Thursday, November 21, 2024
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A nova lei antitruste brasileira: uma agressão à livre concorrência

antitrusteRecentemente, a legislação antitruste brasileira foi reformulada, e a nossa autoridade antitruste ganhou mais dinheiro e mais poder. Desde então, é notória a maior intervenção nos mercados levada a cabo pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Veja dois exemplos aqui e aqui.
Notícias sobre atos de concentração empresarial reprovados ou submetidos a restrições têm aumentado consideravelmente. Também aumentou bastante o número de investigações e acusações sobre cartéis e outras “infrações contra a ordem econômica”.

A propósito dessa situação, o professor da USP Calixto Salomão Filho, um dos mais renomados especialistas brasileiros na área do direito antitruste, escreveu artigo na Folha de São Paulo (aqui para não-assinantes) enaltecendo essa postura mais intervencionista do CADE. Segundo ele, não se deve considerar a defesa da concorrência — missão institucional de uma autoridade antitruste — com o livre funcionamento do mercado. Nas suas palavras, “nada poderia ser mais equivocado, tanto do ponto de vista histórico quanto conceitual”.

Ele ainda confessa claramente não apenas sua visão, mas a de todo o mainstream acadêmico: “defesa da concorrência eficaz sempre foi sinônimo de intervenção econômica, por meio da restrição e mesmo do desfazimento de monopólios, sancionamento de cartéis, restrições verticais etc. Afirmar que defesa da concorrência não pode ser interventiva é uma contradição em termos”.

De fato, a tal “defesa da concorrência” exercida pelas autoridades antitruste nunca significou a defesa do livre funcionamento do mercado. Tal expressão foi e continua sendo usada apenas por soar bem aos ouvidos. O que uma autoridade antitruste faz é qualquer coisa, menos a defesa da concorrência.

Portanto, pode-se dizer que o professor Calixto está certo: tanto do ponto histórico, quanto do ponto de vista conceitual, acreditar que o direito antitruste tem como função assegurar o livre funcionamento do mercado é algo que exige muita ingenuidade e desconhecimento dos fatos e da teoria econômica. Foi o que eu tentei demonstrar nesse artigo publicado exatamente no dia em que a nova lei antitruste brasileira entrou em vigor, em maio de 2012.

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No dia 29 de maio de 2012 entrou em vigor a Lei nº 12.529, publicada em 30 de novembro de 2011, mas submetida, dada a sua relevância, a um vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias.
Basicamente, essa lei “estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica”. É a nossa nova lei antitruste, que substituirá a Lei nº 8.884/1994.

O principal órgão criado e disciplinado pela legislação antitruste é o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), cujas principais atribuições, em linhas gerais, são as seguintes: (i) analisar preventivamente atos de concentração empresarial, como fusões e incorporações de empresas (controle de estruturas), (ii) punir agentes econômicos que atentem contra a ordem econômica, praticando atos como cartéis ou preços predatórios (repressão de condutas) e (iii) difundir a chamada “cultura da concorrência” pelo País (advocacia da concorrência).

A nova lei altera a estrutura do SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e traz também algumas mudanças importantes no procedimento de análise dos atos de concentração empresarial. Quanto à estrutura, o que há de mais relevante é a “transformação” da antiga Secretaria de Direito Econômico, antes ligada ao Ministério da Justiça, em Superintendência Geral, órgão agora integrante do próprio CADE. Quanto ao procedimento, a grande mudança é na previsão de análise prévia dos atos de concentração — no regime da lei revogada, as empresas tinham até 15 (quinze) dias úteis após a realização do ato de concentração para submetê-lo ao exame do CADE.

Meu objetivo neste artigo, porém, não é discutir o que a lei nova muda em relação à lei anterior, mas questionar a própria necessidade de uma legislação de “defesa” da concorrência.

Em um estudo recente que coordenei, por ocasião do II Congresso Brasileiro de Direito Comercial[1], procurei demonstrar que leis e órgãos antitruste são a verdadeira antítese da livre concorrência e que, por conseguinte: (i) o CADE deveria ser abolido e (ii) sua lei de regência deveria ser revogada.

Nas linhas a seguir, tentarei resumir os argumentos contidos no referido estudo, focando em três pontos: (i) as leis antitruste foram forjadas sobre mitos e falácias; (ii) o direito antitruste é embasado em uma teoria econômica falha; e (iii) os burocratas que ocupam os órgãos antitruste não possuem superpoderes e não podem, portanto, controlar o mercado.

1. Os mitos e falácias que forjaram a criação das leis antitruste

Grosso modo, pode-se dizer que a origem das leis antitruste hoje vigentes, inclusive a brasileira, é o Sherman Act, a lei antitruste americana, de 2 de julho de 1890, complementada posteriormente pelo Clayton Act, de 1914, e pela lei que criou, no mesmo ano, o Federal Trade Comission, a agência antitruste americana, na qual o nosso CADE se inspirou.

Segundo os manuais de direito antitruste (aqui também chamado de direito concorrencial ou direito econômico), o Sherman Act foi editado numa época em que a economia americana assistia à formação de grandes grupos monopolistas, que lucravam às custas dos consumidores praticando preços abusivos. Chega-se a afirmar que o Sherman Act teria sido a salvação do liberalismo, que estaria sendo destruído pelo excesso de liberdade econômica, causadora de concentrações monopolísticas que distorciam as regras naturais de competição.

