Esta é a história de um homem, um intelectual, nascido após a Primeira Guerra Mundial, que passou seus anos de universidade em Nova York e se familiarizou e estudou com um emigrante judeu alemão que fugiu do regime nazista na Alemanha, tornando-se posteriormente mentor e protégé.
Aquele homem pertencia à direita política, lecionou em duas universidades diferentes durante sua vida, a primeira no leste dos Estados Unidos, a segunda na parte ocidental do país, foi expulso das instituições mais tradicionais, exceto algumas que ainda apoiavam seu trabalho ocasional, e esteve no centro da cisão da escola de pensamento a que pertencia, com seus seguidores fundando e financiando uma instituição própria para promover seu trabalho.
Para nós do Mises Institute, esta seria a história de um de nossos fundadores, e uma das principais influências intelectuais de nosso pensamento: Murray Rothbard, mas há outro homem que também se encaixa nessa descrição, um que pertence ao que poderia ser considerado pertencente ao lado oposto da direita americana, que poderia ter cada uma das palavras no parágrafo de abertura descrevendo sua vida e obra. Esse homem era Harry V. Jaffa.
Normalmente, os textos publicados pelo Mises Institute, escritas sobre Jaffa, seu trabalho, seus seguidores ou o trabalho deles, são altamente críticas por várias boas razões, como a interpretação constitucional, a questão de Lincoln, ou o estado da direita americana contemporânea, com David Gordon e Thomas DiLorenzo, ambos membros seniores do Instituto, como seus dois principais opositores no canto austrolibertário.
Mas este ensaio não pretende ser mais um tijolo na parede que separa a direita em vários grupos autossuficientes, é antes uma tentativa de construir uma ponte entre nossas diferentes instituições, apontando as semelhanças em nossas figuras intelectuais fundadoras, sem cair no erro de fazer deles semideuses.
Tanto Jaffa quanto Rothbard nasceram de famílias judias na cidade de Nova York logo após a Primeira Guerra Mundial, o primeiro um mero mês antes do armistício oficial entre as partes em guerra em 1918, e o último cerca de oito anos depois, bem no meio dos turbulentos anos 1920s, e enquanto ambos eram nova-iorquinos de nascimento, Jaffa escolheu prosseguir seus estudos de graduação em Yale, Rothbard optou por ficar e obter seu diploma de bacharel na Columbia, tornando ambos graduados da Ivy League.
Jaffa então retornou a Nova York para prosseguir seus estudos de pós-graduação na New School for Social Research, onde conheceu Leo Strauss, um emigrante intelectual judeu alemão que deixou a Alemanha na época em que os nazistas assumiram o poder e que passou um período de ensino na Inglaterra em Cambridge antes de vir para os Estados Unidos.
Da mesma forma, Rothbard, que nunca havia saído de Nova York, prosseguiu seus estudos de doutorado em outra universidade da cidade, a NYU, onde conheceu, entre outros, Ludwig von Mises, outro intelectual judeu emigrante de língua alemã (embora de nacionalidade austríaca) que, após deixar seu país após a tomada do poder nazista, passou alguns anos lecionando em um país estrangeiro, no caso dele, na Suíça, no Graduate Institute of International Studies, antes de vir também para os Estados Unidos.
Na mesma linha, tanto Rothbard quanto Jaffa eram homens de direita quando se trata de sua política, cada um deles sob o patrocínio de instituições que promoveram seu trabalho, como o Volker Fund e o American Enterprise Institute, respectivamente, e com ambos se envolvendo na política em algum momento de suas vidas, com Jaffa se tornando conselheiro e redator de discursos de Barry Goldwater durante sua campanha presidencial nos anos 1960, e Rothbard apoiando os senadores Strom Thurmond e Robert Taft antes de flertar com o anarquismo da Nova Esquerda e se tornar ativo no Partido Libertário dos anos 60 aos 80, ponto em que retornou às raízes radicais e abraçou seu lado populista e apoiou a campanha de seu colega do John Randolph Club, Pat Buchanan, sob um guarda-chuva “paleo” (referindo ao guarda-chuva americano e descentralizado Old Right).
Tanto Rothbard quanto Jaffa eram antes de tudo intelectuais e, como intelectuais que eram, ensinaram, em muitos lugares e para muitos alunos, com Rothbard iniciando sua vida acadêmica ensinando no Brooklyn Polytechnic Institute, onde permaneceu por cerca de vinte anos antes de se mudar pra o oeste, para a Universidade de Nevada, em Las Vegas, e com Jaffa ensinando primeiro na Ohio State University antes de também se mudar para o oeste para ensinar nas Claremont Colleges, tanto no Claremont McKenna College quanto na Claremont Graduate University, onde lecionou por também vinte anos.
