O problema da ordem social
Robinson Crusoé, sozinho em sua ilha, pode fazer o que ele quiser. Para ele, problemas relativos a regras de conduta humana pacífica — cooperação social — simplesmente não existem. Evidentemente, esses problemas só podem surgir no momento que uma segunda pessoa, Sexta-feira, chegar na ilha. Mas mesmo assim os problemas permanecem irrelevantes enquanto não houver nenhuma escassez. Suponha que a ilha seja o Jardim do Éden. Todos os bens externos estão disponíveis em superabundância. Eles são “bens livres”, do modo que o ar que respiramos normalmente é um bem “livre”. Qualquer coisa que Crusoé fizer com estes bens não terá nenhuma repercussão sobre seu próprio estoque futuro destes bens, nem sobre o estoque presente ou futuro dos mesmos bens para Sexta-feira (e vice-versa). Consequentemente, é impossível que ocorra um conflito entre Crusoé e Sexta-feira relativo ao uso destes bens. A possibilidade de um conflito passa a existir somente quando os bens são escassos, e apenas assim pode surgir um problema de formular regras que tornem possível uma cooperação social pacífica — sem conflitos.
No Jardim do Éden só existem dois bens escassos: o corpo de uma pessoa e o local que ela está. Crusoé e Sexta-feira possuem apenas um corpo cada um e podem ocupar apenas um lugar ao mesmo tempo. Logo, mesmo no Jardim do Éden podem surgir conflitos entre Crusoé e Sexta-feira: eles não podem querer ocupar simultaneamente o mesmo local sem se envolverem em um conflito físico. Assim sendo, até mesmo no Jardim do Éden devem existir regras de conduta social pacífica — regras relativas ao posicionamento e movimento apropriados dos corpos humanos. E fora do Jardim do Éden, no mundo da escassez, deve haver regras que regulem não apenas o uso dos corpos das pessoas, mas de tudo que seja escasso, de modo que todos os conflitos possíveis possam ser eliminados. Este é o problema da ordem social.
A solução do problema: a ideia da apropriação original e da propriedade privada
Na história do pensamento político e social muitas propostas foram oferecidas como supostas soluções para o problema da ordem social, e esta variedade de propostas mutuamente inconsistentes contribuiu para o fato de que hoje em dia a busca por uma única resposta “correta” para o problema seja frequentemente considerada ilusória. Ainda assim, como tentarei demonstrar, existe uma solução correta; e portanto, não há motivos para sucumbir ao relativismo moral. Não fui eu quem descobriu esta solução, nem, a propósito, Murray Rothbard. Na verdade, a solução já é essencialmente conhecida há centenas de anos, se não forem milhares. A fama dada a Murray Rothbard é “meramente” porque ele redescobriu esta antiga e também simples solução e a formulou de maneira mais clara e convincente do que qualquer um antes dele.
Deixe-me começar a formular a solução — primeiramente para o caso especial representado pelo Jardim do Éden e subsequentemente para o caso geral representado pelo mundo “real” de escassez generalizada — e então proceder para a explicação de como esta solução, e nenhuma outra, é correta.
No Jardim do Éden, a solução é fornecida pela simples regra que estipula que todos podem colocar ou mover seu próprio corpo onde quiser, contanto que nenhum outro já esteja ali ocupando o mesmo lugar. E fora do Jardim do Éden, no mundo da escassez generalizada, a solução é fornecida pela seguinte regra: Todos são os devidos donos de seus próprios corpos e também de todos os lugares e bens dados pela natureza que ocupem e coloquem em uso por meio de seus corpos, contanto apenas que nenhum outro já tenha ocupado ou colocado em uso os mesmos lugares e bens antes dele. Esta propriedade de lugares e bens “originalmente apropriados” por uma pessoa implica em seu direito de usar e transformar estes lugares e bens da maneira que eles acharem apropriada, contanto que com isso ela não altere sem permissão a integridade física de lugares ou bens originalmente apropriados por outra pessoa. Particularmente, uma vez que um lugar ou bem tenha sido primeiramente apropriado através da, nas palavras de John Locke, “mistura do próprio trabalho” com eles, a propriedade sobre estes lugares e bens pode ser adquirida somente através de uma transferência voluntária — contratual — de seu título de propriedade de um dono anterior para um posterior.
Considerando o predominante relativismo moral, vale a pena ressaltar que esta ideia de apropriação original e propriedade privada como uma solução ao problema da ordem social está em pleno acordo com nossa “intuição” moral. Seria por acaso um absurdo afirmar que uma pessoa não deveria ser a devida dona de seu corpo e dos lugares e bens que ela originalmente, i.e., antes de qualquer outra pessoa, se apropria, usa e/ou produz por meio de seu corpo? Pois quem mais, se não ela, deveria ser sua dona? E não é também óbvio que a esmagadora maioria das pessoas — incluindo crianças e homens primitivos — de fato age conforme estas regras, e o fazem sem questionar e de forma natural?
No entanto, uma intuição moral, por mais importante que seja, não é uma prova. Porém, também existe prova de que nossa intuição moral está correta.
