Na era democrática, a discriminação se tornou um palavrão muito ofensivo. No entanto, a discriminação é mais corriqueira e natural do que imaginamos. Discriminar consiste em escolher “isso” ao invés “daquilo”. Assim, se você não é um bissexual hedonista que sente atração por todas as pessoas – i.e.: se você é uma pessoa normal adepta do casamento monogâmico –, você discriminou (ou está disposto a discriminar) aproximadamente 7 bilhões de pessoas no “mercado” matrimonial. Você é “racista”, “misógino”, “intolerante” ou “homofóbico” por isso? Não, você apenas fez uma escolha sem agredir ninguém. Os 7 bilhões de rejeitados não sofreram nenhum dano por sua escolha matrimonial.
Diante destas considerações iniciais, vou dissertar mais a fundo sobre o tema.
Ninguém louvou tanto a discriminação como o filósofo e economista Hans-Hermann Hoppe. Por meio de seu libertarianismo de direita e realista – canonizado na obra Democracia, o Deus que falhou (2001) –, ele ensina que a propriedade privada significa discriminação, pois, por meio dos direitos de propriedade privada, “[e]u – e não você – sou o dono disso e daquilo. Eu tenho o direito de excluir você da minha propriedade. Eu posso estipular condições para o seu uso da minha propriedade; e eu posso expulsar você da minha propriedade” (p. 245).
Infelizmente, com a globalização do republicanismo democrático gerada pelo fim da I Guerra Mundial e a consequente derrubada do ancien régime, a discriminação passou a ser repelida e criminalizada. A principal causa disso foi o movimento pelos “direitos civis” liderado pelo pastor socialista Martin Luther King nos EUA. A Lei dos Direitos Civis de 1964 foi uma resposta às leis de segregação forçada criada pelas Leis do Jim Crow. Ela proibiu a discriminação de forma generalizada, i.e.: a discriminação do governo em suas relações com as pessoas, e das pessoas em suas relações privadas. No Brasil, a lei equivalente a dos direitos civis é a Lei 7.716/89, que disciplina os crimes resultantes de raça ou de cor.
I – Liberdade de associação e discriminação
Sir Roger Vernon Scruton define a liberdade de associação com uma bela ilustração:
Da matéria-prima do afeto humano construímos associações duradouras com regras, ocupações, cerimônias e hierarquias que atribuem às atividades um valor intrínseco. Escolas, igrejas, bibliotecas; coros, orquestras, bandas, grupos teatrais; clubes de críquete, times de futebol, campeonatos de xadrez; sociedade histórica, instituto de mulheres, museu, clube de caça e de pesca – de mil maneiras, as pessoas se reúnem não apenas em círculos de amizade, mas em associações formais, adotando ou submetendo-se voluntariamente às normas e aos procedimentos que regem a conduta e as tornam uma fonte não só de divertimento mas também de orgulho: criam hierarquias, ocupações e regras às quais as pessoas se submetem voluntariamente porque podem constatar a sua relevância. E são vistas com desconfiança por aqueles que acreditam que a sociedade civil deveria ser dirigida por aqueles que sabem mais. [Como ser um conservador, pp. 182 e 183]
Desse modo, liberdade de associação significa o direito de se associar voluntariamente a alguém por qualquer razão conveniente. A liberdade de associação possui dois antônimos: I) a integração forçada, que significa se associar com alguém por um modo forçado (ela ocorre, p.ex., quando um comerciante/empregador é proibido de excluir/demitir uma pessoa que não gosta); e II) a separação forçada, que ocorre quando duas (ou mais) pessoas querem se associar, mas são proibidas pelo governo (era o caso do Apartheid e do Jim Crow).
Em uma sociedade livre, as pessoas podem usar da discriminação para concretizar a liberdade de associação. Elas são livres para incluir e excluir, ajuntar e segregar quem elas quiserem em suas propriedades, seja por motivos subjetivos (tais como raça, etnia, cultura, religião ou classe social), por motivos objetivos (como códigos de higiene e vestimenta) ou por motivo nenhum. Pode ser que uma ou outra discriminação seja considerada imoral, mas moralidade e legalidade são assuntos diversos. Eu particularmente ficaria abalado se eu fosse discriminado em algum restaurante. No entanto, eu não posso exigir que o governo viole os direitos de propriedade do dono do restaurante e interfira no seu direito de livre associação. Se eu o obrigar, por meio do estado, a me servir um prato de comida, isso seria uma forma de servidão involuntária. Eu poderia ir em outro restaurante ou até mesmo boicotá-lo, mas os meus sentimentos feridos não me dão o direito de escravizá-lo.
