F.A. Hayek, economista austríaco, no século XX, havia notado que os preços de mercado comunicam aos agentes econômicos informações relativas à alocação e à distribuição dos recursos e possibilitam, em função disso, um uso mais racional e produtivo deles.
Ora, certo é que os bens econômicos não são distribuídos uniformemente ao longo do globo. Assim, há localidades nas quais determinados bens são abundantes e outras nas quais os mesmos são escassos. O preço de um dado bem, então, no que lhe concerne, por dar-se precisamente à proporção do valor intersubjetivamente determinado do bem em questão, é responsável por expressar o quão valoroso o bem é para os agentes econômicos. Dessa forma, o preço, por sua natureza, dimensiona quantitativamente o nível de preferência que as pessoas têm por um dado bem, o que possibilita, consequentemente, a atividade empresarial, a qual consiste, em suma, na ação de transferir os bens econômicos de localidades nas quais eles são abundantes (altamente disponíveis) para localidades nas quais eles são escassos (altamente indisponíveis), com base na qual o lucro ocorre: a compra de recursos a preços baixos e, em seguida, a venda a preços altos, isto é, a remoção dos recursos econômicos de lugares nos quais eles são pouco requisitados (pouco valorosos) para disposição deles em lugares nos quais eles são fortemente demandados (muito valorosos).
Uma alocação mais produtiva e racional dos bens é possível, portanto, exclusivamente mediante a espontaneidade com a qual se dá a oscilação dos preços em conformidade com as preferências valorativas naturalmente oscilantes das pessoas. Manter os preços livres de intervenções é, desse modo, absolutamente imprescindível para que os recursos não sejam alocados às expensas da suplantação das demandas mais urgentes da população. À vista disso, vê-se que uma manipulação dos preços não só distorce o modo natural pelo qual o mercado se ordena, mas propaga ao decorrer das cadeias mercadológicas informações completamente equivocadas tanto acerca das preferências valorativas dos agentes quanto acerca do nível relativo de disponibilidade dos recursos. Por exemplo, digamos que A seja um bem econômico cujo preço esteja sendo mantido rígido (fixo) em virtude de um decreto político central. Ante os expostos acima, conclui-se inescapavelmente que haverá irracionalidades no tocante à alocação de A, pois, caso, a título de exemplo, a demanda por A aumente consideravelmente por quaisquer motivos, a rigidez decretada do preço de A naturalmente impedirá que uma preferência (requisição) comparativamente maior dos agentes pela aquisição de A seja comunicada aos ofertantes (produtores), o que invariavelmente fará com que a oferta se mantenha inalterada mesmo à face de uma demanda comparativamente maior, fazendo, assim, com que uma parcela significativa dos demandantes fique totalmente desatendida, necessariamente aquela com menor poder aquisitivo. Inversamente, caso a demanda por A caia significativamente, dada uma circunstância sob a qual o seu preço se faça inalterável por decreto, a inalterabilidade do seu preço naturalmente fará com que o decrescimento da sua demanda não seja comunicado aos seus ofertantes, fazendo, assim, com que a oferta não se modifique mesmo à face de uma demanda comparativamente menor, o que implicará invariavelmente no não atendimento de outras demandas.
Nestas mesmas linhas, caso A seja fixado por decreto a um preço acima do que seria estabelecido espontaneamente pelo mercado, o preço artificialmente elevado de A naturalmente compeliria os agentes ofertantes à produção de A em proporções quantitativas muito superiores às proporções efetivamente requisitadas pelos agentes demandantes, o que faria com que a oferta de A crescesse substancialmente muito para além das quantidades utilmente empregáveis (utilizáveis), gerando, assim, excedentes improducentes. Adicionalmente, caso A seja fixado por decreto a um preço abaixo do que seria estabelecido espontaneamente pelo mercado, o preço artificialmente reduzido de A elevaria generalizadamente a propensão das pessoas à sua compra (isto é, a sua demanda) em função de um custo de aquisição comparativamente menor e, de forma concomitante, impeliria a sua produção a níveis mais baixos (ou seja, reduziria consideravelmente a sua oferta) em função da incidência de uma prospectiva de uma produção de A menos lucrativa financeiramente, coisa a qual, invariavelmente, faria com que a demanda crescesse ao passo que a oferta diminuísse, gerando, por consequência, uma escassez artificial de A.
Ora, como A opera acima tanto quanto todos os bens econômicos, tem-se logicamente que manipular o sistema mercadológico de preços gera distorções no seio do modo pelo qual os recursos são dispostos economicamente, cujas resultantes consequenciais são alocações improdutivas dos bens. Sendo assim, o mesmo vale para o dinheiro (isto é, a moeda).