A propósito, confira-se o que afirmam dois dos mais respeitados especialistas em direito antitruste no Brasil sobre as origens do Sherman Act:

A exposição dos fatores político-econômicos relevantes para aprovação do Sherman Act permite focalizar corretamente a questão. Em primeiro lugar, fica bastante evidente que a maior preocupação relativamente aos monopólios naquela época eram os efeitos econômicos negativos sobre o consumidor.[2]

O Sherman Act de 1890 representa, para muitos, o ponto de partida para o estudo dos problemas jurídicos relacionados à disciplina do poder econômico. Com efeito, essa legislação deve ser entendida como o mais significativo diploma legal que corporificou a reação contra a concentração de poder em mãos de alguns agentes econômicos, procurando discipliná-la. Não se deve dizer que o Sherman Act constitui uma reação ao liberalismo econômico, pois visava, justamente, a corrigir distorções que eram trazidas pela excessiva acumulação de capital, ou seja, corrigir as distorções criadas pelo próprio sistema liberal. Não obstante a opinião contrária de parte da doutrina norte-americana, o Sherman Act tratou, em um primeiro momento, de tutelar o mercado (ou o sistema de produção) contra seus efeitos autodestrutíveis.[3]

O estudo da História, porém, mostra que a afirmação de que o Sherman Act surgiu para proteger o ambiente concorrencial e, consequentemente, os consumidores é uma falácia.

Dominick Armentano, professor emérito da Universidade de Hartford e talvez o mais especializado estudioso das leis antitruste ligado à Escola Austríaca de Economia, afirma que as leis antitruste “foram criadas precisamente para serem usadas pelos concorrentes menores para arrasar concorrentes mais eficientes”.[4]

Outro estudioso ligado à Escola Austríaca que compartilha dessa opinião é o professor da Loyola University Thomas DiLorenzo, para quem “na verdade, a história do antitruste tem sido uma história de caça às bruxas lançada contra as empresas mais inovadoras e empreendedoras da América”[5].

Ninos P. Malek, PhD em Economia pela George Mason University, é mais enfático ainda, afirmando que as leis antitruste, na verdade, são “um porrete usado por empresas contra seus concorrentes com melhor desempenho”[6].

Como dito, basta estudar a História com um pouco de cuidado para identificar as mentiras sobre as quais foi construído todo o arcabouço normativo que fundamenta o direito antitruste.

Analisando a economia americana no período das discussões sobre o Sherman Act e no início de sua vigência, Thomas DiLorenzo verificou que as empresas acusadas de monopolização dos mercados estavam aumentando sua produção e reduzindo seus preços num ritmo muito maior do que o resto da economia como um todo. Nas suas palavras:

Num estudo publicado em junho de 1985 na International Review of Law and Economics, eu mostrei que as indústrias acusadas de ‘monopolização’ pelo senador Sherman e seus colegas em 1890 estavam expandindo sua produção quatro vezes mais rápido do que a economia como um todo (algumas até dez vezes mais rápido) e baixando os seus preços ainda mais rápido do que o nível geral de preços estava caindo durante aquele período deflacionário.[7]

Alguns casos históricos são realmente impressionantes, como o da ALCOA, uma das empresas que foi acusada de “monopolização” na fase inicial do direito antitruste americano. Mas sabem qual é a verdadeira história desse caso, contada em detalhes por Dominick Armentano? A ALCOA foi fundada em 1887, quando ela se chamava Pittsburgh Reduction Company e a libra de alumínio custava 5 dólares. Em aproximadamente 50 anos, ela passou a dominar o mercado de alumínio, razão pela qual foi acusada, em 1937, de “monopolização”. Ocorre que durante esse período ela, com base na sua eficiência, reduziu o preço da libra de alumínio para ínfimos 22 centavos de dólar. Em suma: a ALCOA foi processada porque reduziu em aproximadamente 95% o preço final do produto que comercializava[8].

Outro caso conhecido é o da Standard Oil, de John Rockfeller, acusada de monopolizar a indústria do petróleo, praticar preços predatórios para destruir rivais e cobrar preços abusivos de seus consumidores[9]. Na verdade, durante o suposto “monopólio” da Standard Oil o preço do barril de querosene caiu de 30 centavos para 6 centavos[10].

Foi esse tipo de efeito negativo sobre os consumidores provocado pelos “monopólios” que preocupou os criadores do Sherman Act e todas as leis antitruste que o copiaram? Claro que não! Obviamente, não eram os consumidores que estavam preocupados com essa postura das empresas “monopolistas” de aumentar a produção e baixar os preços. Quem estava preocupado com isso eram os concorrentes dessas empresas, e foram eles que passaram a pressionar os políticos a aprovarem uma lei antitruste.

Quem mais pressionou o governo para aprovação do Sherman Act foram os pequenos produtores rurais, por meio de seus sindicatos (os grangers). Esses pequenos produtores não estavam agindo em defesa da liberdade econômica ou dos consumidores, mas de seus próprios interesses, já que grandes empresas — como a Swift — estavam lhes tomando mercado oferecendo produtos mais baratos e melhores.[11]

A afirmação de que a lei antitruste americana foi criada para combater efeitos nocivos de supostos monopólios é, portanto, uma falácia cuidadosamente forjada ao longo de anos. A real história americana do final do século XIX mostra grandes empresas aumentando sua produção, reduzindo seus preços e impulsionando o desenvolvimento econômico e social dos EUA. Nas palavras sempre precisas de DiLorenzo:

Os economistas que acreditam que houve uma “idade de ouro do antitruste” nunca produziram qualquer evidência disso. Como demonstrei neste trabalho, o Sherman Act foi um instrumento usado para regular algumas das indústrias mais competitivas da América, que foram expandindo rapidamente sua produção e reduzindo os seus preços, para o desespero de seus menos eficientes (mas politicamente influentes) concorrentes. O Sherman Act, além disso, foi usado como um despiste para esconder a verdadeira causa do monopólio no final dos anos 1880: protecionismo. O principal patrocinador do projeto de lei tarifária de 1890, que passou apenas três meses após o Sherman Act, não era outro senão o próprio senador Sherman.[12]

No mesmo sentido se manifesta Thomas Woods, historiador americano formado em Harvard e com PhD na Columbia University:

Na realidade, era muito difícil para as grandes empresas manterem sua posição dominante em várias áreas industriais dos EUA do final do século XIX. Isso era válido para ramos industriais tão diversos quanto petróleo, aço, ferro, automóveis, maquinaria agrícola, cobre, acondicionamento de carne e serviços de telefonia. A concorrência era extremamente vigorosa.[13]

O que motivou a criação da lei antitruste americana — e o que sustenta todas as leis antitruste até os dias atuais — foi o protecionismo e o intervencionismo. É interessante para o governo ter, como moeda de troca, a possibilidade de fustigar empresas que estejam incomodando os amigos do rei. E muitas empresas também gostam de saber que podem contar com a ajuda do governo na hora de atacar concorrentes mais eficientes.

