Thursday, November 21, 2024
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Se todos defendemos o bem, por que votamos de forma diferente?

Partindo da premissa que todas as pessoas, quando questionadas sobre temas gerais da vivência humana, tendem a convergir para defender o bem e a virtude, por que existe divergência no voto? Por que há a necessidade de votar se todos defendem o bem?

Se a maioria das pessoas é a favor da vida, do progresso, do avanço, por que existe a necessidade de ter mais de uma opção de governante?

As simples perguntas acima normalmente afloram sentimentos acalorados no afegão médio desatento. Ele afirmaria:

“É claro que não são todas as pessoas que defendem o bem, a vida, o progresso e a virtude.”

A tendência progressista deixaria as ideias de saúde pública, drogas, desenvolvimento social e sustentabilidade prevalecerem a todo custo, visto que essas seriam pautas consideradas bondosas e que, para eles, seriam negadas por seus antagonistas conservadores.

Ao mesmo tempo, a tendência conservadora puxaria a resposta para o núcleo familiar, as instituições sociais tácitas (costumes), a moral vigente e a preservação econômica, entendendo que algumas pautas progressistas não seriam meras discordâncias ideológicas, mas configurariam crimes que causariam um alvoroço social, devendo ser legalmente coibidas.

É evidente que as reduções dos parágrafos anteriores são simplórias frente à complexidade dos fenômenos em observação, isto é, a totalidade dos pensamentos progressistas e conservadores, mas o ponto não é discorrer sobre cada um deles, apenas sinalizar que existem e em alguma medida divergem.

O cenário ilustrado é: por que temos definições diferentes do que seria o bem? Como definimos o que entra na caixinha do bom e do ruim?

Novamente, a reflexão aflora respostas óbvias ao homem médio, mas não é nada simples. Se assim fosse, não teríamos um sistema de decisões da forma como são as repúblicas democráticas no ocidente. Saberíamos com clareza quando uma pessoa mente dizendo defender o bem ou os mais pobres e na realidade colocaria em prática um projeto aristocrático escuso e saberíamos se o próprio sistema fosse corrupto.

Como os fenômenos acabam se mesclando na realidade, não conseguimos dissociá-los. Essa impossibilidade é um prato cheio para os governantes, que podem se utilizar de táticas obscuras para se favorecer.

Todo governante promete melhorar a saúde, a educação, a segurança e ser contra a corrupção, mas praticamente todos os governos são marcados por pouco ou nenhum esforço em implementar essas práticas.

O Bem e o Rei Tirano

Entendo que o primeiro alerta (red flag) para saber sobre a honestidade ou ignorância de um governante é avaliar o quanto ele fala sobre o que é bom para os outros. Todo governante que se mete a prometer com cabal certeza que vai resolver algum problema, provavelmente não vai resolver absolutamente nada. Os exemplos disso ao longo da história recente são incontáveis.

Questionar se algo é bom, quando proposto, é diferente de, desde o princípio, afirmar de forma incontestável que é bom. Tudo pode e deve ser questionado, pois, afinal, sem isso não há progresso. O que é bom continuará sendo bom, se questionado. O medo do questionamento é que sejam descobertas falhas nas propostas boas do governante, por isso existe censura.

Um exemplo para ilustrar como identificar e parametrizar uma situação boa: se pensarmos que doações de bens úteis e com boa intenção melhoram imediatamente a vida de outras pessoas e, por isso, seriam boas, podemos fazer um experimento mental rápido e concluir se isso, de fato, seria verdade. Abrir mão voluntariamente de um recurso próprio para suprir a ausência de um bem material alheio, pode fazer com que uma pessoa saia de uma situação frágil, traz um benefício moral e emocional para o doador e diversos benefícios para o beneficiário. Se todos ganham, podemos dizer ao menos que ruim não é.

Diferentemente, afirmar que roubar violentamente pessoas traz bem social é mais complicado. Que o roubo beneficia materialmente o ladrão é inegável, por isso as pessoas roubam dinheiro e colocam no bolso, mas não roubam resíduo químico infeccioso ou radioativo e colocam na sala de casa. No primeiro caso o ladrão se beneficia, no segundo se prejudica fisicamente. Emocionalmente, também pode ser que também traga manchas à sua personalidade, um desconforto latente e incessante.

