Thursday, November 21, 2024
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Rothbard, Milei, Bolsonaro e a nova direita

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Desde quando reconheci, quase 20 anos atrás, que nenhuma pessoa ou instituição possui o direito de iniciar agressão, esta é a primeira vez que posso dizer qual é meu posicionamento político para um normie sem que ele ache que estou falando grego. Agora posso dizer que sou um anarcocapitalista sem provocar muito espanto, pois pela primeira vez boa parte do público ocidental possui alguma noção do que significa este termo. Isso graças ao fascinante sucesso eleitoral de Javier Milei, um anarcocapitalista que está próximo de ser eleito presidente da Argentina. Solteiro, Milei tem cinco cachorros da raça Mastiff que chama de “filhos de quatro patas”, e deu o nome de um deles de Murray, em homenagem ao economista Murray Rothbard, sua grande inspiração. Rothbard, um decano da Escola Austríaca de economia é também o pai do libertarianismo moderno, que ele chamou de anarcocapitalismo. Nós, anarcocapitalistas, constatamos que qualquer forma de estado é criminosa e todo e qualquer serviço que ele preste pode e deve ser fornecido pelo livre mercado. Rothbard forneceu as justificações éticas e econômicas ao anarcocapitalismo, refutando todos os mitos estatistas usados para legitimar a existência do estado.

Não obstante, além de fornecer a estrutura do anarcocapitalismo, Rothbard também expôs uma estratégia descrevendo como somente alguém como Milei poderia quebrar as barreiras do discurso político respeitável – social-democrata – imposta a nós pela esquerda marxista e fazer ressurgir uma direita libertária como força política. Rothbard faz referência à velha direita americana, que na primeira metade do século XX se opunha aos programas socialistas implantados no EUA e às suas guerras externas e “era a favor da restauração da liberdade da velha república, de um governo estritamente limitado à defesa dos direitos de propriedade privada.” Não era uma direita revolucionária. Na verdade, a revolução já havia acontecido com o New Deal, e havia sido uma revolução socialista. Da mesma maneira, o peronismo foi uma revolução socialista que em 80 anos transformou a Argentina, que era um país livre e um dos mais ricos do mundo, em um país pobre. Isso significa que uma postura conservadora serve para preservar o socialismo vigente, enquanto os socialistas continuam avançando. Logo, como disse o romancista libertário Garet Garrett, “a revolução foi, e, portanto, nada menos que uma contrarrevolução é necessária para recuperar o país. Eis então, não um ‘conservador’, mas uma direita radical.” Agustín Laje, autor, politólogo e aliado de Milei, que tem se esforçado para tentar compreender e explicar a nova direita mundial, concorda:

      Essa Nova Direita tem um ethos revolucionário, em oposição a uma esquerda que começa a abraçar um ethos conservador. Eu sei que isso pode parecer estranho, mas em que sentido eu digo isso? Se tomarmos “conservador” como aquele que quer preservar um status quo, a esquerda é quem hoje quer preservar um status quo na Argentina, enquanto a direita está tentando destruir esse status quo.

Rothbard nota que enquanto os marxistas tinham bem definido que sua estratégia seria centrada no proletariado como o grupo que levaria a mudança social, a direita tentava decidir “quem são os grandes bandidos, as massas ou a elite dominante?” Ele concluiu que a luta deveria ser contra a elite dominante, pois as massas, por mais corrompidas que possam ser, estão ocupadas demais tentando criar suas famílias e vivendo suas vidas e não têm muito tempo para se dedicarem à política. Ao passo que “os burocratas, políticos e grupos de interesses especiais dependentes do governo político. (…) ganham dinheiro com a política e, portanto, estão intensamente interessados ​​e fazem lobby e são ativos 24 horas por dia.” Rothbard acrescenta a distinção apontada por John C. Calhoun, que observou que a sociedade está dividida entre duas classes: a dos pagadores de impostos e dos recebedores de impostos. Milei centrou seu discurso nesta que é a verdadeira luta de classes, inflamando as massas contra seus exploradores na elite dominante, que ele chama apropriadamente de casta política.

Diante disso, Rothbard levanta a questão: “se a elite dominante está taxando, saqueando e explorando o público, por que o público tolera isso por um único momento sequer? Por que demoram tanto para retirar seu consentimento?” As massas são mantidas neste estado letárgico de submissão voluntária pois a casta política coopta “as elites intelectuais e midiáticas, que são capazes de enganar as massas para consentirem com seu domínio.” Para resolver esse dilema, Rothbard identifica duas estratégias erradas e recomenda uma certa. A primeira errada é a chamada estratégia hayekiana, que consiste em converter os principais filósofos para as ideias corretas, que depois converteriam os acadêmicos, os jornalistas e os políticos até que as massas fossem convertidas para apoiarem a liberdade. Além de levar muito tempo, a falha crucial nesta estratégia é que a mídia e acadêmicos não colocam a verdade acima de seus interesses pessoais, portanto, essa estratégia está fadada ao fracasso.

A segunda estratégia imprópria é a chamada estratégia fabiana, usada com sucesso pelos socialistas da Sociedade Fabiana. Consiste em criar think tanks para tentar influenciar os centros de poder – como foi feito como nosso antigo instituto que após a divisão passou a ser um think tank. O erro fatal é que o que dá certo para aumentar o estado, não dá certo para reduzi-lo. Obviamente, as elites dominantes vão acolher as ideias socialistas que irão aumentar seu poder e rejeitar as ideias libertárias que irão diminuí-lo. Isto posto, Rothbard explica qual é a estratégia vencedora:

      E assim a estratégia adequada para a direita deve ser o que podemos chamar de “populismo de direita“: excitante, dinâmico, duro e confrontador, despertando e inspirando não apenas as massas exploradas, mas também o núcleo intelectual, frequentemente traumatizado, da direita. E nesta era em que as elites intelectuais e da mídia são todas conservadoras-progressistas do establishment, todas, em um sentido profundo, uma variedade ou outra de social-democrata, todas amargamente hostis a uma direita genuína, precisamos de um líder dinâmico e carismático que tenha a capacidade de provocar um curto-circuito nas elites da mídia e atingir e despertar as massas diretamente. Precisamos de uma liderança que possa alcançar as massas atravessando a névoa hermenêutica paralisante e distorcida espalhada pelas elites da mídia.

