No final dos anos 1980, quando o domínio do império soviético na Europa central começou a se esfacelar, surgiu uma premente questão política para a qual poucas pessoas até então haviam dado atenção: como transformar economias socialistas em economias de mercado plenamente operantes?
Quanto mais esta discussão ganhava atenção, mais pavoroso era constatar o quão pouco os economistas profissionais eram capazes de contribuir. Por exemplo, no encontro anual da American Economic Association, um considerável número de proeminentes economistas simplesmente admitiu não ter a mais mínima ideia de como criar a ordem institucional necessária para se estabelecer uma economia de mercado.
Na primeira metade do século XX, vários economistas se tornaram cada vez mais interessados em tentar fazer com que a economia se transformasse em uma disciplina “rigorosamente científica”. Do ponto de vista destes economistas, tal objetivo requeria a construção de modelos quantitativos, nos quais os indivíduos e suas ações eram reduzidos a meras “variáveis dependentes” dentro de uma série de equações matemáticas. O indivíduo se tornava uma simples variável passiva, a qual “reagia” a várias “limitações” que existiam dentro da arena das trocas voluntárias. Neste cenário, as instituições políticas, jurídicas e econômicas ao redor deste indivíduo eram simplesmente um “pano de fundo” que servia como base para uma análise quantitativa sobre como as pessoas fazem suas escolhas de acordo com as limitações existentes.
Como estas instituições surgiram e se desenvolveram, e como as ideias e as ações dos indivíduos influenciaram e moldaram estas instituições ao longo do tempo, eram questões quase nunca discutidas.
No entanto, ao longo dos últimos 30 anos, desenvolveu-se um novo ramo da ciência econômica chamado de Nova Economia Institucional, cujo objetivo principal é investigar exatamente a interação entre o indivíduo e as instituições sociais. Um dos principais contribuidores desta área é Douglass C. North, vencedor do Prêmio Nobel de economia em 1993 por seus trabalhos sobre a história econômica da Europa e dos EUA. Em seu livroEntendendo o Processo de Mudança Econômica, North explica a importância das instituições para o aprimoramento das condições humanas, e mostra as dificuldades de se desenvolver teorias e implantar políticas voltadas para o melhoramento da sociedade.
North começa sua obra dando ênfase ao inquestionável fato de que o homem vive em um mundo repleto de incertezas e imprevisibilidades, realidade essa que, por si só, impossibilita toda e qualquer aplicação daqueles modelos matemáticos estáticos e deterministas que dominam a esmagadora maioria dos manuais de economia. O “método científico” funciona maravilhosamente bem para permitir ao homem dominar as leis do mundo da física, mas possui severas limitações e falhas inerentes quando aplicado indiscriminadamente à condição humana e ao comportamento humano.
O homem possui qualidades exclusivas que são singularmente distintas das características inerentes aos objetos de estudo da física e da química: criatividade e objetividade. O homem raciocina, imagina e planeja. Isso introduz um elemento de imprevisibilidade que não está presente no estudo da natureza inanimada. A ação humana simplesmente não está propensa a probabilidades estatísticas estáveis.
Adaptando alguns temas oriundos da psicologia cognitiva, North argumenta que o homem está mais para um descobridor racional de padrões do que para um solucionador lógico de problemas. Em outras palavras, tudo indica que a mente humana evoluiu de tal maneira a estar sempre tentando observar uma ordem e uma relação entre coisas e eventos, mesmo quando tais fenômenos podem não estar lá. Como resultado deste comportamento mental, o homem está continuamente tentando estabelecer padrões e relações neste mundo, sempre com o intuito de alcançar inteligibilidade e um grau de certeza previsível.
Esta é a origem das crenças e ideias humanas a respeito de “como as coisas funcionam”, desde superstições primitivas até as mais complexas teorias sobre a natureza e o funcionamento da ordem social. Este sistema de crenças e ideias é transmitido de geração para geração, e vai sendo solidificado nos costumes, nas tradições e em outras instituições culturais. Consequentemente, a ordem institucional é o resultado cumulativo de gerações de mentes que interagiram entre si.