2. As falhas da teoria econômica que fundamenta o direito antitruste

O direito antitruste foi construído sob as bases da teoria econômica neoclássica, a qual utiliza, para análise de concentrações empresariais ou supostas condutas anticompetitivas, conceitos econômicos que possuem falhas grotescas. Uma dessas falhas, por exemplo, é confundir concentração com monopólio.

Para a teoria liberal clássica, o fato de um determinado mercado de bens ou serviços estar concentrado, havendo apenas uma empresa ou poucas empresas atuando nunca foi suficiente para caracterizar a existência de um monopólio (ou duopólio ou oligopólio), que devesse ser combatido por meio de intervenção estatal. A noção de monopólio sempre esteve ligada à existência de barreiras legais à entrada de competidores, algo que não pode ser criado por nenhum agente econômico privado, por mais poder de mercado que ele ostente. Só quem pode criar barreiras legais à entrada e, portanto, criar monopólios, duopólios ou oligopólios é o estado, através de regulamentações, políticas protecionistas etc. Nesse caso, realmente, os danos ao mercado são evidentes.

Num ambiente de livre iniciativa e livre concorrência, uma determinada empresa só consegue abocanhar expressiva fatia de mercado sendo mais eficiente que seus competidores, isto é, ofertando bens ou serviços mais baratos, de melhor qualidade ou ambas as coisas. E ela só conseguirá se manter com essa expressiva fatia de mercado, ou mesmo ampliá-la, se continuar sendo eficiente. Nesse caso, pois, a concentração, ainda que seja chamada de monopólio, não gera dano nenhum ao mercado.

Comparando as duas situações mencionadas nos parágrafos anteriores, Hans Sennholz, PhD em Economia pela New York University, distinguiu o monopólio ruim — gerado pelo estado por meio da criação de barreiras legais à entrada — do que ele chamava de monopólio bom — alta concentração decorrente de eficiência competitiva.

Em uma economia de mercado livre e desimpedida, sem agências reguladoras e conselhos antitruste, um monopólio não é causa para alarde. Uma empresa que porventura detenha o controle exclusivo de uma mercadoria ou de um serviço em um mercado específico será, ainda assim, incapaz de explorar essa situação, e pelos seguintes fatores competitivos: a concorrência potencial, a concorrência de substitutos, e a elasticidade da demanda.

(…)

Em um sistema de liberdade econômica irrestrita, uma posição monopolística de mercado só pode ser conquistada pela eficiência. Sem intervenções governamentais, uma empresa eficiente tende a crescer até atingir seu tamanho ótimo, quando os custos por unidade produzida são os menores.

(…)

Não se pode negar que, no atual mundo intervencionista em que vivemos, vários monopólios de fato possuem o poder de restringir a produção e praticar preços monopolísticos. Porém, a causa desta lamentável situação está na multiplicidade de restrições governamentais à livre concorrência, como regulamentações, burocracias, restrições ambientalistas e carga tributária alta, que serve como uma barreira protecionista que defende quem já está no mercado. Se o governo impede concorrentes de entrarem no mercado, os consumidores perdem a proteção oferecida pela concorrência potencial.

(…)

Por meio de concessões, licenças, patentes, tarifas e outras restrições, o governo na prática criou milhares de monopólios.[14]

Mas os neoclássicos questionam, afirmando que, ao conseguir uma concentração expressiva, a empresa adquire o chamado poder de mercado, o que permite que ela atue como se monopolista fosse, abusando dessa posição. Errado!

Pouco importa se apenas uma empresa domina um mercado de bens ou serviços, desde que não existam barreiras legais à entrada, as quais, repita-se, só podem ser criadas pelo estado. Sem barreiras legais à entrada, ainda que uma empresa se torne “monopolista” ela não poderá abusar de sua “posição dominante”. Se ela aumentar os preços injustificadamente, por exemplo, seus consumidores reagirão, comprando produtos substitutos. Ademais, preços altos atraem concorrentes, os quais, se não houver barreiras legais à entrada, correrão para atender os consumidores insatisfeitos com os “preços abusivos” do monopolista. Como disse Ludwig von Mises, o grande expoente da Escola Austríaca de Economia,

se um empreendedor não obedecer estritamente às ordens do público tal como lhe são transmitidas pela estrutura de preços do mercado, ele sofrerá prejuízos e irá à falência. Outros homens que melhor souberam satisfazer os desejos dos consumidores o substituirão.[15]

Enfim, os neoclássicos desconhecem o conceito de “soberania do consumidor”, tão bem trabalhado e explicado pela Escola Austríaca.

O conceito de monopólio ou de poder de monopólio [usado pelo direito antitruste] é equivocado. Não importa quantos concorrentes estão no mercado e sim se há livre entrada e saída. Somente quando há barreiras legais à entrada, ou seja, concessões de privilégios governamentais, que monopólios são constituídos.[16]

É preciso não confundir, também, liberdade de entrada e capacidade de entrada, como bem destaca George Reisman, PhD em Economia e professor emérito da Pepperdine University:

Liberdade de entrada não significa capacidade de entrar em um dado setor. Se as pessoas não possuem a capacidade de entrar em uma determinada área da economia (porque, por exemplo, elas não possuem o capital para isso), isso não significa que a liberdade de entrada no mercado foi violada. Assim, por exemplo, se for necessário um investimento mínimo de, digamos, $1 bilhão, para se ter uma mínima esperança de poder competir no setor de aparelhos eletrônicos e informática, isso não significa de modo algum que tal setor não possui liberdade de entrada, ou que a minha liberdade, como indivíduo, de entrar em tal setor foi violada de alguma forma só porque eu pessoalmente não tenho a capacidade de levantar o bilhão necessário.