Foi isso o que Milei fez. Uma peculiaridade da grande mídia argentina são programas de televisão com longos e acalorados debates. Uma brecha existia no sistema e Milei começou a ser convidado para estes programas. Sendo um economista erudito da Escola Austríaca e um libertário convicto, Milei comentava com propriedade todos os assuntos e defendia de forma apaixonada a liberdade. Ao contrário dos adeptos da estratégia hayekiana que tratam com respeito e polidez as perniciosas e criminosas ideias esquerdistas e seus proponentes – como, por exemplo, a atuação de Helio Beltrão como comentarista da Globo News e CNN –, que tanto mal e pobreza causam ao povo, Milei entendeu que estamos em uma guerra e constantemente ficou furioso, xingou e gritou, refletindo todo o ressentimento dos explorados. (milhares de horas de discussões fervorosas e entrevistas de Milei na TV argentina podem ser vistas no YouTube)

Juntando ardor e sabedoria com uma personalidade marcante e midiática, em pouco tempo Milei era o economista com mais tempo de televisão e se tornou uma celebridade nacional.  Além de estar alinhado com o discurso direitista comum de combate ao crime e defesa de valores tradicionais, seu discurso libertário dizendo coisas como:

conseguiu atingir diretamente as massas que despertaram para a verdade sobre a extorsão que sofrem dos aproveitadores políticos. Durante as Ron Paul Revolutions de 2008 e 2012, o Dr. Paul teve acesso aos debates presidenciais do Partido Republicano e obteve alguma atenção da grande mídia, conseguindo abrir os olhos de multidões de americanos para as verdades libertárias. Contudo, Ron Paul não atingiu o status de celebridade nacional e os portões da mídia mainstream e do sistema político bipartidário se fecharam para ele, diferentemente do que ocorreu com Milei.

Milei começou sua carreira política em 2021 sendo eleito deputado e em 2023 conseguiu viabilizar sua candidatura à presidência da Argentina, obtendo a vitória nas prévias em agosto. Nos debates presidenciais, a Argentina está vendo um libertário implodindo mitos socialistas e dando respostas que um Walter Block costuma dar. Por exemplo, no debate do dia 1º de outubro, ao ser perguntado sobre as disparidades salariais entre homens e mulheres serem fruto da discriminação do patriarcado, Milei respondeu que a desigualdade desaparece se for levado em conta os tipos de profissão e, se essa disparidade realmente existisse, os capitalistas exploradores que buscam lucros a todo custo contratariam apenas mulheres, mas isso não ocorre no mundo real. Ao apresentar seu plano de governo, apelidado de Plano Motosserra, Milei anunciou:

Irei passar uma motosserra nos gastos públicos e nos políticos, que são um bando de delinquentes que seguem mentindo para o povo. Não passam de ladrões que não gostam destes cortes pois não terão mais onde mamar, terão que ficar sem roubar e vão ter que trabalhar como as pessoas honestas.

A estratégia rothbardiana do populismo libertário funcionou, como Rothbard disse que funcionaria. E a Argentina está perto de ter o primeiro presidente anarcocapitalista do mundo. No Brasil estamos bem longe disso.

Direita no Brasil

Um espectro unidimensional de classificação política é, de fato, limitado. E os conceitos de esquerda e direita mudam de um país para outro e mesmo dentro de um mesmo país no decorrer do tempo. Rothbard conta a história de como ele, mantendo as mesmas posições políticas, transcorridos 20 anos, passou a ser considerado de “extrema direita” para “extrema esquerda”. Em seu artigo clássico Nem esquerda, nem direita, Leonard Read defende que os libertários devem rejeitar completamente se colocar em qualquer um dos lados, permanecendo acima de ambos. Mas o fato é que estes conceitos existem e são usados, e Rothbard, assim como Hoppe, posicionam o libertarianismo na direita (ou na direita alternativa), e criticam duramente os ditos “libertários de esquerda”.

Tentando dar mais sentido aos termos direita e esquerda, o Diagrama de Nolan acrescenta um plano bidimensional a eles. Isto pode nos ajudar a entender um episódio sui generis da política brasileira de três décadas atrás onde jornalistas esquerdistas defendiam que proprietários de restaurantes devessem conservar a liberdade de determinar as regras quanto ao fumo em seus estabelecimentos e a liberdade de indivíduos poderem escolher não usar cinto de segurança, contra o proibicionismo autoritário de Paulo Maluf, um político considerado de direita. Atualmente causa espanto aos progressistas – totalmente autoritários como demonstrado nos últimos anos com a tirania de lockdowns, máscaras, vacinas e censuras – rever uma mídia esquerdista de 30 anos atrás defendendo estas autonomias individuais; e os jornalistas daquele episódio se desculpam pelo “erro” cometido na época. O diagrama bidimensional mostra como a esquerda e a direita podem abrigar tipos mais ou menos autoritários.

