Quando a crise econômica americana finalmente tornou-se explícita, ainda em setembro de 2008, este instituto foi o único veículo em língua portuguesa a publicar uma série de artigos (ver aqui) alertando que as intervenções que estavam sendo colocadas em prática pelo governo americano — redução drástica da taxa básica de juros, impressão desvairada de dinheiro, pacotes de socorro financeiro, pacotes de estímulo fiscal e mais regulamentações — iriam, na melhor das hipóteses, atrasar a recuperação. Na pior, iriam intensificar a recessão.
Na época, toda a grande mídia impressa e eletrônica, em uníssono, apressou-se em aclamar, muitas vezes em tom vergonhosamente solene, as medidas do governo americano — bem como as do Reino Unido e as de todos os outros países da Europa. Frases como “Eles (os burocratas) salvaram o mundo” ou “O estado salva o capitalismo” pululavam nas folhas de jornais e revistas, nas páginas de internet e na mídia eletrônica.
Os meses se passaram e a crise só piorou — o exato contrário do que pregavam os defensores dos pacotes intervencionistas de inspiração puramente keynesiana. O desemprego nos EUA pulou de 4,7% para 10%. Os déficits atingiram níveis pornográficos. A dívida cresceu a tal ponto que, paradoxalmente, o mundo já ficou até anestesiado com o surrealismo de seu tamanho.
Na Europa, o resultado foi ainda pior. O ex-primeiro ministro britânico Gordon Brown, até então tido pela imprensa como o homem que salvou o mundo (veja esse vídeo de abertura do Jornal da Globo e observe como hoje ele ganha um ar inadvertidamente cômico), não apenas foi enxotado do cargo, como também seu Secretário do Tesouro deixou para seu sucessor, em tom aparentemente de blague, um bilhete em cima da mesa com os seguintes dizeres:
Prezado Secretário, receio informar que não há dinheiro. Cordiais saudações — e boa sorte!
O caso foi relatado aqui.
As finanças da Grécia, Espanha e Portugal também estão em frangalhos. Não bastasse tudo, agora o novo governo da Hungria afirmou que “há apenas uma pequena chance do país evitar uma crise de dívida similar à da Grécia”. Se um governo chega ao ponto de afirmar isso, é porque então a situação realmente deve estar além do imaginável. Isso derrubou as bolsas de todo o mundo.
Porém, voltemos à economia americana.
No final de outubro de 2009, toda a mídia divulgou com muita fanfarra o “fim da recessão americana”. Toda a comemoração se deveu ao anúncio de que, após vários trimestres negativos, o PIB finalmente havia apresentado um número positivo. A falácia desse número e o porquê da insustentabilidade dessa recuperação foram explicados aqui. Mas nada segurava o otimismo.
Entretanto, na sexta-feira passada a realidade voltou a se impor. Dados de maio sobre o mercado de trabalho assustaram até os pessimistas. A notícia principal era de que haviam sido criados 431.000 postos de trabalho (a expectativa era de 513.000). Só que havia um porém: desses 431.000, nada menos que 411.000 foram empregos temporários criados pelo governo para fazer o censo, que nos EUA ocorre obrigatoriamente a cada 10 anos.
Esses funcionários públicos temporários obviamente não acrescentam nada de produtivo à economia americana. Se eles ficassem em casa recebendo seguro-desemprego daria no mesmo. E há um detalhe adicional sobre como funcionam essas contratações (essa é a melhor parte): o censo contrata um sujeito para trabalhar por uma semana. Isso é contado como um emprego criado. Porém, quando essa semana acaba e eles decidem contratar o mesmo sujeito para trabalhar por mais uma semana, isso é contado como um outro sendo emprego criado. Portanto, boa parte desses 411.000 trabalhadores do censo refere-se à mesma pessoa sendo contratada duas ou três vezes durante esse ciclo.