A prova pode ser apresentada em duas etapas. Por um lado, explicando claramente as consequências que se seguem caso alguém fosse negar a validade da instituição da apropriação original e da propriedade privada: Se uma pessoa, A, não fosse a dona de seu próprio corpo e dos lugares e bens originalmente apropriados e/ou produzidos com este corpo como também dos bens adquiridos voluntariamente (contratualmente) de outro dono anterior, então apenas duas alternativas existem. Ou outra pessoa, B, deve ser reconhecida como a dona do corpo de A, bem como dos lugares e bens apropriados, produzidos ou adquiridos por A. Ou todas as pessoas, A e B, devem ser consideradas coproprietárias iguais de todos os corpos, lugares e bens.
No primeiro caso, A seria reduzido ao posto de escravo de B e seria seu objeto de exploração. B é o dono do corpo de A e dos lugares e bens apropriados, produzidos e adquiridos por A, mas A por sua vez não é o dono do corpo de B e dos lugares e bens apropriados, produzidos e adquiridos por B. Consequentemente, sob esta regra duas classes categoricamente distintas de pessoas são constituídas — Untermenschen assim como A e Übermenschen assim como B — para as quais diferentes “leis” se aplicam. Assim sendo, tal regra deve ser descartada por não ser uma ética humana igualmente aplicável a todos qua seres humanos (animal racional). Logo de cara, pode-se perceber que qualquer regra deste tipo não é universalmente aceitável e, portanto não pode reivindicar representar a lei. Porque para uma regra ser considerada uma lei — uma regra justa — é necessário que esta regra se aplique igual e universalmente a todos.
Alternativamente, no segundo caso de copropriedade igual e universal o requerimento de lei igual para todos é preenchido. No entanto, esta alternativa sofre de outra deficiência ainda mais severa, porque se ela fosse aplicada, toda a raça humana iria perecer instantaneamente. (E uma vez que toda ética humana deve permitir a sobrevivência da raça humana, esta alternativa, então, deve ser rejeitada também.) Pois se todos os bens fossem copropriedade de todos, então ninguém, em momento ou lugar algum, teria permissão de fazer qualquer coisa a menos que ele tenha obtido previamente o consentimento de todos os outros coproprietários; e ainda, como alguém poderia dar tal consentimento se ele não fosse o dono exclusivo de seu próprio corpo (incluindo suas cordas vocais) através do qual seu consentimento deve ser expressado? Na verdade, ele iria precisar primeiro do consentimento dos outros para poder expressar seu próprio, mas esses outros não podem dar seus consentimentos sem ter o dele primeiro etc.
Este insight sobre a impossibilidade praxeológica do “comunismo universal”, como Rothbard se referiu a esta proposta, me leva imediatamente a uma segunda maneira alternativa de demonstrar a ideia de apropriação original e de propriedade privada como a única solução correta para o problema da ordem social. Se as pessoas possuem ou não direitos e, se possuem, quais são eles, só pode ser decidido no curso de uma argumentação (trocas proposicionais). Uma justificação — prova, conjectura, refutação — é uma justificação argumentativa. Qualquer um que tentasse negar essa proposição se veria envolvido em uma contradição performática, pois sua própria negação constituiria um argumento. Mesmo um relativista ético, portanto, deve aceitar esta primeira proposição, que tem sido adequadamente chamada de a priori da argumentação.
Desta aceitação inegável — a condição axiomática — deste a priori da argumentação, duas conclusões sucessivas igualmente necessárias se seguem. A primeira deriva-se do a priori da argumentação quando não existe solução racional para o problema de conflitos que surgem a partir da existência da escassez. Suponha que naquela situação que descrevi do Crusoé e do Sexta-feira, Sexta-feira não fosse o nome de um homem, mas sim de um gorila. Obviamente, do mesmo modo que Crusoé pode entrar em conflitos relativos a seu corpo e o lugar que ele se encontra com o homem Sexta-feira, ele também pode com o gorila Sexta-feira. O gorila pode tentar ocupar o mesmo espaço que Crusoé já ocupa. Neste caso, contanto que o gorila seja o tipo de criatura que conhecemos como gorila, de fato não existe nenhuma solução racional para o conflito deles. Ou o gorila vence, e devora, esmaga ou expulsa Crusoé do local — esta é a solução do gorila para o problema — ou Crusoé vence, e mata, bate, expulsa ou doma o gorila — esta é a solução de Crusoé. Nesta situação, é de fato possível se falar em relativismo moral. Assim como fez Alasdair MacIntyre, um proeminente filósofo da vertente relativista, é possível fazer coro a ele na questão título de um de seus livros, Justiça de Quem? Qual Racionalidade? — do Crusoé ou do gorila. Dependendo de qual lado se escolhe, a resposta será diferente. No entanto, é mais apropriado se referir a essa situação como sendo uma em que a questão da justiça e da racionalidade simplesmente não surge: ou seja, como uma situação extra moral. A existência do gorila Sexta-feira simplesmente configura um problema técnico para Crusoé, não um problema moral. Crusoé não tem outra escolha a não ser aprender como conseguir administrar e controlar os movimentos do gorila, do mesmo modo que ele tem que aprender a administrar e controlar objetos inanimados de seu ambiente.
