Friday, November 22, 2024
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24 – Comentarista de nossos tempos: Uma busca pelo Rothbard histórico

Por Sheldon L. Richman

 

Certa vez, Murray Rothbard foi questionado sobre sua opinião sobre um livro intitulado Shirtsleeve Economics: A Commonsense Survey, de William A. Paton.[1] Ele escreveu que, embora um bom texto de economia para o ensino médio fosse necessário, Shirtsleeve Economics, infelizmente, não o era. Ele o achou mal escrito, muito dependente de citações e pobre em conteúdo. Ele levantou algumas questões penetrantes sobre o argumento de Paton a favor da existência do governo: “Por que os cidadãos que preferem se defender por guarda-costas privados devem ser forçados a aderir a outra agência de defesa contra sua vontade? Isso não é extorsão em grande escala?”

Ele também reclamou que a única preocupação de Paton era a eficiência econômica. Por exemplo, Paton escreveu que “todos nós podemos apoiar este programa” de financiar o governo extorquindo os ricos se isso não “prejudicasse nosso poder de produção”. Rothbard, parafraseando o sábio Sam Goldwyn, comentou: “Por favor, inclua este observador ‘fora’ desta categoria ‘todos nós podemos’”.

Finalmente, Rothbard exibiu aquele famoso humor. Paton escreveu que os ciclos econômicos eram inerentes ao mercado, mas mesmo assim o endossou com base no fato de que o homem “não saberia o que fazer consigo mesmo se fosse jogado em um ambiente onde tudo fosse doce e leve, e não houvesse ansiedade, nem luta”.

Rothbard brincou: “Não sei não, eu acho que eu estaria disposto a arriscar”.

O que é digno de nota sobre isso é que a resenha foi escrita em 26 de junho de 1952, quando Rothbard era um estudante de doutorado de 26 anos na Universidade de Columbia.[2] A resenha, escrita para uso interno do William Volker Fund, foi aparentemente a primeira de algumas centenas de resenhas de livros encomendadas a ele pelo Volker Fund entre 1952 e cerca de 1962.[3] Rothbard era uma das várias pessoas regularmente solicitadas a comentar livros. Seus colegas nessa atividade foram Rose Wilder Lane, Frank S. Meyer, Leonard P. Liggio, Henry Hazlitt, Roscoe Pound e alguns outros. Rothbard, Lane e Meyer revisaram a maioria dos livros, com Rothbard liderando a liga. Suas resenhas, variando de menos de uma página a 15 páginas em espaço simples e consumindo de 3 a 15 horas de trabalho, eram minuciosas e escritas como se fossem publicadas.

Mais tarde, Rothbard usou algumas delas na National Review e em seu antigo jornal Left and Right. Parte do material apareceu de outras formas, por exemplo, em seu livro A ética da liberdade. Mas a maior parte do material nunca foi publicada.

O Volker Fund originalmente pediu as revisões para manter o controle sobre quem estava fazendo estudos dignos dentro da ampla tradição liberal clássica. De acordo com Kenneth Templeton, um diretor da Volker, a National Book Foundation (NBF) foi criada posteriormente porque, enquanto as informações estivessem sendo coletadas, elas poderiam ser melhor utilizadas.[4] A NFB foi criada inicialmente para colocar livros favoráveis à liberdade individual em bibliotecas de todo o país. Templeton disse que uma reclamação comum da direita no final dos anos 1950 era que as bibliotecas não estavam disponibilizando livros não esquerdistas. O Volker pesquisou bibliotecas e descobriu que a acusação era falsa. No entanto, queria ajudá-los a conseguir os livros e também ajudar os editores. Então foi em frente com a NBF. Mais tarde, a NBF concentrou-se nos professores, permitindo-lhes obter 10 exemplares de um livro gratuitamente.[5]

A tarefa dos revisores da NFB era aconselhar se um livro era adequado para distribuição. O Volker Fund estava interessado em muitas disciplinas. Isso deu a Rothbard a chance de revisar livros sobre um amplo espectro de assuntos, incluindo economia, história, filosofia, teoria política, psicologia, psiquiatria, políticas públicas, agricultura, água, ecologia e muito mais. O que é interessante nessas resenhas não é tanto se Rothbard gostou de um determinado livro ou não, mas o que suas resenhas revelam sobre suas próprias crenças, valores e ideais. Aqueles que conhecem o Rothbard atual pessoalmente ou por meio de seus escritos acharão o Rothbard de 1952-1962 completamente familiar. Olhando para trás através do telescópio de 34 anos, ficamos impressionados com o quão estável ele é de muitas maneiras, uma rocha de Gibraltar – intelectual, filosófica e até estilisticamente.

Isso não quer dizer que seus pontos de vista não tenham mudado. Em alguns casos, sim, como veremos. Mas em questões de princípio fundamental, metodologia, compromisso acadêmico e, acima de tudo, liberdade humana, ele é admiravelmente – refrescantemente – estável e intransigente.

Outra coisa revelada nessas análises é a amplitude e a profundidade do conhecimento de Rothbard. Ao comentar os livros, ele rotineiramente mostrava como os autores ignoravam ou negligenciavam pesquisas importantes. Ele frequentemente comparava um livro com outros sobre o mesmo assunto. Como seria de esperar, ele poderia fazer isso em economia, mas, notavelmente, ele fez isso com quase todos os assuntos sobre os quais escreveu.

Vale a pena fazer uma pausa neste ponto. Aqui está um homem que desde tenra idade tinha uma visão ampla e um conhecimento detalhado das “ciências humanas”. (Ele havia escrito Homem, Economia e Estado antes dos 34 anos.) Alguns podem ter se preocupado com a possibilidade de ele fazer coisas demais e sofrer um esgotamento. Atualmente, presumo que seja seguro dizer que isso provavelmente não acontecerá. Sem dúvida, Rothbard perseguiu uma agenda acadêmica tão grande porque amava (e ama) o conhecimento e a liberdade, a serviço dos quais seu conhecimento sempre foi colocado.[6] Mas ele pode ter tido outros motivos. Afinal de contas, na década de 1950 não havia libertários e liberais clássicos suficientes para apoiar uma divisão do trabalho acadêmico especificamente detalhada. Alguém tão dedicado à liberdade quanto Rothbard quase estaria inevitavelmente tentado a fazer tudo. Hoje, é claro, as coisas são diferentes, em grande parte devido a Murray Rothbard. O movimento pela liberdade tem sorte por ter sua energia, seu talento e dedicação.

Felizmente, ele não esperava a mesma versatilidade de outros estudiosos. Ao comentar o ensaio de um economista sobre Cordell Hull e o Programa de Acordos Comerciais, Rothbard escreveu que ele omitia “qualquer discussão sobre as questões políticas no programa Reciprocal Trade, ou seja, o fortalecimento do arbitrário poder do Executivo Federal contra o Congresso, que abdica da responsabilidade, mas provavelmente é demais esperar que um economista discuta tais assuntos”.[7] A ironia, claro, é que Rothbard, um economista, estava discutindo tais assuntos.

Os valores que ele revela nessas análises não seriam surpresa para nenhum observador de Rothbard. Seus padrões incluem lógica, solidez teórica, precisão histórica, integridade metodológica, franqueza, sólida erudição, clareza, boa redação e amor à liberdade. Cada um deles é importante para Rothbard. Ele frequentemente jogava rosas para um autor que pontuava alto em um, apesar das deficiências em outros. Mas sua avaliação final levava em consideração todos esses fatores.

Outra característica notável de Rothbard é sua capacidade de não se deixar levar pela moda do momento. O positivismo, a psicanálise e outras bijuterias teóricas brilhantes nunca poderiam desviar Rothbard do caminho reto que ele trilhou.

Ele não tinha paciência com autores ruins. Ele lamentou o “estilo” predominante imposto a autores de dissertações Ph.D. e se alegrava quando encontrava um que quebrava as regras. Ele era impiedoso quando se tratava de tédio. Em sua resenha de Economics and Social Reform, de Abram L. Harris,[8] Rothbard escreveu: “Acho que há uma palavra que melhor descreve [este livro]: chato. O professor Harris realiza a notável façanha de escrever sobre alguns dos mais empolgantes, influentes e perversos teóricos sociais dos últimos cem anos, e fazer tudo parecer monótono e sem graça… Este livro é, receio, um puro desperdício de papel e tinta.”

Ele também desprezava a imprecisão. “… [O] livro é quase incompreensível”, escreveu ele sobre The Legal Foundations of Capitalism, de John R. Commons.[9]

     O estilo é abominável, muitas vezes quase puro jargão, e o que é pior, torna-se evidente que o estilo não é sui generis, mas é um reflexo da deturpação inerente ao conteúdo da ideia. Veja, por exemplo, a página 1 do livro; eu desafio qualquer um a entender uma única frase da página, ainda mais a página como um todo.