Sabemos que o roubo sistemático e institucionalizado faria com que um bem sempre pudesse ser subtraído, logo não haveria paz e estabilidade. Sua cervejinha gelada de domingo poderia ser livremente tomada por um andarilho sem qualquer represália, sua casa saqueada, sua TV levada e assim em diante. Não haveria previsibilidade na ação das pessoas. Se você precisar comprar um remédio e ao sair tiver seu carro roubado e a farmácia tiver sido saqueada, então subsistirá um dano muito maior do que o próprio roubo, pessoas poderiam ficar sem o que comer e ao mesmo tempo não seria viável produzir porque sua fábrica poderia ser roubada. Podemos concluir que permitir o roubo não é bom.

Fica evidente que defender doações tende a ser uma pauta quase que geral, todos aqueles que têm recursos, ainda que não doem nada, entendem que a doação gera incontáveis benefícios.

Em contrapartida, ao defender abertamente a existência do roubo, subsiste uma contradição. Se o indivíduo usa um recurso próprio e defende o roubo, então também não será errado roubá-la. Será algo dentro de sua própria vontade. E assim um caos cíclico é gerado de forma coesa.

Diante desses dois exemplos extremos, vemos que o aumento do cuidado comunitário voluntário é benéfico, enquanto o exclusivo benefício de um pequeno grupo através do emprego de violência não é positivo. Por isso, um rei tirano que escraviza e rouba as propriedades de seus servos não costuma ser muito popular.

Mas e se o rei tirano percebesse que ao invés de roubar violentamente ele poderia aplicar uma vasta propaganda ideológica e quase hipnótica nas vítimas sustentando que não se trata de um roubo, mas de uma troca de benefícios? Uma espécie de “vou pegar uma parte dos seus bens, mas em troca vou cuidar de você”. O estelionato é muito mais sutil do que o roubo, o rei tirano se sofistica e não suja suas mãos.

Parece que nesse caso o rei tem uma mínima preocupação com os servos, o que torna o simples roubo violento uma hipótese mais distante. “Não roubo violentamente como aquele outro rei ainda faz, aqui eu cuido de vocês”, diria o rei. E, de fato, ele não estaria roubando como antes. E, de fato, estaria dando “benefícios” aos seus servos.

E é exatamente assim que se distorce um fato maléfico ou conflituoso, sutilmente mistura com supostos benefícios e o esconde. Na medida que incontáveis benefícios pequenos são trocados por um bem maior, fica quase impossível verificar se a situação é positiva ou negativa. É necessário um exame de consciência fora da lógica sistemática vigente.

Se os servos souberem com clareza que, se organizando, podem ter os mesmos benefícios fornecidos por seu senhor, trabalhando um décimo do tempo e empregando um décimo dos recursos, então poderão se rebelar e o rei tirano seria apenas mais um homem acuado.

Na medida que o rei tirano consegue se fantasiar de cidadão comum, usando a mesma língua, compartilhando de uma cultura semelhante, ele não precisará mais agir de forma escusa, poderá realizar suas vontades livremente e vários sairão em sua defesa dizendo que ele traz benefícios.

Assim, percebemos que absolutamente toda a narrativa política é realizada em cima de um projeto de progresso social. Desde calçar uma rua até eliminar um grupo étnico, toda proposta sempre visa a resolução de um problema, uma suposta melhora na vida das pessoas, o que torna a proposta um fato em execução é a capacidade do proponente torná-la atrativa aos governados.

Por isso, historicamente, sempre foi uma ótima estratégia dos grupos governantes ensinar seus próprios costumes aos dominados, a cultura torna a dominação uma necessidade do dominado, sair dela é sair do grupo, perder o bando, tornar-se atomizado, pulverizado. O medo desse isolamento é irresistível, a incontável maioria cede. Assim, se amansa o gado para o abate.

Toda vez que um político diz entender mais do que é bom para sua vida do que você mesmo, pode levantar um alerta que certamente se trata de lobo em pele de cordeiro. Se, de fato, ele fosse bom, ele seria um líder espiritual, sem bens materiais, devoto ao auxílio do próximo e não estaria se importando com o apelo populista às massas usando relógios caríssimos ou comprando carros e casas valiosas.

No momento que ficar evidente o trade off, ou seja, quanto está custando abrir mão da liberdade para alimentar o sistema político, então os servos se libertarão. O único trunfo do governante é falar sua língua, fingir que quer o mesmo que você para, enquanto isso, ir te sugando sem perceber até o momento que estiver fraco o suficiente para não conseguir reagir. É um verdadeiro estelionato.

Efeito Celso Portiolli

Acho engraçado como a participação cidadã na política é exatamente igual ao quadro do foguetinho apresentado pelo Celso Portiolli nos anos 2000.