Por consequência, somente se as duas partes de um conflito forem capazes de argumentarem entre si, é possível se falar em um problema moral e existe a questão de poder haver ou não uma solução significativa. Somente se Sexta-feira, independentemente de sua aparência física (i.e., se ele parece um homem ou um gorila), for capaz de argumentar (mesmo que ele tenha mostrado ser capaz apenas uma vez), ele pode ser considerado racional e a questão de existir ou não uma solução correta para o problema da ordem social passa a fazer sentido. Não se pode esperar que seja dada uma resposta — na verdade: qualquer resposta — a alguém que jamais fez uma pergunta, ou, mais precisamente, que jamais tenha expressado sua própria opinião relativista na forma de um argumento. Neste caso, este “outro” só pode ser considerado um, e tratado como, animal ou uma planta, i.e., como uma entidade extra moral. Somente se esta outra entidade puder, em princípio, interromper sua atividade, seja ela qual for, recuar e responder “sim” ou “não” a algo que alguém tenha dito, nós devemos uma resposta a essa entidade e, conforme for, temos a possibilidade de reivindicar que nossa resposta seja a correta para as duas partes envolvidas em um conflito.
Além disso, positivamente o que também se segue do a priori da argumentação é que tudo aquilo que deve ser pressuposto no curso de uma argumentação — como precondições lógicas e praxeológicas da argumentação — não pode, por sua vez, ter sua validade argumentativamente contestada sem envolver, por conta disso, uma contradição interna (performática). Todavia, trocas proposicionais não são constituídas por proposições flutuando sozinhas pelo ar, e sim constituem atividades humanas específicas. Argumentação entre Crusoé e sexta-feira requer que ambos possuam, e mutuamente reconheçam um ao outro como possuidores de, controle exclusivo sobre seus respectivos corpos (seus cérebros, cordas vocais etc.) bem como do lugar ocupado por seus corpos. Ninguém poderia propor alguma coisa e esperar que a outra parte se convença sobre a validade de sua proposição ou então a negue e proponha outra coisa, a não ser que o direito de controle exclusivo dele e de seu oponente sobre seus respectivos corpos e locais já fosse pressuposto e assumido como válido. Na verdade, é precisamente este reconhecimento mútuo da propriedade do proponente e também do seu oponente sobre seus próprios corpos e locais que constitui o characteristicum specificum de toda disputa proposicional: que enquanto alguém possa não concordar com a validade de alguma proposição específica, contudo alguém pode concordar com o fato que alguém discorde.
Além disso, o direito de propriedade sobre o próprio corpo e o lugar que esteja deve ser considerado justificado a priori (ou indiscutivelmente) pelo proponente e igualmente pelo oponente. Pois qualquer um que queira reivindicar a validade de alguma proposição vis-à-vis um oponente, já teria ter que pressupor os controles exclusivos dele e de seu oponente sobre seus respectivos corpos e lugares apenas para dizer “Eu reivindico que isto e aquilo são verdadeiros, e duvido que prove que eu esteja errado”.[1]
Além do mais, seria igualmente impossível se envolver em uma argumentação e contar com a força proposicional de seu argumento, se não fosse permitido que você possuísse (controle exclusivo) outros meios escassos (além do seu próprio corpo e do local que se encontra). Pois se não possuíssemos estes direitos, então todos nós iríamos morrer e o problema de se justificar regras — bem como todos os outros problemas humanos — simplesmente não existiria. Portanto, em virtude do fato de se estar vivo, direitos de propriedade sobre outras coisas devem ser pressupostos como válidos, também. Ninguém que está vivo poderia argumentar o contrário.
E se não fosse permitido que uma pessoa adquirisse propriedade sobre estes bens e espaços por meio de um ato de apropriação original, i.e., estabelecendo um elo objetivo (intersubjetivamente averiguável) entre ele e um bem e/ou espaço específicos antes de qualquer outra pessoa, mas se, ao invés disso, a propriedade sobre bens ou espaços fosse concedida a quem chegasse depois, então não seria permitido a ninguém jamais começar a usar qualquer bem a não ser que ele tenha previamente obtido o consentimento destes que chegariam depois. No entanto, como alguém que chegasse depois pode consentir com as ações de alguém que chegou antes? Além disso, todos os que chegassem depois, por sua vez, precisariam do consentimento dos que chegariam ainda depois deles, e assim por diante. Ou seja, nem nós, nem nossos antepassados ou nossa prole teriam conseguido ou conseguiriam sobreviver se esta regra fosse seguida. Porém, para que uma pessoa — passada, presente ou futura — argumente qualquer coisa ela deve obviamente ser capaz de sobreviver aqui e agora; e para fazer apenas isso, direitos de propriedade não podem ser concebidos como sendo atemporais e indefinidos em relação ao número de pessoas envolvidas.