O fato de eu não possuir ou não poder levantar o capital necessário não implica uma violação da minha liberdade de entrada, assim como o fato de eu não possuir um canal de televisão ou um jornal, e não gozar do apoio de nenhum deles, não implica uma violação da minha liberdade de expressão ou de imprensa.

Sob quais circunstâncias a liberdade de entrada estaria sendo violada? Ela estaria sendo violada se eu realmente possuísse ou pudesse obter o capital necessário— e, obviamente, fosse também capaz de satisfazer vários outros requerimentos necessários para poder concorrer, como ter montado uma equipe com administradores capacitados e mão-de-obra qualificada, dominar conceitos tecnológicos etc. — e fosse coercivamente impedido de entrar neste setor pelo governo.[17]

Assim, liberdade de entrada não é garantia de entrada. Longe de ser algo ruim para o ambiente concorrencial, o fato de um determinado mercado de bens ou serviços exigir altos investimentos para entrada mostra que nele existe concorrência. E mais: “se a entrada num determinado mercado exige recursos vultosos, isso tem o mérito de desencorajar amadores e diletantes, pois entregar recursos escassos a produtores ineficientes significa desperdiçá-los”.[18]

Outro problema do direito antitruste é que toda a sua abordagem se baseia em mais um conceito econômico falho: a “concorrência perfeita”.

A teoria macroeconômica neoclássica, prevalecente no meio acadêmico nos dias atuais e que deu origem à legislação antitruste, assenta-se na teoria dos modelos estáticos de competição perfeita, elaborados sobre cenários de equilíbrios cartesianos pré-estabelecidos, nos quais foram convencionalmente isoladas estas e aquelas variáveis e arbitrariamente impostas algumas condições que jamais se verificariam no mundo real, tais como um número idealmente infindo de competidores, o conhecimento completo do mercado, os produtos absolutamente homogêneos, a inexistência de restrições artificiais à circulação dos produtos e a ausência de inovações tecnológicas ou mercadológicas que interferissem nos preços e nas preferências dos consumidores.

O que esta escola econômica pretende demonstrar é que quaisquer desvios dos modelos ideais de competição perfeita tendem a gerar uma pior utilização dos recursos, e consequentemente, uma redução do bem-estar geral da sociedade, com base na presunção de que os operadores de um mercado não atomizado tendam a majorar os preços e reduzir a produção, gerando consequentemente a alegação da necessidade de que tais condutas devam ser monitoradas e reprimidas por meio da intervenção estatal.[19]

Como se vê, o modelo de concorrência perfeita é absolutamente irreal, porque desconsidera o fato óbvio de que o mercado é um processo dinâmico, e não um dado estático, que pode ser capturado e manipulado. Assim, podemos afirmar sem medo de errar que a concorrência perfeita é:

(…) um modelo fundado em pressupostos irrealistas, concebido para tratamento matemático de modo a que as contas “fechem” no final, e que contribui pouco para a compreensão do que se propõe a retratar. A concorrência perfeita é uma situação de equilíbrio, estática, morta. Um trabalho famoso de F. Hayek (The Meaning of Competition, no livro Individualism and Economic Order), economista vencedor do Nobel de 1974, demonstrou que, enquanto a concorrência no mundo real é um processo, evidentemente dinâmico, o modelo da concorrência perfeita esboça (por ironia, imperfeitamente) o resultado idealizado e esterilizado desse processo num determinado momento. Esse paradigma teórico não fornece ao estudioso nenhuma pista de como as coisas chegaram ao ponto em que chegaram, nem tampouco razão alguma para que se aceite o estado final imaginário apresentado como estado final concreto e muito menos motivo e legitimidade científica ou prática para que o modelo se preste a elemento normativo para julgamento e reforma dos mercados vivos.

O fracasso da concorrência perfeita se deve ao fato de que ela abstrai justamente o que é absolutamente fundamental no estudo da economia: o homem. Na economia de mercado é o homem em seu papel de consumidor quem determina o que deve ser produzido, em que quantidades e a que preços. E é o homem na qualidade de empresário quem procura organizar a produção no sentido de antecipar, descobrir e atender corretamente as preferências e gostos dos consumidores. E essas preferências e gostos estão em perene transformação porque essa é a natureza humana. As pessoas querem mais disso e menos daquilo, querem melhor qualidade e menor preço, querem coisas que ainda nem foram inventadas. O estudo fecundo da concorrência deve levar em conta o seu atributo dinâmico, sua natureza como processo, a inter-relação de todos os mercados, as preferências mutantes dos consumidores e a função dos empresários. Devemos aos economistas da escola austríaca a restauração e o refinamento da concepção correta e dos parâmetros adequados para a abordagem do fenômeno, que eram conhecidos e utilizados pelos economistas clássicos (v. por ex. Israel Kirzner, Competição e Atividade Empresarial).[20]

Ora, é da essência do mercado a imperfeição, já que a concorrência é um processo de descoberta, onde empreendedores se arriscam e buscam, constantemente, descobrir as preferências dos seus consumidores, sempre em busca do lucro.

Para a Escola Austríaca, o mercado é um processo de permanentes descobertas, de tentativas e erros, o qual, ao amortecer as incertezas, tende sistematicamente a coordenar os planos formulados pelos agentes econômicos. Como as diversas circunstâncias que cercam a ação humana estão ininterruptamente sofrendo mutações, segue-se que o estado de coordenação plena jamais é alcançado, embora os mercados tendam para ele.[21]

Não há, pois, como justificar a atuação estatal para corrigir supostas falhas de mercado, proibindo atos de concentração empresarial que tendam a permitir o surgimento de empresas com poder de mercado. É absurdo tentar impedir o funcionamento natural do mercado, em razão de suas “imperfeições” reais, e usar como parâmetro o modelo econômico irreal e estático da “concorrência perfeita”. Isso significa negar a própria natureza do mercado como processo dinâmico de descoberta e ajuste em que os empreendedores atuam diante de incertezas. Com efeito, “a desorganização do mercado não é um problema, mas sim um sinal de vitalidade”[22]. Em suma: “usar o modelo de competição perfeita como objetivo das políticas de competição confunde o modelo com processos competitivos reais e leva a enormes erros de políticas”.[23]

Diversos outros conceitos econômicos equivocados que fundamentam o direito antitruste poderiam ser mencionados, como o de “monopólio natural”[24]. Mas esse breve artigo não é o local apropriado para tanto[25].

