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A grande depressão americana

Introdução à terceira edição

Os Estados Unidos atualmente passam por uma depressão inflacionária em larga escala. A recessão inflacionário de 1969—71 foi rapidamente sucedida por uma depressão muito mais inflacionária, que começou por volta de novembro de 1973, e que resvalou numa séria depressão por volta do outono de 1974. Desde aquela época, a produção física decaiu de maneira constante e substancial, e a taxa de desemprego aumentou para cerca de 10%, e até mais do que isso em importantes áreas industriais. A tentativa desesperada do establishment político-econômico de passar um verniz de otimismo na pior depressão desde a década de 1930 baseia-se em dois argumentos: (a) a inadequação das estatísticas de desemprego, e (b) o fato de que as coisas estavam muito piores na depressão que veio depois de 1929. O primeiro argumento é verdadeiro, mas irrelevante; não importando o quão falhas sejam as estatísticas, a rápida e aguda subida na taxa de desemprego, de menos de 6% para 10% em apenas um ano (de 1974 a 1975) é em si uma história macabra. É verdade que a economia estava pior ainda na década de 1930, mas aquela foi a mais profunda depressão na história americana; agora estamos numa depressão que certamente nada tem de branda comparada a qualquer coisa anterior a 1929.

A atual depressão inflacionária revelou cruamente aos economistas do país que suas queridas teorias — adotadas e aplicadas desde a década de 1930 — são fundamental e tragicamente incorretas. Por quarenta anos nos disseram, nos livros-texto, nas revistas acadêmicas econômicas e nos pronunciamentos dos conselheiros econômicos do governo, que o governo possui os instrumentos para facilmente abolir a inflação ou a recessão. Disseram-nos que, equilibrando as políticas fiscal e monetária, o governo é capaz de “fazer o ajuste fino” da economia e abolir o ciclo econômico, garantindo uma prosperidade permanente e sem inflação. Essencialmente — e sem o jargão, sem as equações e sem os gráficos — o establishment econômico afirmou durante todo esse período que, se parecer que a economia está entrando em recessão, o governo só precisa pisar no acelerador fiscal e monetário — injetando dinheiro e gastos na economia — para eliminar a recessão. E, pelo contrário, se a economia estiver ficando inflacionária, tudo que o governo precisa fazer é pisar no freio fiscal e monetário — tirar dinheiro e gastos da economia — para eliminar a inflação. Desse modo, os planejadores econômicos do governo seriam capazes de conduzir a economia por um curso preciso e cuidadoso entre os males opostos do desemprego e da recessão de um lado, e da inflação do outro. Mas o que o governo pode fazer, o que nos diz a teoria convencional, se a economia está sofrendo uma forte inflação e uma grave depressão ao mesmo tempo? Será que o nosso motorista autonomeado, o Governão, pode pisar no acelerador e no freio exatamente no mesmo instante?

Diante da cruel destruição de todos os seus planos e esperanças, cercados pelos destroços de suas teorias falaciosas, os economistas do país foram mergulhados na confusão e no desespero. Simplesmente eles não têm a menor ideia do que fazer agora, ou sequer de como explicar a atual confusão econômica. Na ação, tudo que eles podem fazer é alternar freio e acelerador com rapidez impressionante, na esperança de que algo venha a funcionar (por exemplo, o presidente Ford pedindo o aumento do imposto de renda no outono de 1974 e, poucos meses depois, pedindo a diminuição do imposto de renda). A teoria econômica convencional faliu: além disso, como os cursos de ciclos econômicos foram trocados há uma geração por cursos de “macroeconomia” nas escolas de pós-graduação do país inteiro, os economistas agora têm de enfrentar a cruel percepção de que os ciclos econômicos existem sim, ao mesmo tempo em que não possuem os instrumentos necessários para compreendê-los. Alguns economistas, líderes sindicais e empresários, tendo perdido qualquer esperança em relação à economia de livre mercado, começaram efetivamente a conclamar a uma mudança radical para uma economia coletivizada nos Estados Unidos (com destaque para o Initiative Committee for National Economic Planning [Comitê de Iniciativa para o Planejamento Econômico Nacional], que inclui economistas como Wassily Leontief, líderes sindicais como Leonard Woodcock, e líderes empresariais como Henry Ford II).

Em meio ao miasma e ao desespero, existe uma escola de pensamento econômico que previu a confusão atual, que tem uma teoria convincente para explicá-la, e que oferece um jeito de sair desses apuros — uma saída, aliás, que, longe de pôr de lado a livre iniciativa em prol do planejamento coletivista, defende a restauração de um sistema de pura livre iniciativa, que foi aleijado por décadas de intervenção governamental. Essa escola de pensamento é a teoria “austríaca” apresentada neste livro. A perspectiva austríaca afirma que a inflação persistente é causada por aumentos contínuos e crônicos da oferta monetária, engendrada pelo governo federal. Desde a começo do Federal Reserve System em 1913, a oferta de moeda e de crédito bancário nos Estados Unidos está completamente sob o controle do governo federal, controle esse que foi aumentado ainda mais quando os Estados Unidos aboliram o padrão ouro doméstico em 1933, e depois o padrão dólar-ouro nas transações com o estrangeiro em 1968 e totalmente em 1971. Com o abandono do padrão ouro, não há necessidade de que o Federal Reserve ou os bancos controlados por ele troquem dólares por ouro, e assim o Fed pode expandir a oferta de dólares em papel ou bancários como quiser. Quanto mais ele expande, mais os preços tendem a acelerar para cima, deslocando a economia e trazendo o empobrecimento àquelas pessoas cujas rendas ficam atrás na corrida inflacionária.

