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David Gordon
[David Gordon (dgordon@mises.com) é membro sênior do Ludwig von Mises Institute, autor de vários livros, incluindo Resurrecting Marx, The Philosophical Origins of Austrian Economics e An Introduction to Economic Reasoning, e editor do The Mises Review.]
Em seu grande livro Democracia – o deus que falhou, Hans Hoppe argumentou que a democracia leva ao aumento do poder do Estado. Em sua opinião, a transição na história europeia da monarquia para a democracia foi um revés para a liberdade: “Eu [Hoppe] explicarei o rápido crescimento do poder do estado lamentado por Mises e Rothbard como o resultado sistemático da mentalidade democrática, ou seja, a crença (errônea) na eficiência e/ou justiça da propriedade pública e governo (da maioria) popular.”[1]
Essa conclusão colocou Hoppe em oposição total à opinião dominante na filosofia política anglo-americana contemporânea. No mainstream, as justificativas para a democracia abundam. É dado como certo que a democracia, pelo menos para as sociedades políticas ocidentais modernas, é o único sistema de governo justificável. A questão a ser discutida é apenas como a justificativa deve ser realizada. Proponho examinarmos um esforço recente para justificar a democracia, um que já rendeu muitos aplausos ao seu autor. David M. Estlund, em Democratic Authority: A Philosophical Framework[2] oferece uma “justificativa epistêmica” para a democracia. Tentarei mostrar uma falha em um passo crucial de seu argumento.
Estlund deseja mostrar que a tomada de decisão democrática tem autoridade e legitimidade:
“Por autoridade, eu [Estlund] entenderei o poder moral de um agente (enfatizando especialmente o estado) para exigir ou proibir moralmente ações de outros por meio de comandos. … Por legitimidade, quero dizer a permissibilidade moral de o estado emitir e fazer cumprir seus comandos devido ao processo pelo qual foram produzidos.” (p. 2)
Uma maneira de mostrar que o estado tem autoridade e legitimidade seria alegar que os governantes possuem conhecimento especializado que os outros não possuem. Os governantes sabem, por exemplo, como administrar uma economia complexa e a política externa adequada a ser adotada, enquanto aqueles que não têm autoridade carecem desse conhecimento. (Tal afirmação seria obviamente risível no mundo real; mas estamos aqui preocupados apenas com a estrutura deste argumento particular, não com a base factual de sua premissa.)
Como Estlund corretamente reconhece, esse argumento não pode ser aceito. Mesmo que os governantes tivessem conhecimento superior, isso não seria suficiente para gerar uma obrigação por parte dos outros de obedecê-los.
É importante notar que a autoridade não decorre simplesmente da perícia. Mesmo se admitirmos que existem decisões políticas melhores e piores (o que eu acho que devemos), e que algumas pessoas sabem melhor o que deve ser feito que outras, simplesmente não decorre de suas qualificações que eles têm autoridade sobre nós, ou que eles deveriam ter. . . . Você pode estar certo, mas o que o torna chefe? [p. 3]
Se o conhecimento especializado não fundamenta autoridade e legitimidade, o que o faz? Uma alternativa natural seria dizer que alguém tem autoridade sobre outro apenas por consentimento. A menos que as pessoas tenham voluntariamente aceito a autoridade do estado, elas não têm a obrigação de obedecer aos seus ditames. Os anarquistas libertários prontamente aceitariam essa tese, mas Estlund decididamente não é dessa opinião. O que então ele deve fazer? Se ele rejeita a necessidade de consentimento, ele não se comprometeu com o governo autoritário? A questão se torna mais urgente porque, como vimos, ele rejeita a base mais natural para uma pretensão de governar sem consentimento, ou seja, o conhecimento superior dos governantes.
Estlund se livra dessa dificuldade negando que deseja dispensar totalmente o consentimento.
Uma visão tradicional diz que não há autoridade sem consentimento. O estado não está em posição de impor obrigações a mim, a menos que eu concorde, voluntária e conscientemente, que eles tenham esse poder moral. A principal fraqueza dessa abordagem é que ela não parece explicar a autoridade do estado sobre muitas pessoas, uma vez que a maioria das pessoas nunca consente à autoridade do estado.[3] … [Mas] se houvessem algumas condições que anulassem o não consentimento, o resultado seria moralmente equivalente ao consentimento. . . talvez, se o não consentimento for moralmente errado, deveria ser sem efeito moral. [p. 9]
A conclusão de Estlund não se sustenta a partir dos argumentos apresentados. Suponha que você precise consultar alguns documentos de minha propriedade para concluir sua dissertação. Estipulemos que não tenho má vontade, e que não me custaria nada permitir que você consulte os documentos. Podemos até supor que você me oferece uma taxa generosa se eu permitir que os examine. Infelizmente para o seu trabalho, recuso-lhe o acesso a eles por nenhum motivo além de um mero capricho. É claro que agi mal: não deveria ter impedido seu projeto sem motivo. Não se segue, porém, que, por ter agido mal, você agora pode consultar os documentos, não obstante meu desejo contrário. Da mesma forma, sugiro, se você deixou de consentir com uma decisão política quando deveria, isso não significa que sua decisão errônea possa ser considerada equivalente ao consentimento.
