No amplo movimento pela liberdade, dentro de suas subcomunidades de nicho, é quase inevitável que você encontre brigas internas, especialmente quando surgem debates sobre o uso de meios políticos para alcançar a liberdade. Essas discussões tendem a surgir online na época das eleições, à medida que o tema da votação se torna mais proeminente no discurso público. Geralmente, dois campos emergem nesses debates: o que poderíamos chamar de campo “purista” e o campo “prático”. Ao destacar as nuances muitas vezes esquecidas desses argumentos, podemos dar um passo atrás e visualizar o quadro geral – entendendo como indivíduos com mentalidade de liberdade podem fazer escolhas de voto informadas que se alinham com seus princípios.
Os “puristas”
Vamos começar examinando o campo purista. Quando surge o tema do voto ou do engajamento político, eles costumam se reunir em torno de declarações como: “Um homem não é menos escravo porque pode escolher um novo mestre uma vez a cada 4 anos”, “Apoiar o menor de dois males ainda é apoiar o mal” ou “Se votar mudasse alguma coisa, votar seria proibido”. Essas expressões refletem um princípio central da filosofia libertária – que a ação política é inerentemente coercitiva. O uso de meios políticos para promover a liberdade é visto como contraditório, violando o princípio da não-agressão. Para o campo purista, consentir com essa violação central é inaceitável. Em vez de se envolverem na política, eles concentram seus esforços em “acordar” o público para a natureza coercitiva do estado e destacar o potencial de um mercado verdadeiramente livre. Como Hans-Hermann Hoppe aponta:
“Sem a percepção e o juízo errôneos do povo quanto à justiça e à necessidade do estado, e sem a cooperação voluntária do povo, até o governo aparentemente mais poderoso implodiria e seus poderes, sumiriam.”
Os “práticos”
O campo prático responde com sentimentos familiares como: “A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada”, “Só porque você não se interessa por política não significa que a política não se interessará por você” ou “O preço que os homens bons pagam pela indiferença aos assuntos públicos é ser governado por homens maus”. Essas citações refletem uma abordagem pragmática de nossa realidade – que estamos sujeitos à autoridade do estado. Como tal, esforços devem ser feitos para navegar e mitigar essa circunstância inevitável, mesmo que isso exija participação política. No entanto, é crucial esclarecer que participação não é igual a consentimento. Em vez disso, ela deve ser considerada uma forma de autodefesa, que não viola o princípio da não agressão. Lysander Spooner capta esse sentimento com eloquência:
“Na verdade, no caso de indivíduos, seu voto real não deve ser tomado como prova de consentimento, nem mesmo momentaneamente. Pelo contrário, deve-se considerar que, sem que seu consentimento tenha sido solicitado, um homem se encontra cercado por um governo ao qual não pode resistir; um governo que o obriga a pagar dinheiro, prestar serviço e renunciar ao exercício de muitos de seus direitos naturais, sob o risco de punições pesadas. Ele vê, também, que outros homens praticam essa tirania sobre ele pelo uso da cédula. Ele vê ainda que, se ele mesmo usar a cédula, terá alguma chance de se livrar dessa tirania dos outros, sujeitando-os à sua própria. Em suma, ele se encontra, sem seu consentimento, em tal situação que, se usar a cédula, pode se tornar um mestre; se ele não o usar, ele deve se tornar um escravo. E ele não tem outra alternativa senão essas duas.”
“A eleição mais importante de nossas vidas”
Como podemos determinar o melhor curso de ação ao nos aproximarmos da “eleição mais importante de nossas vidas”? O campo prático oferece um argumento convincente: envolver-se em meios políticos não implica consentimento; em vez disso, pode ser visto como uma forma de autodefesa e preservação. No entanto, o campo purista apresenta um contraponto válido: confiar em processos políticos nunca alcançará a verdadeira liberdade em nossas vidas. Na minha opinião, a chave para identificar um caminho melhor está em reconhecer que existem maneiras alternativas de votar pela liberdade fora do reino da política. Como Mises observa perspicazmente:
“O mercado é uma democracia em que cada centavo dá direito a voto. É verdade que os vários indivíduos não têm o mesmo poder de voto. O homem mais rico vota mais do que o sujeito mais pobre. Mas ser rico e ganhar uma renda maior já é, na economia de mercado, o resultado da eleição anterior. O único meio de adquirir riqueza e preservá-la, em uma economia de mercado não adulterada por privilégios e restrições feitas pelo governo, é servir os consumidores da maneira melhor e mais barata. Capitalistas e proprietários de terras que falham nesse aspecto sofrem prejuízos. Se eles não mudarem seu procedimento, eles perdem sua riqueza e se tornam pobres. São os consumidores que tornam os pobres ricos e os ricos pobres.”
