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A grande depressão americana

Capítulo VII – O prelúdio da Depressão: Hoover e o laissez-faire
Terceira parte
A grande depressão: 1929—1933

VII – O prelúdio da Depressão: O senhor Hoover e o laissez-faire

Se o governo pretende aliviar a depressão, e não agravá-la, a única medida válida é adotar o laissez-faire — deixar a economia em paz. Somente se não houver interferência, direta ou ameaçada, nos preços, nos salários e na liquidação de empresas, é que o necessário ajuste acontecerá suave e rapidamente. Qualquer estímulo a posições sem solidez adia sua liquidação e agrava condições insustentáveis. A elevação dos salários cria desemprego em massa, e o estímulo aos preços perpetua e cria excedentes não-vendidos. Além disso, um corte drástico no orçamento governamental — tanto em termos de impostos como de gastos — por si só vai acelerar o ajuste, ao dirigir a escolha social no sentido de mais poupança e mais investimento em relação ao consumo. Os gastos governamentais, afinal, não importando como sejam rotulados, não passam de consumo; qualquer corte no orçamento portanto eleva a proporção entre investimento e consumo na economia e permite uma validação mais rápida de projetos que, originalmente, eram desperdícios geradores de perdas. Por isso, a devida recomendação ao governo numa depressão é cortar o orçamento e deixar a economia totalmente em paz. O pensamento econômico atualmente em voga considera essa recomendação desesperadamente antiquada; na verdade, hoje ela encontra mais apoio nas leis econômicas do que encontrava no século XIX.

O laissez-faire era, de modo geral, a política tradicional nas depressões americanas antes de 1929. O precedente do laissez-faire foi estabelecido na primeira grande depressão americana, em 1819, quando o único ato do governo federal foi facilitar os termos de pagamento para seus próprios devedores de terras. O presidente Van Burren também assumiu uma postura firmemente laissez-faire durante o Pânico de 1837. Os governos federais que se seguiram tomaram um caminho semelhante, e os principais malfeitores ficaram sendo os governos estaduais, que de tempos em tempos permitiam que bancos insolventes continuassem a operar sem pagar suas obrigações.[1] Na depressão de 1920—1921, o governo interferiu ainda mais, mas não houve restrição à queda de salários, e tanto os gastos do governo quanto os impostos foram reduzidos. E essa depressão acabou em um ano — naquilo que o doutor Benjamin Anderson denominou “a última vez em que nos recuperamos naturalmente e voltamos ao pleno emprego”.

O laissez-faire, então, era a política ditada tanto pela teoria sólida quanto pelos antecedentes históricos. Mas, em 1929, o bom caminho foi abandonado. Puxado pelo presidente Hoover, o governo embarcou naquilo que Anderson acertadamente definiu como “New Deal de Hoover”. Se definirmos “New Deal” como um programa antidepressivo marcado pelo extensivo planejamento econômico por parte do governo — incluindo o estímulo aos salários e aos preços, a expansão do crédito, o apoio a empresas fracas, e o aumento nos gastos do governo (por exemplo, na forma de subsídios ao desemprego e às obras públicas) — Herbert Clark Hoover tem de ser considerado o fundador do New Deal nos Estados Unidos. Hoover, desde o começo da depressão, decidiu-se firmemente a violar todos os cânones do laissez-faire. Em consequência disso, deixou o governo com a economia nas profundezas de uma depressão sem precedentes, sem qualquer chance de recuperação em vista após três anos e meio, e com o desemprego na taxa inédita e terrível de 25% da força de trabalho.

O papel de Hoover como fundador de um programa revolucionário de planejamento governamental para combater a depressão tem sido injustamente negligenciado pelos historiadores. Franklin D. Roosevelt em grande parte apenas desenvolveu as políticas estabelecidas por seu antecessor. Ridicularizar o trágico fracasso de Hoover ao tentar curar a depressão, como se fosse um exemplo típico de laissez-faire, é ler os registros históricos de maneira drasticamente equivocada. A via de Hoover deve ser vista como um fracasso do planejamento governamental, e não do livre mercado.

A fim de retratar os esforços intervencionistas do governo Hoover para curar a depressão, podemos citar o resumo que o próprio Hoover fez de seu programa durante sua campanha presidencial no outono de 1932:

poderíamos não ter feito nada. Isso teria sido a completa ruína. Em vez disso, enfrentamos a situação com propostas às empresas privadas e ao Congresso, com o mais gigantesco programa de defesa e de contra-ataque econômicos jamais criado na história desta República. Nós o colocamos em ação (…) Nenhum governo em Washington até agora considerou que tivesse tanta responsabilidade em assumir a liderança em momentos como esse. (…) Pela primeira vez na história da depressão, os dividendos, os lucro e o custo de vida foram reduzidos antes de os salários sofrerem. (…) Eles foram preservados até que o custo de vida tivesse caído e os lucros tivessem praticamente sumido. Hoje eles são os maiores salários reais do mundo.

Criar novos empregos e dar a todo o sistema um novo sopro vital; nunca antes na história deste país algo foi planejado para fazer tanto… “pelo homem e pela mulher comuns”. Alguns economistas reacionários insistiram que deveríamos permitir que a liquidação acontecesse até chegarmos ao fundo… Determinamo-nos a não seguir o conselho desses liquidacionistas que queriam nos levar até o fim amargo, e ver todos os devedores dos Estados Unidos levados à falência, e a poupança do nosso povo destruída.[2]

O desenvolvimento do intervencionismo de Hoover: desemprego

Hoover, é claro, não começou a ter ideias intervencionistas da noite para o dia. É instrutivo rastrear seu desenvolvimento e o desenvolvimento do país como um todo, se quisermos entender claramente como Hoover pôde com tanta facilidade, e com apoio nacional tão amplo, inverter as políticas que orientaram todas as depressões anteriores.

Herbert Clark Hoover era um tipo de político bastante “progressista”. Vimos que Hoover foi pioneiro em tentativas de intimidar banqueiros de investimento a fazer empréstimos estrangeiros. A grande característica das intervenções de Hoover era a luva de pelica a cobrir o punho de ferro: isso é, os empresários seriam exortados a adotar “voluntariamente” medidas que o governo desejava, mas estava implícita a ameaça de que, se as empresas não se “voluntariassem” devidamente, logo viriam controles compulsórios.

