O governo americano está, a partir desta terça-feira, 1º de outubro, com pagamentos de funcionários públicos e de fornecedores, bem como repasses a estados e municípios, suspensos por falta de orçamento. A oposição republicana se manteve irredutível: só votaria o orçamento do ano fiscal de 2014 se a Casa Branca concordasse em postergar em um ano a adoção da reforma da Saúde. Como isso não ocorreu, o orçamento não foi votado e, como consequência, grande parte do setor público dos EUA será “paralisado” a partir desta terça-feira.
Segundo uma reportagem do governista The Washington Post, a paralisação do governo americano está longe de ser uma genuína paralisação.
Portanto, é hora de começarmos a pensar em como realmente seria esta paralisação do governo federal.
Nem todas as funções do governo irão simplesmente se evaporar no dia 1º de outubro. Os cheques da Previdência Social continuariam sendo enviados pelos Correios, os quais também continuariam funcionando. O controle de tráfego aéreo, os pagamentos de pensões, os serviços militares, os serviços médicos e controle de fronteiras, entre outros, também continuarão ativos. Porém, vários ministérios e agências federais serão fechados, desde o Ministério da Educação até centenas de parques nacionais, e seus funcionários ficarão em casa em licença não-remunerada.
Como é que é? O Ministério da Educação será fechado? Uma agência que supervisiona um fracasso universalmente reconhecido será fechada e isso deve ser visto como algo ruim, como uma ameaça? Próxima!
Os parques nacionais serão fechados? Sem problemas! O governo pode simplesmente elevar os preços das entradas para conseguir algum lucro. Cobrar valores inteiros em vez de subsidiados por impostos não é o mesmo que um fechamento. Mas e se os americanos não quiserem pagar para visitar parques federais? Aí então a ameaça de um fechamento não é realmente uma ameaça. Seria apenas o fechamento de algo pelo qual os turistas não querem pagar para visitar.
Keynesianos têm um mantra: os benefícios dos gastos do governo federal sobrepujam os malefícios dos déficits. Trata-se de um raciocínio econômico tosco. Já a Escola Austríaca de economia possui um outro mantra: redução de impostos aumenta a liberdade. Os EUA estão prestes a testar o primeiro mantra.
Esta reportagem da CNN é típica.
Um fechamento do governo poderia custar à ainda debilitada economia americana aproximadamente US$1 bilhão em salários não-pagos a funcionários públicos federais que serão compulsoriamente colocados em licença não-remunerada. E esta é apenas a ponta do iceberg.
Em primeiro lugar, estima-se que 800.000 funcionários públicos que ficarão sem emprego. Este é praticamente o mesmo número de trabalhadores empregados por todas as linhas de montagem de automóveis e por todas as fábricas de autopeças do país.
O inchaço federal será reduzido. Isso apavora os keynesianos. No entanto, o que pode ocorrer é que dificilmente alguém irá notar a ausência destes burocratas. O maior perigo é que o cidadão americano descubra que tudo aquilo que estes burocratas fazem à custa dos pagadores de impostos pode perfeitamente ser feito sob um arranjo de “taxas em troca de serviços”. Talvez empresas privadas possam ofertar tais serviços. Talvez o governo possa, em vez de cobrar impostos universais, cobrar apenas dos usuários destes serviços uma taxa que cubra os custos.
Se um cidadão quer ir a um museu federal ou a um parque nacional, ele que pague para entrar. É assim que funciona na Disney. Um grande conceito. Nada de férias grátis para alguns eleitores que gostam de tais atividades.
Se um cidadão americano quiser um passaporte, ele pode pagar separadamente para o governo lhe vender um. Por que tal atividade deveria ser subsidiada pelos pagadores de impostos?
Estes trabalhos por acaso exigem grandes habilidades? Não. Pode o governo contratar trabalhadores avulsamente, a um salário de US$15 a hora, sem benefícios de aposentadoria e sem ter de pagar seguro-saúde? É claro que sim.
Este fechamento do governo americano irá revelar aquilo que os cidadãos que realmente pagam impostos já sabem: há muita gordura no governo federal. Há vários burocratas recebendo salários nababescos e sendo protegidos pelo seu status de funcionário público. Eles fazem trabalhos que podem ser perfeitamente terceirizados, a custos bem mais baixos, para o setor privado.
Eis uma rápida lista de empregos públicos que serão cortados.
Adicionalmente, o estrago para a economia é muito maior do que apenas o gasto público federal. Aqueles empregados públicos considerados “não-essenciais” são sim essenciais para vários setores da economia que dependem deles. Por exemplo, a perda de dados do Departamento da Agricultura fará com que seja mais difícil para agricultores e investidores tomarem decisões.
O que ocorrerá se todo o Ministério da Agricultura for fechado? Os subsídios e as tarifas protecionistas para os ineficientes acabarão. Regulamentações restringentes serão abolidas. A produção agrícola irá aumentar. Os preços dos alimentos cairão.
E então há estes burocratas.
O aparato regulatório também sofrerá. A Comissão de Valores Mobiliários colocará vários de seus empregados em licença não-remunerada, mas não quis fornecer o número exato. A Comissão emitiu uma declaração dizendo que a agência “permanecerá aberta e funcional mesmo que o governo federal enfrente um lapso em suas apropriações”.