A teoria austríaca também mostra que a inflação não é a única consequência infeliz da expansão governamental da oferta de dinheiro e de crédito. Essa expansão distorce a estrutura do investimento e da produção, levando a investimentos excessivos em projetos insustentáveis nas indústrias de bens de capital. Essa distorção se reflete no conhecido fato de que, em todo período de boom, os preços dos bens de capital sobem mais do que os preços dos bens de consumo. Os períodos de recessão do ciclo econômico tornam-se então inevitáveis, porque a recessão é o processo corretivo necessário por meio do qual o mercado liquida os investimentos insustentáveis do boom e redireciona os recursos das indústrias de bens de capital para as indústrias de bens de consumo. Quanto mais durarem as distorções inflacionárias, piores serão os ajustes recessivos. Durante a recessão, a transferência de recursos acontece por meio de uma queda dos preços dos bens de capital em relação aos preços dos bens de consumo. Durante a depressão de 1974—1975, vimos isso ocorrer: os preços das matérias primas industriais caíram de maneira rápida e substancial, os preços do atacado permaneceram no mesmo nível ou caíram um pouco, mas os preços dos bens de consumo ainda subiram rapidamente — em suma, a depressão inflacionária.

O que, então, deveria fazer o governo se a teoria austríaca é a correta? Em primeiro lugar, ele pode curar a inflação crônica e potencialmente descontrolada de um jeito: parando de inflacionar: parando a sua própria expansão da oferta monetária, causada pela manipulação do Federal Reserve, que diminui as reservas mínimas exigidas por lei ou compra ativos no mercado aberto. A culpa da inflação não está no “monopólio” comercial, nem na agitação sindical, nem nos chutes dos especuladores, nem na “ganância” dos consumidores; a culpa está nas operações de falsificação legalizadas que o próprio governo faz. Afinal, o governo é a única instituição que tem o poder de falsificar — de criar moeda nova. Enquanto ele continuar a usar esse poder, continuaremos a sofrer a inflação, até o ponto em que uma inflação descontrolada destrua completamente a moeda. No mínimo, temos de exigir que o governo pare de usar esse poder de inflacionar. Mas, como todo poder possuído será usado e abusado, um método muito mais eficaz de acabar com a inflação seria tirar completamente do governo o poder de falsificar, ou aprovando uma lei que proíba o Fed de comprar novos ativos e de reduzir as reservas mínimas, ou, mais fundamentalmente, abolindo integralmente o Federal Reserve System. Vivemos sem esse sistema de banco central antes de 1913, e com inflações e depressões muito menos violentas. Outra reforma vital seria a volta ao padrão ouro — a uma moeda baseada em uma commodity produzida não pelas máquinas impressoras do governo, mas pelo próprio mercado. Em 1933, o governo federal tomou e confiscou o ouro da população sob o disfarce de uma medida emergencial temporária; a emergência já acabou há quarenta anos, mas o ouro da população continua fora de nosso alcance em Fort Knox.

No que diz respeito a evitar depressões, o remédio é simples: novamente, evitar inflações acabando com o poder do Fed de inflacionar. Se estamos numa depressão, como sabemos, a única maneira correta de agir é evitar a interferência governamental na depressão, permitindo assim que o ajuste da depressão se complete tão rápido quanto possível, restaurando um sistema econômico saudável e próspero. Antes das maciças intervenções governamentais da década de 1930, todas as recessões duravam pouco. A grave depressão de 1921 acabou tão rápido, por exemplo, que Hoover, secretário de comércio, apesar de suas inclinações intervencionistas, não conseguiu convencer o presidente Harding a intervir rápido o suficiente; quando Harding foi persuadido a intervir, a depressão já tinha acabado, e a prosperidade já tinha chegado. Quando veio a quebra da Bolsa em outubro de 1929, Herbert Hoover, agora presidente, interveio com tanta rapidez e tanta força que o processo de ajuste do mercado foi paralisado, e as políticas do New Deal de Hoover e de Roosevelt conseguiram produzir uma depressão permanente e maciça, dos quais só fomos resgatados pelo começo da Segunda Guerra Mundial. Somente o laissez-faire — uma estrita política de não-intervenção por parte do governo — pode garantir uma recuperação rápida em qualquer crise de depressão.

Assim, nesta época de confusão e de desespero, a Escola Austríaca nos oferece tanto uma explicação quanto uma receita para nossos males atuais. A receita é tão radical quanto a ideia de descartar integralmente a economia livre e passar a um sistema totalitário e inviável de planejamento econômico coletivista — e talvez ainda mais impalatável politicamente do que essa. A receita austríaca é precisamente o oposto: só podemos superar a crise atual e futura pondo um fim à intervenção e ao controle governamental da oferta monetária, e também à interferência em qualquer processo de ajuste recessivo. Em épocas de colapso, reformas meramente cosméticas não bastam; temos de dar um passo radical e tirar o governo do cenário econômico, de separar totalmente o governo da oferta monetária e da economia, e de progredir na direção de uma economia de livre mercado e de livre iniciativa que seja verdadeiramente desimpedida.

 

 

Murray N. Rothbard

Palo Alto, Califórnia

Maio de 1975

 

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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