Quando Hoover retornou aos Estados Unidos após a guerra e uma longa estadia no exterior, chegou armado da sugestão de um “Programa de Reconstrução”. Esses programas são conhecidos da geração atual, mas eram novos nos Estados Unidos naquela época mais inocente. Como todos esses programas, ele trazia muito planejamento governamental, que previa a cooperação “voluntária” com “direção central”.[3] O governo supostamente corrigiria “nossas falhas marginais” — incluindo a educação e a saúde subdesenvolvidas, o “desperdício” industrial, a não-conservação dos recursos, o pernicioso hábito de resistência à sindicalização, e o desemprego sazonal. No plano de Hoover havia maiores impostos sobre a herança, represas públicas, e, significativamente, a regulação governamental do mercado de ações, a fim de eliminar a “maldosa especulação”. Essa foi uma das primeiras demonstrações da hostilidade de Hoover em relação ao mercado de ações, hostilidade essa que viria a ser um dos leitmotifs de seu governo.[4] Hoover, que, é preciso admitir, nunca fingiu ser o guardião do laissez-faire que a maioria das pessoas julga que ele era, observa que algumas pessoas denunciaram seu programa, chamando-o de “radical” — o que aliás faz todo o sentido.

Hoover e seu programa eram tão “progressistas” que Louis Brandeis, Herbert Croly, da New Republic, o coronel Edward M. House, Franklin D. Roosevelt e outros Democratas de destaque por algum tempo fizeram fortes campanhas para eleger Hoover presidente.[5]

Hoover continuou a defender o intervencionismo em muitas áreas durante a década de 1920. Para o que nos interessa aqui, foi extremamente relevante a conferência sobre relações entre trabalho e gerência que Hoover dirigiu de 1919 a 1920, nomeado pelo presidente Wilson, tendo como colega o secretário de Trabalho William B. Wilson, antigo representante da United Mine Workers of America. A conferência — que incluía industriais “progressistas” como Julius Rosenwald, Oscar Straus e Owen D. Young, líderes trabalhistas e economistas como Frank W. Taussig — recomendava mais acordos coletivos, criticava os “sindicatos patronais”, instava à abolição do trabalho infantil, e clamava por seguro nacional para a velhice, por menos horas de trabalho, “melhores condições de moradia”, seguro saúde e conselhos arbitrais do governo para disputas trabalhistas. Essas recomendações refletiam as ideias de Hoover.[6]

Hoover foi nomeado secretário de Comércio pelo presidente Harding em março de 1921, sob pressão da ala esquerda do partido Republicano, liderada por William Allen White e pelo juiz Nathan Miller, de Nova York. (Hoover foi um dos primeiros políticos da geração moderna, que conseguem estar em casa em qualquer um dos partidos.) Vimos que o governo se valeu de uma política amplamente de laissez-faire durante a depressão de 1920—1921, mas isso não aconteceu por obra de Herbert Hoover. Pelo contrário, ele “se propunha a reconstruir os Estados Unidos”[7]. Ele só aceitou o cargo sob a condição de que seria consultado a respeito de todas as políticas econômicas do governo federal. Ele estava determinado a transformar o Departamento de Comércio no “intérprete econômico do povo americano (do qual eles precisam desesperadamente)”[8]. Mal Hoover assumiu o cargo, começou a organizar uma conferência econômica e um comitê sobre o desemprego. O comitê estabeleceu uma filial em cada estado que tinha muito desemprego, e também sub-filiais em comunidades municipais e Comitês de Emergência do Prefeito em 31 cidades.[9] O comitê contribuía com assistência aos desempregados, e também organizava a colaboração entre os governos municipal e federal.

Como recorda Hoover:

Desenvolvemos a cooperação entre os governos federal, estadual e municipal a fim de ampliar as obras públicas. Convencemos os empregadores a “dividir” o tempo entre seus empregados, de modo que tantos quanto possível tivessem alguma renda. Organizamos as indústrias de modo a realizar reformas e consertos e, onde possível, a expandir a construção.[10]

A Standard Oil de Nova Jersey anunciou uma política de demissão de seus empregados mais antigos por último, e aumentou seus reparos e sua produção para estoque; a U. S. Steel também investiu US$ 10 milhões em reparos imediatamente após a conclusão da conferência.[11] Em suma, as grandes empresas foram as primeiras a concordar.

Felizmente, a depressão já tinha praticamente acabado no momento em que essas medidas poderiam surtir efeito, mas uma sombra sinistra agora pairava sobre todas as depressões futuras, sombra essa que se materializaria da pior maneira quando chegasse o crash de 1929. Mais uma vez, essas medidas traziam a característica marca de Hoover; a compulsão governamental e o planejamento foram adornados com a retórica da “cooperação voluntária”. Ele se referia a essas medidas, e a outras que sugerira, como “mobilização da ação cooperativa de nossos manufatureiros e empregadores, de nossos corpos públicos e autoridades locais”. E então começou a ser usada a analogia hoje tão conhecida com a guerra: “Poderíamos nos poupar de infinitas misérias se tivermos em todas as comunidades o mesmo espírito de cooperação espontânea para a reconstrução que tivemos na guerra.”

Se o governo não interferiu fortemente na recessão de 1920—1921, houve bastantes sinistras sementes do futuro New Deal. Em dezembro de 1920, a War Finance Corporation foi reavivada como auxílio às exportações agrícolas, e foi estabelecida uma Foreign Trade Financial Corporation [Corporação Financeira para o Comércio Exterior]. As agitações do setor agrícola contra a especulação levaram ao Capper Grain Futures Act [Lei do Mercado Futuro de Grãos de Capper] em agosto de 1921, que regulava o comércio de títulos de grãos. Além disso, Nova York aprovou leis de aluguéis que restringiam o direito de despejo dos senhorios; Kansas criou uma Corte Industrial que regulava todas as principais indústrias, considerando-as “utilidades públicas”; e a Non-Partisan League [Liga Não-Partidária] conduziu experimentos socialistas em Dakota do Norte.[12]

Talvez, porém, o desenvolvimento mais importante de todos tenha sido a Conferência do Presidente sobre o Desemprego, que Harding convocou instigado pelo infatigável Herbert Hoover. Esse foi talvez o mais funesto sinal de todas as políticas anti-depressivas que viriam. Cerca de 300 homens de destaque da indústria, do setor bancário e do trabalhismo foram convocados em setembro de 1921 para discutir o problema do desemprego. O discurso do presidente Harding à conferência estava repleto de bom senso e foi quase o canto de cisne da maneira como a Antiga Ordem lidava com as depressões. Harding afirmou que a liquidação era inevitável e atacou o planejamento governamental, assim como qualquer sugestão de socorro do Tesouro. Disse ele: “O excesso de estímulo daquela fonte deve ser considerado causa de problemas e não de curas.”[13]

Para os membros da conferência, claro estava que as palavras de Harding eram meras pedras no caminho do progresso, e logo foram descartadas. Os participantes obviamente preferiram o discurso de abertura de Hoover, no sentido de que a era de passividade havia acabado; Hoover estava convencido de que, ao contrário do que sucedeu nas depressões anteriores, o governo devia “fazer alguma coisa”[14]. O objetivo da conferência era promulgar a ideia de que o governo deveria ser responsável por curar as depressões, ainda que seus patrocinadores não tivessem uma ideia clara das coisas específicas que o governo deveria fazer. Os passos importantes, na visão dos principais líderes, eram insistir na necessidade de que o planejamento governamental combatesse as depressões e reforçar a ideia de que as obras públicas serviam como remédio para a depressão.[15] A conferência fez grandes e repetidos elogios à expansão das obras públicas durante a depressão e insistiu em planos coordenados por todos os níveis do governo.[16] A fim de não ser superado pelo novo governo, o ex-presidente Wilson também clamou, em dezembro, por um programa de obras federais de estabilização.