Esta velha direita brasileira também continha elementos liberais, sendo o próprio Maluf um dos representantes deste liberalismo econômico, conforme nos contou neste artigo o grande liberal brasileiro e seu companheiro de partido, Roberto Campos. Como Campos deixa claro, este liberalismo estava longe do liberalismo clássico de estado mínimo/vigia noturno – portanto, ainda mais distante do libertarianismo. Tratava-se do neoliberalismo, uma vertente da social-democracia, que, por sua vez é uma vertente do socialismo marxista. Campos relata que Maluf foi o único político de projeção a questionar os mitos socialistas do monopólio do petróleo e da necessidade de uma política de informática. Além disso, prossegue Campos, “até o colapso do Muro de Berlim, era ‘politicamente incorreto’ falar de privatização, liberalismo ou capitalismo. Novamente, Maluf era a exceção.” Até aí, nada de anti-libertário. Porém, na sequência Campos elogia Maluf por sua “sensibilidade social”, característica que o social-democrata Campos imputa como obrigatória, e enaltece suas “iniciativas sociais de inspiração criativa: o projeto Cingapura (habitação popular), o PAS (atendimento à saúde) e o programa Leve-Leite.” Campos – que foi o criador de duas terríveis estrovengas socialistas, o BNDES e o Banco Central – e a velha direita, eram estatistas neoliberais, ou socialistas de mercado, que acreditavam que o mercado deveria ser “tão livre quanto possível”, prosperando para gerar tributos para que o estado pudesse pagar por inúmeros serviços “gratuitos” como educação, saúde, cultura, diplomacia etc. O Brasil possuía um (neo) liberalismo tão estéril que os institutos liberais, muito ativos na década de 1980, praticamente desapareceram após as parcas privatizações de Collor/FHC. Atualmente, a Nova Direita também é formada majoritariamente por socialistas de mercado, com exceção dos libertários, que ainda não existiam no Brasil naquela época.

Paul Gottfried identifica a direita como uma reação contra o totalitarismo inerente da esquerda, que pretende reconstruir a raça humana. Nos EUA os americanos médios formam essa direita que obstrui a dominação dos esquerdistas. Gottfried reconhece que “eles podem não possuir gostos refinados, não ouvem música clássica nem estudaram os clássicos gregos ou leram Hegel em alemão etc., mas são pessoas decentes que entenderam o que está errado.” Para ele, o que une as diferentes vertentes da direita é um compartilhamento da mesma visão sobre o que está errado – todas identificam o mesmo inimigo e sabem exatamente ao que se opõem.[1]

Quando Agustín Laje tenta encaixar o libertário Milei nesta Nova Direita formada por socialistas-democratas como Bolsonaro e Trump, ele diz que “esta ‘Nova Direita’ é um esforço para articular três setores que, em princípio, pareceriam incompatíveis, mas que no marco do século XXI estão se tornando cada vez mais compatíveis. Esses três setores são libertários, conservadores e soberanistas ou patriotas.” Assim sendo, observamos que no Brasil, a Nova Direita é dominada pelos conservadores e patriotas – que são socialistas de mercado –, enquanto os libertários são insignificantes em relação à uma abrangência popular. A Jovem Pan, que é uma emissora de rádio e TV de extrema esquerda, mas que abriu espaços de sua programação para a direita, tem esses espaços ocupados exclusivamente pelos conservadores e patriotas – e como veremos adiante, sabota ativamente os libertários e qualquer forma de “radicalismo”. Os libertários, que são poucos no Brasil, possuem apenas uma presença diminuta na internet, que ainda é ceifada pela censura das Big Techs. Já a direita conservadora social-democrata é forte também na internet, com a plataforma Brasil Paralelo sendo o maior destaque. Contudo, a força que controla a opinião das massas e que decide eleições ainda é a grande mídia mainstream, com suas concessões públicas de rádio e TV aberta. Durante a campanha presidencial de 2020, as entrevistas dos candidatos nos grandes podcasts tiveram audiências recordes, mas os debates e entrevistas dos candidatos na mídia corporativa tiveram audiências bem maiores. Em 2016, Bolsonaro foi eleito através do WhatsApp e logo trataram de limitar o alcance de mensagens encaminhadas neste aplicativo para evitar que isso ocorresse novamente.

No entanto, antes disso, Bolsonaro ganhou fama em uma brecha da TV aberta, no programa SuperPop da REDE TV, que deu um espaço ao seu discurso populista de direita. E que discurso é este? Em contraste ao marxismo cultural eu chamo este discurso de alborghettismo cultural, em referência ao falecido apresentador de televisão e político Luiz Carlos Alborghetti. O discurso se resume a truísmos que, embora sejam politicamente incorretos, são aprovados pela imensa maioria da população brasileira:

  • “criminosos devem pagar por seus crimes”,
  • “as penas devem ser duras”,
  • “as forças policiais devem ser implacáveis”,
  • “a legítima defesa e o acesso às armas são direitos inalienáveis”,
  • “se um criminoso morrer durante reação da vítima ou da polícia, ótimo, antes ele do que eu”,
  • “homens devem ser homens, e homossexualidade é motivo de gozação, não de orgulho”,
  • “honre sua família”,
  • “respeite as leis”,
  • “ame o Brasil”,
  • “siga Jesus”.

Após décadas de propaganda uníssona progressista na mídia, repetindo exclusivamente discursos abjetos, contrários à essas obviedades, o povo conseguiu ter acesso a um homem que estava desafiando corajosamente este monopólio. Aliado a condições políticas com esquemas bilionários de corrupção do governo vindo à tona, tivemos o fenômeno eleitoral do bolsonarismo. Bolsonaro, um dos únicos políticos com anos de vida pública que não estava envolvido em nenhuma corrupção, foi eleito unicamente pelo seu populismo de direita (alborghettismo) e seu anti-petismo (sinônimo de anti-corrupção). O seu viés pró-livre-mercado (neoliberal) veio como um feliz bônus – mas ele teria sido eleito igualmente sem isso.

Olavo de Carvalho costumava dizer que foi o responsável pela eleição de Bolsonaro, mas isso foi um enorme erro de interpretação e uma tremenda falta de humildade da parte dele. Se podemos creditar o sucesso de Bolsonaro a alguém além dele próprio, esse alguém seria a Luciana Gimenez, apresentadora do SuperPop, ou ao PT e sua roubalheira desenfreada. Paralelamente, Olavo também previu corretamente que o primeiro candidato que aparecesse no cenário nacional identificado com o discurso populista de direita seria eleito, pois o Brasil é um país de maioria conservadora; e também previu que eleger um presidente de direita enquanto mídia, academia e o estado profundo permanecessem de esquerda, de nada adiantaria. Embora Olavo não fosse do tipo submisso e polido com a esquerda, sua estratégia também era hayekiana, de longo prazo, portanto, como apontado por Rothbard, sem chance de sucesso.

