Há algum tempo, imprimia-se dinheiro para financiar guerras. Hoje, imprime-se para satisfazer vários tipos de demandas domésticas. O mundo inteiro está sob a influência da inflação monetária. Os preços de todos os bens e serviços aumentam continuamente e ninguém é capaz de dizer quando esses aumentos serão interrompidos.
A inflação é hoje um fenômeno geral, mas sua magnitude não é a mesma para cada país. O aumento na quantidade de dinheiro nas diferentes áreas monetárias não é igual estatisticamente — uma igualdade que, dadas as diferentes demandas por dinheiro nas diferentes áreas, seria apenas na aparência — e tampouco esse aumento ocorreu em todas as áreas na mesma proporção em que aumentou a demanda por dinheiro.
Consequentemente, os aumentos nos preços — na medida em que eles se dão em decorrência de alterações na oferta monetária — não têm sido os mesmos em todos os lugares.
O aumento nos preços, os quais se dão em decorrência de um aumento na quantidade de dinheiro, não surgem da noite para o dia. Decorre-se uma certa quantidade de tempo até que o fenômeno se manifeste. A quantidade adicional de dinheiro que é criada não entra na economia em todas as áreas ao mesmo tempo. Ela entra apenas em um ponto específico. É somente a partir dali, passo a passo, que esse dinheiro novo começa a se dispersar. Ele vai primeiro para somente alguns pontos indivíduos da economia e para determinados ramos da estrutura de produção. Como resultado, o fenômeno inicial é um aumento na demanda por apenas alguns bens e serviços, e não por todos. Somente mais tarde é que os preços de outros bens e serviços também começam a subir.
Já as taxas de câmbio, por sua vez, são preços especulativos — isto é, elas surgem das transações de pessoas de negócios que, em suas operações, consideram não apenas os acontecimentos presentes, mas também as perspectivas futuras. Assim, a depreciação da moeda torna-se aparente de modo relativamente rápido nas taxas de câmbio negociadas na bolsa de valores mundo afora — muito antes de os preços de outros bens e serviços serem afetados.
Entretanto, existe uma teoria que procura explicar a formação das taxas de câmbio com base no balanço de pagamentos, e não no poder de compra da moeda. Essa teoria faz uma distinção entre o declínio no valor de uma moeda nos mercados internacionais e a redução em seu poder de compra no mercado doméstico. Para ela, há apenas uma ligeira conexão entre os dois fenômenos — ou, para muitos de seus seguidores, não há conexão alguma. Ou seja, a depreciação da moeda no mercado internacional não teria ligação alguma com sua depreciação em seu mercado doméstico.
A taxa de câmbio seria um resultado do saldo de balanço de pagamentos do momento. Se estiver havendo déficit no balanço de pagamentos — isto é, se a quantidade total de moeda estrangeira saindo do país aumentar sem um correspondente aumento na quantidade que está entrando no país, ou se a quantidade de moeda vinda de fora declinar sem uma correspondente redução na quantidade saindo do país —, então a taxa de câmbio vai se depreciar.
Não vamos aqui especular as razões por que tal teoria esteja sendo levada a sério. Entre a mudança na taxa de câmbio e a mudança no poder de compra doméstico da unidade monetária, sempre decorre um espaço de tempo — pequeno ou grande.
Consequentemente, observações superficiais poderiam facilmente levar à conclusão de que os dois dados são independentes um do outro. Também ouvimos que o balanço de pagamentos é a causa imediata das flutuações diárias nas taxas de câmbio. Uma teoria que explique apenas as aparências superficiais e não analise a situação por completo poderia facilmente negligenciar fatos como:
1) a proporção diária entre a demanda e a oferta de moeda estrangeira determinada pelo balanço de pagamentos pode despertar somente variações transitórias da taxa de câmbio “estática”, a qual é formada pelo poder de compra das várias moedas negociadas no mundo;
2) esses desvios devem desaparecer imediatamente, e
3) essas variações irão desaparecer mais rapidamente e mais completamente quanto menos restrições forem impostas ao comércio e quanto mais livre for a especulação.
Certamente, não deveria haver qualquer motivo para examinarmos essa teoria mais a fundo. Ela aparentemente já foi aceita cientificamente. O fato de que ela tenha hoje um papel significativo na política econômica pode ser uma razão para se investigar a base política de sua inquestionável popularidade entre economistas e funcionários do governo. Como resultado, portanto, vivemos hoje sob a idéia de que o balanço de pagamentos é decisivo para a taxa de câmbio. Se for desejável aumentar o valor da moeda estrangeira, ou evitar que ela caia mais, o segredo estaria na manipulação do balanço de pagamentos…..
A falácia básica dessa teoria está em ela ignorar completamente o fato de que o volume de importações e exportações depende essencialmente dos preços dos bens. Nem as importações e nas as exportações são feitas apenas por capricho ou diversão. Ambas são feitas de modo a possibilitar uma transação lucrativa, isto é, de modo a se ganhar dinheiro com as diferenças nos preços de ambos os lados. Consequentemente, importações e exportações são feitas até que as diferenças de preço desapareçam…..
A doutrina de que é o balanço de pagamentos quem determina as taxas de câmbio ignora completamente o significado dos preços sobre o movimento internacional de bens. Ela se baseia erroneamente no ato do pagamento, ao invés de se basear nas transações comerciais em si. Isso é resultado de uma pseudo-teoria monetária — uma teoria que trouxe as mais cruéis consequências para a ciência alemã —, que vê o dinheiro apenas como um meio de pagamento, e não como um meio geral de trocas.