Nesta passagem, Mises examina o voto econômico dentro de um livre mercado, onde os consumidores dão “votos” por meio de seus gastos, com cada unidade de moeda agindo como uma cédula eleitoral. Este sistema reflete um processo democrático, moldando os resultados econômicos com base nas preferências individuais. Mises destaca uma desigualdade inerente: indivíduos mais ricos possuem mais poder de voto no mercado, resultado de interações passadas em que atenderam com sucesso às necessidades dos consumidores. Ele argumenta que, em um mercado verdadeiramente livre, desprovido de interferência ou clientelismo do governo, a acumulação de riqueza está diretamente ligada à capacidade de satisfazer as demandas dos consumidores. Assim, o fluxo de riqueza está sujeito aos votos dos consumidores, recompensando aqueles que se destacam em atender às necessidades da sociedade e penalizando aqueles que não o fazem. Em última análise, Mises descreve o mercado como autorregulador, com as preferências do consumidor redistribuindo continuamente a riqueza.
Expandindo a observação de Mises, devemos reconhecer que nossa influência no mercado se estende além das transações monetárias. A forma como alocamos nosso tempo pode ser entendida como uma forma profunda de votação, com cada escolha refletindo nossos valores e prioridades, exercendo um poder significativo na formação de nossas comunidades e da sociedade em geral. Quando dedicamos conscientemente nosso tempo a iniciativas locais, não apenas fortalecemos as redes sociais, mas também promovemos um sentimento de pertencimento e propósito. Esse engajamento nos permite promover a liberdade e o autogoverno, ao mesmo tempo em que criamos alternativas aos sistemas controlados pelo estado. Ao participar de atividades de construção de comunidades ou voluntariado para causas nas quais acreditamos, votamos por uma sociedade mais vibrante e resiliente. Nesse contexto, nosso tempo se torna uma cédula eleitoral, sinalizando nosso compromisso com o mundo que queremos cultivar. Cada hora investida em atividades significativas contribui para um movimento coletivo que desafia o status quo e incentiva a inovação. Ao escolher investir nosso tempo com sabedoria, lançamos as bases para um futuro onde a liberdade, a autodeterminação e o respeito pelos direitos de propriedade prosperam. Ver nosso tempo como uma forma de voto aproveita seu potencial transformador, impulsionando mudanças positivas e capacitando a nós mesmos e nossas comunidades.
Fechando o círculo, fica claro que a luta pela liberdade é travada em muitas frentes. Como libertários, devemos honrar nosso compromisso com a divisão do trabalho e a especialização, permitindo que os indivíduos determinem onde suas contribuições únicas podem ser mais eficazes. A ação política pode servir como uma medida defensiva, ajudando a preservar a liberdade, retardando ou frustrando as invasões do estado. Por outro lado, os esforços baseados no mercado, por meio do uso estratégico de nosso dinheiro e tempo, oferecem uma abordagem ofensiva – promovendo o desenvolvimento de sistemas e redes paralelos que tornam os serviços controlados pelo estado cada vez mais irrelevantes.
Mais uma eleição política mais importante de nossa vida está aí, mas, independentemente de quem ganhe, o estado continuará sua invasão implacável de nossas liberdades de uma forma ou de outra. Nossa resposta não pode se limitar ao voto defensivo nas urnas – também devemos tomar a ofensiva, alavancando nossos recursos para construir redes voluntárias e descentralizadas de liberdade. Cada pequeno ato em nossas vidas diárias contribui para o desmantelamento do poder centralizado e a criação de um futuro livre e mais brilhante.
Para concluir, gostaria de parafrasear uma citação muitas vezes atribuída erroneamente, mas definitivamente no espírito de um dos meus anarquistas favoritos, J.R.R. Tolkien, para reflexão:
“Alguns acreditam que é apenas o poder [do estado] que pode manter o mal sob controle, mas não é isso que encontrei. São as pequenas ações cotidianas das pessoas comuns que mantêm a escuridão sob controle. Pequenos atos de bondade e amor.”
Artigo original aqui