Ele confrontou o “meio-do-caminho”, ou a ausência de posicionamentos firmes, de maneira semelhante. Sobre O. H. Taylor e seu Economics and Liberalism, Rothbard escreveu: “Se um homem é um vacilão incongruente, isso é seu privilégio, mas por que, oh, por que tal homem se torna um economista político e filósofo político, e por que ele é selecionado para ser professor titular em uma de nossas universidades mais eminentes [Harvard], e por que seus escritos são reunidos em um volume vergonhoso?”[10]

A esse respeito, Rothbard tinha uma teoria que poderia ser chamada de Regra do Extremismo. Como ele escreveu em 1960, “O pensador claro e lógico sempre será um ‘extremista’ e, portanto, sempre será interessante; o perigo é que ele pode mergulhar de cabeça em um erro. Mas, por outro lado, embora o pensador ortodoxo do ‘meio-do-caminho’ nunca se engane tanto, ele também nunca contribuirá com nada, além de ser geralmente mortalmente enfadonho”.[11] Em um livro, ele encontrou “outra ilustração da regra de que, muitas vezes, apenas ‘extremistas’ fazem sentido, enquanto ecléticos e moderados estão enredados em contradições”.[12]

Rothbard tinha um forte senso do que podemos chamar de boas maneiras eruditas. Não que ele evitasse a franqueza – pelo contrário. Em vez disso, ele se opôs à crítica pessoal e ao escárnio. Escrevendo sobre The Socialist Tradition, de Alexander Gray, ele repreendeu Gray

    por seu uso de ridicularização pessoal contra os pensadores socialistas e anarquistas discutidos. Ridicularizar um argumento sem sentido é uma coisa; o escárnio contra a pessoa, e depois entrelaçado com a crítica do argumento, é muito diferente e muito lamentável. Os escárnios pessoais, aos quais Gray, um homem de inteligência óbvia, é viciado, apropriadamente prejudicam, em uma audiência acadêmica, mais o autor do que o destinatário.[13]

Esses são seus valores “procedimentais”. Eles são as marcas de uma mente disciplinada e inquisitiva, buscando a razão e a clareza e esperando isso nos outros. Suas crenças substantivas também vieram à tona no curso de seus comentários sobre os livros. Estas podem ser agrupadas em vários temas.

O Estado

Rothbard, nem é preciso dizer, era um libertário sólido naquela época, tendo chegado a essa filosofia muito mais cedo na vida. Sua oposição ao estado é frequentemente expressa de forma eloquente nas resenhas de livros. Ele nunca perdia uma oportunidade de expor um autor como um adorador do estado e ficava mais impaciente quando um autor camuflava sua adoração do estado. Em sua revisão da Philosophy of Democratic Government de Yves Simon, Rothbard desmascara a afirmação de que o indivíduo deve submergir em atividades coletivas, isto é, estatais. Ele usa um bisturi nas atividades que Simon exalta:

    Desfiles militares, onde a música – uma das maiores realizações culturais do homem – é usada para glorificar a carnificina e a degradação deliberada da dignidade do indivíduo; cerimônias de posse, onde todos são convidados a reverenciar solenemente o novo Tirano Supremo após sua ascensão ao governo do estado; funerais nacionais, onde todos somos convidados a prestar homenagem chorosa ao Tirano Supremo (ou um de seus principais lacaios) que finalmente faleceu; e o hasteamento da bandeira, onde crianças inocentes, arrastadas por baionetas para o quartel “educacional” do governo, são forçadas a ficar admiradas enquanto a sangrenta bandeira de batalha e o estandarte de seus captores estão sendo erguidos.[14]

Economia

A revisão da maioria dos livros sobre economia foi atribuída a Rothbard, sem surpresa. Ao revisar esses livros, Rothbard aplicou rigorosamente as ferramentas analíticas da economia austríaca. Ele expôs as falácias dos economistas estatistas, mantendo altos os ideais de laissez-faire, dinheiro sólido, sistemas bancários livres, livre comércio, livre negociação entre empregado e empregador, livre concorrência, livre de leis antitruste, e assim por diante.

Assim como ele é hoje, Rothbard era um defensor apaixonado da praxeologia misesiana, levando-o a criticar incisivamente os escritos metodológicos de Milton Friedman. Ao revisar os famosos Essays in Positive Economics de Friedman, Rothbard escreveu que “pode-se afirmar categoricamente que sua posição é a mais importante e mais perniciosa (à luz das tendências atuais) falácia metodológica no pensamento econômico atual”.[15] Ao ler Full Employment, Inflation & Common Stock, de Melvin Greenhut, ele comentou: “O volume de Greenhut tem apenas um mérito concebível: Greenhut sendo um membro da ‘escola de Chicago’, este livro é a maneira mais rápida de convencer muitos ‘conservadores’ de quão completamente keynesiana é a posição da Escola de Chicago.”[16]

Apesar do desacordo com Friedman (“um apóstolo da moeda fiduciária totalmente manipulada”), Rothbard expressou seu respeito por ele como pensador. Ele chamou A Program for Monetary Stability de “o produto de uma mente brilhante, clara e lógica, e é, portanto, sempre provocativo e estimulante, mesmo que fundamental e basicamente incorreto e equivocado.”[17]

Por outro lado, Rothbard ficou radiante com o livro de Lionel Robbins, The Great Depression.[18] Robbins foi um dos primeiros seguidores de Ludwig von Mises, e seu livro apresentou a teoria de Mises sobre os ciclos econômicos. Chamando o livro de “uma das grandes obras econômicas de nosso tempo”, Rothbard, que logo escreveria sua própria história da depressão,[19] aplaudiu a “aplicação do melhor pensamento econômico de Robbins à explicação dos fenômenos cataclísmicos da Grande Depressão”. Robbins foi um dos vários misesianos proeminentes que renunciaram à economia austríaca na esteira da revolução keynesiana. Ele repudiou o The Great Depression.

Rothbard escreveu sobre praxeologia e empreendedorismo quando revisou o livro Risk and Technological Innovation, de W. Paul Strassmann.[20] Nessa passagem, ele culpa Strassmann pela má metodologia, o que o leva a interpretar mal o risco do mercado. Strassmann começa, como tantos estudiosos, com um erro epistemológico: “ele tenta usar a história para testar empiricamente o que é realmente um problema de praxeologia. Em suma, ele tenta medir o risco e conclui dizendo que era insignificante, em grande parte registrando o fato de que a maioria das inovações foi bem-sucedida, e que a taxa de fracasso entre as empresas inovadoras… foi baixa. É claro que não é surpreendente que, quando alguém ‘lê a fita de trás para frente’, as inovações anteriores pareçam notavelmente fáceis; como a maioria das inovações deu certo, e parece-nos evidente que teriam sucesso, os riscos incorridos na época são convenientemente esquecidos. Além disso, no mercado, aqueles melhores em inovação e em empreendedorismo em geral, serão aqueles que gravitarão para os negócios e neles permanecerão, então não é surpreendente que a taxa de sucesso nos negócios seja alta entre aqueles que permanecem. Mas Strassmann usa ilegitimamente sua taxa de sucesso para tentar provar que o risco realmente não existe.”

Rothbard estava sempre ansioso para aprender algo novo com sua leitura e, quando isso acontecia, ele fazia o equivalente escrito a pular de alegria. Um exemplo é sua crítica da “obra-prima” de Lawrence Abbott, Quality and Competition,[21] Ele achou a definição da Abbott de competição de qualidade “completamente original”. “Antes disso, os economistas, inclusive eu, pensavam que a teoria não precisava explicar especialmente a qualidade, porque um bem de qualidade diferente pelo mesmo preço é equivalente a um preço diferente pelo mesmo bem. Uma qualidade diferente seria, além disso, simplesmente tratada como um bem diferente para a maioria dos propósitos, como o mesmo bem para outros. Até agora, ninguém foi capaz de distinguir teoricamente entre uma qualidade diferente e um bem diferente. Abbott fornece uma excelente distinção baseada na tese de que o mesmo bem satisfaz o mesmo desejo, de modo que pode haver variações de qualidade dentro do mesmo desejo. Isso está em consonância com a tradição austríaca e é uma inovação dentro dela.”

Ele parece moderar seu entusiasmo mais tarde na revisão, quando acrescenta: “Não estou preparado para dizer o quão frutífera será a distinção de Abbott, particularmente no desenvolvimento da teoria econômica, onde meu palpite é que o austríaco atual se sairá bem o suficiente sem aderir aos ‘modelos de qualidade’ de Abbott aos modelos de preço da teoria atual”.

Rothbard tem sido um participante animado em recentes debates epistemológicos dentro da escola austríaca. Mas isso não é novidade para ele. Ele abordou as mesmas questões em uma revisão de Time in Economics, de G. L. S. Shackle’s.[22] Ele aplaudiu a crítica de Shackle à ortodoxia econômica, mas acrescentou: “[in]felizmente, esses pontos positivos são contrabalançados pelo fato óbvio de que Shackle nunca se familiarizou com a praxeologia e a tradição praxeológica.”

    Como resultado, as teorias positivas apresentadas por Shackle são quase uniformemente errôneas. Ele vai tão longe na direção do subjetivismo que infelizmente divide as ações das pessoas em momentos únicos não comparáveis, com todas as coisas ocorrendo dentro da mente do ator individual para cada momento – como resultado, ele falaciosamente nega até mesmo ao próprio indivíduo o direito de recapitular após o evento e dizer que suas ações foram errôneas.

Rothbard notou que Shackle erroneamente rejeitou a teoria dos juros de preferência temporal de Böhm-Bawerk em favor de uma teoria da incerteza. Ele também escreveu que Shackle, embora crítico da “abordagem walrasiana quase matemática”, sentiu que era necessário mantê-la para revelar a interconexão de todos os fenômenos econômicos. Caracteristicamente, Rothbard respondeu que Shackle deveria saber que a teoria austríaca “fornece a visão da interconexão geral que é extremamente necessária na economia, sem distorcer a realidade”.