O quadro televisionado consistia no apresentador chamar participantes para ficar em uma cabine com abafador de som (com formato de um foguete) e com uma luz na frente que condicionava a única resposta possível: dizer sim ou não.

O apresentador enchia seu palco com prêmios, diversos eletrodomésticos, eletrônicos, bicicletas e brinquedos. Ao mesmo tempo, ofertava ao participante uma troca.

“Deseja trocar essa geladeira por um saco de farinha?”

A luz acendia ao participante e ele prontamente responderia conforme sua intuição. “SIM!”

E a troca era feita.

Uso essa analogia para ilustrar o seguinte: a troca só é aceita porque a pessoa não sabe o que está trocando. Se ela soubesse que está trocando um bem de alto valor por um bem de baixíssimo valor, então certamente não faria a troca.

O grande mérito dos indivíduos que dominam as grandes estruturas estatais e produtivas é alienar do homem médio a troca que é realizada. Com essa alienação é possível torná-los cada vez mais escravos de um sistema em que horas e horas são trabalhadas improdutivamente, o dinheiro perde valor cada vez mais e as pessoas se tornam reféns da ignorância projetada sobre elas, nunca encontrando uma saída desse sistema.

As pessoas trabalham em empregos que elas não gostam, para comprar coisas que não precisam, com um dinheiro que não têm, para agradar pessoas que nem conhecem.

Se existisse transparência completa no uso dos recursos obtidos através de impostos, por exemplo, mostrando a quantidade de impostos coletada e a destinação de cada centavo, é muito provável que ocorreria revolta. As pessoas poderiam ver que deram R$ 1000 e tiveram uma contrapartida de R$ 200, no melhor dos casos. Ao mesmo tempo, as pessoas comem comidas e compram roupas que custam centavos, mas não tem nem ideia de como estão queimando dinheiro para ter o status das coisas. A propaganda é tão forte que a realidade é facilmente ocultada.

O trabalho arduamente realizado pelos políticos é esconder das pessoas em quais lugares seus recursos, tomados à força através de tributação, serão utilizados. E sendo aplicado nesses lugares, o que está sendo abnegado para que essa política possa ser feita (trade off). A única e maior diferença do trabalho político para o marketing corporativista das grandes empresas é que você consegue passar a vida sem consumir os produtos das grandes empresas, mas não consegue evitar os mandamentos estatais.

A diferença entre garantir a liberdade e fazer promessas de campanha

Parece contraditório colocar um líder garantidor de liberdades individuais em pé de igualdade a um oferecedor de promessas políticas gastonas, mas não é. Muito pelo contrário, a liberdade plena seria o estado incondicionado humano, em que não haveria restrição nenhuma às condutas por leis ou pela moralidade. Um náufrago em uma ilha não teria restrições às suas ações, poderia usufruir de todos os recursos sem nunca esbarrar em terceiros.

A diferença entre o rei tirano que toma os recursos para devolver da forma que melhor entender e o governante garantidor de liberdades seria o estabelecimento dos limites. O rei precisaria tomar para devolver, enquanto o governante bom apenas administraria recursos de outros que nunca tomou para si, nunca tendo lhes tomado a liberdade.

O rei tirano cria regras e as impõe, de forma autoritária, pelos meios disponíveis. O governante justo e livre administra a vontade dos administrados, mas não cria arbitrariamente as regras e restrições. O rei tirano cria imposições e outorga direitos, o governante justo apenas reconhece a liberdade e a soberania que já existe entre seus pares.

A pauta de liberdade não está no mesmo patamar de outras pautas de campanha (políticas), visto que é pressuposta e inerente aos indivíduos, sendo tomada somente por meio da ameaça e da violência. Quando o rei tirano promete uma aposentadoria, saúde ou educação, são apenas esmolas de anos e anos mantendo restrita a liberdade dos governados, é um trade off escuso de uma vida inteira de produção para usufruir apenas 50% dos recursos. O único trunfo da troca é mantê-la escondida.

Quando um governante propõe pautas de liberdade, apenas está reconhecendo a soberania individual que não pode e não deve ser transpassada. De forma mais clássica, a não interferência à propriedade é um exemplo de respeito à liberdade. De forma mais progressista, a não interferência nos relacionamentos afetivos, consumo de substâncias químicas e a liberdade de afiliação também são reconhecimentos de liberdade. Se entendermos as pautas de liberdade como permissões dos governantes, estamos assumindo incorretamente que nossa liberdade já foi de outrem e agora temos que barganhar 5 minutos de seu uso.