O alborghettismo do bolsonarismo fez com que uma multidão de candidatos que levavam “major”, “delegado”, “capitão”, “tenente” etc. no nome fossem eleitos só por conta disso. O Brasil votou massivamente em completas nulidades, apenas por elas aparecerem do lado de Bolsonaro na campanha – e os que se desvincularam de Bolsonaro e do bolsonarismo também se desvincularam dos eleitores e nunca mais foram eleitos para nada, vide Joice Hasselmann e Alexandre Frota. Mesmo reprimido pelo domínio esquerdista da mídia, o alborghettismo sempre foi uma força política e midiática no Brasil; prova disso é a carreira política do próprio Alborghetti, que cumpriu um mandato de vereador e três de deputado estadual. Sempre houve e continua havendo políticos policialescos eleitos. Também sempre foi uma força midiática as miríades de programas policialescos populares – todos sucessos de audiência, embora variem em sua dose de alborghettismo; quanto mais alborghettismo cultural, mais audiência, porém, mais problemas.

Atualmente o principal representante do alborghettismo cultural na mídia é o apresentador Sikêra Júnior. Alborghetti e Sikêra têm muitas semelhanças em suas carreiras. Alborghetti começou seu programa na TV regional do Paraná e Sikêra em TVs regionais do Norte/Nordeste, e o programa de ambos subiu para a rede nacional, triunfando em audiência no Brasil todo. Por baterem de frente com o politicamente correto progressista que domina o consórcio mídia/estado foram suprimidos e tiveram seus programas retirados da rede nacional. Sikêra sofreu diversos processos por “falas discriminatórias e ofensas”, ou seja, por simplesmente dizer o que o povo quer ouvir. Como vivemos em uma ditadura onde a liberdade de expressão não existe, o regime usou o judiciário para calar seus discursos populistas de direita. “Eu estava acostumado a falar em um programa local, dizer muitas barbaridades e não ter consequência nenhuma”, disse o apresentador Sikêra Jr. em uma entrevista. Mas quando ambos atingiram o grande público em rede nacional, tiveram suas asinhas cortadas. O sistema mantém na mídia um “alborghettismo controlado”, com apresentadores como José Luiz Datena, que se curvam ao progressismo.

É triste observar que esta direita ignara é incapaz de reconhecer os perigos das leis de calúnia e difamação. Ao defender a liberdade de expressão contra a regulamentação da mídia e outras formas de censura, seus incautos luminares costumam dizer que não é preciso nenhuma nova regulamentação pois “já existem as leis contra injúria, calúnia e difamação, perdas e danos morais”. Eles não têm capacidade de perceber que dar ao estado o poder de definir o que é uma calúnia equivale ao Ministério da Verdade orwelliano que eles gostam tanto de citar; e ao defenderem leis contra injúria e difamação estão apoiando um distópico “direito de não ser ofendido”. A direita crédula comemora quando um esquerdista é punido por estas leis e o próprio Sikêra usou muitas vezes este “direito de processar os outros por palavras ditas”, mas no final é a esquerda que vence com essas armas totalitárias. Sikêra está com as mãos atadas e novamente relegado a um público local e o progressismo corre solto e impera nacionalmente.

Apesar de seus acertos, o alborghettismo cultural dominante no Brasil carrega uma grande falha moral e conceitual: embora acerte em sua rejeição às drogas, falha miseravelmente em sua defesa da proibição das drogas. Este proibicionismo somente causa mal a todos, sem absolutamente nenhum benefício a ninguém – a não ser ao crime organizado, à burocracia estatal e aos funcionários públicos corruptos que enriquecem com a estúpida guerra às drogas. Em sua adesão ao necessário cumprimento da Lei, não conseguem distinguir Lei de legislação, e acabam promovendo a perversão da Lei e uma forma extrema de comunismo.

Quando Bolsonaro conseguiu furar a bolha da propaganda esquerdista com seu discurso populista de direita, quando conseguiu se viabilizar politicamente e quando despontou como principal candidato à presidente, o regime entrou em pânico e tentou assassiná-lo. Um matador de aluguel desferiu uma facada em seu abdome e torceu a faca após a penetração – um golpe 100% mortal, do qual não há escapatória. Por milagre, Bolsonaro sobreviveu, mas o regime não desistiu de assassiná-lo, porém dessa vez se limitariam a um assassinato de reputação, e a mídia começou uma campanha de difamação 24/7 contra Bolsonaro. Além disso, o sistema se reorganizou de modo que Bolsonaro assumiu a presidência, mas não o poder. A “separação de poderes” de Montesquieu sempre foi uma ideia esdrúxula. Poder é algo indivisível, pois poder significa a decisão final, e só pode existir um final. Desde o início do governo o poder judiciário mostrou quem mandava e passou a suspender determinações de Bolsonaro, como a eliminação dos assaltos do DPVAT e dos radares de velocidade. Bolsonaro sequer foi capaz de usar o estado para descobrir os mandantes de sua tentativa de assassinato. Durante a farsa globalista da COVID-19 ficou ainda mais evidente quem é que realmente detinha o poder. Bolsonaro sempre se pautou pelo senso comum, e por isso teve uma leitura precisa de toda a fraudemia. Primeiramente ele reconheceu que a gravidade da doença era extremamente exagerada e a chamou de gripezinha – e os números mostram que a taxa de mortalidade da COVID ficou próxima à da gripe comum. Ele foi contra as máscaras, os lockdowns e as vacinas – e todas essas medidas se mostraram ineficazes e catastróficas; e foi a favor de tratamentos baratos e eficazes como a ivermectina e a hidroxicloroquina, vitaminas e hábitos saudáveis – e todas essas medidas se mostraram corretas. Mas foi inútil termos um presidente apoiando o que era certo e indo contra medidas autoritárias malucas, pois o judiciário tirou a autonomia da presidência e a deu aos governadores e prefeitos, a maioria destes alinhada com os globalistas, e o Brasil mergulhou no período mais tirânico de sua história.