Deixe-nos colocar este ponto de lado e, arguendo, assumir que o projeto de governo sem consentimento real de Estlund se sustente. Em que condições as pessoas devem consentir com as decisões políticas? Estlund, ninguém ficará surpreso ao saber, encontra a resposta na democracia. Em uma comunidade política, escolhas sobre certos assuntos de interesse de todos devem ser feitas. Todos na comunidade têm a chance de se pronunciar sobre esses assuntos, e as deliberações de uma comunidade democrática provavelmente chegarão a melhores decisões do que se fossem tomadas aleatoriamente. Nessas circunstâncias, as pessoas devem consentir com os resultados, mesmo que se encontrem na minoria.
Pode-se pensar à primeira vista que Estlund recuou para uma posição que já rejeitou. Ele apela para a probabilidade de decisões corretas; mas ele não reconheceu corretamente que a correção não gera autoridade? “Você pode estar certo, mas o que o torna chefe?” (p. 3) Além disso, ele não estabeleceu um padrão muito baixo? Tudo o que ele pede da democracia é que ela conduza a decisões melhores do que se fossem tomadas aleatoriamente. Se alguém apela para a autoridade do conhecimento, não deveria exigir mais?
Mas Estlund na verdade não aceitou o que ele havia anteriormente rejeitado. Não são os méritos epistêmicos da democracia por si mesmos que resultam na reivindicação de autoridade; são esses méritos combinados com a participação em massa na tomada de decisões.
As leis produzidas democraticamente são legítimas e oficiais porque são produzidas por um procedimento com tendência a tomar decisões corretas. Não é um procedimento infalível e pode até haver procedimentos mais precisos. Mas a democracia é melhor do que decisão aleatória e epistemicamente a melhor entre aquelas que são geralmente aceitáveis da maneira que a legitimidade política requer. [p. 8]
Estlund defende sua afirmação sobre a tomada de decisão democrática em dois estágios. Primeiro, ele afirma que, em um sistema ideal de deliberação democrática, as decisões provavelmente serão mais corretas do que se fossem tomadas aleatoriamente. Em segundo lugar, embora a democracia existente na prática fique aquém da situação ideal, ainda é provável que ela retenha a autoridade epistêmica necessária.
A principal falha do argumento está na primeira etapa. Estlund corretamente chama a atenção para as vantagens da deliberação e dos múltiplos pontos de vista quando se está tentando chegar a uma decisão. Afinal, Hayek não nos ensinou as vantagens do conhecimento disperso, embora seu argumento fosse pelo livre mercado e não pela democracia?
Se perguntarmos por que é que duas cabeças são melhores do que uma, ou por que pensar junto de forma comunicativa é epistemicamente melhor do que pensar sozinho, um elemento que merece mais discussão é a dispersão do conhecimento. A ideia de conhecimento disperso é central para o trabalho de Hayek sobre mercados econômicos, e vale a pena considerar seu trabalho em busca de pistas de como usar essa ideia para apoiar o valor epistêmico da democracia. [p. 177]
Estlund caiu em um flagrante non sequitur. Parece inteiramente razoável dizer que a deliberação que tira proveito do conhecimento disperso é melhor do que a decisão que carece dessa característica: em muitos casos, duas cabeças são de fato melhores do que uma. Mas como isso de alguma forma estabelece a conclusão que Estlund deseja, ou seja, que as decisões democráticas têm uma chance maior do que as aleatórias de estarem certas? O fato de que um método é melhor do que outro, não diz nada sobre se um dos métodos é superior ao acaso.
Há outro problema com a afirmação de Estlund. Para saber quão “boa” é a tomada de decisão democrática, seria necessário comparar decisões democráticas particulares com as decisões corretas. Mas Estlund em lugar nenhum apresenta qualquer critério independente para avaliar o quão corretas são as decisões políticas. Mesmo que ele estivesse certo, não teríamos como saber disso.
O argumento epistêmico de Estlund não foi bem sucedido. Dado o lamentável histórico da democracia que Hans Hoppe documentou abundantemente, esse fracasso era de se esperar.[4]
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Notas
[1] Hans-Hermann Hoppe, Democracy: The God That Failed (New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2001), p. xxiii. Veja minha análise na The Mises Review 8, no. 2 (primavera de 2002).
[2] Princeton University Press, 2008. Todas as referências subsequentes a este livro serão feitas por números de página entre parênteses no texto.
[3] Os libertários não deixarão de notar que, para Estlund, deve resultar que o estado é justificado. Como o consentimento estrito não justifica o estado, não pode ser aceito como um critério.
[4] Estlund nunca se refere a Hoppe.