Thursday, November 21, 2024
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Prefácio para a segunda edição alemã

É objeto de disputa se, antes da metade do século XIX, existia alguma concepção clara da ideia socialista — pela qual é entendida a socialização dos meios de produção com seu corolário, o controle centralizado do todo da produção por um órgão social, ou, mais acuradamente, estatal. A resposta depende primariamente se consideramos a demanda por uma administração centralizada dos meios de produção por todo o mundo como uma característica essencial em um considerado plano socialista. Os antigos socialistas viam a autarquia de territórios menores como “natural” e qualquer troca de bens entre as fronteiras deles como “artificial” e prejudicial. Apenas após os livre-comerciantes ingleses terem provado das vantagens de uma divisão internacional do trabalho e terem popularizado suas visões através do movimento Cobden, os socialistas passaram a expandir suas ideias socialistas de vilas e distritos para um socialismo nacional e, eventualmente, mundial. À parte desse ponto, entretanto, a concepção básica do socialismo foi basicamente trabalhada no segundo quarto do século XIX pelos escritores designados pelo marxismo como “socialistas utópicos”. Programas para uma ordem socialista da sociedade foram extensivamente discutidos naquele período, mas a discussão não correu a favor deles. Os utópicos não sucederam em planejar estruturas sociais que superassem as críticas de economistas e de sociólogos. Era fácil encontrar buracos em seus programas; provar que em uma sociedade construída com base em tais princípios precisa faltar eficiência e vitalidade, e que certamente não atenderia as expectativas. Em virtude disso, parecia que, por volta da metade do século XIX, o ideal do socialismo tinha sido descartado. A ciência demonstrou a inutilidade dele por meio da lógica estrita e seus apoiadores não foram capazes de produzir um sequer contra-argumento efetivo.

E foi nesse momento que Marx apareceu. Adepto como ele era da dialética hegeliana — um sistema fácil de abusar para aqueles que buscam dominar o pensamento por meio de voos arbitrários de verborragia enfeitada e metafísica — ele não demorou a encontrar uma saída para o dilema no qual os socialistas se encontravam. Desde que a ciência e a lógica argumentaram contra o socialismo, era imperativo desenvolver um sistema com o qual se pudesse contar para se defender de tal crítica impalatável. Essa era a tarefa que o marxismo buscava cumprir. Ele tinha três linhas de procedimento. Em primeiro lugar, negava que a Lógica é válida universalmente para toda a humanidade e para todas as eras. O pensamento, ele dizia, era determinado pela classe dos pensadores; era de fato uma “superestrutura ideológica” dos seus interesses de classe. O tipo de raciocínio que tinha refutado a ideia socialista foi “revelado” como um raciocínio “burguês”, uma apologia para o capitalismo. Em segundo lugar, estabeleceu que o desenvolvimento dialético leva necessariamente para o socialismo; que o foco e o fim de toda a história era a socialização dos meios de produção pela expropriação dos expropriadores — a negação da negação. Finalmente, foi regrado que a ninguém deveria ser permitido levar adiante, como os utópicos fizeram, uma proposta definitiva para a construção da Terra Prometida Socialista. Já que o socialismo era inevitável, a ciência iria, no melhor dos casos, renunciar totalmente qualquer tentativa de determinar sua natureza.