Os defensores extremados das obras públicas ficaram desapontados porque a conferência não foi longe o suficiente. Por exemplo, o economista William Leiserson havia pensado que um Federal Labor Reserve Board [um Banco Central do Trabalho] “faria pelo mercado de trabalho aquilo que o Federal Reserve Board fazia pelos interesses bancários”. As cabeças mais sábias, porém, viram que tinham obtido um grande ganho. Como resultado direto da conferência de Hoover, em 1921 e em 1922 o número de títulos de obras públicas vendidos foi o dobro de qualquer ano anterior; as verbas que o governo federal repassou aos estados especificamente para a construção de estradas chegaram a US$ 75 milhões no outono de 1921, e a opinião americana exaltou-se a respeito de toda essa questão.

Não foi por acidente que a conferência chegou a suas conclusões intervencionistas. Como costuma acontecer em conferências desse tipo, um pequeno grupo de assessores, junto com Herbert Hoover, efetivamente preparou as recomendações que os ilustres senhores da fachada devidamente ratificaram.[17] O secretário do Comitê de Obras Públicas, crucial, era Otto Tod Mallery, que havia muito era o principal defensor do país de programas de obras públicas em depressões. Mallery era membro, além de grande guia, do Conselho Industrial do Estado da Pensilvânia, e secretário da Comissão de Obras Públicas Emergenciais da Pensilvânia, pioneira no planejamento de obras públicas, e as resoluções de Mallery apontavam cuidadosamente para os exemplos da Pensilvânia e da Califórnia, que seriam os faróis que o governo federal deveria seguir.[18] Mallery era um dos grandes guias da American Association for Labor Legislation [Associação Americana de Legislação Trabalhista] (AALL), organização de cidadãos e de economistas destacados que se dedicava à promoção da intervenção governamental nos campos do trabalho, do desemprego e da previdência. A Association havia realizado sua primeira conferência nacional sobre o desemprego no começo de 1914. Agora, John B. Andrews, seu diretor executivo, gabava-se de as recomendações da Conferência Presidencial seguirem as recomendações padrão formuladas pela AALL em 1915. Essas recomendações padrão incluíam obras públicas e assistência pública emergencial, pagas segundo os salários e horários de sempre — os salários do período do boom deveriam ser mantidos.[19] O fato de a Conferência ter seguido a linha da AALL também não foi coincidência. Além do papel crucial de Mallery, a Conferência também empregou o conhecimento especializado dos seguintes economistas, todos os quais eram membros da AALL: John B. Andrews, Henry S. Dennison, Edwin F. Gay, Samuel A. Lewisohn, Samuel McCune Lindsay, Wesley C. Mitchell, Ida M. Tarbell, Mary Van Kleeck e Leo Wolman.[20]

Parece claro que não se esperava que os empresários na conferência fossem informar as políticas; a função deles era receber a doutrina da linha Hoover—AALL e então difundir a mensagem intervencionista aos demais empresários. Andrews decidiu fazer um elogio todo especial a Joseph H. Defrees, da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, que apelou a muitas organizações empresariais para que cooperassem com os Comitês de Emergências dos Prefeitos, e, de modo geral, para que aceitassem a “responsabilidade empresarial” de resolver o problema do desemprego. Samuel Gompers, presidente da American Federation of Labor [Federação Americana do Trabalho] (AFL) também louvou a ampla aceitação, por parte da indústria, de sua “responsabilidade” pelo desemprego, como resultado daquela Conferência.

Hoover fez o que pôde para interferir na recessão, tentando ainda estimular a construção de casas e insistindo para que os bancos financiassem mais exportações. Felizmente, porém, Harding e o resto do primeiro escalão não estavam convencidos das virtudes dos “remédios” governamentais para a depressão. Contudo, oito anos depois, Hoover finalmente teria sua chance. Como conclui Lyons: “Foi estabelecido um precedente para a intervenção federal nas depressões econômicas, para grande horror dos conservadores.”[21]

Existe, é claro, uma lei sociológica que diz que, quando nasce uma agência do governo, ela nunca morre, e a Conferência foi fiel a essa lei. A Conferência dividiu-se em três comitês de pesquisa, geridos por uma equipe de especialistas, com Hoover na direção geral. Um projeto deu fruto em Planning and Control of Public Works, de Leo Wolman, estudo pró-obras públicas publicado em 1930. Um segundo comitê publicara em 1924, em cooperação com a Divisão de Construção e Moradia do departamento de Comércio, o estudo Seasonal Operation in the Construction Industry [Operação Sazonal da Indústria de Construção]. Essa obra instava à estabilização sazonal da construção, e foi em parte o resultado de um período de atividade de propaganda do American Construction Council [Conselho da Construção Americana], associação comercial presidida por Franklin Delano Roosevelt. Seu prefácio foi escrito por Herbert Hoover.[22] O projeto mais importante foi o estudo Busines Cycle and Unemployment [Ciclo econômico e desemprego], publicado em 1923.

Hoover convidou o National Bureau of Economic Research (presidido por Wesley C. Mitchell) a fazer um levantamento de fatos relacionados aos problemas de prever e de controlar os ciclos econômicos, e então nomeou um Comitê para Ciclos Econômicos que preparasse recomendações de políticas para o relatório. O presidente do Comitê era Owen D. Young, e entre os demais membros estavam Edward Eyre Hunt, que fora secretário da Conferência Presidencial, Joseph Defrees, Mary Van Kleeck, Clarence Woolley e Mathew Woll, da AFL. Os fundos para o projeto foram em grande parte fornecidos pela Carnegie Corporation. Wesley C. Mitthcell, do National Bureau e da AALL, planejou e dirigiu o relatório, que incluía capítulos intervencionistas de Mallery e de Andrews sobre obras públicas e sobre a assistência financeira ao desemprego, e de Wolman sobre o seguro-desemprego. Se o National Bureau faria apenas um levantamento de fatos, Mitchell, ao discutir seu relatório, defendeu “experimentações sociais”.[23]

Enquanto isso, Hoover não tinha ficado ocioso no front mais diretamente legislativo. O senador W. S. Kenyon, de Iowa, apresentou no final de 1921 uma lei que contava com o apoio de Hoover, que era a corporificação das recomendações da Conferência e que exigia especificamente um programa de estabilização de obras públicas. Nas audiências de dezembro de 1921, a lei Kenyon teve o apoio de diversos economistas renomados, e também da American Federation of Labor, do American Engineering Council [Conselho Americano de Engenharia] (que acabara de nomear Hoover seu presidente) e da Câmara de Comércio dos Estados Unidos. Um dos defensores era Wesley C. Mitchell. A lei nunca chegou a ser votada, porém, em grande parte por causa do saudável ceticismo dos senadores, baseado em ideias de laissez-faire.