Mais precisamente, direitos de propriedade devem ser concebidos como originados por ações em pontos específicos no tempo e no espaço por indivíduos específicos. Se não, seria impossível que qualquer pessoa dissesse qualquer coisa em um ponto e espaço específicos, e que qualquer outra pessoa pudesse responder. Então, meramente dizer que a regra do primeiro-usuário-primeiro-proprietário da ética da propriedade privada possa ser ignorada ou é injustificável, implica em uma contradição performática, à medida que alguém ser capaz de dizer isso deve estar pressuposta a existência desse alguém como uma unidade tomadora de decisões independente em um dado ponto do tempo e do espaço.
Solução simples, conclusões radicais: anarquia e estado
De tão simples que é a solução do problema da ordem social e de tanto que as pessoas, no seu dia a dia, intuitivamente reconhecem e agem de acordo com a ética da propriedade privada que acaba de ser explicada, esta solução simples e complacente acaba implicando em algumas conclusões surpreendentemente radicais. Pois, além de rejeitar por serem injustificáveis atividades como assassinato, homicídio, estupro, invasão, roubo, assalto, arrombamento e fraude, a ética da propriedade privada também é incompatível com a existência de um estado, definido como uma agência que possui um monopólio territorial compulsório de supremo tomador de decisões (jurisdição) e/ou o direito de cobrar impostos.
A teoria política clássica, ao menos a partir de Hobbes, enxergou o estado como a própria instituição responsável pelo cumprimento da ética da propriedade privada. Ao considerar o estado injusto — na verdade, considerar “uma grande organização criminosa” — e chegando a conclusões anarquistas, Rothbard obviamente não negou a necessidade de se fazer cumprir a ética da propriedade privada. Ele não compartilhou a visão daqueles anarquistas, ridicularizados por Mises, seu professor e mentor, que acreditavam que todas as pessoas, se apenas fossem deixadas em paz, seriam criaturas boas e pacíficas.
Ao contrário, Rothbard concordou plenamente com Mises que sempre existirão assassinos, ladrões, bandidos, vigaristas etc., e que a vida em sociedade seria impossível se eles não fossem punidos através da força física. Ao invés disso, o que Rothbard negou categoricamente foi a alegação de que a partir do direito e da necessidade de proteção da pessoa e da propriedade segue-se que a proteção deveria legitimamente, ou poderia efetivamente, ser fornecida por um monopolista de jurisdição e de tributação. A teoria política clássica, ao alegar isso, teve que apresentar o estado como o resultado de um acordo contratual entre detentores de propriedade privada. No entanto, explica Rothbard, isso era falso e seria uma incumbência impossível. Não é possível que um estado surja contratualmente, e correspondentemente é possível demonstrar que nenhum estado é compatível com a proteção legítima e efetiva da propriedade privada.
A posse de propriedade privada, como o resultado de atos de apropriação original, produção ou troca realizada entre um dono anterior e um posterior, implica no direito do dono à jurisdição exclusiva sobre sua propriedade; e não é possível que um dono de propriedade privada abra mão deste direito de jurisdição suprema sobre sua propriedade e do direito de defesa física desta propriedade e o entregue a outra pessoa — a menos que ele venda ou transfira de outra forma sua propriedade (e neste caso outra pessoa possuiria a jurisdição exclusiva sobre ela). Sem dúvida, todo dono de propriedade privada pode compartilhar as vantagens da divisão do trabalho e buscar mais ou melhor proteção para sua propriedade através da cooperação com outros donos e suas propriedades. Ou seja, todo dono de propriedade privada pode comprar de, vender para, ou de outra forma fechar um contrato com, qualquer outra pessoa, concernente a mais ou melhor proteção da propriedade. Mas todo dono de propriedade também pode, a qualquer hora, unilateralmente cancelar qualquer dessas cooperações com outros, ou alterar suas respectivas filiações. Portanto, para que a demanda por proteção possa ser satisfeita, seria legitimamente possível e é economicamente provável que surgissem indivíduos e agências especializados que forneceriam proteção, seguro e serviços de arbitragem por uma taxa à clientes pagantes voluntários.
No entanto, se é fácil conceber a origem contratual de um sistema de fornecedores de segurança concorrentes, é impossível conceber como donos de propriedade privada poderiam assinar um contrato que designe a outro agente irrevogavelmente (eternamente válido) o poder de supremo tomador de decisões relativas a sua própria pessoa e propriedade e/ou o poder de tributar. Ou seja, é inconcebível como alguém poderia algum dia concordar com um contrato que permitisse que outra pessoa determinasse permanentemente o que ele pode ou não pode fazer com sua propriedade; pois ao fazer isso esta pessoa estaria efetivamente se tornando indefessa vis-à-vis este supremo tomador de decisões. E é igualmente inconcebível como alguém poderia alguma vez concordar com um contrato que permitisse que um protetor determinasse unilateralmente, sem o consentimento do protegido, o quanto o protegido deve pagar por sua proteção.