Em nenhum ponto da história uma doutrina encontrou uma aceitação tão completa e imediata como a contida nesses três princípios marxistas. A magnitude e a persistência do seu sucesso são comumente subestimadas. Isso se deve ao hábito de aplicar o termo marxista exclusivamente aos membros formais de um ou outro partido de estilo propriamente dito marxista, que são conhecidos por guardar palavra por palavra das doutrinas de Marx e de Engels como interpretadas por suas respectivas seitas e que levam tais doutrinas como o intocável fundamento e última fonte de tudo que há na sociedade e constituindo o mais alto padrão em matéria de política. Mas, se nós incluirmos sob o termo “marxista” todos aqueles que aceitaram os princípios marxianos básicos — as condições de pensamento de classe, a inevitabilidade do socialismo e que a pesquisa em ser e trabalhar na sociedade comunista é não-científica, então nós não seríamos capazes de encontrar muitos não marxistas na Europa a oeste do Reno e até mesmo no Oeste Europeu e nos Estados Unidos encontram-se mais apoiadores do que oponentes ao marxismo. Cristãos professados atacam o materialismo dos marxistas, monarquistas atacam seu republicanismo, nacionalistas atacam seu internacionalismo, ainda assim, eles mesmos, cada um de sua própria forma, querem ser conhecidos como socialistas cristãos, socialistas de estado, nacional-socialistas. Afirmam que sua vertente particular de socialismo é a única verdadeira — a que “deve” emergir, trazendo com ela felicidade e contentamento. O socialismo dos outros, dizem, não é da classe genuína a qual o deles pertence. Ao mesmo tempo, eles escrupulosamente respeitam a proibição marxista acerca de qualquer previsão sobre as instituições de uma economia socialista futura, e tentam interpretar o funcionamento do sistema econômico presente como um desenvolvimento para o socialismo em acordo com a demanda inexorável do processo histórico. É claro que não apenas os marxistas, mas a maior parte desses que tão enfaticamente se declaram antimarxistas, pensam inteiramente em linhas marxistas e adotaram os dogmas arbitrários, não confirmados e facilmente refutáveis de Marx. Se e quando eles chegarem ao poder, eles governarão e trabalharão inteiramente com espírito socialista.

O incomparável sucesso do marxismo se deve ao prospecto que ele oferece em cumprir as aspirações dos sonhos e os sonhos de vingança que foram tão profundamente implementados na alma humana desde tempos imemoriais. O marxismo promete um paraíso na terra, uma terra de desejo dos nossos corações, terra cheia de felicidade e prazer, e — de forma até mais doce para os perdedores no jogo da vida — humilhação para todos os que são mais fortes e melhores do que a multidão. Lógica e raciocínio, que poderiam mostrar o absurdo nesses sonhos de brilho e vingança, devem ser jogados de lado. O marxismo é a mais radical das reações contra o reinado do pensamento científico sobre a vida e a ação, estabelecido pelo racionalismo. E é contra a lógica, contra a ciência e contra a atividade de pensar por si só — seu princípio mais destacado é a proibição do pensamento e da investigação, especialmente quando aplicada sobre as instituições e o funcionamento de uma economia socialista. E é característico que adote o nome de socialismo científico e ganhe o prestígio adquirido pela ciência com o sucesso indiscutível em reinar sobre a vida e sobre a ação, para usar em sua própria batalha contra qualquer contribuição científica para a construção de uma economia socialista. Os bolcheviques persistentemente dizem a nós que a religião é o ópio do povo. O marxismo é que, na verdade, é o ópio para aqueles que pudessem pensar e, por conseguinte, se livrarem dele.

Nesta nova edição de meu livro, que foi consideravelmente revisada, eu me aventurei a desafiar a quase universalmente respeitada proibição marxista ao examinar os problemas da construção socialista da sociedade em linhas científicas, i.e., pela ajuda da teoria sociológica e econômica. Enquanto agradecidamente reporto aos homens cujas pesquisas abriram o caminho para todo o trabalho, a minha própria aqui incluída nesse campo, ainda é uma fonte de satisfação para mim estar em uma posição em que possa clamar ter quebrado o banimento posicionado pelo marxismo sobre um tratamento científico desses problemas. Desde a primeira publicação desse livro, problemas previamente ignorados se tornaram objeto de interesse científico e a discussão sobre socialismo e capitalismo foi colocada em novo terreno. Aqueles que se satisfizeram em fazer algumas poucas observações sobre as bênçãos que o socialismo traria agora estão obrigados a estudar a natureza da sociedade socialista. Os problemas foram definidos e não podem mais ser ignorados.

Como era de se esperar, socialistas de todos os tipos e descrições, desde o mais radical soviete bolchevique até os “Edelsozialisten” da civilização ocidental, tentaram refutar meus raciocínios e conclusões. Mas, eles não foram bem-sucedidos, eles nem sequer conseguiram levar a cabo qualquer argumento que eu não tenha discutido e desaprovado. Nos tempos presentes, as discussões científicas sobre os problemas básicos do socialismo seguem a linha de investigações deste livro.