O próximo projeto de lei de estabilização por meio de obras públicas a circular pelo Congresso foi a Lei Zihlman, na Câmara. Ela era promovida pela National Unemployment League [Liga Nacional do Desemprego], formada em 1922 para esse propósito. As audiências aconteceram no Comitê da Câmara para o Trabalho em fevereiro de 1923. Hoover defendeu a proposta, mas ela não foi adotada.

Por fim, Hoover apresentou o relatório sobre Ciclos Econômicos e Desemprego ao Congresso, e instou fortemente à adoção de um programa de obras públicas nas depressões. Depois, em 1929, o Comitê para Mudanças Econômicas Recentes, de Hoover, também viria a defender um programa de obras públicas.

Em 1924, a AALL continuou sua campanha, participando de uma conferência nacional que propunha o planejamento de obras públicas. A conferência foi convocada pelas Federated American Engineering Societies [Sociedades Federadas de Engenharia Americanas] em janeiro. Em 1923, os estados de Wisconsin e de Massachusetts foram convencidos a adotar um programa de estabilização por meio de obras públicas. Massachusetts foi diretamente persuadida pelo testemunho dos onipresentes Andrews e Mallery. Esses programas estaduais nunca se traduziram em ação afetiva, mas serviam para indicar o ambiente que se desenvolvia. Em janeiro de 1925, Hoover teve a satisfação de ver o presidente Coolidge adotar sua posição. Dirigindo-se aos Associated General Contractors of America [Empreiteiros Gerais Associados dos Estados Unidos] (grupo que teria muito a ganhar com um programa governamental de construções), Coolidge pediu um planejamento de obras públicas que estabilizasse as depressões. Os senadores George H. Pepper e James Couzens tentaram aprovar leis de planejamento de obras públicas em 1925 e em 1926, mas fracassaram, assim como as tentativas posteriores do senador Wesley Jones, que propôs leis que haviam sido preparadas pelo Departamento de Comércio de Hoover. O senado Republicano estava absolutamente recalcitrante, e uma lei Pepper foi bloqueada ali. Mesmo os relatórios favoráveis de seu Comitê de Comércio não comoviam o senado. Àquela altura, não apenas Hoover e Coolidge, mas também o secretário Mellon e o partido Democrata em 1924, e depois o governador Alfred E. Smith, do estado de Nova York, haviam manifestado seu apoio ao programa de obras públicas. Em maio de 1928, o senador Robert F. Wagner (democrata, de Nova York) apresentou três leis para um planejamento abrangente das obras públicas, incluindo a criação de um conselho de estabilização do emprego, mas o plano não foi considerado pelo Congresso.[24]

Depois de Hoover ser eleito presidente, ele ficou mais circunspecto ao apresentar suas ideias, mas continuou o combate com renovado vigor. Sua técnica era “vazar” o “Plano Hoover” para colegas de confiança, que obviamente estariam apresentando as ideias de Hoover. Como seu canal, ele escolheu o governador Ralph Owen Brewster, do Maine. Brewster apresentou um plano de obras públicas à Conferência de Governadores no fim de 1928, e falou eloquentemente sobre o plano, que seria desenhado para “impedir depressões”.[25] O fato de ele ter usado a expressão “Road to Plenty” [“Caminho da Abundância”] dificilmente era coincidência, porque Hoover havia adotado o plano dos senhores Foster e Catchings, cujas linhas gerais recentemente haviam sido apresentadas no famoso livro The Road to Plenty (1928). Os autores haviam apresentado o plano a Brewster, e, após a aprovação de Hoover, Brewster trouxe o professor William T. Goster para a Conferência de Governadores na qualidade de assessor técnico. Foster e Catchings, guias da inflação, da alta do mercado, e renomados subconsumistas, estavam intimamente associados à campanha por obras públicas. Foster era diretor da Pollak Foundation for Economic Research [Fundação Pollark para a Pesquisa Econômica], fundada pelo banqueiro de investimentos Waddill Catchings. A dupla havia publicado uma série de livros muito populares durante a década de 1920, gritando por panaceias como obras públicas e inflação monetária.[26]

Ainda que sete ou oito governadores tivessem entusiasmo pelo Plano Hoover-Foster-Catchings, a Conferência adiou a consideração da ideia. Grande parte da imprensa louvou o plano usando termos extravagantes, chamando-o de “seguro-prosperidade”, “reserva de prosperidade” ou “pacto para criminalizar a depressão”, ao passo que órgãos mais conservadores devidamente o ridicularizaram, chamando-o de esforço quimérico e socialista de criminalizar a lei de oferta e demanda. Não surpreendeu que William Green, da AFL, tenha elogiado o plano, como se fosse o mais importante pronunciamento sobre salários e emprego em uma década, ou que John P. Frey, da AFL, tenha anunciado que agora Hoover tinha aceitado a velha teoria da AFL de que as depressões são causadas por subconsumo e por salários baixos.[27] A imprensa noticiou que “o trabalhismo está jubilante, porque seus líderes creem que o próximo presidente encontrou… um remédio para o desemprego que, ao menos em sua filosofia e em seus fundamentos, é idêntico ao do trabalhismo.”[28]

A proximidade de Foster e de Catchings com Hoover é outra vez demonstrada pelo relato detalhado de seu próprio plano, que publicaram em abril de 1929. Num artigo intitulado “Mr. Hoover’s Plan: What It Is and What It Is Not — A New Attack on Poverty” [“O plano de Hoover: o que ele é e o que ele não é — um novo ataque à pobreza], eles escreveram, com autoridade, que Hoover se valeria de uma reserva de obras públicas de estabilização, não de US$ 150 milhões, como tantas vezes se tinha dito nos anos anteriores, mas de gigantescos US$ 3 bilhões. Esse plano aplainaria os preços e o ciclo econômico, e estabilizaria a economia. Enfim a economia científica seria brandida como uma arma por um presidente americano: “O Plano… é a economia guiada por mensurações e não por palpites. É a economia na era da ciência — uma economia digna do novo presidente.”[29]