Sobre o bem, o mal e a aceitação

Gosto de criar cenários quase que ficcionais para ilustrar meus pontos. Alguns assuntos mais abstratos se perdem com facilidade nos olhos desavisados. Para equilibrar o ponto do rei tirano, vou dar uma explicação mais técnica de como concebemos a moralidade e atribuímos o bem e o mal.

Toda afirmação do que seria bom, mau, ruim, belo, melhor ou pior é realizada em linguagem.

A linguagem é construída em cima de uma atribuição de fatos e símbolos. Você nasce e sua mãe diz “isso é uma maçã”, então toda vez que você vê uma maçã na vida, você concebe aquele objeto como uma maçã. Sempre aproximamos os objetos, usamos alguns deles como comparativo e base para compreender outros – “essa fruta parece maçã, mas é mais doce”.

Quando vemos uma situação que é dita como boa e é incentivada, aprendemos o que, de acordo com a moralidade vigente, seria bom. Ao contrário de situações desestimuladas e rotuladas como ruim.

É claro que em momentos históricos alguns comportamentos tidos como “bons” são confundidos com “úteis”. Evitar o relacionamento entre parentes, por exemplo, é útil para maior variabilidade genética e prevenção de problemas, ou seja, se torna parte da moralidade não se relacionar com parente, mas em decorrência de uma utilidade à biologia humana. Usamos a regra como instrumento.

Um instrumento é tudo que realiza uma função. Uma pessoa pode ser um instrumento para os objetivos de outra, se você precisa que uma pessoa pegue um copo de água, está instrumentalizando as ações dela. Isso não pressupõe, por si só, ser bom ou ruim, é apenas um fato. A regra de conduta pode e não pode ser um instrumento, depende de como é concebida.

Portanto, temos que ter consciência do bem realizado enquanto ato de altruísmo e bem-querer do simples bem realizando enquanto instrumento de perpetuação das regras estabelecidas por outros. A diferença fulcral é que as regras estabelecidas por outros são instrumentos de suas vontades e visão de mundo, as pessoas que perpetuam essas regras são meros fios condutores de sua vontade, sem autonomia. A partir do momento que essas correntes se tornam evidentes, a pessoa, consciente, quer se livrar delas. Deixa de ser criatura para ser criadora.

A defesa de pautas ideológicas políticas normalmente é uma armadilha.

Existe uma frase que sintetiza o que será descrito no próximo parágrafo e quero que tenha ela em mente para entender o que escrevo: “o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções.”

As pautas que descrevi no começo do texto, progressistas ou conservadoras, são sempre introduzidas ao desavisado de forma virtuosa. “Você defende o bem? Então tem que defender essa pauta aqui”. O sequestro das virtudes é uma tática ótima e explico por que, prometo que vai fazer sentido.

Expliquei um pouco para trás que a concepção do que é bom ou ruim é realizada por meio de linguagem e que toda linguagem é composta de experiências e ideias. Não diferente disso, a ideia de certo e errado é formada desde que a pessoa nasce e tem suas primeiras interações com outros seres humanos. Sua mãe e seu pai dizem “não faça isso, faça isso”. A partir desse momento você entende a própria existência de comportamentos louváveis e reprováveis e vai aprimorando ao longo da vida.

A pessoa mais crítica que reflete conscientemente, entende que algumas ações só eram reprovadas para não causar problemas gerais; transgressões que não podem ser permitidas por incapacidades cognitivas do homem médio, então é estabelecido um padrão comportamental coletivamente de forma tácita ou expressa.

Por exemplo, você não é legalmente obrigado a seguir uma fila, mas é estabelecido e ensinado que a ordem de chegada deve ser respeitada para evitar conflitos. Algumas pessoas furam fila e isso não gera caos, porque sabem que o desvio delas, realizado de forma discreta, não impacta negativamente os outros, visto que eles nem estarão conscientes disso, sabem que a regra era meramente instrumental. As pessoas que seguem a fila sem refletir, acreditam que é moralmente correto estar lá e que outros também estejam.

O que quero dizer é que a realidade é muito mais complexa e os problemas não são resolvidos simplesmente “ficando na linha” como muitas pessoas imaginam. Não é raro ver a frase “Ah, mas se todo mundo andasse na linha não precisaríamos disso”. Esse tipo de observação é feita sem qualquer compromisso com a realidade, se fosse possível uma única pessoa centralizar todo o conhecimento fático de um conjunto de seres humanos, então a ação humana seria previsível e resolvível, o que não é realidade.