Ambos também escreveram extensivamente sobre suas disciplinas e sua filosofia política, com seus escritos publicados por alguns dos principais periódicos de suas respectivas tendências, com o próprio Rothbard, sob ostracismo das principais publicações, fundando e editando duas das melhores publicações libertárias de seu tempo, Left and Right: A Journal of Libertarian Thought e The Libertarian Forum, e Jaffa confiando na National Review de seu amigo William F. Buckley, uma revista liberal-conservadora que se mostraria influente o suficiente nos anos que levaram à eleição de Ronald Reagan a presidência americana.
Finalmente, tanto Rothbard quanto Jaffa se viram no centro de uma cisão em suas respectivas escolas de pensamento, e Rothbard, por exemplo, rompeu com o que havia se tornado uma versão mais mainstream e morna da Escola Austríaca de economia, liderada por estudantes de FA. Hayek (que também estudou com Mises) e influenciado pelo empirismo britânico e pelo monetarismo da Escola de Chicago, e abraçando o apriorismo radical de Mises com uma forte filosofia de direitos naturais desenvolvida a partir das obras de liberais clássicos como John Locke e anarquistas individualistas como Albert Jay Nock e Gustavo de Molinari.
Por outro lado, Jaffa rompeu com muitas pessoas em esferas conservadoras, como Russell Kirk e Richard Weaver sobre a importância do legado de Abraham Lincoln e, o mais importante, estava no marco zero da divisão entre os alunos de Leo Strauss nos dois grupos agora chamados de Costa Leste e Costa Oeste straussianas, com seus alunos ao lado dele e adotando uma perspectiva radical baseada em direitos naturais e sua interpretação da igualdade como um princípio conservador, e seus críticos ao lado de seu ex-amigo e colega estudante de pós-graduação de Strauss Walter Berns, para quem sua chamada prudência e moderação alinharam seus interesses com o governo neoconservador de Bush II e seu vizir Dick Cheney.
Por fim, outra semelhança entre Rothbard e Jaffa é que seus seguidores e eles fundaram e ainda administram e financiam instituições próprias para promover seu trabalho, com o legado de Jaffa sustentado pelo Claremont Institute, uma organização conhecida por seus programas de estudo de estadista e filosofia política, e com nomes internos como Larry P. Arnn do Hillsdale College e Michael Anton, um conselheiro de Segurança Nacional no governo Trump, e com a herança intelectual de Rothbard defendida por sua ideia, o Mises Institute, que ele cofundou com Lew Rockwell e Burton Blumert e com a ajuda de Ron Paul, que é, sem dúvida, a instituição mais importante do mundo para o estudo da economia austríaca e da filosofia clássica liberal e libertária.
Uma boa maneira de encerrar esse relato de duas vidas semelhantes seria nos lembrarmos que o legado de Rothbard e Jaffa coincide em muitos aspectos, desde a luta para reduzir o tamanho do governo (embora em níveis diferentes), um apelo pelo fim da intervenção externa, uma simpatia cautelosa tanto do populismo quanto nacionalismo, e a perspectiva do experimento americano de autogoverno como uma revolução política inovadora no pensamento e na aplicação, mesmo que Jaffa e seus alunos estivessem em lados opostos a Rothbard e os seus na questão de Lincoln (como demonstrado pelo debate DiLorenzo-Jaffa em 2002).
E como já disse anteriormente, este artigo nada mais é do que minha tentativa de construir pontes entre duas instituições e duas figuras intelectuais que, a partir de agora, são os mais importantes precursores do pensamento da direita americana como ela se apresenta atualmente, entre nação e liberdade, entre o uso correto do poder e a virtude da liberdade, pois a citação de Jaffa de “extremismo em defesa da liberdade” sendo “sem vício” e “moderação em busca da justiça” sendo “sem virtude”, escrita para o discurso de aceitação de Barry Goldwater para sua nomeação republicana para a eleição presidencial de 1964 também pode significar o que Rothbard disse em A ética da Liberdade, que “a liberdade absoluta não precisa ser perdida como o preço que devemos pagar pelo advento da civilização; os homens nascem livres e nunca precisam estar acorrentados. O homem pode alcançar liberdade e abundância, liberdade e civilização.
Artigo original aqui
Este artigo deixa bem claro que a direita brasileira está há nos luz de qualquer coisa relevante. O nível de debate de idéias é baixo, nada que possa levar à uma filosofia política , mesmo que seja algo nos moldes da National Review. À excessão são os libertários, que não participam ativamente dos grandes debates.
Muito bom esse artigo. Vale ler com calma todas as referências internas.