O desenvolvimento do intervencionismo de Hoover: relações trabalhistas

Não podemos compreender a desastrosa interferência de Hoover no mercado de trabalho durante a depressão sem examinar o desenvolvimento de suas ideias e de suas ações no front trabalhista durante a década de 1920. Vimos que seu Programa de Reconstrução e sua Conferência Econômica de 1920 faziam o elogio dos acordos coletivos e do sindicalismo. Em 1920, Hoover preparou um encontro dos principais industriais com “ideias avançadas” sobre relações trabalhistas para tentar (sem sucesso) convencê-los a “estabelecer relações” com a American Federation of Labor.[30] De 1919 a 1923, Hoover tentou convencer as empresas privadas a fazer seguro para aquilo que pode ser objeto de seguro adotando o seguro desemprego, e em 1925 ele elogiou a American Federation of Labor por ter “exercido uma forte influência na estabilização da indústria”. Ele também defendeu uma emenda para o desemprego compulsório do trabalho infantil, que teria reduzido o produto nacional, e também teria elevado os custos do trabalho e os salários dos trabalhadores adultos seus competidores. A mais importante das atividades de Hoover no campo trabalhista foi a guerra que venceu contra a United States Steel e seu presidente, o juiz Elbert H. Gary, guerra conduzida como “habilidosa campanha publicitária” (nas palavras de um admirador de Hoover) contra as “bárbaras” horas de trabalho na indústria de aço.[31] O sucesso dessa batalha fez com que depois, na depressão de 1929, fosse muito mais fácil convencer os homens de negócios a seguir suas políticas trabalhistas. Hoover decidira que a jornada de doze horas de trabalho na indústria de aço tinha de ser erradicada e trocada pela jornada de oito horas. Ele convenceu Harding, num lapso de seus instintos normalmente voltados para o laissez-faire, a realizar uma conferência de produtores de aço em maio de 1922, em que Harding e Hoover conclamaram os magnatas a eliminar a jornada de 12 horas. Um biógrafo seu admirador observa com satisfação que Hoover fez os líderes do aço “contorcerem-se”.[32] Claro que foi fácil para Harding e para Hoover, muito distantes da necessidade de cumprir pagamentos para a produção organizada, dizer a outras pessoas quantas horas e em que condições elas deveriam trabalhar. Hoover teve o apoio de empresários do aço “esclarecidos”, como Alexander Legge e Charles R. Hook, mas enfrentou a dura oposição de outros líderes, como Charles M. Schwab, e, é claro, do juiz Gary, presidente do conselho da U. S. Steel e presidente do American Iron and Steel Institute [Instituto Americano do Ferro e do Aço]. A guerra havia começado.

A campanha na indústria de aço, deve-se observar, não tinha sido iniciada por Hoover. Sua origem datava de setembro de 1919, quando Gary recusou-se a fazer um acordo coletivo com um sindicato. Os operários fizeram greve por causa disso, e a greve foi liderada pelo líder comunista William Z. Foster. No momento em que a greve fracassou, em janeiro de 1920, a opinião pública, considerando, e com justiça, que a greve tinha inspiração bolchevique, ficou totalmente do lado da U. S. Steel. À essa altura, porém, o Interchurch World Movement [Movimento Mundial Intereclesiástico] havia nomeado uma Comissão de Inquérito para investigar a greve; em julho de 1920, saiu o relatório da Comissão, favorável aos grevistas, e assim começou a campanha pela jornada de doze horas.[33] O relatório deu início a uma guerra de propaganda, em que os esquerdistas do país tentavam mudar o temperamento mesmo da opinião pública. O reverendo A. J. Muste, o Socialist New York Call, o Labor e The Nation defenderam o relatório, ao passo que as associações empresariais atacaram duramente o inquérito. Entre essas, estavam a National Association of Manufacturers [Associação Nacional das Manufaturas], a National Civic Federation [Federação Cívica Nacional], o Wall Street Journal, e outros. Muitos jornais religiosos, porém, foram convencidos pelo prestígio do comitê (um prestígio religioso que de algum modo se transmitia a questões seculares) a mudar suas ideias anteriores e associar-se ao lado anti-indústria.

Foi nesse ponto crítico da batalha que Hoover entrou, convencendo o presidente Harding a entrar junto. Hoover “deliberadamente contou a história” do fracasso do encontro privado com Gary, Schwab e os outros à imprensa. Ele disse à imprensa que o presidente Harding estava “tentando convencer a indústria a adotar uma jornada de trabalho razoável”[34]. Assim o governo mobilizou a opinião pública em favor do sindicato. Hoover conseguiu que as Engineering Societies nacionais — efetivamente dominadas por Hoover — emitissem um relatório (outra vez, fora de sua competência) defendendo a jornada de oito horas em novembro de 1922. Hoover elogiou o relatório, escreveu a introdução, e convenceu Harding a assiná-lo.

Sob pressão presidencial, o juiz Gary nomeou um comitê da indústria do aço, liderado por ele mesmo, para estudar a questão. O comitê publicou seu relatório em 25 de maio de 1923, rejeitando de modo unânime as demandas pela jornada de oito horas. A U. S. Steel também publicou uma resposta ao relatório do Interchurch World Movement, escrito pelo senhor Marshall Olds, com a aprovação do professor Jeremiah W. Jenks, economista de renome. Os xingamentos à indústria de aço vieram de todos os lados. Foram esquecidos os argumentos usados pela U. S. Steel de que os trabalhadores preferiam a jornada de doze horas por causa do salário maior, e que a produção sofreria com uma jornada de oito horas.[35]

Esse e outros argumentos foram varridos pela onda de sentimentalismo que castigava o assunto. As forças do Evangelho Social vociferavam seus anátemas. Comitês de “Justiça Social” e de “Ação Social” de organizações protestantes, católicas e judaicas gritavam a respeito de questões sobre as quais praticamente nada entendiam. Acrescentando um códice quantitativo aos códigos morais da Bíblia, não hesitavam em declarar que a jornada de doze horas era “moralmente indefensável”. Eles não explicavam se ela tinha subitamente se tornado “moralmente indefensável” ou se ela, e jornadas até mais longas, tinham sido moralmente perversas ao longo dos séculos. Fosse esse o caso, certamente era estranho que incontáveis gerações anteriores de religiosos tenham ignorado esse pretenso pecado; se não fosse, então um curioso relativismo histórico agora se imiscuía às verdades supostamente eternas da Bíblia.

A American Association for Labor Legislation naturalmente entrou na disputa, ameaçando criar leis federais estabelecendo um máximo de horas de trabalho se a indústria do aço não sucumbisse a suas exigências. Porém, o golpe mais eficaz foi uma severa carta pública de censura enviada a Gary pelo presidente Harding em 18 de junho, escrita por Hoover para o presidente. Diante dos pedidos e das demandas públicas de Harding, Gary finalmente capitulou em julho, permitindo que Hoover inserisse a notícia da vitória no discurso de Harding do dia da independência.