E foi neste período que a mídia legacy mostrou que ainda controla a opinião pública no Brasil, até a ponto de decidir o resultado de uma eleição presidencial. Usando táticas de instigação de medo e gaslighting, a mídia fez quase toda a população acreditar que estava em risco de ser exterminada por um vírus com taxa de sobrevivência superior a 99%, fazendo, assim, o povo apoiar a opressão sobre si mesmo. Bolsonaro, que embora sem poder de fato, se manifestava continuamente em favor da liberdade, foi taxado de genocida pela mídia por causa disso, fazendo ele perder grande parte de sua popularidade. A mídia também foi conivente com a armação eleitoral promovida pelo sistema, que tirou da cadeia o único adversário com popularidade suficiente para fazer frente a Bolsonaro, anulando suas condenações (transformado um ladrão presidiário em “ficha limpa”) e o colocando como candidato na eleição presidencial de 2022. A campanha de difamação de 4 anos de duração da grande mídia deu resultado e a redação da Rede Globo comemorou o resultado do trabalho bem-feito quando Lula ultrapassou Bolsonaro na apuração dos votos. Tudo isso em uma eleição acirrada onde os votos foram contados por inimigos declarados do bolsonarismo que se asseguraram que os votos não fossem impressos e nem auditáveis.

No rescaldo dessa eleição manipulada, a mídia corporativa continuou demonstrando seu poder. O regime importou dos Estados Unidos o exato mesmo esquema para derrubar o populismo de direita: um protesto de eleitores revoltados com os resultados fraudulentos, incitado, facilitado e infiltrado por forças adversárias, foi chamado de golpe de estado – uma afirmação que só poderia sobreviver por mais de 1 minuto com a cumplicidade de uma poderosa mídia ativista. Qualquer ser pensante descarta de imediato a imputação de terrorismo e tentativa de tomada de poder por uma multidão desarmada, formada também por pessoas idosas. Contudo, a mídia comprovou seu poder e conseguiu sustentar a patética narrativa de golpe, que tenta colocar tanto Trump quanto Bolsonaro na cadeia. Mas ao menos nos EUA o grande adversário da direita parece ser o Deep State, pois a mídia legacy já exibe sinais avançados de degradação por lá.

Os guardiões dos portões

Não há dúvida de que estamos vivendo tempos disruptivos. O debate do Partido Republicano entre os pré-candidatos à presidência dos EUA em agosto deste ano confirmou isso. Não por nada que tenha sido dito no debate, mas pelos números de sua audiência. Trump, que lidera as pesquisas de intenção de voto, concedeu uma entrevista a Tucker Carlson marcada para ser transmitida na internet no mesmo horário do debate transmitido pelo canal de TV Fox News.

Carlson foi demitido da Fox News em abril, apesar de seu programa ter a maior audiência do canal: maior do que a audiência de todos os outros canais somados. Isso não foi o suficiente para manter seu emprego, pois ele não estava alinhado com as narrativas propagadas pela mídia corporativa. Entre muitas coisas, seu programa denunciava duramente as farsas da ditadura sanitária covidiana, o palhaço ditador Zelensky e a guerra por procuração contra a Rússia e dava espaço a pessoas proibidas, como Robert F. Kennedy Jr.

Porém, no mês seguinte à sua demissão, Carlson estreou seu programa no Twitter e teve uma audiência 10 vezes maior do que a enorme audiência que seu programa na Fox News tinha! Ou seja, a mídia legacy tentou controlar a informação fechando seus portões, como fez durante toda a sua existência, mas fracassou retumbantemente. Os muros da mídia foram derrubados pelos canhões da internet – com a ajuda inesperada de Elon Musk –, e os portões tornaram-se inúteis. Isso foi confirmado pelos ibopes do debate e da entrevista. O debate na Fox News teve uma audiência de 12,8 milhões de espectadores enquanto que a entrevista de Trump no Twitter/X ultrapassou a marca de 250 milhões de visualizações, 20 vezes maior que a Fox News. Já a entrevista de Milei com Carlson foi considerada a entrevista mais assistida da história da humanidade[2], estando com mais de 425 milhões de visualizações no Twitter (somando a versão em inglês com a em espanhol). Carlson e Trump comentaram sobre essa mudança de paradigma durante a entrevista. Carlson perguntou: “É interessante, porque você passou grande parte de sua carreira na televisão, mas você não sente a necessidade de agora, ao concorrer à presidência, estar na televisão, obviamente. Você acha que a televisão está em declínio?”. Trump respondeu:

Bem, de acordo com uma pesquisa que acabou de sair, caiu uns 30, 35%, mas acho que eles estavam referindo-se a TV a cabo; acho que TV a cabo já era porque perdeu credibilidade. MSNBC, ou como dizem, MS-DNC, é tão ruim. É tão errado o que escrevem, o que fazem e o que dizem. Sabe, é fake news, como eu disse. Acho que criei esse termo. Espero ter criado, porque é uma boa sacada. Mas já não é um termo suficientemente duro. Corrupt news é melhor.

Donald, se você não foi o criador, foi o grande disseminador do termo “fake news”, conforme eu expliquei neste artigo de 2018. E hoje a mídia corporativa americana foi derrotada. Quem é mainstream hoje: Tucker Carlson ou Fox News, Joe Rogan ou CNN? A audiência responde por si só. Infelizmente, no Brasil ainda estamos longe de uma derrota da grande mídia como ocorreu nos EUA. Como vimos acima, a mídia corporativa foi capaz de sobrepujar o populismo de direita representado por Bolsonaro e recolocar na presidência um testa de ferro alinhado ao discurso progressista aprovado. Além disso, ela também foi capaz de monopolizar o discurso permitido da direita, através da rede Jovem Pan. Algo parecido ocorreu nos anos 1960 nos EUA, como explica Rothbard em seu artigo:

o que aconteceu com a Direita Original, afinal? E como o movimento conservador entrou na confusão atual? Por que ele precisa ser separado e dividido, e um novo movimento de direita radical criado sobre suas cinzas?

