São Paulo foi tomada de assalto por mãos vermelhas. Em qualquer restaurante, lanchonete, padaria, bar, supermercado, boate, loja de conveniência, vendinha etc. que se vá, cartazes com uma mão vermelha desenhada estarão por lá — por toda parte para que se olhe. Mas, obviamente, não se trata de nenhuma peça de decoração da moda que os donos desses estabelecimentos resolveram colocar, e sim de uma nova imposição coercitiva sobre a propriedade alheia — uma nova “lei” do estado de São Paulo obriga todos os comerciantes de bebidas alcoólicas a afixarem estas mãozinhas em seus estabelecimentos e os ameaça com multas pesadas e interdições caso não cumpram todas as determinações exigidas por esta nova “lei”.
A mão vermelha tem o número -18 dentro dela e abaixo está escrito “Álcool para menores é proibido”. A proibição de venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos já existia, mas felizmente nunca foi imposta com rigor e fiscalização, como promete fazer esta nova “lei”. Porém, uma imposição efetiva deste parâmetro arbitrário não é a única novidade; o texto abaixo diz: “É proibida a venda, oferta, fornecimento, entrega e permissão do consumo de bebida alcoólica, ainda que gratuitamente, aos menores de 18 anos de idade.” Isso significa que o comerciante será punido se fiscais encontrarem menores consumindo álcool no estabelecimento dele, mesmo se ele não tiver vendido a bebida ao menor, e mesmo se os pais do menor tiverem dado a bebida a ele! É o estado assumindo a guarda do filho dos outros.
Deparei-me pela primeira vez com essa placa no restaurante do meu clube, que foi fundado no ano de 1900 e espantosamente conseguiu comercializar álcool sem nenhum problema por 111 anos, antes de ser atacado pela mão vermelha. De fato, São Paulo começou a ser povoada pelos europeus há 420 anos, e antes deles os povos indígenas já produziam mais de 80 tipos de bebidas alcoólicas — e, por incrível que pareça, a civilização não entrou em colapso sem as mãos vermelhas e as coerções contra comerciantes.
A nova “lei” já está sendo imposta no território paulista por 500 funcionários públicos, parasitas contratados especificamente para isso, e já está trazendo problemas para os comerciantes — em fevereiro, 79 foram multados. Na lanchonete aqui em frente ao Instituto Mises, as mãos estão em todo canto; contei 7 avisos em um espaço muito pequeno. Perguntei ao dono por que eles colocaram tantos avisos. Ele me disse que o fiscal mandou deixar “visível”, senão ia levar multa. No risco da arbitrariedade, ele espalhou por todos os cantos da lanchonete. A “lei” também exige que o vendedor peça o documento de todo e qualquer cliente, e não apenas dos que “pareçam” menores de idade — “cabe ao próprio estabelecimento comprovar aos fiscais a idade do consumidor de bebida alcoólica em suas dependências”. Um ridículo anúncio de TV estrelado pela Hebe Camargo, de 83 anos, indica que todos devem mostrar o documento estatal para comprar bebida alcoólica, não importando a aparência. E, na realidade, é isso que podemos esperar daqui pra frente, conforme tal lei “vá pegando”.
Em países onde essa lei já é imposta eficientemente, cenas bizarras que desafiam qualquer bom senso, são comuns. Ano passado, na Inglaterra, uma senhora de 92 anos ficou chocada quando um vendedor se recusou a lhe vender uma garrafa de uísque, pois ela não tinha como provar que era maior de 18 anos, já que não portava seu documento estatal! Podemos googlar milhares de histórias como essa, mas vou contar algumas histórias pessoais para ilustrar o que nos aguarda.
Em 2008, então com 32 anos, morei nos EUA, no estado de Massachusetts. Uma noite, dirigi-me a um mercadinho para fazer compras com duas amigas cariocas, de 19 anos. Comprei alguns alimentos e um pacote de cerveja. Exibi meu documento para a caixa, mostrando que eu era maior de 21 anos, que é a estapafúrdia idade local legal para se permitir a compra e consumo de álcool. Só que nem assim eu pude comprar, pois ela exigiu também o documento de minhas amigas. Eu disse que elas eram menores de 21 anos, e que quem estava comprando a cerveja era eu, maior. Não teve jeito. Larguei tudo lá e fui sozinho fazer minhas compras em outro local.
No estado de New Hampshire, onde essa lei é imposta com ainda mais rigor, ao ponto de o comércio de bebida alcoólica ser estatizado e realizado por funcionários públicos, fui acompanhar um amigo que ia comprar garrafas de bebidas para uma festa em sua casa. Ele mostrou o documento para a caixa, só que ela exigiu o meu documento também. A funcionária pública disse que apenas pelo fato de eu o estar acompanhando, eu teria que comprovar minha idade também. Apesar de já ter passado por isso no caso relatado acima, eu não imaginava que exigiriam o documento de um homem de 32 anos na cara. Iniciou-se uma discussão. Eu disse que quem estava comprando a bebida era meu amigo, que eu tinha 32 anos e que não estava com nenhum documento ali. Ela simplesmente não quis saber. O homem de trás da fila, residente local, já acostumado com tamanha obtusidade, sugeriu que nós largássemos tudo ali, fossemos para a próxima loja e que eu simplesmente esperasse no carro enquanto meu amigo comprasse a bebida. Foi o que fizemos.