Por fim, Rothbard expressou opiniões críticas contundentes sobre a recém-desenvolvida escola da Escolha Pública quando revisou The Calculus of Consent, de James M. Buchanan e Gordon Tullock.[23] A escolha pública cresceu tremendamente em influência nos 27 anos desde então, e Buchanan, é claro, ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1986.

Não é que Rothbard não tenha encontrado nada de valor no livro. Pelo contrário, ele apreciou sua busca pelo individualismo metodológico na ciência política, ênfase na unanimidade em vez da regra da maioria e “uma reminiscência do sistema constitucional de 1900 como melhor do que a situação atual”. Mas isso não foi suficiente para satisfazê-lo: “Mas esses méritos são, acredito, mais ad hoc do que integrais ao corpo principal da obra. Ao considerar o trabalho como um todo, eles são ofuscados pelas inúmeras falhas e falácias.”

Primeiro, ele argumentou que o uso de Buchanan e Tullock da regra da “unanimidade” funciona mais para “colocar um selo de aprovação” nas ações governamentais existentes do que como um ideal que devemos almejar. Como?

     A maneira básica é estabelecer uma dicotomia entre “decisões constitucionais” e decisões concretas de política de governo. B e T [Buchanan e Tullock] admitem que decisões concretas podem representar um conflito: A e B predominando sobre C, e às vezes até à custa de C. Mas, “constitucionalmente” — que é um termo que eles usam de modo muito vago, mas que aparentemente significa as regras para a tomada de decisões do governo —, eles supõem que essas regras são de alguma maneira produto de uma “unanimidade”, portanto, que, em certo sentido, as decisões políticas concretas também são unânimes. Assim, a regra da unanimidade, supostamente libertária, mostra-se, na verdade, muito mais como mais um apoio falacioso ao status quo — seja qual for o status quo — do que um apelo aos princípios libertários.

Rothbard culpou Buchanan e Tullock por tentar encontrar consentimento unânime para decisões constitucionais e, particularmente, por seu raciocínio do “véu de ignorância”, segundo o qual ninguém sabe quais são seus interesses quando ele consente com regras constitucionais, então todos consentem com regras que são genuinamente de interesse público. Ele também os criticou por diluir a “unanimidade” para significar “unanimidade relativa” ou “80% de unanimidade”. “Em suma, quando a coisa fica preta, eles estão dispostos a abrir mão da unanimidade para que os ‘custos de decisão’ para o grupo ou sociedade possam ser minimizados”, escreveu Rothbard.

Ele criticou a defesa de Buchanan e Tullock do seguro de renda como uma racionalização do status quo. De acordo com Rothbard, Buchanan e Tullock afirmam que os ricos consentem em serem tributados para fornecer seguro de renda, porque isto estará disponível para eles se ficarem pobres. “E em outro lugar”, escreveu Rothbard, “eles [Buchanan e Tullock] dizem que as pessoas realmente querem ser coagidas, desde que sejam todas coagidas, de modo que todos não sejam realmente coagidos”.

    Não só considero tudo isso um absurdo, mas também é um absurdo perigoso, porque fornece um novo suporte para a ideia de que qualquer coisa que o Estado faça, não importa o quão ostensivamente coerciva, é “realmente” apoiada por todos.

Uma objeção fundamental de Rothbard à abordagem de Buchanan e Tullock à economia política era o fato de tratarem o Estado como mais ou menos apenas outra agência de serviço na sociedade. Ele escreveu:

    O estado é transformado em apenas mais uma agência voluntária (embora com complicações), e cada indivíduo passa a decidir, de acordo com sua escala de valores, o quanto deve alocar para agências privadas e o quanto deve alocar para governo.  Esta é, afirmo, a essência de toda a análise contida no livro, e creio que ela é total e absolutamente errada. …. Buchanan e Tullock obliteram a distinção mais vital entre as atividades do estado e as atividades do mercado.

Rothbard também pontuou Buchanan e Tullock por sua noção de custos sociais em relação à atividade governamental. “[Mas] como podem “custos sociais” sequer ser discutidos quando algumas pessoas estão ganhando à custa de outras?… A conclusão é que, apesar de B e T falarem repetidamente sobre serem resolutos individualistas, especialmente em relação ao individualismo metodológico, eles não são, de modo algum, individualistas consistentes”, escreveu ele. “Eles introduzem sorrateiramente, pela porta dos fundos, concepções societárias e organicistas em suas discussões sobre custos sociais”.

História

Uma das grandes paixões de Rothbard é a história. Nessas críticas, ele expôs a historiografia, bem como suas interpretações da Revolução Americana, a Constituição, o período jacksoniano, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Ele foi, como é hoje, um devoto do revisionismo, mas isso não quer dizer que ele endossasse tudo a que esse rótulo incompreendido fosse anexado.

Ele escreveu sobre o método de escrever a história em sua revisão de On the Nature of History, de James C. Malin’s.[24]

Rothbard sobre o debate objetivista/subjetivista entre os historiadores:

    … [Um] historiador deve selecionar seu material e, se o fizer, imediatamente surge a questão: com base em que, em quais princípios, faço a seleção? Isso não significa que toda verdade seja “subjetiva”; mas significa que a seleção de fatos deve ser baseada em algum tipo de princípios racionais e válidos. Além disso, não consigo ver nada de errado com o “presentismo” e a “história funcional”, desde que isso não signifique que a história seja deliberadamente distorcida para se adequar aos mitos de propaganda do momento, mas que os interesses presentes determinam sobre quais aspectos da história o historiador escreverá. O historiador falha em grande parte de sua tarefa se apenas fotografa ou faz crônicas, e deixa de interpretar e explicar os eventos com base no conhecimento estabelecido em outras ciências, como a economia.

Em outro lugar, Rothbard declarou: “[A] ciência do historiador é uma arte, é aquela em que o julgamento do historiador deve, em última análise, ser aplicado. A história não é uma ciência exata, pois a história lida com pessoas individuais exercendo seu livre arbítrio. O historiador nunca conhece, com provas exatas, as motivações dos sujeitos que estuda; mas ele pode usar seu bom senso a partir das evidências. Esta é a sua metodologia.”[25] Rothbard frequentemente atribuía a Mises seus pontos de vista sobre como escrever a história.

Sua resenha de American Economic History, de Donald L. Kemmerer e C. Clyde Jones, deu-lhe a chance de escrever sobre outra questão metodológica.[26] “Está cada vez mais claro que um historiador, a menos que esteja completamente possuído de um viés ultramarxista (e poucos estão hoje em dia), está sujeito a ser vítima de um viés constante: supor que ‘o que quer que tenha ocorrido, estava certo’. O que quer que aconteça, o que quer que tenha ocorrido, foi de alguma forma a marca do destino e merece o carimbo da aprovação historiográfica.”

Ele, então, elaborou:

     Na história econômica americana, uma atitude de “o que quer que tenha ocorrido, estava certo” significa que, seja qual for o ramo da história econômica que se esteja tratando, o tema “para frente e para cima” deve ser sempre dominante. E assim é com K e J [Kemmerer e Jones]. Se K e J estão em um capítulo sobre manufatura, então encontramos um tratamento bastante sólido, lidando com o progresso do desenvolvimento da manufatura, a abertura de novas fronteiras econômicas por homens de negócios, etc.

… Não apenas cada ato de regulamentação do governo é bem-vindo por sua vez, mas K e J, fiéis ao seu código implícito como celebrantes de todos os aspectos do passado americano, os saúdam apenas quando eles vêm na ordem temporal. Em suma, se uma certa regulamentação foi imposta aos negócios em 1892, então 1892 foi, providencialmente, exatamente o momento em que essa regulamentação foi “necessária”, quando o legislador “veio a perceber”, etc.

“Que país abençoado”, Rothbard jorrou, “onde os estadistas quase nunca estão muito adiantados ou atrasados!”

A visão geral da história de Rothbard se concentra na luta entre a liberdade e o poder. Ela surge de novo e de novo. Ele a invocou quando desafiou o que considerava uma análise de classe espúria. Embora fosse um defensor de uma determinada análise de classe (casta), ele escreveu incansavelmente em oposição às “variantes confusas e distorcidas”. Ao revisar The Antifederalists, de Jackson Turner, Main[27], Rothbard rejeitou a interpretação de luta de classes quase marxista de Beard-Jensen da Constituição que ele viu Main tentando salvar. Esta análise sustentou que os lados em disputa na luta pela Constituição eram os ricos, elitistas urbanos proprietários de terra contra os pobres, agrários, democratas igualitários. Aqui Rothbard expôs sua visão das classes e da luta histórica proeminente.

    Naturalmente, em todos os países e em todas as épocas, há pessoas bem-nascidas, pobres e intermediárias. E se alguém quiser separá-las em “classes”, pode gastar seu tempo fazendo isso, embora infrutiferamente. Mas também há um número infinito de outras “classes” na sociedade: grupos ocupacionais, grupos religiosos, jogadores de xadrez e não-jogadores de xadrez, etc.