A vitória de Hoover e de Harding sobre a U. S. Steel efetivamente domesticou a indústria, que, após essa lição, não teve mais forças para resistir a uma potente combinação de pressões públicas e governamentais.[36]

Isso também não exauriu o intervencionismo trabalhista de Hoover durante a década de 1920. Hoover desempenhou um forte papel no incentivo aos sindicatos ferroviários, e em impor à indústria ferroviária o Railway Labor Act [Lei do Trabalho Ferroviário] — a primeira inclusão permanente do governo federal no gerenciamento das relações de trabalho. O problema ferroviário havia começado na Primeira Guerra Mundial, quando o governo federal tomou para si o controle das ferrovias da nação. Comandada por McAdoo, secretário do Tesouro, a política do governo consistia em incentivar a sindicalização. Após o fim da guerra, os sindicatos ferroviários fizeram o que podiam para perpetuar esse bastião do socialismo, e defenderam o Plano Plumb, que pedia a operação conjunta das ferrovias por empregadores, sindicatos e o governo.

As ferrovias foram devolvidas aos proprietários particulares em 1920, mas o Congresso deu um perigoso brinde aos sindicatos ao criar um Conselho do Trabalho Ferroviário, com representação tripartite, para resolver todas as disputas trabalhistas. As decisões do Conselho não tinham força de lei, mas podiam exercer uma pressão indevida na opinião pública. Os sindicatos ficaram contentes com esse arranjo, até que as autoridades governamentais viram a luz da verdade econômica durante a depressão de 1921, e recomendaram reduções salariais. No verão de 1922, os sindicatos ferroviários não-operantes fizeram uma greve nacional para desafiar a redução proposta. Enquanto o procurador-geral Daugherty agiu com competência em defesa da integridade de pessoas e de propriedades ao obter um mandado federal contra a violência sindical, o senhor Hoover, “horrorizado”, convenceu Hughes, secretário de Estado, a ficar a seu lado, e convenceu Harding a forçar a Daugherty a retirar o mandado. Hoover também interveio de maneira privada, mas insistente, para tentar arrancar das ferrovias concessões em favor dos sindicatos.

Após os sindicatos serem derrotados na greve, determinaram-se a reescrever a lei de modo a poder estabelecer-se com a ajuda da coerção federal. A partir de 1923, os sindicatos passaram a lutar por uma lei de arbritragem compulsória. Eles atingiram esse objetivo com o Railway Labor Act de 1926, que efetivamente garantia os acordos coletivos aos sindicatos ferroviários. A lei foi redigida pelos advogados sindicais Donald Richberg e David E. Lilienthal, e também por Herbert Hoover, que tivera a ideia do Railway Labor Mediation Board [Conselho Ferroviário de Mediação Trabalhista]. Vendo que o apoio para essa lei só crescia, e seduzida pela promessa do fim das greves, a maior parte da indústria ferroviária capitulou e apoiou a lei. O Railway Labor Act — o primeiro passo gigantesco no sentido da coletivização das relações trabalhistas — só teve a oposição de algumas ferrovias mais perspicazes, e da National Association of Manufacturers [Associação Nacional de Manufaturas][37].

Ainda mais insidiosa do que a atitude pró-sindicatos de Hoover foi sua adoção da nova teoria de que altos salários eram uma importante causa da prosperidade. Durante a década de 1920, difundiu-se a ideia de que os Estados Unidos eram mais prospéros do que os outros países porque seus empregadores generosamente pagavam maiores salários, assim garantindo que os trabalhadores possuíam o poder de compra necessário para adquirir os produtos da indústria. Enquanto os salários reais maiores são na verdade consequência da maior produtividade e do investimento de capital, essa teoria coloca o carro na frente dos bois ao afirmar que os altos salários eram a causa da alta produtividade e dos elevados padrões de vida. Seguia-se, é claro, que os altos salários deveriam ser mantidos, ou até elevados, a fim de evitar a depressão que ameaçava surgir. Hoover começou a defender essa teoria durante a Conferência do Desemprego de 1921. Os empregadores no comitê manufatureiro queriam insistir que a redução salarial seria a cura para o desemprego, mas Hoover conseguiu aniquilar essa recomendação.[38] No meio da década de 1920, Hoover trombeteava a “nova economia” e atacava a “velha economia” que resistia ao novo ensinamento. Num discurso de 12 de maio de 1926, o secretário Hoover anunciou a boa nova dos maiores salários, que se mostraria tão desastrosa alguns anos depois:

não faz muitos anos — o empregador julgava que era seu interesse usar as oportunidades de desemprego e de imigração para reduzir os salários, independentemente de outras considerações. Os menores salários e as horas mais longas eram então entendidas como o meio de obter o menor custo possível de produção, e os maiores lucros (…) Mas já estamos bem avançados no caminho que leva a novas concepções. A essência mesma da grande produtividade são salários altos e preços baixos, porque ela depende de uma ampliação… do consumo, que só pode vir do poder de compra de salários altos reais e de padrões de vida mais elevados.[39]

Hoover não era o único a celebrar a “nova economia”. O National Industry Conference Board [Conselho da Conferência Nacional da Indústria] observou que, se durante a depressão de 1920—1921 os salários caíram 19% em um ano, a teoria do salário maior desde então tornara-se dominante. Cada vez mais pessoas adotavam a teoria de que o corte salarial secaria o poder de compra e assim prolongaria a depressão, ao passo que salários altos rapidamente curariam a estagnação econômica. Essa doutrina, junto da teoria de que altos salários causam prosperidade, era pregada por muitos industriais, economistas e líderes trabalhistas durante a década de 1920.[40] O National Industry Conference Board observou que “muito se ouviu falar sobre uma nova era, em que grandes depressões econômicas não aconteceriam”. E o professor Leo Wolman afirmou que a teoria dominante da década de 1920 era que “salários altos e crescentes eram necessários para um fluxo pleno do poder de compra e, portanto, para uma economia sólida”[41].

Como último desenvolvimento da famosa conferência de 1921, o Comitê para Mudanças Econômicas Recentes, de Hoover, emitiu um relatório geral em diversos volumes sobre a economia americana em 1929. Outra vez, as investigações básicas eram feitas pelo National Bureau. O Comitê não previu sob nenhum aspecto a grande depressão. Em vez disso, elogiou a estabilidade de preços da década de 1920 e os salários maiores. Celebrou o boom, sem perceber que era este, na verdade, seu canto de cisne: “com a alta dos salários e a relativa estabilidade de preços, tornamo-nos consumidores daquilo que produzimos numa medida nunca antes concebida”. No começo do pós-guerra, o Comitê opinara que havia clamores reacionários por “liquidações” do trabalho, que retornaria aos padrões de antes da guerra. Mas logo os “líderes do pensamento industrial” enxergaram que os salários altos sustentavam o poder de compra, que por sua vez sustentava a prosperidade.