O setor privado, por sua vez, contratou apenas 41.000 pessoas, um número muito menor do que o esperado pelos analistas — a previsão era de 150 a 200.000 novos postos de trabalho. E, pior ainda, um número menor do que o ocorrido no mês anterior, o que mostra que a economia americana está voltando novamente para a recessão. (Veja os dados).
A taxa de desemprego em maio recuou de 9,9% para 9,7%. Motivo de comemoração? Nem um pouco. Uma análise mais atenta dos números mostra que 0,2% da força de trabalho americana simplesmente se retirou do mercado de trabalho, tão desanimada estava de procurar e não encontrar emprego. O número de americanos sem trabalhar nos últimos 6 meses ou mais atingiu o montante de 6,76 milhões, um número sem precedentes no pós-guerra.
Para quem estuda economia a sério, sem paixões ideológicas, esse comportamento da economia americana não é novidade alguma. Já para quem acha que a saúde de uma economia está ligada ao desempenho da bolsa de valores ou aos números do PIB, certamente foi um espanto.
Um bom exemplo disso está no pessoal do mercado financeiro. Com o PIB apontando crescimento e o índice Dow Jones subindo, eles de fato creem (ou querem crer) que a economia americana está crescendo. Porém, como Jim Rogers, Peter Schiff e Marc Faber vêm alertando há muito, não há recuperação na economia americana. O PIB está crescendo, mas isso não significa que a economia está crescendo. O PIB está crescendo simplesmente por causa dos gastos do governo e das pessoas, ambos financiados pelo endividamento. Não há poupança, não há investimento. Há apenas endividamento.
Já o Dow Jones é mais capcioso — e mais interessante. Em março de 2009, o índice atingiu a mínima de 6.500. Hoje, está em 9.900. Quem olha apenas esse número conclui apressadamente que a economia americana está fantástica. Já aquele indivíduo mais perscrutador, interessado em verdades econômicas, percebe facilmente o descompasso entre esse crescimento nominal de 52% e o real estado da economia. Afinal, por que o Dow Jones subiu tanto? Ora, por causa das injeções monetárias feitas pelo Fed. Quando um banco central cria dinheiro e o injeta no sistema econômico, um dos seus destinos mais certos é o mercado de ações. É essa inflação monetária que está inflando os valores das bolsas ao redor do mundo.
E como saber o real índice do Dow Jones? A melhor maneira é compará-lo à cotação do ouro, cujo valor acompanha mais de perto a depreciação do dólar. De acordo com Peter Schiff, hoje, por exemplo, o Dow Jones vale 8,3 onças de ouro, apenas 4% acima da mínima de março de 2009. Ou seja, em termos reais o crescimento foi pífio.
Mas quem olha apenas os números frios do PIB e do Dow Jones acha que está tudo uma maravilha. Entretanto, basta sair alguns números fora do esperado e todo o cenário róseo se esvai. Todos se assustam, começam a vender e as bolsas caem.
Entretanto, paradoxalmente, notícias ruins sobre a economia americana têm na verdade ajudado o dólar em relação às outras moedas. Quando sai algum dado ruim, os investidores vendem ações e correm para o dólar, pois este ainda goza de um histórico de confiabilidade. Isso, obviamente, não faz sentido no longo prazo.
Uma recessão mundial, que é o que se avizinha, prejudicaria a economia americana (como qualquer outra). Como consequência dessa menor atividade econômica, o desemprego aumentará e as receitas tributárias diminuirão. Isso aumentará o déficit orçamentário do governo. Ele será obrigado a se endividar ainda mais para manter seus gastos. Outros pacotes de estímulo provavelmente serão implementados. Haverá mais gastança, mais endividamento e mais impressão de dinheiro. Tudo isso vai contra um dólar forte no longo prazo.
Conclusão
Não há recuperação econômica nos EUA. Os números do PIB não representam o real nível da atividade econômica. Dados recentes do mercado de trabalho não são nada alentadores. Na melhor das hipóteses, a recessão continuará como está. Na melhor das hipóteses.