Rothbard critica Main por insistir que as classes estão inerentemente em conflito, que os fazendeiros estão invariavelmente contra os comerciantes, os credores contra os devedores, os pequenos proprietários contra os grandes proprietários. Rothbard, porém, encontra um “pequeno nódulo de verdade” nessa tese de luta de classes. Mas o cerne foi distorcido além do reconhecimento pelos marxistas e historiadores neomarxistas, “na verdade, pelo próprio Marx”.

     Marx adquiriu sua teoria de classes de Saint-Simon, que, por sua vez, deturpou e distorceu sua tese original, que era, em contraste, altamente libertária. Essa tese – que Mises chamaria de teoria do conflito de castas – e que antecipou sua formulação moderna por Albert Jay Nock, foi desenvolvida por Charles Dunoyer e Charles Comte no período da Restauração na França. Ela postulava duas “classes” ou castas essenciais: o Estado e seus privilegiados subsidiados; e o público, explorados pelo Estado. Esta foi a análise de “classe” original e a análise de exploração; o Estado, e seus subsídios, exploravam o público produtor. Os produtores incluíam todos no mercado livre, de fabricantes a trabalhadores. Saint-Simon, Marx, etc. distorceram isso para adicionar os “capitalistas” à lista de exploradores e apelidar os “produtores” apenas como o proletariado.

Rothbard retomou a inadequação da análise de classe padrão novamente quando comentou sobre o artigo “The Massachusetts Land Bankers of 1740” de George Athan Billias.[28] Ele elogia Billias por mostrar que “os principais defensores [de um esquema inflacionário de banco de terras], bem como os oponentes, eram ricos comerciantes de Boston, corretores de imóveis, etc.” (Ênfase adicionada.) Ele então generalizou,

     A essência do revisionismo moderno… é ter aprendido… que, vejam só!, os inflacionistas não eram agrários pobres, mas ricos comerciantes urbanos e especuladores imobiliários que, embora pudessem muito bem ter sido devedores, dificilmente eram “pobres” no sentido geralmente usado. A inflação e o dinheiro sólido eram impulsionados pelos respeitáveis, sofisticados, comerciantes e intelectuais urbanos.

Claramente, a posição de Rothbard nessa controvérsia é rica e complexa. Ele não é contra o método econômico da história, ou seja, rastrear os interesses econômicos das pessoas em tudo, desde uma lei tarifária até a Constituição. Mas ele é contra o determinismo econômico, marxista ou beardiano. Em uma crítica devastadora de Turner and Beard, de Lee Benson,[29] ele defende Forrest McDonald contra as acusações de determinismo econômico de Benson. Não é verdade, escreveu Rothbard, porque o próprio ato de McDonald de “atomizar” as categorias de classe de Beard – o cerne da grande contribuição de McDonald para a historiografia – foi mudar a ênfase da luta de classes marxista para “as categorias realistas reais de interesse econômico individual. Esta é, de fato, uma mudança da falaciosa historiografia marxista para uma historiografia realista, individualista e até mesmo ‘libertária’”.

Devo mencionar que a opinião de Rothbard sobre Jackson Turner Main mudou vários anos depois. Onde ele disse anteriormente que o livro de Main era uma tentativa desesperada de salvar a análise de Beard, em 1974 ele chamou o livro de Main, The Antifederalists, de “neo-Beardiano… um trabalho brilhante que fornece… de longe a melhor explicação das forças que lutam a favor e contra a Constituição. …” Ele disse que Main mostra que a Constituição foi uma conspiração da elite dominante, ricos credores públicos, protecionistas e outros que queriam um governo central forte.[30]

Como observado, Rothbard acreditava que rastrear interesses econômicos era uma parte válida e importante da tarefa do historiador. Globe and Hemisphere, de J. Fred Rippy’s excitou Rothbard por sua coragem de fazer isso. Ele comentou:

      Por alguma razão, quase todos os outros historiadores, economistas ou observadores “de direita” da cena atual têm considerado ser de alguma forma “marxista” ou anticapitalista, ou talvez simplesmente indelicado e mal-educado, apontar as provavelmente verdadeiras motivações para as ações do governo e para as pressões por essas ações. Ora, isso, tenho defendido por muito tempo, abdica da responsabilidade do historiador de pesar e estimar, da melhor maneira possível, as motivações das diferentes ações. Mas por causa dessa abdicação, o campo dessa investigação realista foi deixado para as distorções dos marxistas. Como resultado, a acusação comum contra economistas sólidos e de livre iniciativa de que eles são “apologistas de interesses comerciais” é investida de uma boa dose de verdade…. O grande mérito J. Fred Rippy… é que ele não tem medo de ir fundo em busca do motivo econômico camuflado.[31]

Rothbard combinou seu interesse na análise de classe com seu interesse no período jacksoniano e lançou uma cruzada virtual de um homem só para promover o que ele via como a interpretação correta daquela época. Rothbard havia escrito sua tese sobre o pânico de 1819 e, portanto, era bem versado nos eventos monetários e políticos que levaram à ascensão dos jacksonianos. Nada o perturbava mais do que a recitação de um autor da visão padrão de que os jacksonianos eram os primeiros estatistas do bem-estar social tentando domar capitalistas agressivos. Então, ele ficou encantado quando leu The Concept of Jacksonian Democracy, de Lee Benson, quase um ano depois de sua crítica ao livro de Benson sobre Turner e Beard.[32] Benson, Rothbard escreveu:

    refuta direta e abertamente a tese da “Democracia Jacksoniana”…. Benson reconhece claramente que os democratas eram o partido libertário e os whigs o partido estatista, portanto, conclui apropriadamente que os “precursores do New Deal” nesse período não foram os jacksonianos, mas os whigs.

Mas, embora tenha elogiado Benson por essa percepção, ele o culpa por não levar em conta a importância da dicotomia liberdade versus poder.

Em uma edição relacionada, Rothbard deu as boas-vindas à biografia de um de seus heróis, Martin Van Buren. Em sua resenha de Martin Van Buren and the Making of the Democratic Party, de Robert V. Remini,[33] ele escreve em um posfácio: “Talvez eu tenha escrito uma resenha muito longa deste trabalho, mas trata-se de um assunto no qual estou particularmente interessado”. Ele observa que o livro de Remini “pretende corrigir o equilíbrio historiográfico para um período crítico na vida de Van e faz um bom trabalho nisso…. Remini também mostra, de maneira excelente, que o principal objetivo de Van Buren, no qual ele foi brilhantemente bem-sucedido, era ideológico.”

O interesse de Rothbard na história revisionista das guerras americanas também é proeminente nas revisões para o Volker. Ele emocionou-se com o clássico e controverso Origins of the Second World War, de A. J. P. Taylor, que mostrava que a guerra não resultou de nenhum grande plano de conquista de Hitler, mas sim de intrigas e trapaças diplomáticas onipresentes.[34] Um “livro brilhante”, ele o chamou em sua carta de mais de 14 páginas em espaço simples.

Ao revisar Taylor, Rothbard expôs sua própria visão das relações exteriores. Ele discutiu o que chama de “mito Fu Manchu”: a visão de que um líder ou país estrangeiro não é apenas mau, mas irremediavelmente mau e malicioso, e conquistará o mundo a menos que seja enfrentado pelos Mocinhos. Essa suposição, invariavelmente usada por líderes nacionais para propaganda, leva ao belicismo. Rothbard escreve: “Esta é a peça moral quase idiota em que americanos e britânicos moldaram as relações internacionais por meio século, e é por isso que estamos na bagunça em que estamos hoje”.

A falácia que Rothbard identifica é que o próprio bandido pode temer ser atacado ou que, por pior que seja, sua reclamação particular pode ser legítima (como no Tratado de Versalhes), ou que ele não pode se dar ao luxo de recuar diante de uma demonstração de força dos mocinhos. “E então para a guerra”, escreve Rothbard.

Como Taylor, Rothbard encarar com bons olhos o acordo de Munique, porque foi uma tentativa tardia, embora abortada, de revisar o Tratado de Versalhes.[35] Ele critica os aliados por estabelecerem estados artificiais na Europa Oriental após a Primeira Guerra Mundial e prepararem o cenário para a Segunda Guerra Mundial. Historiadores e diplomatas há muito se perguntam o que fazer com a Europa Oriental. Rothbard acrescentou sua própria visão, uma combinação de realismo e idealismo libertário.

    A realidade da Europa Oriental é que ela está sempre fadada a ser dominada pela Alemanha ou pela Rússia, ou por ambas. Para haver paz na Europa Oriental, tanto a Alemanha quanto a Rússia devem ser amigas.

Agora, não me entenda mal; não abandonei o princípio moral e o substituí pelo cinismo. Meu coração anseia por justiça étnica, por autodeterminação nacional para todos os povos…. Mas, parafraseando a famosa carta de Sydney Smith para Lady Grey, por favor, deixe-os resolver isso sozinhos! Abandonemos a imoralidade criminal e a loucura da intromissão coercitiva contínua por parte de potências de fora da Europa Oriental (por exemplo, Grã-Bretanha, França e agora os EUA) nos assuntos da Europa Oriental. Esperemos que um dia a Alemanha e a Rússia, em paz, de bom grado façam justiça aos povos da Europa Oriental, mas não provoquemos guerras perpétuas para tentar alcançar isto artificialmente.