Teóricos políticos ortodoxos, i.e., estatistas, de John Locke a James Buchanan e John Rawls, tentaram solucionar este problema fazendo uso do expediente de constituições estatais, acordos ou contratos “tácitos”, “implícitos” ou “conceituais”. No entanto, todas estas tentativas tipicamente sinuosas e confusas, apenas suplementaram a mesma conclusão inevitável descrita por Rothbard: Que é impossível derivar uma justificativa para o governo a partir de contratos explícitos entre donos de propriedade privada, e, consequentemente, que a instituição do estado deve ser considerada injusta, i.e., o resultado de um erro moral.
A consequência do erro moral: estatismo e a destruição da liberdade e da propriedade
Todo erro tem um custo. Isto é mais óbvio quando se tratam de erros referentes as leis da natureza. Se uma pessoa erra em relação as leis da natureza, esta pessoa não conseguirá alcançar seus objetivos. Porém, como o fracasso em alcançar objetivos deve ser arcado por cada indivíduo que errou, prevalece neste campo um desejo universal de aprender e corrigir os próprios erros. Erros morais também têm seu custo. Mas diferentemente do caso anterior, seu custo não precisa, ao menos não necessariamente, ser arcado por cada uma das pessoas que comente o erro. Na verdade, este seria o caso somente se o erro em questão fosse o de se acreditar que todo mundo teria o direito de tributar e o de ser o supremo tomador de decisões relativas a pessoa e a propriedade de todos os outros. Uma sociedade em que os membros acreditassem nisso estaria condenada. O preço a se pagar por este erro seriam a morte e a extinção universal. No entanto, a questão é nitidamente diferente se o erro envolvido é o de se acreditar que apenas uma agência — o estado — possui o direito de tributar e o de ser o supremo tomador de decisões (ao invés de todo mundo, ou então, e corretamente, de ninguém). Uma sociedade em que os membros acreditem nisso — isto é, que deve existir leis diferentes aplicadas de forma desigual a mestres e servos, tributadores e tributados, legisladores e legislados — pode de fato existir e perdurar. Este erro deve ser arcado também. Mas nem todos que o cometem devem pagar igualmente por ele. Ao invés disso, algumas pessoas terão que pagar por ele, enquanto outras — os agentes do estado — na realidade se beneficiam do mesmo erro. Portanto, neste caso seria errado assumir um desejo universal de aprender e corrigir seus erros. Pelo contrário, neste caso deverá se assumir que algumas pessoas, ao invés de aprender e promover a verdade, possuem uma motivação constante para mentir, i.e., para manter e promover inverdades mesmo se eles souberem da verdade.
De qualquer modo, quais são as consequências “embaralhadas” e qual é o preço desigual a ser pago por se cometer esse erro e/ou mentira de se acreditar na justiça da instituição de um estado?
Uma vez que o princípio do governo — monopólio judicial e poder de tributar — seja incorretamente admitido como justo, qualquer noção de restrição do poder do governo e de salvaguarda da propriedade e liberdade individuais se torna ilusória. Ao contrário, sob auspícios monopolistas o preço da justiça e da proteção aumentarão continuamente e a qualidade cairá. Uma agência de proteção financiada por impostos é uma contradição em termos — um protetor de propriedade expropriador — e inevitavelmente resultará em mais impostos e menos proteção. Mesmo que, assim como alguns estatistas — liberais clássicos — propuseram, um governo limitasse suas atividades exclusivamente a proteção de direitos de propriedade pré-existentes, a questão adicional de quanto de segurança deveria ser produzida iria surgir. Motivado (como qualquer um seria) pelos próprios interesses e pela desutilidade do trabalho, mas dotado do singularíssimo poder de tributar, a resposta de um agente do governo será invariavelmente a mesma: Maximizar os gastos com proteção — e praticamente toda a riqueza de uma nação pode concebivelmente ser gasta em proteção — e ao mesmo tempo minimizar a produção de proteção. Quanto mais dinheiro se puder gastar e quanto menos se precisar trabalhar para produzir, melhor será.
Além disso, um monopólio judicial inevitavelmente levará a uma constante deterioração da qualidade da justiça e da proteção. Se ninguém pode apelar a justiça que não seja a do governo, a justiça será pervertida em favor do governo, não obstante constituições e supremos tribunais. Constituições e supremos tribunais são constituições e agências estatais, e quaisquer limitações a ação estatal que eles contenham ou julguem, serão invariavelmente decididas por agentes da própria instituição sub judice. Previsivelmente, as definições de propriedade e proteção serão continuamente alteradas e o âmbito da jurisdição continuamente expandido em favor do governo até que, finalmente, a noção de direitos humanos imutáveis e universais — e, em particular, de direitos de propriedade — desaparecerá e será substituída por uma noção de leis sendo legislações criadas pelo governo e direitos sendo concessões dadas pelo governo.