A resposta para essas duas perguntas aparentemente díspares é a mesma: o que aconteceu com a Direita Original e a causa da bagunça atual é o advento e a dominação da ala direita por Bill Buckley e pela National Review.

As massas conservadoras, por muito tempo sem liderança intelectual, também careciam de liderança política. Um vácuo intelectual e de poder havia se desenvolvido na direita, e correndo para preenchê-lo, em 1955, estavam Bill Buckley, recém-saído de vários anos na CIA, e a National Review….

E assim, com uma rapidez quase blitzkrieg, no início dos anos 1960, o novo movimento conservador de cruzada global, transformado e liderado por Bill Buckley, estava quase pronto para tomar o poder nos Estados Unidos. Mas não exatamente, porque em primeiro lugar, todos os vários hereges da Direita – alguns remanescentes da Direita Original –, todos os grupos que eram de alguma forma radicais ou podiam privar o novo movimento conservador de sua tão desejada respeitabilidade aos olhos da elite esquerdista e centrista, tudo isso teve que ser eliminado. Somente a tal direita desnaturada, respeitável, não radical e conservadora era digna do poder.

E assim começaram os expurgos. Um após o outro, Buckley e a National Review expurgaram e excomungaram todos os radicais, todos os não respeitáveis. …. Mas se, em meados e final da década de 1960, Buckley havia expurgado o movimento conservador da direita genuína, ele também se apressou a abraçar qualquer grupo que proclamasse seu duro anticomunismo, ou melhor, anti-sovietismo ou anti-stalinismo.

Levando-se em conta as disparidades de época, lugar e personagens, permita-me traçar um paralelo com a atual direita brasileira. Quando a ascensão de Bolsonaro evidenciou a força política da direita, que apenas parecia inexistente por ausência de um representante no “Brasil Oficial”, tornou-se inevitável haver um veículo para refletir a opinião da imensa maioria da população, e foi a Jovem Pan quem ocupou este vácuo. A rede de rádio criou um canal de notícias na TV paga no final de 2021 com um diferencial: ao contrário de todos os outros canais de notícia que são pura máquina de propagada esquerdista, o canal Jovem Pan News abriu seus microfones para direitistas comentarem as notícias, ao lado de esquerdistas, e debaterem com eles. Quanto à escolha do que é notícia, a emissora seguiu o padrão estatista progressista do restante da mídia, mas ao menos havia alguém ali dizendo verdades. Por exemplo, durante a farsa COVID, a emissora acompanhou o cânone globalista fomentando o medo com reportagens sensacionalistas em portas de hospitais e contagem de mortos em tempo real, porém havia um comentarista como Guilherme Fiuza – que nunca se considerou de direita – denunciando este embuste. Enquanto toda a mídia seguia sua cruzada de destruição da imagem de Bolsonaro e era conivente com as maquinações do sistema que operava sua derrocada, a ala de direita da Jovem Pan era lisonjeira com Bolsonaro e alertava sobre as ações do estado profundo que visavam derrubá-lo. Dentro do limitado público da TV paga[4], a Jovem Pan News foi um fenômeno de audiência, chegando à liderança do segmento ao ultrapassar diversas vezes a primeira colocada, que tinha 26 anos de existência.

Concentrando a audiência dos bolsonaristas, a Jovem Pan se encontrou na posição de moldar como seria essa nova direita, como a National Review havia feito nos EUA nos anos 60. Já sem nenhum libertário em seu quadro, ela abrigava tipos mais radicais que teriam que ser expurgados. Quem se desviasse muito da cartilha progressista ou apenas não tratasse com reverência absoluta as autoridades oficiais seria limado. Fiuza, Marco Antônio Costa, os neocons Paulo Figueiredo e Rodrigo Constantino foram alguns dos demitidos do canal entre o final de 2022 e começo de 2023. Augusto Nunes, um dos excomungados, esclarece que as demissões não tiveram nada a ver com uma suposta censura do STF – elas foram escolhas do grupo Jovem Pan. Assim estava estipulada pela Jovem Pan a nova direita respeitável[5], que irei aqui utilizar a figura de Emílio Surita, o principal apresentador da rede, para caracterizá-la.

Boa praça e de fato um cara muito engraçado, Emílio é o típico normie socialista de mercado que assimilou todos os mitos sócio-político-econômicos proferidos pelo marxismo cultural que o cercou por toda sua vida. Para ele, o estado é o que evita um cenário de absoluto caos anárquico da guerra de todos-contra-todos. Assim como até o próprio Lênin admitiu nos primeiros momentos da revolução soviética que algum mercado seria indispensável, nosso normie também reconhece que o comunismo total não funciona; então ele condena regimes mais socialistas como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Ele compreende que a riqueza é gerada pelos empreendedores e defende “o máximo possível de livre mercado”, por isso ele se considera de direita. Mas o estado não pode se eximir de suas funções essenciais como segurança, saúde, educação, cultura e muito mais. Então nosso socialista de mercado não se importa em pagar impostos altos, contanto que receba estes respectivos “retornos”. O estado também deve regular o mercado para evitar que barões inescrupulosos abusem de seu poder econômico e explorem o povo. Contestar os poderes estabelecidos é algo impensável para qualquer normie, de modo que mesmo diante desta ditadura do judiciário que vivemos, Emílio sempre repete o mantra “ordem judicial não se discute, se cumpre” – exatamente como milhões de alemães pensavam durante o nazismo. A democracia é o ápice dos sistemas políticos humanos, e se as coisas não estão indo muito bem agora, só resta esperar 4 anos para “votar melhor” – e repita isto ad infinitum. A constituição de 88 deve ser respeitada e louvada. De fato, Emílio puxou uma salva de palmas para esta debiloide Carta Magna socialista no aniversário de sua promulgação. “A pandemia COVID foi extremamente grave, e acabou graças às vacinas.” A informação de que a COVID acabou do mesmo jeito em países onde quase ninguém foi vacinado, e que as mortes por outras causas aumentaram nos países onde a maioria foi vacinada sequer chega aos ouvidos dos normies – e se chegasse eles continuariam com a crença nas vacinas seguras e redentoras, tamanha é sua confiança no assustadoramente corrupto establishment médico. Alguns exageros podem ter sido cometidos na resposta pandêmica dos governos, mas são erros bem-intencionados e perdoáveis, pois “ninguém sabia com o que estávamos lidando”. Putin é um ditador insano que invadiu a Ucrânia sem motivo e Zelensky é um herói que apenas está tentando proteger seu povo. Israel jamais fez nada de errado e os conflitos que se envolve são simples batalhas entre a civilização (eles) e a barbárie (árabes desalojados).