Rothbard, é claro, pretendia que suas palavras sobre o mito Fu Manchu e a Europa Oriental fossem aplicáveis à União Soviética e à Guerra Fria. A esse respeito, ele elogiou o revisionista Perpetual War for Perpetual Peace, editado por Harry Elmer Barnes, o classificando como um “excelente trabalho.[36]

A Guerra Fria foi a principal questão (embora não a única) que dividiu libertários e conservadores após a Segunda Guerra Mundial. Rothbard foi uma figura importante insistindo que a questão da guerra e da paz era central, e que os defensores do livre mercado que favoreciam uma cruzada anticomunista global americana eram tragicamente – perigosamente – inconsistentes. A falha central que ele encontrou nos anticomunistas foi a crença de que os comunistas eram exclusivamente maus e “luciferianos”. Ele discute esse assunto em sua resenha de The Molding of Communists, de Frank S. Meyer.[37] Meyer era um ex-comunista americano de alto escalão, que mais tarde renunciou ao comunismo e se tornou parte da “nova direita” da National Review. Ele era mais libertário do que a maioria daquela turma e era amigo íntimo de Rothbard.[38] Mesmo assim, Meyer propôs uma política externa agressiva destinada a derrotar a União Soviética.

Em sua carta de 18 páginas em espaço simples, Rothbard distingue entre anticomunistas e antissocialistas. Os antissocialistas estão preocupados com fins, ideias e ideologia; eles se opõem, ideologicamente, a todos os movimentos que visam submeter os indivíduos ao poder do Estado. Os anticomunistas, ao contrário, concentram-se nos meios e nas pessoas. Para eles, os comunistas são únicos, porque seus métodos são únicos. “… deve ficar claro que não há esperança de ‘reconciliar’ as posições anticomunista e antissocialista como as descrevi”, escreveu Rothbard. “A ênfase, as perspectivas, as conclusões são totalmente incompatíveis.”

Meyer tinha duas falácias, de acordo com Rothbard. A primeira foi sua crença de que apenas os comunistas se envolvem nas más práticas citadas; a segunda foi sua condenação de práticas realmente admiráveis. Meyer escreveu, por exemplo, que os partidos comunistas controlam totalmente seus membros e esperam lealdade. Rothbard respondeu que o mesmo acontece com muitas outras organizações e movimentos, incluindo os do mainstream.

     Minha própria observação do movimento randiano (seguidores de Ayn Rand) é que um despotismo absoluto é imposto sobre a totalidade da vida de cada membro que faz a vida do núcleo comunista parecer um mar de rosas. Pois enquanto o Partido Comunista, sensatamente, não interfere com quaisquer atividades dos membros que não sejam “antipartido”, os randianos insistem no controle total – em nome da razão e até mesmo do individualismo – de todos os aspectos da vida de um membro.

Ele achou curiosa a crença de Meyer de que apenas os comunistas escolhem seus amigos entre seus camaradas ideológicos ou passam boa parte do tempo conversando e pensando sobre ideologia. Além disso, ele criticou Meyer por atacar o interesse dos marxistas em construir um grande sistema interdisciplinar.

   Construir uma arquitetônica, um sistema que permita manter uma visão consistente e integrada de todas as disciplinas do homem é um grande e nobre objetivo, e acredito que uma filosofia individualista racionalista pode atingir esse objetivo. Este objetivo dos marxistas é simplesmente o antigo objetivo racionalista grego de tornar a filosofia mais uma vez a rainha das ciências e das disciplinas intelectuais.[39]

A explicação final de Rothbard para a atitude de Meyer e outros anticomunistas é que eles são convertidos; eles investiram anos defendendo uma doutrina ridícula e agora amenizam sua culpa postulando uma força diabólica e difícil de resistir. Rothbard encerra sua crítica com um comentário sóbrio sobre a identificação de Meyer do povo americano com o governo. “É perturbador, mas talvez não surpreendente”, escreveu ele,

   que Frank Meyer revelasse um estatismo profundamente enraizado e fundamental em sua filosofia política; é quase impossível agitar para que o Estado mate os comunistas em todo o mundo sem adotar o estatismo como a raiz da filosofia social de alguém.

A ruptura entre os libertários e a direita de Buckley é um episódio fascinante. Ainda mais do que hoje, os libertários eram considerados parte do conservadorismo. Em um comentário passageiro,[40] Rothbard se referiu a um livro sobre conservadorismo do historiador Clinton Rossiter, presumivelmente Conservatism in America: The Thankless Persuasion. Ele se divertiu ao ver que “todos os nossos amigos estão listados”. Ele então acrescenta esta joia:

     Todo o tema é cruel, é claro, mas me agradou ver que Rossiter percebeu o fato de que há uma distinção entre os intelectuais de direita em geral e o grupo Chodorov-Rand-Nock mais “anarquista”. Coisa boa em um sentido particular: quando eles falam sobre intelectuais direitistas de hoje, como existem muito poucos por aí, o próprio fato de discuti-los pesa muito a importância de nós, puristas. Em outras palavras, a própria redação de tal livro dá um peso indevido à influência dos puristas, precisamente porque a proporção de puristas em relação aos direitistas gerais pode ser muito pequena, mas é bastante grande em proporção ao total de direitistas intelectuais. Isso tende a dar mais publicidade às visões puristas do que receberiam de outra forma, induz estudantes universitários e de pós-graduação a ler puristas, etc. Bom para a causa.

Para fechar esta seção de história, é interessante notar que Rothbard rejeitou o revisionismo da moda quando este colidiu com seu conhecimento da história. Ele fez isso enfaticamente em sua visão da história da política externa e interna americana. Em sua resenha de The Rising American Empire, de Richard W. Van Alstyne,[41] ele refutou a escola de pensamento que negava o passado isolacionista dos EUA e sustentava que ela era imperialista mesmo antes da Guerra Hispano-Americana em 1898. “Agora, acredito que esta tese orientadora seja um absurdo”, escreveu ele.

     … Embora seja verdade que os EUA e os agentes americanos fizeram muitas coisas agressivas e imperialistas ao longo do século XIX, dificilmente podem ser comparáveis em extensão com as aquisições descaradas da Guerra Hispano-Americana. A expansão americana em todo o mundo desde 1898 também dificilmente pode ser chamada de mera consolidação do Império anteriormente conquistado;[42] esta é a verdadeira mudança da República para o Império.

Da mesma forma, Rothbard contestou a escola de pensamento que argumentava que os EUA não tiveram uma era de laissez-faire. Em sua revisão de Government Promotion of American Canals and Railroads1800-1890, de Carter Goodrich,[43] ele identificou Goodrich como a “éminence grise” do movimento dedicado à proposição de que “a existência do laissez faire nos EUA do século XIX era, em grande parte, um mito” e que não havia “repulsa” contra as “melhorias” internas do governo.

     Ora, esse quadro geral, com ressalvas admitidas apenas apressadamente, é, creio eu, distorcido; apenas pelas páginas de Goodrich, fica claro que houve um movimento de “repulsa” de proporções bastante consideráveis. …

É verdade que não houve total laissez-faire, especialmente no transporte, “onde, historicamente, o Estado sempre, junto a outros ‘postos de comando’ da economia como moeda, correios, exército e polícia, etc., estendeu a mão para assumir primeiro. No entanto, ainda é verdade que os Estados Unidos se aproximaram mais do laissez-faire naquela época e mais do que outros países. Ele desenvolveu-se tão bem, devido a seus elementos de livre mercado, e apesar dos elementos governamentais, os últimos perturbando as coisas o quanto [sic] podiam”.

Filosofia

Depois da história, as críticas mais frequentes de Rothbard tratavam de questões filosóficas. Em geral, sua preocupação era defender a razão e sua capacidade de descobrir a verdade sobre todos os assuntos, inclusive a ética. Ele era um inimigo do positivismo, relativismo e ceticismo. Ele era um defensor ousado da lei natural e dos direitos naturais.

Ele também foi um defensor de John Locke, a quem no decorrer dessas críticas ele defendeu de difamação e má interpretação. Em sua resenha de John Locke and the Doctrine of Majority Ruie, de Willmoor Kendall,[44] Rothbard escreveu: “A interpretação usual de John Locke é que ele foi o pai da teoria individualista dos direitos naturais. Pela minha própria leitura de Locke, acredito que essa interpretação ‘ortodoxa’ é a correta. Willmore Kendall… desafia essa visão para afirmar que Locke foi, fundamentalmente, o pai da teoria da regra da maioria total…. [E]ste livro propõe o que considero ser uma interpretação totalmente errada de Locke, e é uma tentativa injustificada de privar a história do pensamento libertário de uma de suas figuras mais importantes.”

Mais tarde, ele voltou a Locke em uma revisão de Locke on War and Peace, de Richard H. Cox.[45]

     [Cox] continua na tradição atual, liderada por Leo Strauss, de considerar John Locke não como um libertário, mas sim como um estatista seguidor de Hobbes. Na minha opinião, esta é uma séria interpretação errônea de Locke, que deveria ser considerado um libertário confuso e inconsistente em vez de um estatista convicto. … Certamente é igualmente plausível, se não mais, pensar em Locke como um libertário puro secreto do que como um hobbesiano secreto.