Os resultados, todos eles previstos por Rothbard, estão diante de nossos olhos, para que todos possam vê-los. A carga de impostos que incide sobre proprietários e produtores tem crescido continuamente, fazendo com que até mesmo o fardo econômico suportado por escravos e servos pareça moderado se comparado ao atual. Os déficits do governo — e, portanto, futuras obrigações tributárias — têm subido a alturas de tirar o fôlego. Todos os pormenores da vida privada, da propriedade, comércio e contrato são regulados por montanhas cada vez maiores de legislações burocráticas. Todavia, a única tarefa que o governo supostamente deveria assumir — a de proteger nossa vida e propriedade — não é desempenhada por ele. Ao contrário, quanto mais tem aumentado o gasto em segurança social, pública e nacional, mais têm sido corroídos nossos direitos de propriedade privada, mais nossa propriedade tem sido expropriada, confiscada, destruída e depreciada. Quanto mais legislações burocráticas são produzidas, mais incertezas legais e riscos morais têm sido criados, e mais a ilegalidade tem substituído a lei e a ordem. Ao invés de proteger do crime doméstico e do agressor estrangeiro, o governo dos E.U.A., por exemplo, munido de enormes quantidades de armas de destruição em massa, ataca qualquer suposto candidato a novo Hitler em qualquer parte do mundo fora de “seu próprio” território. Em suma, ao passo que ficamos cada vez mais indefesos, empobrecidos, ameaçados e inseguros, os governantes estatais se tornam progressivamente mais corruptos, arrogantes e perigosamente armados.
A restauração da moralidade: libertação
Então, o que se pode fazer? Rothbard não apenas reconstruiu a ética da liberdade e explicou o atual lamaçal resultante do estatismo, como também nos mostrou o caminho que devemos trilhar a fim de restaurar a moralidade.
Primeiro e mais importante de tudo, ele explicou que os estados, não importa o quão poderoso e invencível ele aparente ser, devem sua existência fundamentalmente as ideias e, uma vez que em princípio ideias podem mudar instantaneamente, os estados podem esfacelar-se e ser derrubados praticamente da noite para o dia.
Sempre e em qualquer lugar, os representantes do estado são apenas uma pequena minoria da população que eles governam. A razão disto é tão simples quanto é fundamental: cem parasitas podem viver confortavelmente se eles sugarem o sangue de mil hospedeiros produtivos, mas mil parasitas não podem viver confortavelmente dependendo de uma população de apenas uma centena de hospedeiros. Mas se os agentes do governo são meramente uma pequena minoria da população, como eles conseguem impor suas vontades sobre a população e ainda se safar? A resposta dada por Rothbard, e também por la Boétie, Hume e Mises antes dele, é: somente graças a cooperação voluntária da maioria da população subalterna com o estado. Porém, como o estado pode assegurar tal cooperação? A resposta é: somente porque, e a medida em que, a maioria crê na legitimidade do poder estatal. Isto não quer dizer que a maioria da população deva concordar com cada uma das medidas do estado. Na verdade, ela pode muito bem acreditar que muitas das políticas estatais são erradas ou mesmo desprezíveis. No entanto, a maioria da população deve crer na justiça da instituição do estado como tal, e, consequentemente, que mesmo que um governo em particular cometa erros, estes erros são meramente acidentais e devem ser aceitos e tolerados em vista de algum bem maior provido pela instituição do governo.
Todavia, como pode a maioria da população ser levada a acreditar nisso? A resposta é: com a ajuda dos intelectuais. Nos tempos antigos isso significava tentar formar uma aliança entre o estado e a igreja. Nos tempos modernos, e de forma muito mais efetiva, isso significa utilizar a nacionalização (socialização) da educação: através de escolas e universidades geridas ou subsidiadas pelo estado. A demanda que existe no mercado pelos serviços dos intelectuais, em particular na área das ciências humanas e sociais, não é exatamente alta e nem um pouco estável ou segura. Os intelectuais estariam a mercê dos valores e das escolhas das massas, e as massas geralmente não se interessam por assuntos filosófico-intelectuais. O estado, por outro lado, aponta Rothbard, favorece seus egos tipicamente hiperinflados e “está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios”. E de fato, o estado democrático moderno em particular, criou uma massiva superoferta de intelectuais.
Este favorecimento logicamente não garante ideias “corretas” — estatistas —, e por mais que eles sejam muito bem pagos, os intelectuais continuarão reclamando do quão pouco seu “tão importante” trabalho é reconhecido. Mas certamente, algo que ajuda a chegar as conclusões “corretas” é perceber que sem o estado — a instituição de tributação e legislação — seu trabalho estaria seriamente ameaçado e ele poderia ser obrigado a ter que sujar as mãos no trabalho braçal de frentista ao invés de se preocupar com problemas prementes como alienação, desigualdade, exploração, a desconstrução da diferenciação dos sexos, ou a cultura dos Tupis Guaranis, dos Zulus e dos Esquimós. E mesmo que um deles se sinta desprestigiado por este ou aquele governo constituído, ele percebe que uma ajuda só pode vir de outro governo, e certamente não de um ataque intelectual contra a legitimidade da instituição do governo como tal. Portanto, não é nada surpreendente que, constatando-se um fato empírico, a imensa maioria dos intelectuais contemporâneos é pra lá de esquerdista, e que mesmo os intelectuais mais conservadores ou livre mercadistas como, por exemplo, Friedman e Hayek, são fundamental e filosoficamente estatistas.
