  Sim, é fato que um aumento da oferta monetária pode não ter esse efeito proporcional sobre os preços.  Entretanto, sabemos também que todos os índices de preços que divulgam contêm cálculos arbitrários e imprecisos – e, pior!, são apresentados ao público como números precisos.  O cálculo a seguir serve mais é para estimar os efeitos que as políticas monetárias do Banco Central tiveram sobre o nível de preços entre 1995 e 2008.

Desta forma, podemos raciocinar da seguinte maneira: se a oferta monetária e o nível de preços se alteram proporcionalmente, então a razão entre uma oferta monetária fixa e a oferta monetária de um determinado ano (M1995/Mn ) é igual à razão entre o nível de preços que ocorreria sob a oferta monetária fixa e o nível atual de preços em um determinado ano (Pomf/Pn).  Para esclarecer:

M1995/Mn = Pomf/Pn;

onde M1995 representa o nível médio do M1 para o ano de 1995, Mn é o nível médio de M1 ocorrido para um dado ano n, Pomf representa o nível potencial de preços que teria ocorrido se oferta monetária tivesse sido fixada em 1995, e Pn representa o índice de preços divulgado para um dado ano n.

Assim, de posse dos dados do M1 médio de cada ano, bem como dos índices de preço para os respectivos anos, podemos estimar qual seria o nível de preços que ocorreria em cada ano caso a oferta monetária tivesse sido mantida fixa desde 1995.

(Os dados do M1 representam a média do M1 de cada ano (vide artigo anterior); os dados dos índices de preço representam a média de todos os oito índices de preços divulgados no Brasil).

Normal 0 21 false false false MicrosoftInternetExplorer4

Ano M1   Índice de preços   Preços potenciais sob oferta monetária fixa
           
1995 19.444.369   100,0   100,0
1996 24.538.105   109,6   86,9
1997 37.602.958   116,0   60,0
1998 43.235.543   116,7   52,5
1999 48.255.964   131,3   52,9
2000 57.624.354   140,1   47,3
2001 68.670.601   151,8   43,0
2002 82.294.885   176,6   41,7
2003 89.850.550   191,4   41,4
2004 107.038.756   208,2   37,8
2005 122.221.516   216,1   34,4
2006 140.048.613   222,9   30,9
2007 170.545.409   235,3   26,8
2008 192.832.109   251,9   25,4

Traduzindo: de acordo com os índices de preços divulgados no Brasil, os preços de determinados bens e serviços em 2008 foram 2,5 vezes maiores que esses mesmos preços em 1995.  Entretanto, caso não tivesse ocorrido expansões na oferta monetária, os preços em 2008 teriam sido um quarto daqueles observados em 1995.  Ou seja: em decorrência do crescimento econômico, os preços poderiam ter caído 75%.  Mais ainda: uma vez que o nível de preços observado em 2008 foi de 251,9, e considerando-se que poderia ter sido de 25,4, conclui-se que a expansão da oferta monetária desse período resultou em um nível de preços 10 vezes maior do que aquele que teria ocorrido na ausência de expansões monetárias.

Portanto, a inflação real ocorrida nesse período foi de 900%.  Já a inflação divulgada pelos órgãos oficiais foi de “meros” 152%.

Agora vejamos isso em termos práticos.  Vamos pensar em bens concretos, como carros, comida e imóveis.  De acordo com os números acima, um determinado prato de comida que custava R$7 em um self-service em 1995, passou a custar, em 2008, R$17,50. (Tente se lembrar dos preços por quilo em 1995 e compare com os atuais).  Entretanto, se a oferta monetária tivesse permanecido fixa, esse mesmo prato teria custado, em 2008, apenas R$1,75.

Outro exemplo: um carro que em 2008 custou R$60.000, custava em 1995 menos de R$24.000.  Novamente, sem os efeitos da expansão monetária sobre os preços, esse mesmo carro teria custado em 2008 pouco mais de R$6.000.  O preço de um imóvel que custou R$150.000 em 1995 teria subido para R$375.000 em 2008.  Com uma oferta monetária fixa, esse mesmo imóvel teria custado em 2008 algo em torno de R$37.500.

VANTAGENS

Uma moeda que ganha poder de compra com o passar do tempo tem outras vantagens além das óbvias acima.

Por exemplo, o cidadão não mais seria obrigado a dar parte de seu salário para sustentar o esquema fraudulento que é a Previdência Social.  O governo não teria qualquer justificativa para obrigá-lo a fazer isso (donde se conclui que é do interesse do governo manter uma destruição constante do poder de compra da moeda, pois assim ele tem “argumentos” para implantar sistemas confiscatórios para benefício dele próprio, como a Previdência).  Tampouco precisaria o cidadão se preocupar com o risco de sua previdência privada quebrar e ele perder boa parte de sua poupança.  Com efeito, qualquer esquema previdenciário obrigatório seria necessariamente uma fraude.  Afinal, dado que a moeda ganha poder de compra com o tempo, os infindáveis debates sobre a reforma da previdência virariam mera curiosidade masoquista.  Bastaria apenas o indivíduo deixar seu dinheiro parado e este ganharia valor com o tempo.

“Ah, mas isso desestimularia toda a economia! Afinal, se ninguém quiser emprestar não haverá mais crédito e a economia consequentemente vai despencar!”.  Falso.  Há uma característica inerente (ainda bem!) ao ser humano: a cobiça.  Assim, não há qualquer motivo para ele colocar seu dinheiro em baixo do colchão quando sabe-se que qualquer investimento que ele fizer, nem que seja a compra de papeis, trará retornos reais positivos – maiores do que o simples ganho do poder de compra – decorrentes da taxa de crescimento do produto total.  Aliás, isso já ocorre no cenário atual.  Ao invés de simplesmente deixar dinheiro parado na poupança – o que já traz um retorno real positivo – a esmagadora maioria dos empreendedores prefere investimentos arriscados e incertos, em troca de retornos maiores.