Os argumentos pelos quais eu demonstrei que, numa comunidade socialista, o cálculo econômico não seria possível atraíram uma atenção especialmente notável. Dois anos antes da aparição da primeira edição do meu livro, eu publiquei essa seção das minhas investigações no Archiv Für Sozialwissenschaft (Vol. XLVII, No. I), a qual está escrita praticamente igual as duas edições desse livro. O problema, que antes foi apenas tocado superficialmente, floresceu uma discussão viva nos países falantes de alemão e pelo mundo. E talvez possa ser verdadeiramente dito que essa discussão está agora fechada, uma vez que atualmente não há praticamente nenhuma oposição à minha objeção.

Pouco tempo depois da aparição da primeira edição, Heinrich Herkner, chefe dos socialistas da cátedra (“Kathedersozialisten”) em sucessão a Gustav Schmoller, publicou um ensaio que, em todos os seus elementos essenciais, apoiou minhas críticas ao socialismo[1]. Suas observações levantaram uma tempestade sobre os socialistas alemães e o rumo de sua literatura. Além disso, isso fez crescer, no meio da luta catastrófica em Ruhr e na hiperinflação, uma controvérsia que foi rapidamente conhecida como a crise da “política de reforma social”. O resultado da controvérsia, ainda assim, foi esparso. A “esterilidade” do pensamento socialista, para o qual um socialista ardente tenha dedicado atenção, foi especialmente aparente nessa ocasião[2]. Dos bons resultados que podem ser obtidos por um estudo não enviesado do socialismo e seus problemas há uma prova nos trabalhos admiráveis de Pohle, Adolf Weber, Ropke, Halm, Sulzbach, Bruzkus Robbis, Hutt, Withers, Benn e outros.

Mas, a investigação científica dos problemas do socialismo não é o bastante. Nós precisamos também quebrar o muro de preconceito que bloqueia um escrutínio não enviesado desses problemas. Qualquer advogado de medidas socialistas é visto como um amigo do Bem, do Nobre e da Moral, como um pioneiro desinteressado de reformas necessárias, em suma, um homem que, de forma altruísta, serve ao seu povo e a toda a humanidade, e que está acima de todos como um zeloso e corajoso perseguidor da verdade. Mas, deixe que qualquer um mensure o socialismo pelos padrões do raciocínio científico, e esse alguém então se tornará um campeão do princípio do mal, um mercenário servindo interesses egoístas de uma classe, uma ameaça para o bem-estar de uma comunidade, uma pessoa ignorante e fria. O mais curioso dessa forma de pensar é na parte que tange a questão acerca de se é o socialismo ou o capitalismo que melhor servirão ao bem-estar público, questão essa que, colocada nesses termos — para todos os efeitos, naturalmente, o socialismo é por esses desde antes considerado como bom e o capitalismo como mal — apenas pela investigação científica poderia ser resolvida. Os resultados da investigação econômica são conhecidos, não com argumentos, mas com esse sentimento moral, sentimento esse que encontramos no convite para o Congresso Eisenach em 1872 e com o qual os socialistas e estatistas sempre contam, porque não conseguem achar respostas ao criticismo ao qual a ciência sujeita suas doutrinas.

O antigo liberalismo, baseado na economia política clássica, mantinha que a posição material de todas as classes de assalariados só podia ser permanentemente aumentada por um incremento de capital, e nada que uma sociedade capitalista baseada na propriedade privada dos meios de produção não possa garantir. A economia subjetivista moderna foi fortalecida e confirmada com base nessa visão pela teoria dos salários. Aqui, o liberalismo moderno concorda totalmente com a escola antiga. O socialismo, entretanto, acredita que a socialização dos meios de produção cria um sistema que poderia trazer riqueza para todos. Essas visões conflitantes precisam ser examinadas à luz sóbria da ciência: indignação justa e lamentações não nos levarão a lugar algum.