A moeda tem o seu valor determinado pela lei da oferta e demanda, tal como o valor de qualquer outro bem. Entretanto, a moeda opera na economia enquanto meio de troca, servindo ao agente, assim, enquanto um bem destinado à mensuração do valor dos demais bens e à facilitação das trocas comerciais, tendo o seu valor expresso, por isso, sempre em termos de uma dada quantidade de bens em troca da qual ela pode ser empregada comercialmente. Diz-se, então, que uma moeda desvaloriza quando o seu poder aquisitivo diminui, ou seja, quando o conjunto de bens em troca do qual ela pode ser empregada diminui quantitativamente em função de uma queda do seu valor. Portanto, quando a oferta da moeda cresce assimetricamente com referência à sua demanda, é absolutamente imperativo que o seu poder aquisitivo decresça, já que, como, nessa instância, a população lida com uma disponibilidade consideravelmente maior de dinheiro, o comerciante imputará o preço da maioria dos seus bens a níveis maiores, isto é, encarecerá os seus bens, uma vez que terá de exigir em troca deles uma quantidade de unidades monetárias comparativamente maior em função da desvalorização sofrida por elas relativamente aos demais bens do mercado. Ante isto, vê-se inevitavelmente que expandir a oferta monetária está muito longe de ser uma medida economicamente benéfica.
Em 2020, no entanto, como a pandemia do COVID-19 estimulou nas autoridades centrais a imposição de medidas sanitárias proibitivas àquelas atividades empresariais produtivas realizáveis apenas presencialmente, o encarecimento repentino generalizado dos bens de consumo resultante da proibição central das atividades econômicas ditas não essenciais, a qual causou uma diminuição brutal da oferta, forçou a Pronampe e outras instituições monetárias, sob o jugo da COPOM, a expandir as linhas creditícias via juros artificialmente baixos (reduzidos) de modo que a elevação exponencial do desemprego, decorrente da proibição das atividades econômicas presenciais, não obstruísse o consumo das famílias (isto é, das entidades propriamente consumidoras), mantendo, assim, a renda das empresas não proibidas de operar e, por conseguinte, a remanescência dos empregos que elas mantinham, coisa a qual justifica claramente o aumento do consumo familiar justamente na temporada no decorrer da qual grande parte das empresas foi proibida de operar (2020).
Assim, ao passo que a oferta monetária cresce por artifícios creditícios expansivos de forma a manter alto o consumo da população, as empresas, em função de uma demanda artificialmente mais elevada pelos bens, expandem as suas atividades operacionais de forma a estender a oferta e, consequentemente, aumentar as vendas, o que propicia faturamentos mais corpulentos, por intermédio dos quais ocorrem diversos tipos de investimentos complexos de teor tecnológico. Entretanto, embora em curto prazo a expansão da oferta monetária induza a um crescimento econômico aparente, não é permissível que ela se mantenha inalterada ao largo do tempo, já que a desvalorização da moeda acarretada por ela fará naturalmente com que as taxas de poupança diminuam, reduzindo, consequentemente, a liquidez bancária, coisa a qual força, inevitavelmente, uma subida abrupta da taxa de juros de forma a estimular taxas positivas de poupança com o fim de retomar a liquidez monetária e garantir a solvência dos bancos.
Ora, quando a oferta monetária cresce mais que proporcionalmente à demanda, o valor da moeda diminui, o que invariavelmente compele o ofertante a exigir uma quantidade relativamente maior de unidades monetárias em troca dos seus bens de forma a compensar a diminuição do poder aquisitivo da unidade monetária. Assim, os preços crescem ao passo que a expansão monetária perdura. Dessa forma, para que o consumo agregado não se refreie (isto é, continue alto) mesmo frente a um aumento generalizado dos preços, as instituições bancárias devem ceder crédito indiscriminadamente a níveis quantitativos sempre maiores que os precedentes de modo que um aumento uniforme da quantidade de dinheiro à disposição não seja descompensado por um aumento exatamente simétrico e igualmente uniforme dos preços dos bens, ou seja, as instituições bancárias devem ceder crédito sempre a níveis progressivos de modo que o aumento generalizado do custo de aquisição dos bens não obstrua o consumo. Via juros baixos, assim, as instituições bancárias garantem uma oferta monetária expansiva e crescente. Em março de 2021, a Taxa Selic, a taxa básica de juros, estava a 2%, o que estimulou, dessa forma, a contração de empréstimos não somente por parte das famílias, mas, também, por parte das empresas.
Contudo, um aspecto fortemente desconsiderado pelos economistas no tratamento das questões relativas aos juros diz respeito ao modo mediante o qual se dá a reação dos depositantes bancários frente aos efeitos inflacionários da expansão monetária. Ora, como a expansão da oferta monetária faz imperar no mercado uma expectativa de desvalorização monetária contínua, as taxas de poupança diminuem, pois, como o poupador, frente a quedas sucessivas do poder aquisitivo do seu dinheiro, prevê que o seu valor futuro será comparavelmente menor que o seu valor presente, ou seja, que a quantidade de bens que poderá consumir no futuro será comparavelmente menor que a que pode consumir no presente, ele penderá inevitavelmente ao consumo imediatista em detrimento da poupança.
A poupança, por consequência da maré inflacionária provocada pela expansão creditícia, assim, decrescerá de forma inversamente proporcional à expansão da oferta monetária, coisa a qual fará naturalmente com que os bancos tenham de lidar com um número de depositantes efetivos em diminuição constante. No entanto, como o crédito concedido pelas entidades bancárias procede do dinheiro fornecido para elas por meio dos depósitos nas contas de poupança, faz-se absolutamente incontestável o fato de que a insolvência e a falta de liquidez, caso os juros baixos sejam mantidos, acometerão as entidades bancárias, gerando, por consequência, um colapso financeiro avassalador.