Rothbard atribuiu a má interpretação de Locke a Leo Strauss. Ele tinha mais a dizer sobre Strauss – bem e mau – em três resenhas de seus livros. Em sua resenha de Natural Right and History, de Strauss[46], Rothbard o elogia por sua brilhante reabilitação do conceito de direitos naturais, mostrando que “é a resposta da razão em oposição aos niilistas e aos convencionistas, que tiram sua moralidade apenas da convenção”. Rothbard continua,

      Strauss faz uma distinção muito interessante entre as teorias “clássicas” do direito natural dos filósofos gregos clássicos e de Tomás de Aquino, e as teorias modernas do direito natural de Hobbes e Locke. Strauss prefere o primeiro grupo, enquanto eu prefiro o último, que contém os elementos essenciais de uma filosofia política libertária, embora com excesso de outro material e omissão do argumento econômico. No entanto, seu livro é útil para fazer as distinções. Uma combinação criteriosa de Hobbes e Locke daria uma excelente estrutura libertária; é lamentável que a rejeição de Strauss à escola “moderna” dos direitos naturais o afaste de uma posição firmemente liberal, o colocando na direção da imprecisão.

Rothbard continuou esta linha de crítica quando revisou On Tyranny, de Strauss[47]. “Strauss mostra o seu melhor”, escreveu Rothbard, “em apenas um ponto fundamental: quando ele está criticando o relativismo ético e defendendo uma fundamentação da ética na lei natural…. Qualquer tópico mais específico, no entanto, seja no conteúdo detalhado da lei natural, seja nas discussões históricas de filósofos políticos, mostra que Strauss é um filósofo político falacioso e um historiador ainda pior.”

Ele prossegue em sua resenha matadora de O que é filosofia política?, de Strauss[48]. “O grande defeito”, escreveu Rothbard, “é que Strauss, embora favoreça o que considera ser os conceitos clássicos e cristãos da lei natural, se opõe amargamente às concepções dos séculos XVII e XVIII de Locke e dos racionalistas, particularmente sua defesa ‘abstrata’ e ‘dedutiva’ dos direitos naturais do indivíduo: liberdade, propriedade, etc. Strauss, de fato,” Rothbard continuou,

      tem sido o principal defensor, juntamente a Russell Kirk e os estudiosos católicos nos EUA, de uma tendência recente na historiografia de Locke, etc., de separar completamente o tipo de direito natural “ruim” e individualista dos séculos XVII e XVIII, do tipo “bom” cristão clássico – bom, presumivelmente porque era tão vago e tão “prudencial” que oferecia muito pouca chance de defender a liberdade individual contra o estado. Nessa leitura, Hobbes e Locke são os grandes vilões da suposta perversão da lei natural. Na minha opinião, essa “perversão” foi um saudável aperfeiçoamento e desenvolvimento do conceito. Minha briga com Strauss, Kirk e outros, portanto, não é apenas valorativa: eles são direitos e liberdade antinaturais e eu sou a favor deles; mas também factual e histórico: pois eles pensam que os lockeanos tinham um conceito totalmente diferente de lei natural, enquanto eu penso que a diferença – embora claramente presente – foi um desenvolvimento acentuado, ao invés de uma perversão ou um oposto diametral. Os strauss-kirkianos ignoram, por exemplo, que embora seja verdade que Aristóteles e Platão eram estatistas em sua abordagem da lei natural, os estóicos eram bons individualistas.[49]

Quais são esses direitos naturais que Rothbard defende tão vigorosamente contra aqueles que os negam ou ignoram? Rothbard os resume em uma única frase: direitos de propriedade. Ele elaborou a centralidade dos direitos de propriedade em duas revisões. Em Invasion of Privacy, de William Zelermyer,[50] Rothbard encontra “uma lição instrutiva sobre a caixa de Pandora dos males que se desdobrará quando alguém estabelecer ou defender qualquer ‘direito’ que não seja subsumível sob a lei natural, o direito de propriedade”. Zelermyer quer estabelecer um direito à privacidade sem fundamentá-lo nesse tipo de direito de propriedade. Para Rothbard, a tentativa fracassa. “Mesmo uma ‘ampliação’ aparentemente plausível de tais direitos do indivíduo resulta em invasão do direito de propriedade…. Tal é o caso do chamado ‘direito de privacidade’, que foi inventado por Louis Brandeis e Samuel Warren em um famoso artigo legal em 1890. A perniciosidade do aparentemente plausível ‘direito de privacidade’ é que ele vai além do direito de propriedade (ou o direito de contrato, explícito e implícito, subsumível sob o direito de propriedade).”

Então Rothbard se lança em suas visões fundamentais sobre a natureza dos direitos.

      Quanto mais estudo a fascinante disciplina da jurisprudência, mais me convenço de que a chave de todo o problema é a inviolabilidade absoluta do direito de propriedade; … todos os direitos ‘humanos’ legítimos são subsumíeis sob o direito de propriedade. Por outro lado, qualquer “direito humano” não subsumível ao direito de propriedade é em si uma invasão do direito de propriedade e, portanto, deve ser declarado ilegal.

Rothbard encontrou uma maneira de resolver o chamado problema de privacidade, no qual a foto de alguém é usada no endosso de um produto sem permissão. Para ele, tal uso é uma “invasão fraudulenta do comprador do produto” que é enganado sobre quem endossa o produto, e é “virtual falsificação e, portanto, um roubo-apropriação indébita do nome de outra pessoa”.

Sua rejeição do direito à privacidade per se o leva a uma posição interessante sobre as escutas telefônicas do governo, às quais Zelermyer e outros progressistas (do estado de bem-estar social) geralmente se opõem. Ele achava a questão complexa, apesar do “primeiro instinto libertário” de se opor a ela. Rothbard escreveu: “tendo sido reconhecido que escutas telefônicas são uma invasão do direito de propriedade, um criminoso merece ser invadido deste modo, porque um criminoso perdeu seu direito de propriedade em grande medida.” Provas de crimes reais reunidas por escutas telefônicas devem ser admissíveis. Mas os agentes do governo deveriam ser severamente punidos, até mesmo presos por grampear pessoas inocentes. “Resumindo”, escreveu ele, “eu não proibiria totalmente a escuta telefônica, nem permitiria escutas telefônicas com base em… ‘expectativa razoável’ por parte do oficial de que o homem poderia ser um criminoso”.

Rothbard voltou à base dos direitos quando revisou o livro de Milton R. Konvitz, Fundamental Liberties of a Free People.[51] O livro, disse ele, “apresenta um exemplo instrutivo do que acontece quando um teórico político tenta defender o caráter absoluto de vários ‘direitos humanos’ de liberdade, sem considerar ou se importar com os direitos de propriedade”. Ele continuou:

     Os direitos de propriedade não são apenas essenciais, eles também são a verdadeira base e fornecem o único critério inteligível para todos os outros “direitos humanos” e sua demarcação. … Todos os problemas com os quais Konvitz se esforça para solucionar sem sucesso: os limites da liberdade religiosa, de expressão, etc. teriam sido resolvidos com precisão se ele tivesse aplicado rigorosamente o direito de propriedade do começo ao fim.

Assim como defendeu Locke de seus intérpretes equivocados, também defendeu os direitos naturais daqueles que os interpretam mal ou os distorcem. Ele criticou Joseph Dorfman[52] e Rexford Guy Tugwell, que se opuseram aos direitos de propriedade natural em uma discussão de Francis Leiber, em seu livro Early American Policy: Six Columbia Contributors.[53] Nesta revisão, Rothbard declarou “a essência da teoria do direito de propriedade natural”:

      [A] teoria, embora expressa em forma histórica, é uma teoria lógica, de forma universal (semelhante à praxeologia) e não é realmente histórica. Em suma, a percepção de que o direito de propriedade de um indivíduo precede a sociedade e o Estado é uma percepção lógica da natureza do homem; não é de forma alguma uma afirmação histórica. E esse insight estabelece a ética da lei natural de que a propriedade deve ser defendida. Mas os positivistas, empiristas, etc. modernos nunca conseguem entender o que consideram uma fusão ilegítima de fato e valor, e confundem uma investigação lógica sobre a natureza do homem, ou a natureza do Estado, como sendo apenas histórica.

Rothbard fez uma observação semelhante antes, quando revisou The Logic of Scientific Discovery, de Karl Popper.[54] “Popper”, escreveu ele, “pode ser melhor descrito como um positivista moderado, e ele ataca os positivistas extremos que desejavam enterrar toda a filosofia por ser ‘metafísica’. Em essência, entretanto, Popper é um positivista; seu famoso critério de “falseabilidade” certamente não é muito diferente do critério positivista ortodoxo de “verificabilidade”, e seu “grau de corroboração” quase o mesmo que a substituição positivista de “probabilidade” por verdade absoluta. No fundo, nem Popper, nem as outras variedades de positivistas entendem a doutrina da lei natural, cujo conceito resolve o famoso ‘problema da indução’, e o resolve de maneira racional e científica, não dependente – como a maioria acredita hoje em dia – da teologia católica.”

Rothbard não conseguia entender a afirmação moderna de que a busca, e não a descoberta, da verdade é o que importa. Sua resposta encantadora é: por que se preocupar em procurar algo se você sabe que não pode encontrá-lo de jeito nenhum? Ele repreende repetidamente os autores por serem antiabsolutistas. Quando ele revisou o livro de Frank H. Knight, Intelligence and Democratic Action,[55] ele observou: “O absoluto é o bicho-papão de Knight, e ele o combate a cada passo…. Knight defende o moderno, secular, humanista, relativista, ‘espírito de livre investigação’, que ele associa aos últimos séculos.”