Em um artigo anterior destaquei como Milei foi sempre ridicularizado, hostilizado e menosprezado no programa Pânico. Quando seu nome surgia por ser um dos candidatos à presidência, “sem chances de vencer”, era para chamá-lo de louco e lembrar a audiência direitista para ficar bem longe destes tipos radicais que querem “arrancar e vender nossos órgãos e vender nossos filhos” (sic). Somente quando Milei se consagrou como o grande favorito para se tornar o próximo presidente, recebendo o apoio de Bolsonaro e atenção da mídia mundial, os normies da direita socialista Jovem Pan se viram obrigados a abordar Milei e o anarcocapitalismo com um pouco de seriedade; recentemente, o Pânico convidou um youtuber libertário novista progressista para falar sobre isso – um sujeito manso, que não fala de moral e ética, mas de “resultados”, e foi incapaz de responder diversas objeções elementares ao anarcocapitalismo.

Foi incutido na mente dos normies que “radicalismo” é a pior coisa do mundo, mesmo quando se trata de uma defesa radical da vida de seus familiares ou a defesa radical do fruto de seu trabalho; consequentemente, o “meio-termo” é o ideal para tudo. Assim, toda vez que outros moderados de seu programa fogem um pouco desta visão de mundo, como o social-democrata Samy Dana defendendo privatização da educação ou Rogério Morgado defendendo o direito irrestrito de contar piadas, Emílio os corta e os chama de radicais. Nada deve ser destruído, apenas reformado; gradualmente. Sob essas premissas a nova direita foi definida pela Jovem Pan: uma direita estatista, proibicionista, socialista, gradualista. Como Rothbard nos ensina em seu artigo, a supressão do radicalismo na direita é uma estratégia avançada pela esquerda, pois serve os seus propósitos de manutenção do status quo socialista: “Sempre que os esquerdistas encontram abolicionistas que, por exemplo, querem revogar o New Deal ou o Fair Deal, eles dizem: ‘Mas isso não é conservadorismo genuíno. Isso é radicalismo’. O conservador genuíno, esses esquerdistas continuam dizendo, não quer revogar ou abolir nada. Ele é uma alma polida e gentil que quer conservar o que os progressistas de esquerda conseguiram.” Deste modo, antes mesmo do expurgo dos “um pouco mais radicais” da Jovem Pan, os libertários – que são inerentemente abolicionistas – já estavam vetados. Durante a campanha eleitoral de 2022, a Jovem Pan – já consolidada como o veículo de mídia da direita – recebeu no Programa Pânico todos os principais candidatos da direita. Foi sugerido por um dos colaboradores do programa que o único candidato anarcocapitalista do Brasil, Paulo Kogos, participasse do Pânico(ao menos naquela época ele ainda se definia desta forma;ontem era austrolibertário, hoje não é mais, amanhã quem sabe o que será?). Foi o próprio Emílio Surita que vetou Kogos, por considerá-lo “muito radical” – Emílio rejeitou sua presença pelo fato de ele estar no mesmo espectro político “radical” de Milei, e considerando que Kogos não foi eleito por poucos votos, isto pode ter custado a eleição do primeiro deputado anarcocapitalista do Brasil. Agindo desta forma, este tipo de direita dominada por “bons conservadores” sempre ajudou a consolidar o esquerdismo dominante. Rothbard continua:

Então, a visão que a esquerda progressista tem dos bons conservadores é a seguinte: primeiro, os progressistas de esquerda, no poder, dão um grande salto em direção ao coletivismo; então, quando, no curso do ciclo político, quatro ou oito anos depois, os conservadores chegam ao poder, é claro que eles ficam horrorizados com a simples ideia de revogar qualquer coisa; eles apenas desaceleram a taxa de crescimento do estatismo, consolidando os ganhos anteriores da esquerda e fornecendo um pouco de tempo para ela relaxar e recuperar as forças para o próximo Grande Salto Adiante progressista (…)

Eu gostaria de perguntar: até quando vamos continuar sendo otários? Por quanto tempo continuaremos desempenhando nossos papéis designados no cenário da esquerda? Quando vamos parar de jogar o jogo deles e começar a virar a mesa?

É uma ótima pergunta. Até quando? Na Argentina um libertário carismático, erudito e passional conseguiu virar a mesa “provocando um curto-circuito nas elites da mídia e atingindo e despertando as massas diretamente”. No Brasil, uma direita socialista se blindou contra toda forma de radicalismo e suprimiu qualquer possibilidade de ascensão do populismo libertário. Como furar essa barreira no Brasil e se irá surgir alguém com talento, força e coragem para tal é a grande questão.

 

 

 

 

A primeira parte deste artigo foi publicada em inglês aqui e aqui. Traduzida para o espanhol aqui, o italiano aqui e para o chinês mandarim aqui. Versão áudio em inglês aqui.