Outra vantagem clara está na questão dos reajustes salariais, seja no salário mínimo da iniciativa privada, seja nos portentosos proventos do funcionalismo público.  A queda de braço entre patrão e empregados sempre envolve a questão da “reposição da inflação”, isto é, ajustes salariais que, além do ganho em produtividade, levam em conta também a perda do poder de compra em decorrência da inflação.  Desnecessário dizer que, em um cenário onde o poder de compra do salário é crescente, greves por reajustes e reposições tornam-se infundadas.  Nada mais de sindicalistas fazendo baderna; nada mais de o governo aumentar o confisco para repassar o butim para seus burocratas altamente bem pagos sob a desculpa de estar fazendo um “reajuste decorrente das perdas inflacionárias” – perdas essas causados pelo próprio governo.  Ademais, todos os tipos de intervencionismo estatal sobre preços – inclusive o preço dos salários – resultariam em imediata perda de emprego e produção.  A inflação monetária não mais poderia mascarar essas distorções.

Todos os tipos de confisco que o governo pratica regularmente seriam dificultados, para não dizer impossibilitados.  Sob um estoque monetário constante, sempre que o governo fosse vender títulos para financiar sua dívida, isso inevitavelmente elevaria os juros de mercado, afetando direta e notavelmente as condições de financiamento das empresas e famílias, que estão competindo com o governo pelo mesmo estoque de pagamentos.  Atualmente, a contínua expansão monetária elimina esse importante efeito disciplinar imposto pelo mercado: o aumento da oferta monetária contrabalança essa pressão altista sobre os juros, o que faz com que o endividamento do governo – logo, o seu confisco – passe (quase) despercebido.

Da mesma forma, a carga tributária também teria de ser muito menor.  Como as alíquotas de imposto de renda são proporcionais à renda nominal, à medida que essa última aumenta (como decorrência natural da maior oferta monetária), o confisco também aumenta automaticamente.  Por exemplo: hoje a alíquota de 7,5% incide sobre quem ganha mais de R$ 1.434.  Quem ganha menos do que isso está isento.  Porém, com o passar do tempo, há o inevitável aumento da oferta monetária, o que faz com que mais pessoas passem a receber saláriosnominais acima desse valor, o que por sua vez faz com que entrem na faixa tributável.  Porém, sua renda real não aumentou (provavelmente diminuiu).  Assim, o que acontece é que esse indivíduo passa a ser tributado sem que sua renda real tenha aumentado.  O mesmo se aplica a todas as outras faixas de renda.

Entretanto, em um sistema cujos preços declinem com o tempo, um aumento da tributação real inevitavelmente exigiria um aumento das alíquotas – algo que, por ser explícito, poderia eliciar forte oposição da população.

Outro benefício extremamente importante: com uma oferta monetária constante, não haveria política monetária; os ciclos econômicos não ocorreriam.  O setor financeiro poderia obviamente se manter ativo em vários tipos de negócios; a diferença crucial é que os bancos não mais poderiam aumentar o estoque de moeda através da concessão de crédito não lastreado – como é feito hoje sob o sistema bancários de reservas fracionárias.  Nesse cenário, apenas o crédito real (o lastreado pela poupança) se expandiria, e não o crédito nominal (criado do nada).

Por fim, uma oferta monetária constante teria fortalecido o princípio básico de uma economia de livre mercado: os preços passariam a responder exclusivamente à oferta e à demanda.  Os produtores e empreendedores não mais poderiam confiar na inflação para restaurar o equilíbrio dos preços relativos.  Ao contrário, eles teriam de se esforçar mais para fornecer exatamente os bens e serviços que atendam as demandas do consumidor.

O leitor mais atento pode protestar: “Ah, que os preços vão cair nesse cenário qualquer um sabe.  Só que essa queda inclui também o preço da mão-de-obra.  Assim, preços e salários vão cair na mesma proporção, o que no final vai deixar tudo como antes!”

De fato, pode haver queda nos salários.  Só que com uma diferença: isso estimularia a poupança, o que por sua vez estimularia o investimento, fazendo aumentar a produtividade.  E ganhos de produtividade reduzem o custo de vida e fazem aumentar salários – ou, nesse caso, mantê-los constantes ou com queda menor que a dos preços.  O que significa um salário real maior.

Ademais, em uma deflação de preços, o capital e a mão-de-obra capturam a maior parte dos ganhos de produtividade, em detrimento do governo.  Por fim, há o fato de que uma expansão monetária destrói o incentivo para se poupar, o que enfraquece todo o ciclo acima.  Dessa forma, sob qualquer aspecto o cenário de deflação é mais vantajoso que o de inflação.

CONCLUSÃO

Tivéssemos ouvido Mises e abolido o Banco Central em fins de 1995, seria necessário uma teoria bastante elaborada para argumentar que estaríamos piores.  No mínimo, todas as crises sociais, políticas e econômicas, incluindo greves, reformas que não saem, populismo, assistencialismo, conchavos políticos e escândalos de corrupção dificilmente teriam ocorrido.  Manipulações cambiais visando um setor em detrimento de outro, bem como terrorismo político baseado no medo de reformas, também não teriam qualquer significado.  A carga tributária não teria disparado e o endividamento e os gastos do governo teriam inevitavelmente diminuído, assim como o inchaço da máquina pública.  Um livre mercado acabaria sendo a consequência inevitável, assim como toda a prosperidade trazida por este.

Leandro Roque
Leandro Roque
Leandro Roque é tradutor e estudioso de Economia Austríaca.
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