     Para Knight, a liberdade está quase indissoluvelmente ligada à mudança, mente aberta, relatividade da verdade, etc. … A aversão de Knight ao absoluto permeia todo esse pensamento, enfraquecendo seu rigor e nitidez, tornando sua adesão geral à liberdade e ao livre mercado mais um estado de espírito ou uma tendência do que uma arquitetura nitidamente consistente.

Ele fez observações semelhantes em sua resenha de The Political Context of Sociology, de Leon Bramson.[56] Rothbard gostou do ataque de Bramson à sociologia e de sua ligação da esquerda moderna com o conservadorismo do século XIX. Mas ele criticou o relativismo ético e epistemológico de Bramson. “Não é verdade”, escreveu Rothbard, “que a ciência social e suas conclusões se baseiam em julgamentos de valor; a maior parte delas não se baseiam.”

     Apenas conclusões e julgamentos políticos ou éticos se baseiam em julgamentos de valor. A demonstração de que o controle de preços causa escassez, por exemplo, não se baseia em nenhuma premissa de valor; mas a conclusão de que o controle de preços não deve ser imposto é um julgamento político que se baseia em teorias éticas, bem como na lei econômica que acabamos de mencionar. (Por exemplo, o princípio ético: que é ruim causar escassez dessa maneira.) E não é verdade, como Bramson acredita, que todos os julgamentos de valor e posições ideológicas supremas sejam tão bons quanto quaisquer outros, e que a escolha seja puramente arbitrária. Algumas doutrinas éticas ou posições ideológicas são objetiva e racionalmente boas e algumas são ruins.

Rothbard era um defensor sempre pronto da mente, do pensamento, do livre arbítrio. Ele encontrou muito do que defendê-los na psiquiatria. Revisando The New Psychiatry, de Nathan Masor,[57] ele elogiou o ataque ao freudismo e expressou aprovação de injeções de vitaminas como tratamento da tireoide. Mas ele desafiou a rejeição de mente e valores de Masor. “Receio que Masor”, escreveu Rothbard, “seja basicamente um determinista bioquímico, que deixa de fora a primazia e a importância essenciais da mente, do livre arbítrio, das ideias – os sistemas de valores que a mente adota como causa de neuroses, psicoses etc.”

The Myth of Mental Illness, de Thomas Szasz, sofreu críticas semelhantes:[58] “O erro filosófico fundamental de Szasz, talvez, seja sua deliberada deposição do pensamento em termos de ‘entidades’ e ‘substâncias’, ou seja, o pensamento aristotélico do século XVIII, da lei natural, e sua substituição deles pelas modas modernas, especialmente ‘pensar em termos de processos’ e, portanto, jogos, papéis, etc.”

Diversos

Ao revisar uma variedade tão ampla de assuntos, Rothbard teve a oportunidade de comentar brevemente sobre muitas questões. Por exemplo, sua resenha de The People and the Court, de Charles L. Black,[59] que favorece a revisão judicial como um meio de expandir o poder do governo, declarou: “O livro enfatiza para mim… que a Constituição, considerada uma tentativa de limitar o governo, foi uma das mais nobres tentativas de limitar o governo, de refrear o Estado, na história da humanidade, mas que fracassou, e fracassou quase ignominiosamente. Uma razão para tal fracasso, como [John C.] Calhoun previu, é o monopólio da Suprema Corte. De qualquer forma, esse fracasso aponta para a necessidade de outros meios novos e mais rigorosos de limitar e restringir o poder do governo.”[60]

Sobre a secessão: “Não sou apenas pró-secessão em bases estritamente construcionistas, mas também porque algum sujeito brilhante acabará tendo a ideia: bem, se o Sul pode se separar da União, e a Geórgia pode se separar do Sul, e o Condado X do Estado da Geórgia, e o vilarejo Y do condado, etc., etc., por que eu não posso me separar?”[61]

Sobre ecologia: “Não sou um especialista neste campo, mas estou inclinado a acreditar que os agricultores orgânicos, baseando seu caso nas leis ecológicas da natureza, constroem um argumento bastante eloquente, e um que é frequentemente representado como sendo ‘excêntrico’ por nossos órgãos oficiais de opinião e pela mídia de massa.”[62] Além disso, “[Walter] Firey[63] é o exemplo típico dos conservacionistas ao admirar um sistema coagido, fixo, estagnado e estático, imaculado por homens livres instituindo mudanças nos padrões da natureza”.

Sobre o retrato do homem na literatura moderna: “Quando um romancista moderno escreve sobre criminosos ou estupradores, eles são considerados inocentes, vítimas trágicas da sociedade ou de seu ambiente, ou ‘alegres vagabundos’; quando Dostoiévski escreveu sobre eles, ele tomou partido; ele mostrou que os criminosos haviam escolhido tragicamente, por livre e errada vontade, seu próprio caminho culpado.”[64]

Sobre Marx: “Que seja isso dito aqui e agora: o marxismo é, com certeza, um sistema monumental, mas um sistema monumental que foi totalmente falacioso a cada passo do caminho…. De fato, de todo o sistema econômico, social e filosófico de Marx, apenas sua teoria das classes é interessante, não devido à ‘contribuição’ de Marx, que vimos ser uma confusão total, mas porque foi derivada dos saint-simonianos e de Thierry, que, por sua vez, criaram uma versão tragicamente deturpada e distorcida do que Saint-Simon havia originalmente aprendido de seus antigos mentores, Charles Dunoyer e Charles Comte.”[65] E: “Marx quase não fez planos para a operação da sociedade socialista, e o sistema soviético é o marxismo aplicado em ação.”[66]

Sobre o ensino pela TV: “É verdade que, pelo menos per se, o ensino pela TV permitiria uma enorme queda no número de professores necessários por aluno… E ainda… ainda assim, a qualidade é tão importante quanto a economia, e aqui está um caso em que devo concordar com os educadores, embora por razões muito diferentes. Talvez eu seja prejudicado por minha antipatia por toda a TV, mas não posso favorecer a submissão das crianças a mais TV do que elas já estão recebendo. Simplesmente assistir à TV induz uma enorme passividade entre as crianças, uma ênfase irracional na “diversão” e no entretenimento, o que provavelmente lhes roubaria a pouca educação que estão recebendo agora. E que tragédia privar as crianças desse contato pessoal e ativo altamente inspirador – e altamente educacional – com os professores: incluindo a oportunidade de fazer perguntas e discutir, que não estariam presentes na educação enlatada pela TV.”[67]

Sobre Gandhi: “… tornou-se cada vez mais evidente que a estatura de Gandhi como um pensador político sistemático é extremamente baixa. … desenvolve-se que o conceito de não-violência na política não é a essência da satyagraha de Gandhi. Pois a satyagraha abrange não apenas a não-violência, mas também uma variante extrema de       ‘ame seu inimigo’, bem como uma doutrina extrema de ‘autossofrimento’. … Com sua tendência anarquista, há um tema de crença em uma espécie de sindicalismo comunalista, bem como nas medidas de bem-estar social do Estado. … É óbvio, então, que as inúmeras confusões de Gandhi têm pouco a nos oferecer em filosofia política. …”[68]

Sobre a não-violência: “… o conceito de não-violência, de ação em massa contra a tirania governamental por meio da desobediência civil em vez da revolta violenta, tem muito a recomendá-lo. É muito menos provável que leve a consequências indesejáveis, e é muito mais eficaz em manter os revolucionários em suas visões antitirânicas originais. O poder corrompe, e os revolucionários não violentos não estariam em posição de serem corrompidos. Mas, além disso, a não-violência pode ser a única forma prática de se revoltar contra um governo totalitário.”[69]

Rothbard é realmente um comentarista de nossos tempos. Porém, mais do que isso, ele é um dedicado filósofo, historiador e professor da liberdade.

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Gostaria de agradecer ao Institute for Humane Studies da George Mason University, guardião dos arquivos do Volker Fund, por me permitir usar esses arquivos para escrever este artigo. Leonard P. Liggio, Walter E. Grinder, John Blundell e Emilio Pacheco ofereceram sugestões úteis. Claro, quaisquer erros de fato ou interpretação são meus.

 

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Notas

[1] William A. Paton, Shirtsleeve Economics: A Commonsense Survey (Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1952).

Para o registro, Rothbard já era um autor publicado. Sua resenha de A Mencken Chrestomathy, de H. L. Mencken, apareceu na edição de agosto de 1949 da Analysis, editada por Frank Chodorov.

[2] Ele obteve seu Ph.D. em economia em 1956.

[3] O Volker Fund foi uma das primeiras fontes de apoio para estudiosos libertários e liberais clássicos. Uma bolsa Volker apoiou a escrita de Rothbard de Homem, Economia e Estado. Como disse David Gordon: “Poucos grupos fizeram tanto quanto essa fundação em poucos anos para promover a causa do liberalismo clássico” (Murray N. Rothbard: A Scholar in Defense of Freedom [Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1986], p. 9).

[4] Entrevista pessoal.

[5] Quando a doação do Volker Fund expirou em 1961, ela efetivamente deixou de existir, mas sua causa foi perseguida pelo novo Institute for Humane Studies, fundado por F. A. “Baldy” Harper, que havia trabalhado para o Volker Fund. Pode-se ver nas atividades do Volker o início do networking acadêmico que se tornou uma das principais atividades do IHS.