As regras sob as quais os homens vivem, argumenta North, foram geradas pelos esforços do próprio homem em tentar reduzir suas incertezas sociais. Ao voluntariamente restringir suas próprias ações e as de seus conterrâneos por meio de normas, valores e procedimentos interativos que definem e determinam os códigos de conduta — bem como os fundamentos da legitimidade e da obediência —, o homem introduz graus de previsibilidade aos processos sociais e econômicos.
Algumas destas regras institucionais foram formalmente criadas por meio de códigos jurídicos e políticos. Mas a grande maioria, se não a quase totalidade, é de regras informais que foram aprendidas e absorvidas em decorrência do simples fato de se nascer e viver dentro de uma determinada sociedade — regras estas que frequentemente não são explicitamente enunciadas.
A grande transformação observada na evolução sociocultural do homem, explica North, ocorreu quando as relações de troca evoluíram do pessoal para o impessoal: ou seja, quando evoluíram da pequena tribo e suas relações face a face para um amplo mercado no qual homens separados pelo tempo e pelo espaço, e sem qualquer parentesco entre si, se tornaram crescentemente interligados por meio de transações monetárias.
Crenças e ideias sobre o que era justo, moral e correto começaram a se desenvolver de uma maneira que tornou possível o desenvolvimento, ao longo dos séculos, das instituições hoje presentes nas modernas economias de mercado. North lista uma série destas mudanças históricas ocorridas na Europa Ocidental, especialmente no sistema bancário, nos mecanismos de crédito (como notas promissórias, duplicatas ou letras de câmbio) e nos contratos comerciais, os quais prepararam o terreno para o crescimento econômico e o contínuo aumento da prosperidade no mundo ocidental observados nos últimos cinco séculos. Um maior respeito pela propriedade privada, a aceitação de uma relativamente irrestrita concorrência de mercado, um maior apreço pelas liberdades individuais sob os auspícios de leis imparciais, e a imposição de mais limites sobre o poder tributário e regulatório dos governos fizeram com que as energias criativas dos homens em geral e dos empreendedores em particular fossem totalmente liberadas.
No entanto, o fenômeno oposto também pode ocorrer, e North mostra toda a rigidez e corrupção que surgem quando crenças e ideias errôneas geram instituições que concedem poderes crescentes ao estado — seja em sua forma extrema, como na União Soviética, seja em sua forma mais suave, mas não menos danosa, como no moderno estado intervencionista, protecionista e assistencialista.
O dilema é que estas experiências históricas não garantem que as “lições” corretas serão aprendidas. Como argumenta North, é comum haver muito “ruído” nos processos históricos; nem sempre fica claro quais causas (mudanças institucionais ou políticas) geraram quais efeitos (mudanças no bem-estar econômico, inclusive em graus de liberdade). Adicionalmente, boa parte da informação e da interpretação sobre mudanças institucionais e políticas chega até a nós por meio de intermediários intelectuais que possuem suas próprias agendas e ideologias, e que não compreendem o real funcionamento de determinados processos socioculturais.
O real perigo de tudo isso, alerta North, não está apenas no fato de que os vários países que jamais desenvolveram as corretas instituições de mercado possam fracassar neste objetivo; está também, e principalmente, no fato de que a liberdade e a prosperidade nunca estão garantidas para sempre em nenhuma sociedade. Em outras palavras, mesmo as sociedades mais bem sucedidas podem sofrer um retrocesso e se desintegrar, degenerando-se na estagnação econômica e na tirania política — e tudo em decorrência da aceitação de ideias e crenças erradas, que geram mudanças institucionais fatais.
A correta compreensão do poder e da importância das instituições é essencial tanto para aquela população que queira evitar tragédias quanto para aquela que queira reverter várias políticas perigosas que estejam em curso.