A definição de um problema não é um ponto imóvel no espaço e no tempo, é um fenômeno decorrente de pessoas em movimento, pessoas mudam o rumo de suas decisões a cada segundo. Sendo assim, o problema pode ser definido em um momento inicial, mas ao passar do tempo ele naturalmente vai sendo alterado, mesmo que o próprio observador não perceba, as novas experiências e dados da realidade influenciam na tomada de decisão. É como fazer uma aposta ou um trade, em um momento inicial, com base em seu fundamento, a aposta é realizada, mas após mais dados de perda ou vitória a condução do deal se torna empolgante ou desesperadora.

Toda vez que é dito estar “do lado do bem” ou do “do lado correto da história”, é pressuposto que se sabe mais da realidade do que realmente se sabe. É uma mera manipulação de palavras, mas que não carrega sentido intrínseco consigo.

Se o bem é definido por um ou mais critérios e os critérios são definidos por um ou mais indivíduos, então é arbitrária a definição de um conjunto finito de critérios ou a parametrização de um sujeito como pedra angular da moralidade. Exemplifico: “Fazer o bem é se importar com o próximo, não agir de forma egoísta e votar no candidato A.”

Por que não é doar 15% dos rendimentos mensais para uma entidade carente? Por que não é adotar um animal de rua todo mês? Por que não é respeitar incondicionalmente o próximo?

Os critérios poderiam ser ilimitados. Nenhuma pessoa ou governante “do bem” esgotará essa lista nem será perfeito, de fato, mas a razoabilidade dos critérios é instrumental. Como expliquei, a própria definição dos critérios é realizada de modo conveniente. Se você não consegue conciliar sua realidade materialista com a moralidade, então é mais fácil jogá-la de baixo do tapete e fingir que outras pautas são mais importantes. Ainda que a hipocrisia reine, o que importa é parecer bom.

O que acontece implicitamente toda vez que alguém define um conjunto de critérios para “ser bom” é: a pessoa está pegando toda a experiência de vida sobre determinado assunto (conceito) e aplicando um teste de possibilidade (chance de praticar), assim, define (i) o que é a virtude; (ii) que a virtude é alcançável; (iii) outras virtudes podem ser ignoradas ou rejeitadas na medida que são difíceis ou impraticáveis; e (iv) elevação do patamar moral de si e de seus semelhantes com base na definição dos próprios critérios.

É como o juiz julgar o processo em que é réu e se absolver.

Portanto, sem perceber, é muito conveniente a realidade ilusória criada pelos apoiadores de uma moralidade, isso se aplica a diversos grupos políticos, religiosos e acadêmicos. Você cria um mundo em que é o próprio salvador e destrói o que é divergente, já imaginou que delícia ser aclamado salvador em uníssono e acalentador coro?

Quando a moralidade se torna instrumento de aceitação no grupo, certamente perderá qualquer aspecto moral que possa ter consigo.

Você está vivendo um relacionamento tóxico e não percebeu

No estudo dos relacionamentos é amplamente difundido o conceito de um “relacionamento tóxico”. Os problemas desse tipo de relacionamento normalmente são a possessividade, incontáveis chantagens e dependência emocional que levam a uma impossibilidade da outra parte se desvincular.

Nenhum psicólogo, psicanalista, terapeuta, coach ou amigo recomendará permanecer em um relacionamento desse tipo, independentemente de gênero ou costume cultural.

O principal problema desse tipo de relacionamento, normalmente causado pela baixa autoestima e a dependência emocional, é a quase impossibilidade de sair dele. Toda manobra se perde em um contínuo de inércia e dormência afetiva.

Será que alguma dessas características aparece na defesa cega da democracia implementada pela educação e pela cultura estatal?

Veja se existe alguma semelhança nas afirmações abaixo.

  1. “Se não for ele, pode ser que eu encontre um parceiro que não goste de mim de verdade, que seja mal-educado e grosseiro, o que é muito pior.” Disse a parceira abusada.
  2. “Se o governo não for dessa forma, será muito pior, um ditador que censura a mídia, beneficia seus amigos próximos, ataca uma raça ou etnia, intervém em decisões privadas, deprecia o trabalho alheio, toma os recursos dignamente produzidos e ainda fala besteiras.” Disse o governado em dormência de consciência não percebendo que já vive nas garras de um leviatã perverso que faz no escuro tudo aquilo que busca evitar.

A relação das pessoas com a “democracia”, o que quer que isso signifique para elas, é exatamente como um relacionamento abusivo. O status quo de defesa da democracia é um vazio completo que “pega bem”, mas ninguém sabe de fato o que está defendendo. Não se trata de defesa de princípio, mas de uma caixa amorfa abastecida de impurezas e contaminada de parasitas.