[6] Para uma discussão de como um libertário apaixonado também pode ser um estudioso frio e objetivo, veja o ensaio de David Gordon citado acima.

[7] Ênfase adicionada. Da revisão de Isolation and Security, editado por Alexander DeConde. Data da revisão desconhecida.

[8] Abram L. Harris, Economics and Social Reform (Nova York: Harper & Bros., 1958); revisado em 1º de fevereiro de 1959.

[9] John R. Commons, The Legal Foundations of Capitalism (Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 1957); revisado em 16 de junho de 1959.

[10] O. H. Taylor, Economics and Liberalism (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1955); revisão datada de 11 de junho de 1959.

[11] Milton Friedman, A Program for Monetary Stability (Nova York: Fordham University Press, 1959); revisão 31 de outubro de 1960.

[12] Invasion of Privacy, de William Zelermyer (Syracuse, N.Y.: Syracuse University Press, 1959); revisado em 6 de outubro de 1960.

[13] Alexander Gray, The Socialist Tradition (Nova York: Longmans, Green, 1947); revisado em 24 de agosto de 1961.

[14] Yves Simon, Philosophy of Democratic Government (Chicago: University of Chicago Press, 1951); revisado em 24 de fevereiro de 1960.

[15] Da resenha de Rothbard sobre Milton Friedman, Essays in Positive Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1953); revisado em 4 de outubro de 1961.

[16] Melvin Greenhut, Full Employment, Inflation & Common Stock (Public Affairs Press, 1961); revisado em 26 de novembro de 1961.

[17] Ver nota 11, Friedman, A Program for Monetary Stability.

[18] Lionel Robbins, A Grande Depressão (Nova York: Macmillan, 1934); revisado em 14 de novembro de 1959. O livro foi escrito em 1934.

[19] Murray N. Rothbard, A grande depressão americana (Kansas City, Kansas: Sheed and Ward, 1963).

[20] W. Paul Strassmann, Risk and Technological Innovation (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1959); revisado em 19 de julho de 1960.

[21] Lawrence Abbott, Quality and Competition (Nova York: Columbia University Press, 1955); revisado em 21 de julho de 1958.

[22] G. L. S. Shackle, Time in Economics (Amsterdam: North Holland, 1958); revisado em 16 de agosto de 1961.

[23] James M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor, Michigan: University of Michigan Press, 1962); revisado em 17 de agosto de 1962.

[24] James C. Malin, On the Nature of History (Lawrence, Kansas: James C. Malin, 1954); revisado em 1º de abril de 1955.

[25] Lee Benson, Turner and Beard (Glencoe, 111.: Free Press, 1960); revisado em 27 de setembro de 1960.

[26] Donald L. Kemmerer, American Economic History (Nova York: McGraw-Hill, 1959); revisado em 30 de maio de 1961.

[27] Jackson Turner Main, The Antifederalists (Chapel Hill, N.C.: University of North Carolina Press, 1961); revisado em 23 de abril de 1962.

[28] George Athan Billias, “The Massachusetts Land Bankers of 1740”, University of Maine Bulletin (abril de 1959); revisado em 25 de janeiro de 1962.

[29] Lee Benson, Turner and Beard.

[30] “The American Revolutionary Heritage,” Laissez Eaire Review (maio/junho de 1979): 1.

[31] . J. Fred Rippy, Globe and Hemisphere (Chicago: Regnery, 1958); revisado em 21 de fevereiro de 1959.

[32] Lee Benson, The Concept of Jacksonian Democracy (Princeton: Princeton University Press, 1961); revisado em 11 de novembro de 1961.

[33] Robert V. Remini, Martin Van Buren and the Making of the Democratic Party (Nova York: Columbia University Press, 1959); revisado em 8 de março de 1961.

[34] J. P. Taylor, Origins of the Second World War (Nova York: Athenaeum, 1962); revisado em 18 de abril de 1962.

[35] Para uma crítica de Munich a partir de uma perspectiva não intervencionista, ver Earl C. Ravenal, Never Again (Philadelphia: Temple University Press, 1978).

[36] Harry Elmer Barnes, Perpetual War for Perpetual Peace (Caldwell, Id.: Caxton Press, 1953); revisado em 26 de março de 1962.

[37] Frank S. Meyer, The Molding of Communists, revisado em 29 de outubro de 1961. Mais tarde, foi publicado como “O bicho-papão comunista” em Left and Right, 3, no. 2 (primavera/verão de 1967): 22-42; também Supra (General, N. 61) 1967.

[38] Meyer chamou sua mistura de libertarianismo e conservadorismo de “fusionismo”. Por mais crítico que Rothbard fosse da política externa de Meyer, Rothbard negou a categoria fusionista e colocou as crenças fundamentais de Meyer diretamente no campo libertário. Veja “Frank S. Meyer: The Fusionist as Libertarian,” em George W. Carey, ed., Freedom and Virtue: The Conservative/Libertarian Debate (Lanham, Md.: University Press of America, 1984), pp. 91-111.

[39] “Incidentalmente”, escreve David Gordon, “é, na frase trotskista, ‘não por acaso’ que uma das palavras favoritas de Rothbard é ‘arquitetônico’. Ele é um dos grandes classificadores e sistematizadores.” Scholar in Defense of Freedom, p. 8.

[40] Clinton Rossiter, Conservatism in America: The Thankless Persuasion (Nova York: Alfred Knopf, 1955); contida em sua carta de 1º de abril de 1955.

[41] Richard W. Alstyne, The Rising American Empire (Nova York: Oxford University Press, 1960); revisado em 18 de março de 1962.

[42] Como afirmou Van Alstyne..

[43] Carter Goodrich, Government Promotion of American Canals and Railroads, 1800-1890  (Nova York: Columbia University Press, 1960); revisado em 25 de junho de 1961.

[44] Willmoor Kendall, John Locke and the Doctrine of Majority Rule (Urbana, 111.: University of Illinois Press, [1941], 1959); revisado em 16 de maio de 1961.

[45] Richard H. Cox, Locke on War and Peace (Oxford: Clarendon Press, 1960); revisado em 22 de julho de 1962.

[46] Leo Strauss, Natural Right and History (Chicago: University Chicago Press, 1953); revisado em 4 de maio de 1954.

[47] Leo Strauss, On Tyranny (Political Science Classics, 1948); revisado em 4 de julho de 1960.

[48] Leo Strauss, What is Political Philosophy (Glencoe, 111.: Free Press, 1959); revisado em 23 de janeiro de 1960.

[49] Rothbard não havia terminado com Strauss. Sua resenha de Thoughts on Machiavelli (Glencoe, 111.: Free Press, 1958); 9 de fevereiro de 1960) transborda de insights e pontua Strauss por sua bolsa de estudos “maluca”. “Quanto mais eu leio o ataque de Strauss”, escreveu Rothbard, “mais concluo que Maquiavel tinha mais pontos positivos em sua filosofia do que eu imaginava”.

[50] William Zelermyer, Invasion of Privacy.

[51] Milton R. Konvitz, Fundamental Liberties of a Free People (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1957); revisado em 22 de março de 1961.

[52] Mentor de Rothbard em Columbia, sob a orientação de quem escreveu sua dissertação sobre o Pânico de 1819 (Nova York: Columbia University Press, 1962).

[53] Francis Leiber, Early American Policy: Six Columbia Contributors (Nova York: Columbia University Press, 1960); revisado em 19 de abril de 1962.

[54] Karl Popper, The Logic of Scientific Discovery (Nova York: Basic Books, 1959); revisado em 22 de dezembro de 1959.

[55] Frank H. Knight, Intelligence and Democratic Action (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1960); revisado em 1º de outubro de 1960.

[56] Leon Bramson, The Political Context of Sociology (Princeton: Princeton University Press, 1961): revisado em 20 de junho de 1962.

[57] Nathan Masor, The New Psychiatry (Nova York: Philosophical Library, 1959); revisado em 14 de outubro de 1960.

[58] Thomas Szasz, The Myth of Mental Illness (Nova York: Hoeber-Harper, 1961); revisado em 25 de maio de 1962.

[59] Charles L. Black, The People and the Courts (Nova York: Macmillan, 1960); revisado em 24 de março de 1961.

[60] Compare com sua revisão posterior declarada acima.

[61] James C. Malin, On the Nature of History.

[62] Geoffrey Dobbs, On Planning the Earth (Liverpool: KRP Publications, 1951); revisado em 28 de janeiro de 1961.

[63] Walter Firey, Man, Mind and Land (Glencoe, 111.: Free Press, 1960); revisado em 2 de julho de 1962.

[64] Edmund Fuller, Man in Modern Fiction (Vintage Books, 1958); 22 de junho de 1962.

[65] Fred M. Gottheil, The Economic Predictions of Karl Marx (dissertação de doutorado; Duke University, 1959); revisado em 10 de outubro de 1961.

[66] Harry Heckman, The Economics of American Living (Chicago: Rand McNally, 1959); revisado em 12 de abril de 1962.

[67] Roger A. Freeman, School Needs in the Decade Ahead (Washington, D.C.: Institute for Social Science Research, 1958); revisado em 29 de dezembro de 1958.

[68] Joan Bondurant, Conquest of Violence: The Gandhian Philosophy of Conflict (Princeton: Princeton University Press, 1958); 17 de março de 1961.

[69] Ibidem.

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