A partir desta constatação sobre a importância das ideias e do papel dos intelectuais como protetores do estado e do estatismo, segue-se que o papel mais importante no processo de libertação — a restauração da justiça e da moralidade — deve ser assumido por aqueles que podemos chamar de intelectuais anti-intelectuais. No entanto, fica a pergunta: como estes intelectuais anti-intelectuais podem ter êxito em deslegitimar o estado perante a opinião pública se considerarmos que a esmagadora maioria de seus colegas é formada por estatistas que farão de tudo para isolá-los e desacreditá-los, taxando-os de extremistas e malucos? O espaço aqui me permite fazer apenas breves comentários sobre esta questão, que é fundamental.
Primeiro: Dado que será necessário enfrentar a oposição cruel e maliciosa de seus colegas, para que o indivíduo possa resistir e não se deixar abater é de máxima importância não basear sua posição no utilitarismo e na ciência econômica, e sim em argumentos de ordem ética e moral. Pois somente convicções morais proveem a força e a coragem necessárias para uma batalha intelectual e ideológica. Poucos se sentem inspirados ou se dispõem a aceitar sacrifícios quando estão se opondo a coisas que consideram ser meros erros ou superficialidades. Por outro lado, inspiração e coragem podem ser obtidas em grande dose se se souber que se está lutando contra o mal e combatendo mentiras perversas. (Retorno a este ponto brevemente).
Segundo: É importante reconhecer que não é necessário convencer outros intelectuais convencionais. Como demonstrou Thomas Kuhn, isto é algo bastante raro até mesmo nas ciências naturais. Nas ciências sociais, praticamente não se conhece casos de intelectuais consagrados que abandonaram suas opiniões anteriores e se converteram. Em vez disso, os esforços devem ser concentrados naqueles jovens que ainda não se comprometeram intelectualmente; jovens cujo idealismo também os torna particularmente mais receptivos a argumentos morais rigorosos. E, da mesma maneira, deve-se ignorar o mundo acadêmico e se esforçar para alcançar o grande público (isto é, os leigos inteligentes esclarecidos), o qual, de modo geral, nutre alguns saudáveis preconceitos anti-intelectuais, que podem ser facilmente explorados.
Terceiro (retornando à importância de um ataque moral contra o estado): É essencial compreender que não se pode fazer nenhuma concessão em nível de teoria. É claro que não se deve recusar uma cooperação com pessoas que possuam opiniões que sejam essencialmente erradas e confusas, desde que os objetivos delas possam ser classificados, clara e inequivocamente, como um passo correto em direção à desestatização da sociedade. Por exemplo, é correto cooperar com pessoas que pretendem introduzir um imposto de renda uniforme (flat) de 10% (embora não iríamos querer cooperar, por exemplo, com aqueles que gostariam de combinar esta medida com um aumento em outros impostos a fim de manter a arrecadação inalterada). No entanto, sob nenhuma circunstância esta cooperação deve levar a, ou ser obtida por meio de, uma contemporização dos próprios princípios. Ou a tributação é algo justo ou ela é injusta. E uma vez que ela seja aceita como justa, como então será possível se opor a qualquer aumento da mesma? A resposta logicamente é que não é possível!
Em outras palavras, fazer concessões em nível de teoria, como vemos acontecer, por exemplo, entre liberais moderados como Hayek e Friedman, ou mesmo entre os chamados minarquistas, não apenas denota uma grande falha filosófica, como também é uma atitude, do ponto de vista prático, inútil e contraproducente. As ideias destas pessoas podem ser — e de fato são — facilmente cooptadas e incorporadas pelos governantes e pelos ideólogos do estado. Aliás, não é de se estranhar a frequência com que ouvimos estatistas defendendo a agenda estatista dizendo coisas como “até mesmo Hayek (Friedman) diz — ou, nem mesmo Hayek (Friedman) nega — que isto e aquilo deve ser feito pelo estado!” Pessoalmente, eles até podem ter ficado descontentes com isso, mas não há como negar que suas obras serviram exatamente a este propósito; e, consequentemente, queiram ou não, eles realmente contribuíram para o contínuo e incessante crescimento do poder do estado.
Ou seja, gradualismo ou concessão teórica irá gerar apenas a perpetuação da falsidade, do mal e das mentiras do estatismo. Somente o purismo teórico, com seu radicalismo e sua intransigência, pode e irá resultar primeiro em reformas práticas e graduais, depois no aprimoramento, até finalmente chegar a uma possível vitória final. Deste modo, sendo um intelectual anti-intelectual no sentido rothbardiano, um indivíduo não deve se limitar apenas a criticar diversas tolices do governo, ainda que ele possa ter de começar por elas; ele deve sempre partir deste ponto e ministrar um ataque fundamental à instituição do estado, mostrando-o como uma afronta ética e moral. O mesmo deve ser feito com seus representantes, que devem ser expostos como fraudes morais e econômicas, bem como mentirosos e impostores — devemos sempre apontar que os reis estão nus.