É verdade que o socialismo é hoje uma questão de fé para muitos, talvez para a maior parte dos seus adeptos. Mas, o criticismo científico não tem tarefa mais nobre do que a de livrar-nos de crenças falsas.

Para proteger o ideal socialista do efeito excruciante de tal criticismo, tentativas foram recentemente feitas para aprimorar a definição aceita do conceito de socialismo. Minha própria definição de socialismo, como uma política que visa a construção de uma sociedade na qual os meios de produção são socializados, está de acordo com todos os cientistas que escreveram sobre o assunto. Eu afirmo que, precisa-se ser historicamente cego para não ver que isso e nada mais é o que tem mantido o socialismo pelas últimas centenas de anos, e que é nesse sentido que o grande movimento socialista foi e é socialista. Mas, por que brigar por essa definição? Se alguém quiser chamar um ideal de socialista ainda que mantenha a propriedade privada dos meios de produção, deixe que o faça. Um homem que queira chamar um gato de cachorro e o sol de lua pode fazer se a ele convém. Mas, o uso reverso da terminologia usual, que todos entendemos, não faz bem algum e somente cria confusões. O problema com o qual somos confrontados aqui é a socialização dos meios de produção, i.e., o próprio problema advindo dessa luta mundial que hoje já perpassa um século, o problema κατ’ ἐξοχήν (par excellence) de nossa época.

Não se pode desviar dessa definição de socialismo afirmando que o conceito socialismo inclui outras coisas além da socialização dos meios de produção: por dizer, por exemplo, que nós estamos agindo por certas motivações especiais quando somos socialistas ou que existe um segundo enfoque — talvez um conceito puramente religioso ligado a tal. Apoiadores do socialismo sustentam que a única marca merecedora desse nome é aquela que deseja a socialização dos meios de produção por motivos nobres. Outros, que passam por oponentes do socialismo, tem para si que a nacionalização dos meios de produção desejada por motivos “ignóbeis” apenas, deve ser considerada como socialismo também. Socialistas religiosos dizem que o socialismo genuíno está conectado à religião, o socialismo ateu insistiu em abolir Deus junto com a propriedade privada. Mas, o problema de como uma sociedade pode funcionar é bem separado da questão acerca da visão sobre se é certo ou não adorar ao Deus de seus apoiadores e se eles são ou não guiados por motivos que Sr. Xavier, do seu ponto de vista privado, consideraria nobres ou desprezíveis. Cada grupo do grande movimento socialista reivindica que seu tipo de socialismo é o único verdadeiro e considera os outros heréticos; e naturalmente tenta enfatizar a diferença entre seus ideais particulares e aqueles de outros partidos. Eu me arrisco a afirmar que, no curso das minhas pesquisas, eu trouxe para a mesa tudo o que devia ser dito sobre essas afirmações.

Nessa ênfase nas peculiaridades de tendências socialistas particulares, a influência que essas tendências possam ter nos objetivos das democracias e ditaduras obviamente representa parte significativa da questão. Aqui também, eu não tenho nada a adicionar ao que eu já disse sobre o assunto em várias partes deste livro. (Parte I, iv, i; Parte II, ii, iii, §i; Parte IV, v). Basta dizer aqui que a economia planificada que os defensores da ditadura desejam instaurar é precisamente tão socialista quanto o socialismo propagado pelos autoproclamados social-democratas.