Assista também Cristiano Chiocca em uma cobertura especial do primeiro turno das eleições na Argentina:

_________________________________________

Notas

[1] Gottfried também aponta que a melhor coisa que todas as vertentes da direita deveriam fazer é se unir na defesa da secessão. Infelizmente parece que a direita brasileira está ainda mais longe de apoiar a secessão do que de apoiar o libertarianismo.

[2] As métricas desses números estão envoltas na controvérsia entre visualizações e impressões. De qualquer maneira, as métricas de audiência da TV também não garantem que um televisor ligado em um canal conte com a atenção devotada de um telespectador.

[3] Contudo, a mídia corporativa não foi e não será capaz de matar o bolsonarsimo/alborghettismo do brasileiro. Bolsonaro continua arrastando multidões por onde vai, e Lula continua sendo hostilizado em grandes concentrações de público, inclusive no Nordeste, onde supostamente obteve votações expressivas. A força da direita também é evidenciada por boicotes contra empresas que se associam ao progressismo, como o ocorrido com a Target e a Bud Light nos EUA.

[4] Os canais da TV por assinatura não atingem e, portanto, não controlam diretamente as opiniões das massas, mas podem atingir e influenciar uma minoria mais politizada que interfere na “opinião pública”.

[5] Os excomungados da Jovem Pan foram para a mídia on-line, com destaque para a Revista Oeste, que abrigou vários deles e possui uma grande audiência. Mas essa direita só difere da “direita Jovem Pan” no grau de radicalismo um pouco mais acentuado – a visão normie de mundo prevalece nela igualmente.

Fernando Chiocca
Fernando Chiocca
Fernando Chiocca é um intelectual anti-intelectual, abolicionista e praxeologista. Foi um dos fundadores do Instituto Mises Brasil em 2007, rebatizado como Instituto Rothbard em 2015.
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9 COMENTÁRIOS

  1. Excelente artigo. Parabéns por se manter autêntico, dizendo as coisas com firmeza e não como alguém que, por exemplo, trocaria “homem” por “indivíduo” para não ofender algum progressista.

  2. Ótima análise da situação nos últimos anos. Millei já conseguiu um feito por si só: espalhar o libertarianismo tanto na Argentina como internacionalmente. Talvez novos libertarios populistas surjam na política em outros países, incentivados pelo avanço do Millei, mas sempre vale lembrar que a atuação de outsiders dentro do sistema (principalmente quando comprometido com um monte de alianças temporárias questionáveis) é sempre por pouco ou nada, assim como Trump e Bolsonaro conseguiram pouquíssimas coisa como presidentes, além de alguns avanços aqui e alí que ajudaram seus povos antes de terem sido sabotados (ou ludibriados) pelo sistema.

  3. Artigo que é um retrato perfeito da recente e atual situação!! Colocando os personagens dentro de suas atuações.
    Parabéns e já esperando o próximo

  4. Concordo bastante com o amigo Nikus!

    Por quê não podemos (nós, brasileiros) contar com um Bolsonaro 2.0, um Trump ou mesmo um Milei? Me enraivece muito quando vem à memória wokes progressistas, em redes sociais surgidas em países bem capitalistas, comemorando a inelegibilidade do Bolsonaro, como se o país tivesse vencido uma copa do mundo! O Ocidente se encontra em estado lastimável porque tal gentalha tem voz, desde os ordinários hippies na década de 60 e as feminazis a partir dos anos 70. Como pode um povo regozijar-se com um líder como os mencionados sendo sabotado?! E ovulam por qualquer populista vermelho que lhes promete igualitarismo, amor incondicional forçado e cada vez mais privilégios às custas do homem branco hétero.

  5. Bom ver os comentários dos Chioccas, sempre lúcidos.

    Que situação do libertarianismo brasileiro. Até o Kogos está desviando da ética da propriedade privada?!

    Como uma curiosidade. Diversas coisas feitas pelos supostos liberais na época Guedes estão se transformando em monstrengos burocráticos que ou serão utilizados pelo próprio establishment contra a liberdade (exemplo: decreto da Análise de Impacto Regulatório) ou vão virar peças inúteis de legislação (Lei de Liberdade Econômica).

    Alias, os supostos liberais que adentraram a máquina pública acharam que as peças jurídicas que construiram são blindadas e eternas! Basta uma caneta do establishment e o trabalho de 4 anos é destruído. Péssima escolha de atuação.

    Não houve nada relevante em termos de desregulamentação no período Bolsonaro, feito pelos supostos liberais no Ministério da Economia. Todos usaram os cargos públicos que ocuparam como alpinismo social, currículo e projetos inúteis em termos de desestatização. Houve até a defesa da OCDE, organização claramente anti liberal.

  6. O 9fingers e toda súcia que o acompanha voltaram ao poder só para perseguir Bolsonaro e todos os políticos ditos conservadores. Foi só isso que temos visto até agora, vendeta e nada mais. A mídia até hoje ainda insiste em chamar aquele pessoal do 8 de janeiro de golpístas. Basta uma rápida consulta em qualquer dicionário de política para entender que golpe de estado só pode ser dando de dentro do estado, ou seja, por agentes do estado, civis não têm como dar um golpe. Nenhuma voz na mídia aparece para esclarecer isso. O povo engole gostoso.

  7. Engraçado ver os anarco-piadistas defenderem com unhas e dentes um maluco esquizofrênico e paranóico que ouve vozes.

  8. Não votei no Bolsonaro mas estava torcendo por ele. Mas o fato é que, após aquela palhaçada que foram aqueles acampamentos de Stalins de direita na frente dos quartéis, eu entendi que os bolsonaristas sofrem de dissonância cognitiva. Não houve dia que eu passei no acampamento e não brigava com algum daqueles alienados.

    Não elegeram o Bolsonaro em 2018 e ainda sepultaram sua carreira política com aquele exército brancaleone em Brasília.

    Jâ foram tarde!

    Excelente artigo camarada. Excelente análise.

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