3. Burocratas não possuem superpoderes

burocrataAssim como não existe, no mundo real, o modelo de concorrência perfeita dos economistas neoclássicos, também não existem serem humanos perfeitos. Os burocratas que ocupam as agências antitruste não são dotados de poderes sobrenaturais que lhes permitem adivinhar como o mercado deve funcionar para atingir seu desempenho ótimo.

O que se afirmou no parágrafo anterior deve parecer óbvio para muitos, não é mesmo? Mas será que todos já pararam para pensar que o direito antitruste exige que nós também ignoremos essa inexorável realidade?

Quando duas empresas resolvem se fundir, o que acontece? Alguns burocratas (no Brasil, são sete, de acordo com o art. 6º da nossa lei antitruste) se reúnem, discutem e decidem se aquela fusão vai ser boa ou ruim para o mercado. Nessa discussão, todos os conceitos econômicos equivocados da teoria econômica neoclássica são expostos como se fossem dogmas, e as empresas ficam reféns da decisão do “tribunal”. Pare um pouco, reflita e depois se pergunte: isso está certo? É evidente que não! Se isso for a coisa certa a fazer, então é melhor planificarmos totalmente a economia e entregarmos o seu destino aos ditames desses burocratas iluminados.

O fato é que no sistema [do direito antitruste] os agentes estatais sabem melhor do que os próprios produtores o que deve ser produzido, em que quantidade e qualidade e a que preço, e do mesmo modo sabem melhor do que os consumidores o que é bom para eles. Ora, se o, digamos, “homo publicus” é um ser perfeito, ou ao menos não tão imperfeito quanto o “homo privatus”, não existe razão de ordem lógica que impeça que o sistema superior absorva integralmente o sistema inferior. Ou, o que é a mesma coisa, se o estado é capaz de organizar o mercado melhor do que o fariam espontaneamente os milhões de compradores e vendedores que constituem este último, se o mercado entregue a si mesmo gera inexoravelmente concentração e miséria, por que não simplesmente suprimir a economia capitalista e deixar que o estado ordene justa e racionalmente a produção, distribuição e consumo? (…) Não há motivos para não abolir tout court a economia de mercado se aceitarmos os postulados básicos do [direito antitruste].[26]

É impossível prever os resultados de uma determinada concentração empresarial. Nem as empresas que estão se fundindo sabem o que vai acontecer. Pode ser que a decisão delas se mostre acertada, e a fusão acarrete diminuição de custos e aumento da eficiência. Porém, pode ser que a fusão não produza os efeitos esperados. Não há como adivinhar uma coisa ou outra.[27]

Mas o problema de conferir poderes de controlar a economia a burocratas não se esgota nesse aspecto. Antes fosse apenas isso. Alguns servidores públicos passam por um processo de lavagem cerebral e tendem a acreditar que eles são pessoas diferentes, imunes ao erro e a desvios éticos, os quais seriam privilégio do setor privado. Alguém consegue levar a sério uma afirmação dessa? Servidores públicos são seres humanos como quaisquer outros (sim, lembrem a eles isso!), mas que possuem uma diferença essencial em relação aos agentes do mercado: estes não possuem o aparato coercitivo estatal para impor suas vontades; aqueles, sim.

Embora pouco divulgados no Brasil, os economistas da chamada escola da Public Choice desenvolveram extensas e profundas análises do universo político partindo de premissas muito mais realistas do que as desposadas por Benayon, como a de que os agentes estatais atuam segundo seus próprios motivos egoísticos (motivo do lucro) tanto quanto seus pares no setor privado. A diferença entre uns e outros é que o operador estatal conta, em última análise, com a força policial para fazer valer sua vontade, ou seja, ele tem o privilégio, negado aos particulares, mesmo aos maiores conglomerados econômicos, de coagir legalmente terceiros a se submeterem aos seus ditames. Daí se infere que, uma vez munidos de poderes para se imiscuir na esfera econômica, os agentes do estado tendem a se servir deles em seu próprio benefício. De sorte que subsídios serão concedidos mediante comissões “por fora”, licenças e autorizações burocráticas serão vendidas pela melhor oferta, a concorrência será proibida mediante retorno em dinheiro sonante ou votos de sindicatos de empregados dos setores protegidos e assim por diante, das altas esferas até o âmbito mais humilde dos camelôs de rua e seus algozes do “rapa”. (…)[28]

Outro problema grave decorrente da concessão de poderes de controlar a economia aos burocratas das agências antitruste é a captura regulatória. As empresas bem relacionadas não encontram dificuldades para usar a regulação antitruste em seu favor. Vale lembrar que os especialistas em direito antitruste afirmam, sem rodeios, que na atual fase desse ramo jurídico-econômico ele deve ser utilizado como instrumento de políticas públicas.

Tendo-se em mente os objetivos da lei antitruste, aparece clara, conjuntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua aptidão para servir à implementação de políticas públicas, especialmente de políticas econômicas entendidas como “meios de que dispõe o estado para influir de maneira sistemática sobre a economia”.

Ou seja, o antitruste já não é visto apenas em sua função de eliminação dos efeitos autodestrutíveis do mercado, mas passa a ser encarado como um dos instrumentos (…) de que dispõe o estado para conduzir o sistema. Vale a referência às palavras de Siro Lombardini, mencionando um dos objetivos que pode ser perseguido mediante a aplicação da lei antitruste: “oferecer um instrumento para que as administrações públicas possam orientar as decisões dos grandes grupos de empresas para realizar o processo de desenvolvimento tido como possível e desejável”.

