Estamos no meio de uma revolução: a revolução da informação pelas novas mídias. A ferrovia e o automóvel revolucionaram o transporte. A televisão e o rádio foram fundamentais para estabelecer e manter sistemas autoritários. A revolução da informação moderna, e a internet em particular, representam uma revolução sócio-política; provavelmente a mais poderosa revolução desde o início da modernidade. Esta revolução de hoje trabalha em favor da liberdade. Diferente do passado, quando a revolução serviu para que certo grupo ou certo partido pudesse impor a sua vontade sobre o resto da sociedade, a revolução da internet fez o contrário. Em vez de um grupo limitado poder se apropriar do poder, a internet contribuirá para abolir as concentrações de poder.
Do monopólio ao oligopólio informacional
Antes da prensa móvel ser inventada por Johannes Gutenberg em Mainz por volta de 1439, informação era basicamente um negócio monopolista. O acesso à informação e à distribuição de informações foi marcado por elevadas barreiras à entrada. Para aqueles que estavam fora da estrutura do poder dominante era basicamente impossível superar essas barreiras. Dado que o acesso e o uso da informação eram restritos por barreiras tecnológicas, era relativamente fácil para quem estava no poder controlar o conteúdo e o acesso à informação. A tecnologia permitia a exclusão.
Com a prensa móvel em ação, se tornou mais difícil controlar o conteúdo e acesso à informação. O monopólio informacional tornou-se um oligopólio e a primeira manifestação da nova estrutura oligopolista da informação foi a renascença e a expansão de grupos religiosos fora do catolicismo. Não é um exagero constatar que sem a prensa móvel não poderia ter acontecido nem a renascença, nem a reforma, nem a revolução científica e, consequentemente, nem a revolução industrial. Na verdade, a “economia baseada no conhecimento” começa com a invenção da prensa móvel porque este instrumento era essencial para a disseminação ampla de conhecimentos e assim para possibilitar a aprendizagem em grande escala.
A época moderna não marcou uma era livre. O mundo como começou a surgir desde os fins do século XV era ainda um mundo de poder e de controle autoritário. A antiga estrutura monopolista desapareceu, mas em seu lugar surgiu uma estrutura oligopolista de poder. Neste tempo de oligopólios da informação ainda era possível praticar censura e exclusão.
Não foi só na esfera religiosa onde foram suplantados oligopólios em vez de monopólio, mas também na esfera da política e nas ciências. Em quase todos os seus aspectos, o mundo moderno apresenta esta estrutura oligopolista. Por exemplo, são tipicamente não muito mais do que um punhado de países que se representam nas grandes potências. Quase a mesma estrutura oligopolizada acontece com teorias científicas, com as ideologias dominantes ou com o estabelecimento do grupo das grandes universidades. Na época moderna, o mundo se transformou num mundo de oligopólios, em um mundo de luta entre os oligopolistas de estados, partidos, teorias científicas e ideologias. O tempo da história moderna não foi um período de liberdade, mas um período de lutas atrozes entre os membros dos diversos oligopólios onde cada um queria se tornar um monopolista.
A prensa móvel permitiu a produção e distribuição de livros e panfletos e de tratados científicos com custos muito menores que antes. Isto, por sua vez, incentivou a alfabetização. Mas o processo da alfabetização mesmo, principalmente na forma da educação pública, se implantou como um sistema de controle. O acesso ao conhecimento se abriu, mas se abriu em uma forma restrita, manipuladora e concentrada. Em frente aos portões do conhecimento havia porteiros. Sejam escola ou universidade, grupos religiosos ou partidos políticos, a estrutura oligopolista do poder demandava controle do acesso ao conhecimento. Não é surpresa, por exemplo, que a adesão a um partido é quase como se juntar a um grupo religioso em termos de crença. O caminho para subir nas fileiras de um partido político não é muito diferente de fazer uma carreira em uma ordem religiosa e ambos os caminhos não são muito diferentes de uma carreira intelectual.
Fim dos porteiros das mídias
Antes da revolução informacional atual, a predominância de estruturas oligopolistas era ubíqua como mostra, por exemplo, o oligopólio das estações de televisão antes da chegada da TV a cabo. Hoje em dia, com a marcha triunfal da internet, esta transformação do oligopólio é ainda mais inegável. As novas mídias dissolvem as velhas estruturas. Um resultado desta transformação revolucionária é que o constrangimento informacional é cada vez mais difícil de realizar. O acesso e a distribuição de informação confrontam cada vez menos barreiras.