Nessa instância, a única forma de as instituições bancárias recuperarem a liquidez e retomarem as taxas positivas de depósitos ativos encontra-se na subida da taxa de juros, a qual retrai a oferta monetária. Desse modo, toda a alta de consumo que se via fundamentalmente respaldada em juros artificialmente reduzidos e toda a enorme gama de operações empresariais as quais se viam viáveis financeiramente apenas em função do consumo agregado elevado via facilidades creditícias se mostram ambas insustentáveis e absolutamente infundadas. Adicionalmente, todos os empregos os quais se viam mantidos em função da expansão das atividades operacionais das empresas, tornada possível unicamente em razão de uma demanda por bens artificialmente elevada, passam a não ser mais viáveis, o que naturalmente os compele ao término, coisa a qual acresce o número de desempregados à proporção da quantidade de empregos inviabilizados, diminuindo o consumo populacional e, por consequência, a renda das empresas, o que inevitavelmente as impele a uma contração das suas operações e a uma redução dos seus custos, coisa a qual certamente incluirá dispensar a parcela marginalmente menos produtiva dos seus funcionários, aumentando, dessa forma, a taxa de desemprego e assim sucessivamente.
Instaura-se, finalmente, ante a subida inevitável da taxa de juros, uma recessão econômica, uma contração geral das atividades produtivas da economia, já que todas as atividades que se viabilizavam exclusivamente mediante crédito a juros artificialmente reduzidos passam a se ver completamente irrealizáveis, o que implica no aumento da taxa de desemprego, no aumento geral dos preços, na retração do consumo, na falência de empresas, na desaceleração econômica, entre outros.
Destarte, com a subida da taxa de juros promovida pela BACEN em meados de agosto de 2021 (13,7%) combinada a ocorrências inegavelmente dramáticas no que se refere principalmente à economia internacional (o encarecimento dos importados, a continuidade do conflito bélico entre Rússia e Ucrânia, etc.), a Serasa Experian, no final de 2021, registrou um percentual de endividamento familiar nitidamente alarmante (57,9%), o maior constatado desde a crise de 2008. Além do mais, em janeiro deste ano, a Serasa constou um montante de dívidas de pessoas físicas exprimível em termos de, aproximadamente, R$ 323.000.000.000,00. Segundo a CNC, nesse mesmo sentido, o percentual das famílias que alegou ter dívidas vencíveis a curto prazo é de, aproximadamente, 78%, e pouco mais de 17% deste porcentual em questão se encontra, segundo o que conclui os dados, sem condições financeiras para efetuar a quitação integral das dívidas.
Visando mitigar os efeitos nefastos desses índices de inadimplência familiar muito altos, o programa federal Desenrola é planejado. Segundo Fernando Haddad, o programa consistirá primacialmente na consecução de um fundo garantidor de liquidez para as famílias endividadas de menor renda o qual terá por base uma somatória de, aproximadamente, R$ 10.000.000.000,00. Embora tal programa esteja sendo amplamente elogiado em função das suas fundamentações aparentemente caritativas, faz-se totalmente cabível, à vista dos expostos realizados, questionar a sua efetividade prática e, principalmente, a procedência do dinheiro, pois, caso o governo federal colete-o por aumento de impostos ou por impressão de moeda, certo é que ele se dará inevitavelmente em detrimento do alcance dos seus próprios objetivos.
Por um lado, caso o dinheiro destinado ao fundo garantidor seja coletado por aumento de tributos, certo é que a carga tributária adicional incidirá sobre o pagador de impostos predatoriamente à sua renda, o que naturalmente diminuirá a quantidade dos seus recursos que poderá orientar à aquisição de bens de consumo, coisa a qual reduzirá, assim, o conjunto de bens efetivamente comprável à proporção da dimensão dos tributos adicionais pagos, o que implica numa redução do seu poder aquisitivo e, consequentemente, numa piora das suas condições financeiras. Por outro lado, caso o dinheiro proceda de uma impressão adicional de moeda, a desvalorização monetária que ela ocasionará fará naturalmente com que os preços dos bens subam, coisa a qual fará com que o salário real da população decresça à proporção do aumento do custo de aquisição dos bens apesar de o seu salário nominal manter-se inalterado. Por ambas as vias será gerada, então, uma queda do poder aquisitivo populacional, o que, por sua vez, caminha numa direção diametralmente oposta àquela proposta pelo Desenrola.
Ora, como todos os indicadores de endividamento familiar alarmantes atuais se deram notadamente em função das intervenções governamentais na economia, tem-se que a solução para tais problemáticas econômicas não deve fazer referência ao fator que as gerou, a manipulação estatal da taxa de juros, mas, deve, na verdade, basear-se no seu contrário, na desregulação do modo essencialmente mercadológico através do qual os juros são espontaneamente estabelecidos.