Ao decidir fazer uma transação comercial, um comerciante irá levar em consideração os custos totais de se obter a moeda estrangeira necessária para tal transação. Tais custos são contabilizados até o momento em que o pagamento é totalmente quitado. Um comerciante que não procedesse dessa forma não iria permanecer no mercado por muito tempo. O comerciante leva totalmente em consideração a taxa de câmbio do momento, uma vez que ele sempre se baseia no preço de venda. Da mesma maneira, ele também procura antecipar as flutuações do câmbio. Ele pode se proteger delas fazendo algum hedge ou ele também pode optar por não fazer nada e assumir o risco de flutuações futuras. A mesma situação ocorre, mutatis mutandis, em relação ao tráfego de turistas e de fretes internacionais.
É fácil reconhecer que encontramos aqui apenas uma nova forma da velha teoria do balanço de pagamentos favorável e desfavorável defendida pela Escola Mercantilista dos séculos XVI e XVIII. Isso ocorreu antes da massificação do uso de cédulas e outras moedas bancárias. O temor até então era o de que um país com um balanço de pagamentos desfavorável poderia perder toda a sua oferta de metais preciosos para outros países. Consequentemente, argumentava-se que, ao se estimular as exportações e limitar as importações ao máximo possível, um país poderia tomar precauções para impedir que isso acontecesse.
Mais tarde, desenvolveu-se a ideia de que a balança comercial sozinha não era decisiva; ela era somente uma variável dentro do balanço de pagamentos. Logo, todo o balanço de pagamentos deveria ser levado em consideração. Como resultado, a teoria passou por uma reorganização parcial. Entretanto, seu pressuposto básico — a saber, que caso o governo não controlasse suas relações comerciais externas todos os metais preciosos poderiam fugir do país — persistiu até finalmente perder a batalha de idéias para as criticas pesadas feitas pelos economistas clássicos.
O balanço de pagamentos de um país nada mais é do que a soma dos balanços de pagamento de todas as suas empresas individuais. A essência de cada balanço é que o crédito seja igual ao débito. Ao compararmos as entradas de crédito com as entradas de débito no balancete de uma empresa, vemos que os dois totais têm de ser o mesmo. A situação em nada se difere para o caso do balanço de pagamentos de todo um país. Ali, também, os totais devem sempre estar em equilíbrio. Esse equilíbrio, que necessariamente tem de ocorrer, pois bens estão sendo comercializados — e não doados — em transações econômicas, não é criado primeiro praticando todas as exportações e importações, sem qualquer consideração para com os meios de pagamento, para somente então se fazer o ajuste do balanço em dinheiro. Não. Mais especificamente, durante uma transação, o dinheiro ocupa exatamente a mesma posição que as mercadorias sendo transacionadas. O dinheiro pode inclusive ser a razão habitual para se fazer as transações.
Em uma sociedade em que as transações com mercadorias se dão por meio de transações monetárias, cada empresa em específico precisa sempre ter em mãos uma determinada quantia de dinheiro. Ela não pode permitir que seu efetivo em caixa fique abaixo da soma considerada necessária para efetuar suas transações. Por outro lado, ela também não pode permitir que seu efetivo em caixa exceda a quantia necessária, pois permitir que essa quantia de dinheiro permaneça ociosa seria uma grande custo de oportunidade, pois a empresa poderia estar ganhando juros com esse dinheiro aplicado. Portanto, se estiver com pouco dinheiro, terá de reduzir suas compras ou vender mercadorias. Se ela estiver com dinheiro em excesso no caixa, então terá de comprar bens.
Para nossos propósitos aqui, é irrelevante se a empresa compra bens de capital ou bens de consumo. Agindo dessa forma, cada indivíduo assegura-se de que não ficará sem dinheiro. Como todos estão buscando os próprios interesses ao agirem assim, é impossível que a livre atuação das forças de mercado faça com que todo o dinheiro em existência saia de uma cidade, de um estado ou de todo um país. O governo federal se preocupar com esse problema faz tanto sentido quanto a cidade de Viena se preocupar com a perda de seu estoque monetário para as localidades vizinhas. Tampouco — supondo-se que estamos em um padrão metálico — precisa o governo se preocupar com a possibilidade de que todo o estoque de metais preciosos flua pra fora do país.
Se tivéssemos um padrão-ouro puro em nível mundial, em que o dinheiro fosse moedas de ouro transacionadas livremente, governo nenhum precisaria estar minimamente preocupado com o balanço de pagamentos. Ele poderia seguramente relegar ao mercado a responsabilidade de manter uma quantidade suficiente de ouro dentro do país. Sob a influência das forças do livre comércio, metais preciosos sairiam do país somente se houvesse um efetivo em caixa excedente; de modo inverso, esses metais fluiriam para dentro do país caso estivessem em escassez, da mesma forma que todas as outras commodities são importadas se sua oferta estiver escassa, e exportadas se houver oferta excedente.
Assim, o ouro está constantemente saindo dos países que o produzem em larga escala para aqueles onde a demanda por ouro excede a quantidade extraída. E sem a necessidade de nenhuma ação governamental para viabilizar esse equilíbrio
Da mesma forma, nenhuma intervenção do governo é necessária para reter os metais preciosos em circulação dentro do país. Todas as ordens e proibições, todas as medidas para limitar as transações internacionais etc. seriam completamente inúteis e despropositadas.
Se tivéssemos um padrão-ouro puro, medidas para impedir a saída de ouro do país em decorrência de um balanço de pagamentos desfavorável seriam completamente supérfluas. No caso extremo de um país que não tivesse ouro suficiente para comprar bens do exterior — porque ele nunca exportou bens ou efetuou serviços lá fora —, ele poderia fazê-lo apenas se conseguisse crédito de estrangeiros. Entretanto, essas compras externas feitas dessa forma de modo algum iriam afetar a estabilidade da moeda dentro desse país.