A sociedade capitalista é a concretização do que devemos chamar de democracia econômica, caso o termo — segundo, acredito eu, a terminologia de Lord Passfield e Senhor Webb — tivesse entrado em uso e sido aplicada exclusivamente para denominar um sistema no qual os trabalhadores, como produtores, e não os consumidores eles mesmos, decidem o que deve ser produzido e como. Esse estado de coisas seria tão pouco democrático quanto, digamos, uma constituição política sob a qual os funcionários do governo, e não todo o povo, decidissem como o estado seria governado — certamente o oposto — do que costumamos chamar de democracia. Quando chamamos uma sociedade capitalista de democracia dos consumidores, queremos dizer que o poder de dispor dos meios de produção, que pertence aos empreendedores e capitalistas, só pode ser adquirido por meio do voto dos consumidores, realizado diariamente no mercado. Toda criança que prefere um brinquedo a outro coloca seu boletim de voto na urna, o que acaba decidindo quem será eleito capitão da indústria. É verdade que não há igualdade de voto nesta democracia; alguns têm votos plurais. Mas, o maior poder de voto que a disposição de uma renda maior implica só pode ser adquirido e mantido pelo teste de eleição. Que o consumo dos ricos pese mais na balança do que o consumo dos pobres — embora haja uma forte tendência de superestimar consideravelmente a quantidade consumida pelas classes abastadas em proporção ao consumo das massas — é em si um “resultado eleitoral”, uma vez que numa sociedade capitalista a riqueza pode ser adquirida e mantida apenas por uma resposta de acordo com às necessidades dos consumidores. Assim, a riqueza dos homens de negócios bem-sucedidos é sempre o resultado de um plebiscito dos consumidores e, uma vez adquirida, essa riqueza só pode ser retida se for empregada da maneira considerada pelos consumidores como mais benéfica para eles. O homem médio é mais bem informado e menos corruptível nas decisões que toma como consumidor do que como eleitor em eleições políticas. Dizem que há eleitores que, diante de uma decisão entre o Livre Comércio e a Proteção, entre o Padrão Ouro e a Inflação, não são capazes de ter em vista tudo o que a sua decisão implica. O comprador que tiver de escolher entre diferentes tipos de cerveja ou marcas de chocolate certamente terá uma tarefa mais fácil.

O movimento socialista se esforça para fazer circular, com frequência, novos rótulos para seu estado idealmente construído. Cada etiqueta desgastada é substituída por outra que levanta esperança de uma solução definitiva para o problema básico insolúvel do socialismo — até que se torna óbvio que nada mudou, exceto o nome. O mais recente slogan é “capitalismo de estado”. Não é comumente percebido que isso cobre nada mais do que o que costumava ser chamado de economia planejada e socialismo de estado, e que capitalismo de estado, economia planejada e socialismo de estado divergem apenas em elementos não essenciais do ideal “clássico” de socialismo igualitário. As críticas neste livro focam imparcialmente em todas as formas concebíveis de comunidades socialistas.

Apenas o sindicalismo, que difere fundamentalmente do socialismo, exigiu um tratamento especial (Parte II, III, ii, § 4).

Eu espero que essas observações convençam até mesmo o leitor mais apressado e superficial de que minha investigação e críticas não se aplicam somente ao socialismo marxiano. E como, entretanto, todos os movimentos socialistas foram fortemente estimulados pelo marxismo, eu devotei um espaço maior às visões marxistas do que a qualquer outra variante socialista. Eu acredito que comentei tudo o que diz respeito a esses problemas e também fiz uma crítica exaustiva dos traços característicos dos programas não marxistas.

Meu livro é uma investigação científica, não uma polêmica política. Analisei os problemas básicos e ignorei, na medida do possível, todas as lutas políticas e econômicas do dia a dia e os ajustes políticos e econômicos de governos e partidos. E isso se provará ser a melhor forma de preparar os fundamentos de um entendimento da política das últimas décadas e anos: sobretudo da política-do-amanhã. Somente um estudo crítico completo das ideias socialistas poderá nos permitir entender o que está acontecendo ao nosso redor.

O hábito de falar e de escrever sobre assuntos econômicos sem ter sondado implacavelmente, até o fundo de seus problemas, tirou o entusiasmo das discussões públicas sobre questões vitais para a sociedade humana e desviou a política para caminhos que levam diretamente à destruição de toda a civilização. A proibição da teoria econômica, que começou com a escola historicista alemã e hoje encontra expressão notável no institucionalismo americano, demoliu a autoridade do pensamento qualificado sobre essas questões. Nossos contemporâneos consideram que tudo que venha com o título de economia e sociologia é jogo acessível ao crítico desqualificado. Assume-se que o dirigente sindical e o empreendedor sejam qualificados apenas pela virtude típica do cargo decidir sobre questões de economia política. “Homens práticos” dessa ordem, mesmo aqueles cujas atividades, notavelmente, frequentemente levam ao fracasso e à falência, gozam de um prestígio espúrio como economistas que deveria ser destruído a qualquer custo. Em hipótese alguma uma disposição de evitar palavras chocantes deve ser autorizada a criar com esses um acordo. É hora desses amadores serem desmascarados.