Eles começaram a propor conscientemente o princípio de altos salários e baixos custos como política esclarecida de prática industrial. Esse princípio desde então vem chamando a atenção dos economistas do mundo inteiro — sua aplicação em larga escala é uma grande novidade.[42]

Essa mudança no clima industrial, de acordo com o Comitê, chegou em poucos anos, em grande parte por causa da Conferência sobre o Desemprego. No outono de 1926, Eugene Grace, magnata do aço, já trombeteava o novo ensinamento no Saturday Evening Post.[43]

As conclusões do comitê econômico nomeado por Hoover por si só eram sinistras. “Para manter o equilíbrio dinâmico” da década de 1920, declarava, é preciso que haja lideranças que ofereçam cada vez mais “atenção e controle públicos deliberados”. De fato, “a pesquisa e o estudo, a classificação ordenada do conhecimento… podem perfeitamente fazer com que o controle total do sistema econômico seja possível”. A fim de manter o equilíbrio, “Nós… (devemos) desenvolver uma técnica de equilíbrio”, técnica essa que seria dada por economistas, estatísticos e engenheiros, todos “trabalhando juntos em harmonia”.

E assim, o presidente Herbert Hoover, às vésperas da Grande Depressão, estava de prontidão para enfrentar quaisquer avisos de tempestades no horizonte econômico.[44] Hoover, o “Grande Engenheiro”, agora estava armado para lutar em muitos fronts, tendo as poderosas armas e planos de uma “nova ciência econômica”. Libertados dos credos já batidos do laissez-faire, ele usaria com audácia suas armas “científicas”, se fosse necessário, para colocar o ciclo de negócios sob controle do governo. Como veremos, Hoover não deixou de empregar imediata e vigorosamente seus princípios políticos “modernos”, nem os novos “instrumentos” que os economistas “modernos” lhe haviam dado. E, como consequência direta, os Estados Unidos ficaram prostrados como nunca antes. Contudo, por uma irônica virada do destino, o pandemônio deixado por Hoover ao sair do governo foi atribuído, por seus críticos Democratas, a sua devoção aos desgastados princípios do laissez-faire.
[1] Para uma apreciação da importância desse fato para a história monetária americana, ver Vera C. Smith, The Rationale of Central Banking (Londres: P. S. King and Son, 1936).

[2] De seu discurso de aceitação, feito em 11 de agosto, e de seu discurso de campanha em Des Moines em 4 de outubro. Para a versão completa dos discursos e do programa antidepressão de Hoover, ver William Starr Myers e Walter H. Newton, The Hoover Administration (Nova York: Scholarly Press, 1936), parte 1; William Starr Myers, ed. The State Papers of Herbert Hoover, vols. 1 e 2 (Nova York, 1934). Ver também Herbert Hoover, Memoirs of Herbert Hoover (Nova York: Macmillan, 1937), vol. 3.

[3] Ver Joseph Dorfman, The Economic Mind in American Civilization (Nova York: Viking Press, 1959), vol. 14, p. 27.

[4] Hoover, Memoirs, vol. 2, p. 29. É típica a retórica evasiva de Hoover: “Insisti que essas melhorias poderiam ser realizadas sem controle do governo, mas o governo deveria cooperar com pesquisas, com liderança intelectual [sic], e com proibições ao abuso do poder.”

[5] Cf. Arthur M. Schlesinger, Jr., The Crisis of the Old Order, 1919–1933 (Boston: Houghton Mifflin, 1957), pp. 81ss.; Harris Gaylord Warren, Herbert Hoover and the Great Depression (Nova York: Oxford University Press, 1959), pp. 24ss.

[6] Hoover registra que a “extrema direita” era hostil a essas propostas – o que é compreensível – e, como era digno de nota, a Câmara de Comércio de Boston. Ver também Eugene Lyons, Our Unkown Ex-President (Nova York: Doubleday, 1948), pp. 213–14.

[7] Carta de Hoover para Wesley C. Mitchell, 29 de julho de 1921. Lucy Sprague Mitchell, Two Lives (Nova York: Simon and Schuster, 1953), p. 364.

[8] Warren, Herbert Hoover and the Great Depression, p. 26.

[9] Ver Hoover, Memoirs, vol. 2; Warren, Herbert Hoover and the Great Depression; e Lloyd M. Graves, The Great Depression and Beyond (Nova York: Brookmire Economic Service, 1932), p. 84.

[10] Hoover, Memoirs, vol. 2, pp. 41–42.

[11] Ver Joseph H. McMullen, “The President’s Unemployment Conference of 1921 and its Results” (dissertação de mestrado inédita, Columbia University, 1922), p. 33.

[12] Ver Graves, The Great Depression and Beyond.

[13] Ver E. Jay Howenstine, Jr., “Public Works Policy in the Twenties”, Social Research (dezembro de 1946): 479–500.

[14] Ver Lyons, Our Unknown Ex-President, p. 230.

[15] Na verdade, obras públicas só fazem prolongar a depressão, agravar o problema do mal-investimento, e intensificar a escassez de poupança por meio do desperdício de mais capital. Elas também prolongam o desemprego ao aumentar os salários. Ver Mises, Human Action (New Haven, Conn: Yale University Press, 1949), pp. 792–94.

[16] O pagamento de salários de caridade no mesmo valor de salários de mercado começou na depressão de 1893; as obras públicas como remédio para a depressão começaram, em escala municipal, na recessão de 1914–1915. O secretário do Comitê do Desemprego de Nova York do prefeito John Purroy Mitchell insistiu em obras públicas em 1916, e Nathan J. Stone, o principal estatístico do U. S. Tariff Board [Conselho Tarifário do Governo dos Estados Unidos], insistiu numa reserva nacional para obras públicas e desemprego em 1915. Imediatamente após a guerra, o governador Alfred E. Smith, do estado de Nova York, e o governador Frank O. Lowden, de Illinois, insistiram num programa nacional de estabilização por meio de obras públicas. Ver Raphael Margolin, “Public Works as a Remedy for Unemployment in the United States” (dissertação de mestrado inédita, Columbia University, 1928).

[17] McMullen, “The President’s Unemployment Conference of 1921 and its Results”, p. 16.

[18] A Pensilvânia havia estabelecido o primeiro programa de estabilização por meio de obras públicas em 1917, em grande parte por inspiração de Mallery; posteriormente, ele foi cancelado. Mallery também havia sido nomeado diretor de uma nova Divisão de Desenvolvimento de Obras Públicas por Estados e Cidades Durante o Período de Transição, no governo Wilson. Ver Dorfman, The Economic Mind in American Civilization, vol. 4, p. 7.

[19] Ver John B. Andrews, “The President’s Unemployment Conference – Success or Failure?”, American Labor Legislation Review (dezembro de 1921): 307–10. Ver também “Unemployment Survery”, in ibid., pp. 211–12.

[20] American Labor Legislation Review (março de 1922): 79. Entre as autoridades da AALL também estavam: Jane Addams, Thomas L. Chadbourne, o professor John R. Commons, o professor Irving Fisher, Adolph Lewisohn, Lillian Wald, Feliz M. Warburg, Woodrow Wilson e o rabino Stephen S. Wise.

[21] Lyons, Our Unknown Ex-President, p. 230.