Se sua reação foi de espanto ao saber que é possível atacar a democracia e defender liberdade individual, propriedade privada, igualdade racial e de gênero, ao mesmo tempo, parabéns, você tem a chance de progredir seu intelecto compreendendo princípios verdadeiros. A democracia ocidental não é nem de perto o estágio final do desenvolvimento humano.

A primeira reação do gado liberto criado em pastagem também é de espanto. A primeira reação da pessoa longe do ex tóxico é de solidão e dúvida. Essa é a ausência de toxicidade se manifestando para sua mente poder voltar ao estado natural de funcionamento.

Muitas pessoas são enganadas o tempo todo a acreditar na Constituição e em como a “democracia estaria em risco”. A democracia nunca esteve em risco, ela está acontecendo exatamente da forma como foi planejada, nunca foi sobre o povo ter representação, isso sempre foi usado de fachada para amansar o povo. É um instrumento de controle de massas e espólio da população. Uma máquina inchada que se alimenta dos recursos privadamente produzidos aliada a oligopólios produtivos que alimentam as bocas certas e conseguem engordar os próprios bolsos em detrimento de uma genuína concorrência produtiva.

Toda vez que um governante diz se importar com os mais pobres, não está mentindo, ele se importa tanto quanto um criador de gado se importa com o capim: sem o capim o gado não se alimenta e é abatido magro. Os mais pobres e o povo são mantidos propositalmente em pobreza, não existe plano de ação para acabar com esse problema, porque a pobreza não é um problema, é uma solução.

Democracia é só uma palavra vazia, a quimera deformada que, de fato, é a democracia atual pode ser substituída por outros modelos de administração. E, se você, gosta da palavra e não consegue viver sem ela, ótimo, pode ficar com a palavra, isso pouco importa. A toxicidade do modelo administrativo atual está na bizarra centralização de informações no governo estatal sem uma real representação das vontades individuais: o sistema não representa ninguém.

Existe uma lacuna entre inúmeros grupos, seus interesses não são levados em consideração e nunca serão. O principal problema é a grande distância entre governante e governado. Uma distância física e cultural, o governante de terno, por mais descolado que seja, nunca conversará com o povão. Isso é estratégia política. Quanto mais um governante parece ser do povo, ainda que não seja, mais dará a impressão de se importar com os governados.

O progressismo cresce muito em cima da noção de classe social e, inclusive, em cima da “consciência de classe” ou “você é pobre, não vote na direita”. Isso torna o pobre refém de uma mentalidade de grupo antes de poder raciocinar criticamente sobre a pauta fazer ou não sentido. Na mentalidade progressista o pobre é pobre, mas não é livre para escolher o que mais lhe convém. De nada adianta defender minorias, mas não defender o indivíduo, a menor e mais específica expressão de minoria que existe.

De volta ao relacionamento tóxico, o namorado tóxico poderá agir de uma forma preguiçosa com a parceira e disposta com outros. Quando a parceira explica ele ignora, quando outros falam ele escuta, provando que o problema não é com sua audição, mas com a seletividade de escutar quem fala. A democracia, de igual forma, é seletiva.

Diz que escuta a todos igualmente, mas sabe, uma propina e uma licitação fazem os ouvidos ficarem tão abertos e limpos. São verdadeira melodia dos anjos aos ouvidos dos governantes. Nada atrai mais o poder do que mais poder.

Não importa quanto um grupo busque representatividade, o status quo governante sempre se regulará para assegurar seus semelhantes. A semelhança não é mera coincidência, é previsibilidade operacional, você sabe como a pessoa tende a conduzir os negócios. É um pai que passa os negócios da família ao filho. Por isso, não importa quanto seja propagado que a democracia é representativa, isso é uma mentira, não é e não vai ser. Ter um deputado trans não torna a aprovação de suas pautas uma garantia à população trans que o elegeu, o processo legislativo continua o mesmo.

Por fim, a maior de todas as mentiras é a “vontade da maioria”.

Uma eleição com 50.5% para um candidato e 49.5% para outro em um pool de 150 milhões de eleitores significa que praticamente 75 milhões querem uma coisa e 75 milhões querem outra. O cenário fica pior ainda quando consideramos as pessoas que votam em branco, anulam o voto ou não votam. Isso definitivamente faz com que o candidato seja eleito por menos de 51% do total das pessoas. São vontades divergentes ignoradas.

Assumindo que eleições sejam apuradas de forma legítima, ainda assim existe uma lacuna de representatividade, numericamente não faz sentido. A centralização é o principal problema a ser combatido no modelo democrático, ela faz com que especificidades e individualidades se percam no meio do caminho, as medidas se tornam homogêneas em uma realidade completamente complexa.