Ainda não está assim no Brasil, mas estamos a caminho. Nos EUA, para se entrar em qualquer casa noturna e bar, é preciso mostrar um documento estatal que comprove a maioridade. No Brasil. isso nunca foi preciso, mas algumas casas já começam a exigir. Semana passada estive em uma balada sertaneja e o segurança na porta estava exigindo o documento de todo mundo, não importando a idade aparente. Eu não tinha nenhum documento comigo e ele disse que eu não poderia entrar. Felizmente, aqui, por enquanto, ainda existe o “jeitinho brasileiro” e eu entrei assinando um atestado em que eu afirmava ser maior de 18 anos — e eu tenho 36 anos!
Neste último feriado de Corpus Christi, fui para Campos do Jordão, cidade famosa por ser a balada de adolescentes. As mãos vermelhas estavam por toda parte, mas por toda parte também estavam jovens de 14, 15, 16, 17 anos consumindo bebida alcoólica. E sempre foi assim em Campos do Jordão. Era assim quando meus pais eram menores, era assim quando eu era menor, e ainda está assim.[1] Todos os pais, ou ao menos a vasta maioria deles, sabem disso. Cada um “libera” seu filho para sair, sob as condições que acha prudente, dando ou não dinheiro a eles. E o fato é que sendo proibido ou não, menores de idade que quiserem, irão consumir álcool. E quem deve lidar com isso é a família, não o estado.
Em seu mais recente artigo, o economista Mark Thornton, especialista nos efeitos econômicos de proibições, conta como menores de 21 anos nos EUA estão achando meios para consumir álcool, recorrendo até a desinfetantes. Ele nota que:
Não é normal que adolescentes sejam proibidos pelo governo de comprarem e consumirem álcool. O normal é que crianças comecem a consumir bebidas com fraca dosagem alcoólica no ambiente familiar, para que possam aprender os limites e os perigos do álcool e os padrões aceitáveis de comportamento para aquele ambiente. Produtos alcoólicos como a cerveja são bebidas que os humanos consomem há milhares de anos.
É importante, principalmente para os adolescentes, que estes produtos sejam consumidos com moderação. … A proibição governamental rompe esta conexão familiar e diz aos adolescentes que eles estão sozinhos nessa, e devem agir por conta própria.
Não obstante esses problemas de ordem moral e familiar, os comerciantes agora estão nas mãos de burocratas, que possuem o poder de lhes roubar mais de R$ 90 mil caso encontrem uma pessoa de 17 anos, 11 meses e 30 dias de idade bebendo uma cerveja no estabelecimento deles. No extremo, podem até mesmo fechar o negócio deles — um prato cheio para extorsões, propinas, corrupção e o uso da força para punir empreendedores de sucesso. Tudo isso imposto violentamente por técnicos da Vigilância Sanitária e do Procon, com o auxílio da Polícia Militar.
Neste meio tempo, os donos de bares e restaurantes estão sendo atacados por outros grupos armados. São assaltantes que praticam arrastões nestes estabelecimentos, roubando tudo deles e de seus clientes. Diferente do grupo da mão vermelha, esses assaltantes não podem fechar definitivamente o negócio de suas vítimas, mas estão causando também sérios problemas (veja aqui e aqui alguns exemplos). E o pior de tudo é que o grupo que financia e orquestra a invasão das mãos vermelhas é o mesmo que se outorga o monopólio de proteger suas vítimas dos ataques desses outros grupos. Ou seja, os recursos que poderiam ir para intensificar o combate aos assaltantes estão indo para atacar ainda mais os produtores de riquezas. O chefe da gangue que foi pessoalmente hostilizar e ameaçar os comerciantes no início da lei das mãos vermelhas, e contratou os 500 funcionários públicos para institucionalizar essas hostilidades, além de desviar efetivos da polícia militar para tal feito, hoje prometeapenas 400 policiais a mais para combater os outros bandidos dos arrastões.
Os avisos das mãos vermelhas dividem espaço com outros avisos[2] que foram impostos pouco tempo atrás, os da lei antifumo, os quais contêm o desenho vermelho da linha imaginária que forma o território dominado pelo grupo autointitulado Governo do Estado de São Paulo. E, infelizmente, como foi no caso da lei antifumo, creio que os súditos dos outros estados brasileiros já podem ir se preparando para mais essa invasão estatal em suas vidas e propriedades. Por aqui em São Paulo resta a dúvida: qual será o próximo aviso que os políticos, sempre preocupados com nosso bem-estar e com o bem-estar de nossas crianças, irão nos impor?
[1] No entanto, outro acontecimento mostra a direção que estamos. Um amigo de 60 anos de idade contou que o caixa de um supermercado de Campos do Jordão exigiu o documento dele para lhe vender uma garrafa de vinho! Ele contou a história como se fosse algo engraçado, e parece que é assim que todo totalitarismo começa. Talvez ele só perceba que não é nada engraçado isso quando ele estiver sem um documento e for impedido de comprar seu vinho, como ocorreu com a senhora inglesa de 92 anos.
[2] Já denunciei em outro texto esta farra de placas aceita submissamente pela população, mostrando o absurdo caso das placas dos elevadores. Veja O elevador que sobe para baixo.