[22] O American Construction Council foi criado em resposta à caça à indústria de construção de Nova York por parte das autoridades estaduais e federais durante a depressão de 1920–1921. Os governos acusaram a indústria de “fixação de preços” e de “lucros excessivos”. Hoover e Roosevelt juntos criaram o Council no verão de 1922, a fim de estabilizar e de organizar a indústria. O objetivo era cartelizar a construção, impor diversos códigos de operação e de “ética”, e planejar a indústria inteira. Enquanto presidente do Council, Franklin Roosevelt aproveitou diversas oportunidades para denunciar a busca pelos lucros e o aferrado individualismo. Os “códigos de práticas justas” foram ideia de Hoover. Ver Daniel R. Fusfeld, The Economic Thought of Franklin D. Roosevelt and the Origins of the New Deal (Nova York: Columbia University Press, 1956), pp. 102ss.

[23] Wesley C. Mitchell, “Unemployment and Business Fluctuations”, American Labor Legislation Review (março de 1923): 15–22.

[24] Os seguintes economistas, empresários e outros líderes a essa altura já tinham trabalhado na American Association for Labor Legislation, além daqueles mencionados acima: Ray Stannard Baker, Bernard M. Baruch, senhora Mary Beard, Joseph P. Chamberlain, Morris Llewellyn Cooke, Fred C. Croxton, Paul H. Douglas, Morris L. Ernst, Herbert Feis, S. Fels, Walton H. Hamilton, William Hard, Ernest M. Hopkins, Royal W. Meeker, Broadus Mitchell, William F. Ogburn, Thomas I. Parkinson, senhora George D. Pratt, Roscoe Pound, senhora Raymond Robins, Julius Rosenwald, John A. Ryan, Nahum I. Stone, Gerard Swope, senhora Frank A. Vanderlip, Joseph H. Willits, e John G. Winant.

[25] Ralph Owen Brewster, “Footprints on the Road to Plenty – A Three Billion Dollar Fund to Stabilize Business”, Commercial and Financial Chronicle (28 de novembro de 1928): 2527.

[26] O Plano Foster–Catchings clamava por um programa organizado de obras públicas de 3 bilhões de dólares para aplainar o ciclo econômico e estabilizar o nível de preços. A iniciativa individual, julgaram os autores, pode até ser boa, mas numa situação desse tipo “precisamos de uma liderança coletiva”. William T. Foster e Waddill Catchings, The Road to Plenty (Boston: Houghton Mifflin, 1928), p. 187. Para uma crítica brilhante das teorias de subconsumo de Foster e de Catchings, ver F. A. Hayek, “The ‘Paradox’ of Savings”, em Profit, Interest, and Investment (Londres: Routledge and Kegan Paul, 1939), pp. 199–263.

[27] Ver Dorfman, The Economic Mind in American Civilization, vol. 4, pp. 349–50.

[28] “Hoover’s Plan to Keep the Dinner-Pail Full”, Literary Digest (8 de dezembro de 1928): 5–7.

[29] William T. Forster e Waddill Catchings, “Mr. Hoover’s Plan – What It Is and What It Is Not – The New Attack on Poverty”, Review of Reviews (abril de 1929): 77–78. Para uma visão laudatória das perspectivas pró-obras públicas de Hoover na década de 1920, por um funcionário da AALL, ver George H. Trafton, “Hoover and Unemployment”, American Labor Legislation Review (setembro de 1929): 267ss.; e idem, “Hoover’s Unemployment Policy”, American Labor Legislation Review (dezembro de 1929): 373ss.

[30] Irving Bernstein, The Lean Years: A History of the American Worker, 1920–1933 (Boston: Houghton Mifflin, 1969), p. 147. Já em 1909 Hoover dissera que os sindicatos eram “os devidos antídotos para as organizações ilimitadamente capitalistas”, ibid., p. 250.

[31] Warren, Herbert Hoover and the Great Depression, p. 28.

[32] Lyons, Our Unknown Ex-President, p. 231.

[33] Ver Marshall Olds, Analytis of the Interchurch World Movement Report on the Steel Strike (Nova York: G. P. Putnam and Sons, 1922), pp. 417ss.

[34] Lyons, Our Unkown Ex-President, p. 231.

[35] Igualmente esquecido foi o fato de que os salários eram parte da disputa, e também as horas. Os trabalhadores queriam menos horas com “salário mínimo”, ou, nas palavras do Inquiry Report, “um salário que garanta o mínimo de conforto” – em suma, eles queriam salários por hora mais altos. Ver Samuel Yellen, American Labor Struggles (Nova York: S. A. Russell, 1956), pp. 255ss.

[36] Sobre o episódio da jornada de trabalho de doze horas, ver Frederick W. McKenzie, “Steel Abandons the 12–Hour Day”, American Labor Legislation Review (setembro de 1923): 179ss; Hoover, Memoirs, vol. 2, pp. 103–04; e Robert M. Miller, “American Protestantism and the Twelve-Hour Day”, Southwestern Social Science Quarterly (setembro de 1956): 137–48. No mesmo ano, o governador Pinchot, da Pensilvânia, forçou as minas de carvão antracito do estado a adotar a jornada de oito horas.

[37] Para uma visão pró-sindicatos do affair, ver Donald R. Richberg, Labor Union Monopoly (Chicago: Henry Regnery, 1957), pp. 3–28; ver também Hoover, Memoirs, vol. 2.

[38] Ver McMullen, “The President’s Unemployment Conference of 1921 and its Results”, p. 17.

[39] Hoover, Memoirs, vol. 2, p. 108.

[40] Um desses industriais era o mesmo Charles M. Schwab, presidente da Bethlehem Steel, que havia travado uma amarga luta com Hoover na questão da jornada de oito horas. Assim, no começo de 1929, Schwab opinou que a maneira de preservar uma prosperidade permanente era “pagar ao trabalho os maiores salários que fossem possíveis”. Commercial and Financial Chronicle 128 (5 de janeiro de 1929): 23.

[41] National Industrial Conference Board, Salary and Wage Policy in the Depression (Nova York: Conference Board, 1923), p. 3; Leo Wolman, Wages in Relation to Economic Recovery (Chicago: University of Chicago Press, 1931), p. 1.

[42] Committee on Recent Economic Changes, Recent Economic Changes in the United States (Nova York: McGraw–Hill, 1929), vol. 1, p. xi.

[43] Committee on Recent Economic Changes, Recent Economic Changes in the United States (Nova York: McGraw–Hill, 1929), vol. 2; Henry Dennison, “Management”, p. 523.

[44] Outro aperitivo importante do futuro National Recovery Act [Lei de Recuperação Nacional] foi o uso de Hoover do departamento de Comércio durante a década de 1920 para ajudar as corporações a criar “códigos” aprovados pela Federal Trade Commission (FTC), a fim de restringir a competição, em nome da eliminação de práticas comerciais “injustas”.

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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