Também no que se refere ao antitruste, ao vê-lo como um instrumento de implementação de políticas públicas, não estamos restringindo sua atuação ao campo da superestrutura. Ao contrário, trata-se de “um nível funcional de todo o social” (…).[29]

Fica claro, portanto, que a atuação de uma agência antitruste pode variar ao sabor das conveniências políticas. Se uma empresa está ganhando mercado em razão de sua eficiência, que tal abrir um processo contra ela, alegando a prática de “preço predatório”, “abuso de posição dominante” ou qualquer outra “conduta anticompetitiva”?[30] Por outro lado, se uma empresa está em crise, que tal pedir o afrouxamento das regras do direito antitruste para permitir que ela, com o dinheiro do BNDES, faça uma fusão e adquira uma concentração de mercado que, em princípio, não seria permitida pela lei antitruste?[31] Aqui vale aquela famosa máxima: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”.

4. E os ataques estatais à livre iniciativa e à livre concorrência? Quem pune?

Ficando claro que a regulação antitruste é absolutamente desnecessária num ambiente de livre mercado, sendo mesmo incompatível com a idéia de livre concorrência, resta ainda um questionamento: na medida em que é o estado o único agente capaz de criar barreiras legais à entrada e, consequentemente, produzir monopólios, duopólios, oligopólios e cartéis, estes sim nocivos à economia, não seria interessante ter uma autoridade antitruste para combater justamente esses ataques estatais ao ambiente concorrencial?

Sim, poderia até ser interessante, se a própria autoridade antitruste não fosse ela mesma um ente estatal. Por mais que os teóricos do direito administrativo moderno defendam a autonomia e a independência das agências reguladoras, como é o caso da autoridade antitruste, isso na prática não ocorre. Os burocratas dessas agências sabem, ainda que inconscientemente, que obedecem a “ordens” superiores, e qualquer passo fora da linha pode custar muito caro. Burocratas “autônomos e independentes”, alheios às pressões dos altos escalões, não possuem vida longa na burocracia estatal.

Para que minhas afirmações não sejam qualificadas como suposições ou ilações, vou dar alguns exemplos práticos.

O que a autoridade antitruste faz quando o estado regulamenta profissões, criando “guildas” que impedem o livre exercício de ofício por qualquer pessoa? Nada, a despeito de isso ser uma violenta agressão à livre iniciativa.

O que a autoridade antitruste faz quando o estado pratica protecionismo, impedindo, por exemplo, empresas estrangeiras de competir com empresas nacionais? Nada, a despeito de isso ser uma violenta agressão à livre concorrência.

O leitor sabe que eu poderia citar ‘n’ outros exemplos de agressões estatais à livre iniciativa e à livre concorrência: regulamentações, licenças, autorizações etc. E a maioria dessas agressões é praticada justamente por “irmãs” da autoridade antitruste, as agências reguladoras: a ANAC impede que companhias aéreas estrangeiras façam voos domésticos; a ANCINE impõe cotas de programação nacional às empresas de TV a cabo; o BACEN impõe uma moeda e proíbe a criação de outras. E a autoridade antitruste faz o quê contra isso? Nada! Ela prefere ficar perseguindo empresas eficientes que estão conquistando consumidores oferecendo produtos e serviços que eles decidem comprar voluntariamente.

Alguns podem objetar dizendo que a lei não confere poderes para a autoridade antitruste agir contra essas agressões estatais à livre iniciativa e à livre concorrência. Não é verdade. Como eu disse no início deste artigo, uma das funções da autoridade antitruste é a “advocacia da concorrência”, que consiste na prática de difundir a importância da livre iniciativa e da livre concorrência para o funcionamento sadio do mercado. No mínimo, caberia à autoridade antitruste, diante dessas agressões estatais ao ambiente concorrencial, recomendar a não realização de tais práticas ou a sua cessação. Por que a autoridade antitruste não opina nos projetos de lei que regulamentam profissões, pedindo ao Congresso Nacional a não aprovação deles, ou recomendando ao Presidente o seu veto, em razão de eles configuraram uma agressão à livre iniciativa? Por que a autoridade antitruste não emite uma recomendação formal contra todas as medidas protecionistas orquestradas pela equipe econômica do governo federal, em razão de elas serem uma agressão à livre concorrência? Alguém já leu na grande mídia uma matéria noticiando que a autoridade antitruste brasileira fez algo desse tipo?

5. O que a nova lei realmente significa

Murray Rothbard, talvez o mais brilhante aluno de Mises, nos alertou para o fato de que a burocracia estatal tende a crescer sempre, e para tanto vai convencer os políticos e a opinião pública de que sua missão é defender o interesse público.

Portanto, ao passo que a tendência natural de empresas e instituições que operam no livre mercado é ser a mais eficiente possível em atender às demandas dos consumidores, a tendência natural da burocracia estatal é crescer, crescer e crescer, e tudo à custa dos espoliados, extorquidos e ignorantes pagadores de impostos.

Se o lema da economia de mercado é o lucro, o lema da burocracia é o crescimento. Como esses respectivos objetivos devem ser alcançados? A maneira de se obter lucro em uma economia de mercado é superando seus concorrentes no dinâmico e continuamente volátil processo de satisfazer as demandas dos consumidores da melhor forma possível: criar restaurantes self-service em vez de restaurantes à la carte, notebooks em vez de computadores, ou mesmo inventar fotocopiadoras e máquinas fotográficas digitais. Em outras palavras, produzir bens ou serviços concretos, pelos quais os consumidores estarão dispostos a pagar. Por outro lado, para conseguir seu crescimento, o chefe da burocracia estatal terá de convencer a legislatura ou o comitê de planejamento de que seus serviços serão, de alguma maneira indefinida, benéficos ao “interesse público” ou ao “bem-estar da população como um todo”.[32]