Particularmente, o indivíduo jamais deve hesitar em atacar o próprio núcleo da legitimidade do estado: seu suposto papel de indispensável fornecedor de segurança e proteção. Já demonstrei em termos teóricos o quão ridícula é esta alegação: como é possível uma agência que pode expropriar propriedade privada alegar ser protetora da propriedade privada? Mas tão importante quanto o ataque teórico é atacar também a legitimidade do estado em bases empíricas. Isto é, trabalhar arduamente sobre o tema de que os estados, que supostamente deveriam nos proteger, são eles próprios a instituição responsável por 200 milhões de mortes apenas no século XX — mais do que as vítimas de crimes privados em toda a história da humanidade (e este número de vítimas de crimes privados, crimes contra os quais o governo não nos protegeu, teria sido bem menor caso os governos de todos os locais e de todas as épocas não tivessem se empenhado continuamente em desarmar seus próprios cidadãos para que eles mesmos, os governos, não encontrassem resistência e pudessem se tornar máquinas mortíferas ainda mais eficientes)!
Portanto, em vez de tratar políticos com respeito, nossa crítica a eles deveria ser significativamente intensificada: quase sem exceção, eles não são somente ladrões; são também falsificadores, corruptos, charlatães e chantagistas. Como ousam exigir nosso respeito e nossa lealdade?
Mas será que uma vigorosa e distinta radicalização ideológica trará os resultados desejados? Não tenho a menor dúvida que sim. De fato, apenas ideias radicais — e, na verdade, radicalmente simples — podem incitar as emoções das massas inertes e indolentes, e deslegitimar o governo perante seus olhos.
Quanto a isto, deixe-me usar uma citação de Hayek (e ao fazer isso, espero ressaltar também que minha dura crítica anterior a ele não deve ser mal entendida como uma implicação de que não se pode aprender nada com autores que sejam fundamentalmente errados e confusos):
Devemos fazer novamente da construção de uma sociedade livre uma aventura intelectual, uma façanha de coragem. O que carecemos é de uma Utopia liberal, um programa que não pareça nem uma mera defesa das coisas como elas são, nem um tipo de socialismo diluído, mas um radicalismo verdadeiramente liberal que não ceda as suscetibilidades do poderoso . . ., que não seja tão rigorosamente prático e que não se limite ao que parece ser politicamente possível hoje. Precisamos de líderes intelectuais que estejam prontos para resistir as bajulações do poder e da influência e que estejam dispostos a trabalhar por um ideal, não importa o quão distante sejam os prospectos de sua realização. Eles precisam ser homens que estejam dispostos a se manter fieis a princípios e a lutar pela sua aceitação total, não importa o quão remota seja. Livre comércio e liberdade de oportunidades são ideias que ainda podem estimular a imaginação de um grande número de pessoas, mas uma mera “liberdade razoável de comércio” ou uma mera “atenuação de controles” não são nem intelectualmente respeitáveis e nem propensos a inspirar qualquer entusiasmo….
A menos que possamos novamente tornar as fundações filosóficas de uma sociedade livre um assunto intelectual vivificante, e sua implementação uma tarefa que desafie a perspicácia e a imaginação de nossas mais vigorosas mentes, os prospectos da liberdade serão de fato tenebrosos. Mas se pudermos recuperar a crença no poder das ideias, que era a marca do liberalismo em seu esplendor, a batalha não estará perdida.[2]
Hayek logicamente não seguiu seu próprio conselho e não nos forneceu uma teoria consistente e inspiradora. Sua Utopia, conforme desenvolvida em seu Os fundamentos da liberdade, é de certa forma a desinteressante visão do estado de bem estar social sueco. Ao contrário, é Rothbard quem fez aquilo que Hayek reconheceu como necessário para uma renovação do liberalismo clássico; e se tem algo que pode reverter a aparentemente irreversível onda de estatismo e restaurar a justiça e a liberdade, é o exemplo pessoal dado pro Murray Rothbard e a divulgação do rothbardianismo.
Tradução de Fernando Fiori Chiocca
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Notas
[1] Igualmente para a reivindicação de John Rawls, em seu celebrado Uma Teoria da Justiça, de que somos obrigados a “aceitar como o primeiro princípio de justiça aquele que requer a distribuição igualitária (de todos os recursos),” e seu comentário de que “este princípio é tão óbvio que seria de se esperar que ele ocorresse imediatamente a qualquer pessoa”. O que eu demonstrei aqui é que qualquer ética igualitária como esta proposta por Rawls é não só nada óbvia como deve ser considerada absurda, i.e., autocontraditória e sem sentido. Pois se Rawls estivesse certo e todos os recursos devessem realmente ser distribuídos igualmente, então ele literalmente não teria pernas para suportar seu corpo e permitir que ele se levantasse e propusesse o absurdo que ele propõe.
[2] Hayek, F.A., “The Intellectuals and Socialism,” em idem, Studies in Philosophy, Politics, and Economics (New York: Simon and Schuster, 1969), p.194.