No passado, era extremamente custoso instalar uma nova estação de TV, por exemplo, ou lançar uma nova revista semanal ou um diário. Hoje em dia, a internet permite tudo isso a custos quase negligentes. As velhas fronteiras se dissolvem. Consequentemente, não existe mais uma limitação da variedade de assuntos a tratar porque a internet oferece um espaço de armazenamento de informações quase ilimitado. Antes da revolução informacional e da revolução da internet em particular, os provedores da informação — sejam canais de notícias, jornais acadêmicos, ou os vendedores de livros, eram forçados a concentrar sua oferta no meio da curva de distribuição onde se encontrava a maioria dos clientes. Por causa da tecnologia limitada, a oferta era limitada. Hoje em dia, com espaço quase ilimitado, a oferta se estende ao longo da cauda da distribuição.
Com a revolução da internet caiu para perto de zero a barreira de entrada para divulgar e acessar informações. Isso significa um aumento imenso não apenas da quantidade de informações mas, ainda mais importante, da diversificação das informações. Este fenômeno não existe somente para a música, mas também na mesma importância para textos acadêmicos. Massa e diversidade são os sinais da rede mundial de computadores. No passado houve sempre um trade-off entre a distribuição e a diversidade. Para se tornar um tabloide de grande circulação o conteúdo tinha de ser restrito aos temas mais populares. Agora, os locais mais populares de mídia na internet são caracterizados pela extrema diversidade, como é manifesto no site YouTube, por exemplo. Uma das características mais importantes deste gênero de mídia é que funcionam praticamente sem porteiro, sem guarda de controle. No passado era na porteira de acesso onde o poder estava concentrado: os guardas do “correto” eram os redatores dos jornais e das estações de radio e televisão; os editores das revistas científicas e os ministérios de educação com todas as outras “autoridades” que pretendiam cuidar da “verdade verdadeira” — o que era, na verdade, frequentemente nada mais que esconder a verdade profunda por interesses de poder e por razão de preconceitos.
Sem porteiros e com um espaço quase sem limite, a diversidade está se espalhando nas novas mídias e cabe somente ao usuário individual julgar o conteúdo e decidir se vale ou não vale o acesso. No passado, os porteiros das mídias praticavam ex oficio uma atividade autoritária. O pretexto desta atividade era às vezes “a qualidade”, mas na realidade a tarefa do porteiro foi a consequência do espaço limitado que tornou necessário um sistema de triagem.
Na realidade esta seleção foi raramente baseada na qualidade e na confiabilidade, mas foi simplesmente o resultado de procurar como o produto cabia melhor sob a curva Gaussiana da distribuição. Foi não somente na área de educação que os porteiros intelectuais do poder promoviam um mundo chamado Mediocristão como foi cunhada a palavra por Nassim Taleb. Porteiros foram notórios em sua atividade para excluir verdades indesejadas, para excluir novas abordagens que desafiam a sabedoria convencional como se mostrou plenamente nos sistemas autoritários e totalitários.
O novo mundo da informação é um mundo sem grandes barreiras onde cada vez menos importam produtos homogêneos. Pelo contrário, a rede mundial de computadores é caracterizada por muitos vendedores, muitos compradores de produtos cada vez mais diversificados. Na rede mundial de informação a dominante forma de competição não é do preço para o mesmo produto, mas da inovação.
O novo mundo de liberdade
Enquanto no passado a tecnologia forçou as mídias a concentrar a maioria do conteúdo de tal forma que se encaixassem na parte do meio da curva Gaussiana de distribuição, a maioria do conteúdo agora pode ser encontrada em ambas as extremidades desta curva. O mundo oligopolista da história moderna esta no processo de acabar. A era de luta pela dominância esta chegando ao seu fim. Quando as barreiras são baixas e quase inexistentes, dominância não pode ser mais um objetivo realista. Não obstante, as velhas autoridades ainda procuram manter ou reganhar seus privilégios informacionais. Ainda alguns governos desligam a internet ou limitam o acesso, mas ao fazê-lo eles automaticamente minam a sua legitimidade e destróem as suas economias. Os países que optam por sair da rede movem seus países na estrada do declínio e para finalmente a ruína.
Os fundamentos da nova revolução informacional estão firmes. Bem diferente dos tempos passados, esta vez os fundamentos promovem liberdade e diversificação. A era do liberalismo autêntico chegou. Enquanto no passado as mídias favoreceram regimes autoritários e totalitários porque tanto a imprensa quanto o radio e a televisão permitiam o controle hierárquico, a rede global da informação favorece o livre acesso e distribuição na escala global. Isso irá limitar ou até mesmo impossibilitar a instalação e manutenção de regimes totalitários. Em qualquer caso, implantar controles sobre as mídias é cada vez mais difícil e será quase impossível ao longo do tempo.
Existem muitas chances de que a nova época na história mundial será a época do libertarianismo. O libertarianismo como filosofia política não tem, de sua própria natureza, o objetivo de dominância pela exclusão como todas as outras ideologias políticas têm. O libertarianismo é a ideologia do pluralismo e da diversificação. Neste sentido, as novas mídias, e a internet em particular, estão completamente compatíveis com a filosofia política libertária. Esta novidade representa uma singularidade histórica.
[Publicado originalmente no Ordem Livre]