A Commodities Futures Trading Commission [responsável pelo mercado de futuros] irá dispensar 652 de seus 680 funcionários. Isso deixará 28 pessoas para regular boa parte do mercado de derivativos, que gira US$565 trilhões. Sim, trilhões.
Nenhum destes burocratas é vital. Nenhum deles foi capaz de alertar sobre a crise de 2008. O Diário Oficial da União publica 80.000 páginas de novas regulamentações por ano. E se elas fossem reduzidas a zero? Os EUA reconquistariam boa parte de suas liberdades.
Quantos destes 800.000 empregos públicos podem ser abolidos ou terceirizados? Por que não fazer um teste para descobrirmos?
Porém, economistas dizem que o impacto virá não somente destes salários que deixarão de ser pagos aos funcionários públicos, mas também de vários empreendimentos ligados a estes funcionários públicos, os quais terão de retrair ou até mesmo interromper seus negócios. Isto irá levar a uma retração nos gastos dos trabalhadores destas empresas afetadas.
O impacto econômico total supostamente será pelo menos 10 vezes maior do que o simples cálculo dos salários não-pagos aos funcionários públicos, disse Brian Kessler, economista da Moody’s Analytics. Sua empresa estima que uma paralisação de três a quatro semanas irá custar à economia americana aproximadamente US$55 bilhões.
Isso significa que o impacto econômico de um fechamento de um mês seria praticamente igual aos distúrbios causados conjuntamente pelo furacão Katrina e pela super-tempestade Sandy, desconsiderando os danos físicos causados por essas tempestades.
Em suma: gastos federais são positivos para a economia, pois, dentre outras coisas, ajudam a manter aquelas empresas privadas voltadas exclusivamente para atender às demandas destes gastos públicos. Um corte de gastos tem o mesmo poder destruidor de um furacão. Sério.
Várias empresas privadas, como empreiteiras que possuem contratos com o governo federal, terão de reduzir seu quadro de empregados caso não mais consigam os contratos de prestação de serviços que normalmente conseguem junto ao governo. Há também uma grande variedade de empreendimentos que dependem do governo para conduzirem suas operações rotineiras — por exemplo, empresas de turismo que dependem de os parques nacionais permanecerem abertos.
O corporativismo e o clientelismo serão reduzidos? Empresas terão de se virar no livre mercado, sem usufruir contratos privilegiados e superfaturados junto ao governo? Isso soa extremamente produtivo.
Um fechamento do governo irá também afetar pequenos empreendimento, uma vez que [a agência reguladora] Small Business Administration também não mais poderá processar pedidos de empréstimos.
Isso é positivo. Empreendimentos de alto risco, esbanjadores e subsidiados pelo governo não serão iniciados.
Mas o que realmente preocupa os economistas não é o que ocorrerá em decorrência de um fechamento do governo. A real preocupação é se a atual batalha legislativa irá impedir que o teto da dívida seja elevado antes que o Tesouro fique sem dinheiro para pagar as contas nacionais.
A não-elevação do teto da dívida seria excelente. Isso significa menos dinheiro sendo retirado de atividades produtivas para ser desviado para os títulos do governo. Isso significa que o dinheiro poderá ir para o setor privado em vez de financiar as ineficiências estatais.
Até agora, tudo está ótimo.
Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, testemunhou perante o Congresso na semana passada e disse que, embora um fechamento do governo vá gerar uma redução no crescimento econômico, a não-elevação do teto da dívida irá forçar o governo a implementar profundos cortes de gastos, os quais iriam rapidamente afundar a economia americana em uma nova recessão.
Isso é keynesianismo em estado bruto. É sempre bom ter uma chance de testar o keynesianismo em condições de laboratório.
Será que realmente devemos acreditar que é impossível o governo federal equilibrar seu orçamento? Se isso de fato for verdade, então ele inevitavelmente irá quebrar, e isso o obrigará a equilibrar o orçamento.
Portanto, o orçamento terá de ser equilibrado de um jeito ou de outro. Isso deve ser feito agora ou mais tarde? Meu voto é que seja agora.
Que comece o teste. Quais burocratas serão dispensados? Por quanto tempo? Quais podem ser terceirizados?
Isso irá responder a uma pergunta: “E se nada daquilo com que a maioria dos eleitores realmente se importa for fechado?”
Conclusão
A frase “fechamento do governo” não significa realmente um “fechamento do governo”. Significa “paralisação de atividades improdutivas”. Significa “paralisação de subsídios para grupos de interesse”.
E os Correios? Serão fechados? Não.
E a CIA? Será fechada? Não.
E a agência de bisbilhotagem NSA? Será fechada? Não.
E a TSA [Transportation Security Administration] e seus burocratas que apalpam as partes íntimas de passageiros nos aeroportos? Será fechada? Não.
E o Departamento de Segurança Interna? Será fechado? Não.
Minha sugestão: parem de se preocupar com um fechamento do governo. Ao contrário, preocupem-se com o fato de que grande parte do governo ainda continuará funcionando.