Democracia não foi feita para ser concretizada em larga escala, a quantidade de variáveis envolvida na aprovação de uma pauta se perde, tornando-a sempre incompleta. Para votar a troca de um encanamento em um condomínio já existem diversas variáveis como a priorização de onde inicia, onde termina, materiais, prazo, equipe etc. Uma obra de escala municipal ou estadual tem incontáveis variáveis que são deliberadas pelos governantes sem qualquer representatividade, o que facilita a corrupção e o favorecimento.

É evidente que toda vez que se centraliza a vontade de milhões de pessoas haverá perda de dados no meio do caminho. Se todo conceito é formado de experiências, então cada pessoa defende um conceito de uma forma distinta tendo em vista que viveu experiências únicas. A forma como cada um defende saúde e educação é distinta e determinada com base na experiência individual do que viveu e aprendeu sobre o tema. Quando se centraliza a educação, é óbvio que existirá uma lacuna entre o que o governante entende e prioriza e o que o governado prioriza. Nunca haverá plena representação e quanto mais vertical for o modelo, distanciando governante e governado, maior será a perda de informação.

A resposta certa para a pergunta errada

Mas e o que existe além do progressismo e do conservadorismo também não preza pela vida, pelo progresso e pelo bem?

Repare que não estou preocupado com correntes de pensamento, mas com a concepção das pessoas sobre os rótulos. É um pensamento real e corrente que rótulos ideológicos são muito diferentes uns dos outros. Na realidade são muito mais próximos do que aparentam. Como uma ferradura os dois extremos são mais próximos do que aparentam.

Esqueça esquerda, direita, progressismo e conservadorismo. Toda pauta política, diferentemente e com exceção da liberdade (que é a ausência de implementação ativa de pauta), tem a mesma estrutura. Quando conservadores apoiam que o governo distribua dinheiro de tributo para uma causa que apoiam é literalmente a mesma coisa que um progressista brigando por distribuição de renda. Ambos são lados da mesma moeda enganados pelo sistema.

“Dar um auxílio para a pessoa não passar fome é diferente de um apoio à produtores de música que apoiam o governo.”

Obviamente é diferente, nenhum fenômeno é idêntico ao outro. O mesmo auxílio, quando atinge diferentes pessoas, é diferente. Necessidade, vontade e preferência são concebidas individualmente tanto pela pessoa que concede o recurso, quanto pela pessoa que recebe. O copo de água é mais valorizado pelo andarilho no deserto do que pelo produtor de cerveja que não passa sede. Todavia, a estrutura pela qual esses auxílios são ofertados é semelhante, senão idêntica.

O erro é acreditar que a forma como você concebe dor, fome, sofrimento e pobreza são iguais à forma que as demais pessoas concebem. Como explicado, cada um concebe os conceitos com base em toda experiência e vivência. Por isso, para aqueles com menor resistência à dor, é inconcebível deixar pessoas passar por segundos de desconforto. E estas são as boas intenções que pavimentam o caminho para o inferno.

Você entende, com base nas suas experiências de vida, perdas e ganhos que um caminho deve ser priorizado e erroneamente acredita que isso seja objetivo e que causa a mesma sensação nas demais pessoas.

Vou dar um exemplo: quem já fez jejuns mais longos que 24h sabe que não acontece absolutamente nada com seu corpo (na realidade acontece positivamente) e ficar um ou dois dias sem comer é absolutamente tranquilo. Uma pessoa que nunca fez jejum na vida, acredita que ficar mais de 6h sem comer pode fazê-la passar mal ou morrer, por isso, ela é mais facilmente enganada em relação ao assunto da alimentação, porque nunca viveu a situação oposta.

Outro exemplo: quem já treinou algum esporte mais pesado até quase vomitar, desmaiar ou ficar sem fôlego sabe que o esporte é exatamente sobre superar limites. Ser mais rápido, mais forte, mais inteligente, mais ágil. Todo esportista sabe implicitamente que não existe fim no esporte, amanhã ele pode bater os próprios recordes. Se os parâmetros dos esportes são definidos por não esportistas, então as metas são baseadas no histórico do que já foi feito, portanto limitadas. Quando os parâmetros são definidos por esportistas, então as metas são baseadas no futuro, no que nunca foi feito, portanto são inimagináveis.

