As estatísticas de inflação de preços foram um tema recorrente em 2023. Medidas oficiais, como o Índice de Preços das Despesas de Consumo Pessoal (PCE) e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), subiram para os maiores níveis em mais de quatro décadas.
Esses índices foram analisados pelos comentaristas ainda na semana passada. O FRED Blog (administrado pelo Fed de St. Louis) discutiu brevemente como essas duas medidas são construídas e como elas diferem. Paul Krugman comparou a mudança nas versões “core” do PCE e do IPC (que removem componentes como alimentos e energia) em intervalos de tempo de seis e doze meses, respectivamente. A opinião consensual é que estas medidas têm aplicações únicas. De acordo com Krugman, “qual você deve escolher depende de qual pergunta você está tentando responder”.
Mas se você ler Mises, verá uma história diferente. Na abordagem austríaca, não existe o nível de preços, e tentar medi-lo induz uma série de erros.
Quando se fala de “nível dos preços”, a imagem que as pessoas formam mentalmente é a de um líquido que sobe ou desce, segundo o aumento ou a redução de sua quantidade, mas que, como um líquido num reservatório, eleva-se sempre por igual. Mas, no caso dos preços, nada há que se assemelhe a “nível”. Os preços não se alteram na mesma medida e ao mesmo tempo. Há sempre preços que mudam mais rapidamente, caem ou sobem mais depressa que outros.
A crítica de Mises ao conceito de nível de preços e índices de preços abrange grande parte de sua obra. Nesse trecho, ele ressalta que os preços não mudam uniformemente. Os preços individuais sobem e descem constantemente. Resumi-los como um “nível” mensurável ignora a realidade dos mercados, em que compradores e vendedores se encontram para trocar bens específicos por preços específicos.
O contexto da passagem acima é a análise de Mises sobre a inflação monetária. O dinheiro entra na economia em um determinado ponto, então rastrear os efeitos da impressão de dinheiro deve prosseguir “passo a passo”. Este método mostra que algumas pessoas são capazes de gastar o novo dinheiro primeiro, aumentando suas demandas para o conjunto dado de bens. Outros devem esperar que suas rendas aumentem à medida que o dinheiro novo repercute na economia, enquanto pagam preços mais altos devido ao aumento da demanda dos primeiros recebedores. Esse fenômeno, conhecido como efeito Cantillon, esclarece a rejeição de Mises ao conceito de nível de preço.
Para Mises, não há um nível de preço, mas muitos indivíduos enfrentando diferentes matrizes de preços. Os primeiros destinatários de dinheiro novo enfrentam uma série de preços que ainda não foram perturbados pela intervenção monetária. Eles têm a capacidade de adquirir bens adicionais no mercado a esses preços. Os destinatários posteriores veem os preços desses bens aumentarem, e eles pagarão os novos preços ou desviarão seus gastos para substitutos. Discutindo esse fenômeno, Mises escreve: “Eles tiveram que comprar menos do que antes, reduzir o consumo de alimentos melhores e mais caros e restringir a compra de roupas – porque os preços já haviam se ajustado para cima, enquanto suas rendas, seus salários, ainda não haviam sido aumentados”.
Essa visão individualista das matrizes de preços é destacada em uma das minhas citações favoritas de Mises, na qual o conhecimento da dona de casa é elevado acima da “pretensiosa solenidade” dos “estatísticos e dos departamentos de estatística”. Mises disse: “Uma dona de casa criteriosa sabe muito mais sobre as mudanças de preços na medida em que afetam sua própria casa do que as médias estatísticas podem dizer”.
Assim, a intervenção monetária não é neutra. Há efeitos reais e mudanças desiguais – na renda, riqueza, preços, produção e consumo. É por isso que Mises favoreceu a metáfora da “revolução dos preços” em detrimento do conceito enganoso de uma mudança no nível de preços:
O sistema de mercado antes e depois da injeção ou da retirada de uma quantidade de moeda não se modifica apenas na medida em que os encaixes dos indivíduos e os preços aumentaram ou diminuíram. Mudaram também as recíprocas relações de troca entre as várias mercadorias e serviços, que, se quisermos recorrer a metáforas, seriam mais bem descritas pela imagem de uma revolução de preços do que pela enganadora comparação com uma elevação ou redução do “nível de preços”.
O mito do nível de preços é generalizado e contribui para muitos outros erros, especialmente no que diz respeito à teoria monetária e à política monetária. Infecta o keynesianismo, o monetarismo, a teoria do desequilíbrio monetário, a política monetária “baseada em regras”, a política de estabilização, a teoria monetária moderna e o jornalismo econômico corriqueiro.
As consequências desse erro são exatamente como Mises descreveu e previu: ao enterrar os efeitos de Cantillon na agregação, a intervenção monetária é aceita. Você não vê a verdadeira natureza dos ciclos econômicos, o governo desviando recursos da economia privada, o inchaço desproporcional do setor financeiro ou a exacerbação da desigualdade de renda e riqueza. Tudo o que se vê é um banco central virando os botões para alcançar algum “ponto ideal” de inflação de preços e desemprego.
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