A solução de cada uma das muitas questões econômicas do dia a dia exige um processo de pensamento do qual só são capazes aqueles que compreendem a interconexão geral dos fenômenos econômicos. Somente investigações teóricas que vão ao fundo das coisas têm algum valor prático real. As dissertações sobre questões atuais que se perdem nos detalhes são inúteis, pois estão muito absortas no particular e no acidental para terem olhos para o geral e o essencial.

É costumeiramente dito que toda investigação científica no que diz respeito ao socialismo é inútil, porque ninguém, exceto o comparativamente pequeno número de pessoas que são capazes de acompanhar as linhas de pensamento científico, pode entendê-las. Para as massas, é dito, que essas linhas permanecerão sempre incompreensíveis. Para as massas, os slogans do socialismo parecem verdadeiros e as pessoas desejam impetuosamente o socialismo porque, na paixão deles, eles esperam que ele traga salvação completa e satisfaçam suas aspirações por vingança. E assim eles continuarão a trabalhar para o socialismo, ajudando assim a trazer o inevitável declínio da civilização que as nações do Ocidente levaram milhares de anos para erguer. E assim, iremos inevitavelmente caminhar para o caos e à miséria, para as trevas da barbárie e da aniquilação.

Não compartilho dessa visão sombria. Pode até acontecer dessa forma, mas não é necessário que assim aconteça. É verdade que a maior parte da humanidade não é capaz de seguir linhas difíceis de pensamento e que não existe escolaridade que ajudará aqueles que com muita dificuldade apreendem as mais simples proposições a entender proposições complicadas. Mas, só porque eles não podem pensar por si mesmos, as massas seguem o exemplo das pessoas que chamamos de educadas. Depois de convencer essas pessoas, o jogo está ganho. Mas, não quero repetir aqui o que já disse na primeira edição desse livro ao final do último capítulo[3].

Sei bem demais o quão desesperador parece ser convencer defensores apaixonados da ideia socialista por demonstração lógica que suas visões são irracionais e absurdas. Sei muito bem que eles não querem ouvir, ver, ou, acima de tudo, pensar, e que eles não estão abertos a argumentos. Mas, as novas gerações crescem com olhos claros e mentes abertas. E eles abordarão as coisas de um ponto de vista desinteressado e sem preconceitos, eles irão pesar e examinar, irão pensar e agir com premeditação. E é para eles que este livro foi escrito.

Várias gerações de políticas econômicas quase liberais aumentaram enormemente a riqueza do mundo. O capitalismo elevou o padrão de vida entre as massas para padrões que nossos ancestrais não poderiam ter imaginado. O intervencionismo e seus esforços para introduzir o socialismo têm trabalhado agora já por algumas décadas para quebrar os alicerces do sistema econômico mundial. Estamos à beira de um precipício que ameaça engolfar nossa civilização. Se a humanidade civilizada irá perecer para sempre ou se a catástrofe será evitada na décima primeira hora e a única forma possível de salvação reconstituída — forma aqui entendida como a reconstrução de uma sociedade baseada no reconhecimento irrestrito da propriedade privada dos meios de produção — é uma questão que diz respeito à geração destinada a atuar nas próximas décadas, pois são as ideias por trás de suas ações que decidirão o futuro.

Viena, Janeiro de 1932.

 

_____________________________

Notas

[1]              Herkner, “Sozialpolitische Wandlungen in der wissenschaftlichen Nationalökonomie” (Der Arbeitgeber, 13, Jahrgang, p. 35).

[2]              Cassau, Die sozialistische Ideenwelt vor und nach dem Kriege (em “Die Wirtschaftwissenschaft nach dem Kriege”, Festgabe für Lujo Brentano zum 80. Geburtstag, München 1925, I Bd., p. 149 et seq.).

[3]              p. 515 et seq. desta edição.

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.
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