A nova lei antitruste brasileira é uma prova cabal de que Rothbard estava certo. A lei cria nada menos do que 200 cargos, fato que fez o CADE procurar um novo endereço, numa área de aproximadamente 13 (treze) mil metros quadrados[33]. O contrato de aluguel saiu pela bagatela de R$ 44 milhões (quarenta e quatro milhões de reais).[34]

Não deve ter sido difícil para o CADE conseguir convencer o governo a aumentar seu poder e seu tamanho. O CADE arrecada muito dinheiro para os cofres públicos, mais até do que recebe do governo como dotação orçamentária[35]. Só para submeter um ato de concentração ao exame do CADE uma empresa paga R$ 45 mil (quarenta e cinco mil reais). As multas aplicadas são astronômicas, como as que o CADE aplicou à AMBEV[36] — R$ 350 milhões (trezentos e cinquenta milhões de reais) — e ao chamado “cartel dos gases”[37] — mais de R$ 2 bilhões (dois bilhões de reais).

O meio empresarial já está chamando a autoridade antitruste brasileira de “Super CADE”[38], em razão de a lei ter aumentado seu poder e seu tamanho. Isso significa que as empresas devem ficar ainda mais atentas, infelizmente. Vale lembrar que isso gera um custo enorme para as empresas.

Em nenhum aspecto podemos considerar positiva a atuação de organizações antitruste sobre o sistema econômico. Primeiro, ficar processando empresas, de forma praticamente aleatória, apenas reduz o grau de estabilidade econômica e dificulta qualquer plano de ação de longo prazo, principalmente para empresas de grande porte ou empresas em trajetória de crescimento. Segundo, ao impedir a livre fusão de empresas os ganhos derivados da fusão deixam de ser explorados (como ganhos em escala). Terceiro, é relevante para as empresas antecipar as consequências da atuação do CADE para seu ambiente de negócios. Por isso conseguir driblar a organização se torna mais um custo e mais uma complicação no grau de incerteza com que a empresa se defronta o que resulta no desperdício do conhecimento dos empreendedores no processo de descobrir como driblar esse tipo de órgão estatal. Em outras palavras, ao invés de se focar em servir aos consumidores, as empresas precisam se focar em como lidar com órgãos estatais criados para intervir no ambiente de negócios (onde o órgão antitruste é um deles), resultando na perda de eficiência do processo de mercado. Por esses motivos eu defendo a extinção dessa organização.[39]

Nada indica, porém, que o Super CADE vá combater, de alguma forma, os ataques estatais à livre iniciativa e à livre concorrência. Agências reguladoras vão continuar sendo criadas, e as já existentes vão aumentar seu poder cada vez mais, assim como fez o CADE. O governo continuará intervindo na economia, controlando a moeda, praticando protecionismo, anunciando pacotes de socorro a empresas em crise etc. A regulamentação de profissões continuará avançando, criando novos cartéis corporativos. Livre iniciativa e livre concorrência continuarão a existir apenas no papel. Na prática, continuaremos a ter uma iniciativa regulada e uma concorrência regulada.

6. Conclusão

Eu já fui um entusiasta do direito antitruste e cheguei a trabalhar no CADE por quase 3 (três) anos. Estudando a fundo o assunto, sobretudo a partir da leitura dos economistas ligados à Escola Austríaca — muitos dos quais foram citados ao longo deste artigo —, convenci-me de que leis e órgãos antitruste são, realmente, desnecessários numa economia de livre mercado. Como bem disse o professor George Reisman:

Legislações antitruste e agências reguladoras não têm lugar em uma sociedade livre. Legislações antitruste e agências reguladoras devem ser totalmente eliminadas. Seus conceitos filosóficos, políticos e econômicos devem ser totalmente desacreditados, e as leis que permitem sua prática devem ser eliminadas.[40]

As leis antitruste fazem com que os empresários fiquem mais preocupados em atender às determinações arbitrárias dos burocratas do que as preferências dos consumidores[41]. Livre mercado significa justamente ausência de qualquer regulação estatal, inclusive a equivocada regulação antitruste.
[1] O estudo teve a participação dos estudantes de Direito Patrick Coelho Campos Gappo, Adriel Santos Santana, Jean Monteiro, Odilon Cândido e Daniel Tisi, bem como a contribuição do economista Daniel Marchi, fundador do Grupo de Estudos de Escola Austríaca do DF, do qual faço parte. O relatório final do estudo está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.congressodireitocomercial.org.br/2012/relatorios/2_ANALISE_CRITICA_DO_DIREITO_ANTITRUST.pdf. Parte das idéias do estudo também foram usadas por mim em minha palestra no referido congresso, a qual pode ser vista aqui: http://www.youtube.com/watch?v=ZaYjc6SEjzI.

[2] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 71.

[3] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2008, pp. 69/70. A opinião contrária mencionada nessa passagem é de Thomas DiLorenzo, que é citado pela professora Paula em algumas notas de rodapé, numa das quais ela o associa à Escola de Chicago.

[4] ARMENTANO, Dominick. Antitrust: the case for repeal. https://mises.org/document/6061/

[5] DiLORENZO, Thomas. Anti-trust, anti-truth. http://mises.org/daily/436

[6] MALEK, Ninos P. Anti-trust is anti-competitive. http://mises.org/daily/1555

[7] DiLORENZO, Thomas. Anti-trust, anti-truth. http://mises.org/daily/436

[8] ARMENTANO, Dominick. Antitrust: the case for repeal. https://mises.org/document/6061/. Armentano destaca que em primeira instância a ALCOA foi absolvida, mas a Corte de Apelações reformou tal decisão e a condenou, mesmo reconhecendo que ela conquistou mercado com base na sua maior eficiência. Uma decisão dessa não protege consumidores, mas concorrentes.

[9] GALLES, Gary. 100 years of myths about Standar Oil. http://mises.org/daily/5274/100-Years-of-Myths-about-Standard-Oil. O professor Galles, da Pepperdine University, afirma que: “O problema com o mito do caso de preços predatórios da Standard Oil, que é a base da legislação antitruste e das montanhas de processos judiciais que ela tem gerado, é que os fatos não são apenas falsos, mas na verdade o oposto do que realmente aconteceu”.