Dou esses dois exemplos para exemplificar o seguinte, as pessoas acreditam muito em uma estabilidade que não existe e isso cria medo nelas. Medo de perder o que tem no presente e medo da incerteza do futuro. Quem não conhece os próprios limites arrisca menos e fica mais preso às ideias que manterão essa estabilidade. Isso é sabido e usado pelos governantes.

A pessoa só pode entender os próprios limites tendo passado por estágios de desenvolvimento psíquico. É praticamente impossível uma pessoa que tem escassez de comida praticar o jejum voluntariamente, ela ainda estará no modo fight or fly. É praticamente impossível uma pessoa emocionalmente dependente levar a vida de forma mais desapegada e leve.

Aqui, a única forma de superar esses estágios é a vivência própria. Não importa quanto expliquem cada uma das etapas do desenvolvimento psíquico, você precisa passar por ela para entender. Se trata unicamente de um processo de consciência.

A forma mais eficaz de superar esses receios e bloqueios é a entropia. Entropia é o termo referente à desordem de um sistema, ou seja, quão caótico ele é. O caos não é sinônimo de algo ruim, mas de possibilidade de acontecimentos aleatórios, eventos que não conseguimos calcular nem controlar. Quanto mais caótico um ambiente, maior a chance de eventos completamente únicos acontecerem.

Na química, quanto maior a concentração dos reagentes, mais caótico o ambiente se torna para que os átomos e partículas colidam e formem produtos. Ou seja, a chance da reação ocorrer é maior.

Na realidade, as pessoas e as coisas seriam os reagentes.

Se uma pessoa tem o potencial para ser um gênio, mas nasce em um país pobre passando fome, então ela tem que resolver diversos problemas para, então, conseguir se dedicar aos estudos. Se essa mesma pessoa nasce em um ambiente que não precisa se preocupar com esses problemas mais básicos (fome, segurança, saneamento etc.), então poderá desenvolver o intelecto de forma tranquila. Naturalmente, países e cidades que conseguem estabelecer uma estrutura produtiva e social em que as pessoas produzem bens, serviços, segurança e possuem vida social agradável, terão mais disponibilidade para focar nas questões mais elevadas do ser, as artes, os estudos e a contemplação.

Conclusão

Depois de fazer tantos rodeios, quero concluir o seguinte: as pessoas acreditam em uma realidade que não existe. O mundo é como é somente para você e, mesmo para você mesmo, ele muda a todo instante. A forma como você vê uma sensação ou um sentimento é verdadeira somente para os seus próprios olhos.

Portanto, defender a bondade ou estar do lado certo da história é uma ficção que as pessoas contam para se sentirem melhor quando se deitam na cama à noite. Suas ações concretas importam muito mais que seus ideais. Fazer o bem incondicionalmente, não usar da força bruta e da violência e tratar igualmente seus pares ignorando os egoísmos é muito mais útil do que ser massa de manobra de ideais políticos abertos e abstratos.

Lembre-se que toda vez que o Estado é utilizado, algo é retirado de uma pessoa e dado para outra – é imposto. Ainda que você concorde com a destinação do recurso, outra pessoa pode não concordar e nem por isso algum dos dois estará certo. Diferentemente, se você fizer doações, ninguém estará sob ameaça legal caso não o faça e no fim todos saem ganhando.

O trunfo que está sendo utilizado contra você pelos grandes detentores de poder, sejam políticos, a mídia ou grandes empresários, é te passar apenas parte da informação. Se você tem conhecimento e cria consciência, então todo o sistema se desfaz.

Termino, enfim, com uma frase que entendo fazer um diagnóstico fotográfico da mentalidade política:

“É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que elas foram enganadas.”

 

Luis Guilherme Cappelozzi
Luis Guilherme Cappelozzi
é advogado empresarial com foco em investimentos, inovação e tecnologia graduado pela Universidade de São Paulo. Um eterno estudante de filosofia e entusiasta das pautas de liberdade, emancipação privada e difusão do conhecimento. Autor da obra Ontologia das Regulações Estatais.
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3 COMENTÁRIOS

  1. Sobre o “Efeito Celso Portiolli”:

    Essa idéia é muito mais antiga, me lembro do Silvio Santos fazendo examente o mesmo tipo de jogo.

    Não sei se foi o Silvio Santos que inventou esse jogo, mas a lembrança mais antiga que tenho da cabine à prova de som com uma luz na frente, vem do programa Silvio Santos.

  2. sofri com essa leitura.. e apesar dos rodeios (que para alguem que já conhece economia austríaca e anarcocapitalismo há anos é sofrível) sempre se tira novas conclusões…

    a vida é curta em comparação ao conhecimento.

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