[10] ARMENTANO, Dominick. Antitrust: the case for repeal. https://mises.org/document/6061/.

[11] PIRES, Klauber Cristofen. Lei antitruste: proteção da concorrência ou dos concorrentes? http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=70.

[12] DiLORENZO, Thomas. The truth about Sherman. https://mises.org/daily/331.

[13] WOODS, Thomas. Monopólio e livre mercado: uma antítese. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=366.

[14] SENNHOLZ, Hans F. Monopólio bom e monopólio ruim: como são criados e como são mantidos. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1057.

[15] MISES, Ludwig von. Mercado, praxeologia, lucros e prejuízos. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1107.

[16] ABREU, Mariana Piaia. Metodologia brasileira de análise de atos de concentração horizontal: a perspectiva da Escola Austríaca versus o mainstream. Monografia disponível em http://www.mises.org.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=4hX38LmKYQ.

[17] REISMAN, George. Legislações antitruste e agências reguladoras não podem existir em uma sociedade livre. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1210.

[18] GARCIA, Alceu. Concorrência, monopólio e Estado. http://www.profpito.com/CONCORRENCIAMONOPOLIOEESTADO.html.

[19] PIRES, Klauber Cristofen. Lei antitruste: proteção da concorrência ou dos concorrentes? Monografia ainda não publicada.

[20] GARCIA, Alceu. Crítica à economia política do professor Benayon. http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0201.htm.

[21] IORIO, Ubiratan Jorge. O processo de mercado. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=636.

[22] HORWITZ, Steven. A desorganização dos mercados. http://www.ordemlivre.org/2011/11/a-desorganizacao-dos-mercados/.

[23] HORWITZ, Steven. A desorganização dos mercado: parte 2. http://www.ordemlivre.org/2011/12/a-desorganizacao-dos-mercados-parte-2/.

[24] Sobre o assunto, conferir: DiLORENZO, Thomas. O mito do monopólio natural. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1309.

[25] Para entender melhor os erros dos conceitos econômicos que fundamentam o direito antitruste, conferir: ABREU, Mariana Piaia. Metodologia brasileira de análise de atos de concentração horizontal: a perspectiva da Escola Austríaca versus o mainstream. Monografia disponível em http://www.mises.org.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=4hX38LmKYQ; e ROQUE, Leandro. Fusões, aquisições, concorrência perfeita e a soberania do consumidor. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=757

[26] GARCIA, Alceu. Concorrência, monopólio e Estado. http://www.profpito.com/CONCORRENCIAMONOPOLIOEESTADO.html.

[27] Algumas decisões do CADE geram intensos debates entre os próprios conselheiros, que assumem posturas diametralmente opostas quanto à aprovação de um ato de concentração, o que denota a arbitrariedade de suas decisões. Outras vezes o CADE decide que uma fusão não deve ser permitida, mas o Judiciário afirma o contrário, permitindo a operação. Dá pra imaginar a insegurança que isso gera no mercado? Um caso conhecido é o da Nestlé-Garoto, fusão que o CADE rejeitou, em votação apertada. No Judiciário, as empresas conseguiram manter a fusão, e o processo se arrasta até hoje: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,compra-da-garoto-pela-nestle-faz-oito-anos,6647,0.htm. A propósito, os efeitos temidos pelo CADE e usados pelos conselheiros para rejeitar a operação se produziram?

[28] GARCIA, Alceu. Concorrência, monopólio e Estado. http://www.profpito.com/CONCORRENCIAMONOPOLIOEESTADO.html.

[29] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2008, pp. 193/194.

[30] http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios+tecnologia,buscape-entra-na-briga-contra-googlepolio,96762,0.htm. Consta que na França o Google foi condenado por oferecer o serviço de mapas gratuitamente (!): http://olhardigital.uol.com.br/negocios/digital_news/noticias/google-e-multado-em-us-660-mil-por-oferecer-google-maps-gratuitamente.

[31] São as famosas teses (i) da formação de “campeões nacionais”, muito influente nos gabinetes de Brasília, e (ii) da aplicação da failing firm defense, que pode ser definida sucintamente como uma teoria segundo a qual a autoridade antitruste pode permitir altas concentrações se o objetivo for evitar a falência de uma grande empresa.

[32] ROTHBARD, Murray. Como funciona a burocracia estatal. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1180.

[33] http://www.cade.gov.br/Default.aspx?83b647d222f70c17e351e373c185.

[34] http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,cade-define-nova-sede-e-mudanca-pode-sair-ate-a-pascoa,102939,0.htm.

[35] http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/01/arrecadacao-do-cade-superou-seu-orcamento-no-ano-passado.html.

[36] http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u598636.shtml. Sobre o caso AMBEV, conferir: PIRES, Klauber Cristofen. A lei antitruste e a AMBEV: uma análise sob a norma da razão. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=362.

[37] http://oglobo.globo.com/economia/correcao-cade-impoe-multa-recorde-em-cartel-de-gases-industriais-2957671.

[38] http://exame.abril.com.br/economia/noticias/dilma-sanciona-lei-que-cria-o-super-cade.

[39] GUTHMANN, Rafael R. Para que serve o CADE? http://www.libertarianismo.org/index.php/academia/15-artigos/369-para-que-serve-o-cade

[40] REISMAN, George. Legislações antitruste e agências reguladoras não podem existir em uma sociedade livre. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1210.

[41] ROTHBARD, Murray. Abolish antitrust Laws. http://mises.org/daily/4397.

André Luiz Santa Cruz Ramos
André Luiz Santa Cruz Ramos
André Luiz Santa Cruz Ramos é Doutor em Direito Empresarial pela PUC-SP, Professor de Direito Empresarial do Centro Universitário IESB, membro do conselho editorial de MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia e autor do livro Direito Empresarial Esquematizado (editora Método).
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