(Todavia, há uma tendência no mercado no sentido de não discriminar. Como ensinou o Prof. Hoppe: “uma instituição com fins lucrativos […] pode se envolver em políticas comerciais discriminatórias, mas é dispendioso agir dessa maneira e seguir uma política discriminatória de empregos, não vender de forma indiscriminada para qualquer um que esteja disposto a pagar o preço fixado para um determinado serviço ou produto; por isso, há um incentivo econômico para impedir essa ação.” [Uma teoria do socialismo e do capitalismo, p. 148].)
Portanto, as leis de antidiscriminação impõem integração forçada e servidão involuntária aos indivíduos e às associações de indivíduos. Essa integração forçada – uma característica marcante do republicanismo democrático – gera conflitos irremediáveis (alguns exemplos reais de conflitos em sociedades multiculturalistas de integração forçada podem ser mencionados: sikhs e caxemires na Índia; o Sri Lanka e sua minoria tâmil; árabes e negros no Sudão e no Chade; os problemas relacionados aos cudos na Turquia, no Iraque e no Irã; a Nigéria, com a questão dos ibos; o permanente conflito entre católicos e protestantes na Irlanda; o conflito entre flamengos e valões na Bélgica; o problema na Itália referente aos habitantes de língua alemã do Tirol do Sul; o Canadá, com o conflito entre francófonos e anglófonos). A separação voluntária, em sentido contrário da integração forçada, viabiliza a paz e a harmonia social num regime de “separados, mas iguais”, em que os diferentes grupos convivem isoladamente e se relacionam apenas para fins comerciais ou se associam de maneira estritamente voluntária.
II – Estado e discriminação
O que foi discutido deixa de ser constante quando uma instituição bem grande e belicosa entra no jogo: o estado. Como foi ressaltado, na vigência do Jim Crow (EUA) e do Apartheid (África do Sul) havia um regime de segregação imposta pelo estado, ou seja: as pessoas eram constrangidas a ficar separadas por motivos raciais. Isso – assim como a integração forçada – é uma grande violação do direito de se associar livremente e institui um sistema de servidão involuntária. O governo não tem o direito de me proibir, com base em critérios raciais ou quaisquer outros critérios, de criar uma associação voluntária com outras pessoas, mesmo que seja para “minha própria segurança”.
Novamente, deve ser enfatizado que a segregação não é um mal em si. Na verdade, a questão é se ela é forçada ou voluntária. A forçada é criminosa, pois separa as pessoas sem o consentimento delas; já a voluntária, por sua vez, pode ser exercida por estar em conformidade com os direitos de propriedade privada, independentemente do motivo.
Nesse sentido, escreveu Lew Rockwell:
A segregação imposta pelo Estado […] era errada, mas também é a integração imposta pelo Estado. Entretanto, a segregação imposta pelo estado não era errada porque a separação é errada.
Desejar associar-se a membros de sua própria raça, nacionalidade, religião, classe, sexo ou mesmo partido político é um impulso humano natural e normal. Uma sociedade voluntária terá, portanto, organizações masculinas, bairros poloneses, igrejas negras, clubes de campo judaicos e fraternidades brancas.
Adicionalmente, o governo não pode discriminar porque todos pagam impostos (quer dizer, sem o mantra do direito público: todos são roubados pelo governo). O Prof. Walter Block sintetizou muito bem a crucial diferença entre a discriminação praticada pelo governo (segregação forçada) da praticada pelos indivíduos (separação voluntária): “[q]uando um indivíduo faz discriminação, o faz com seus próprios recursos e em seu próprio nome. Mas, quando o estado discrimina, o faz com recursos tirados de seus cidadãos e em nome de todos” [Defendendo o Indefensável, p. 45].
Estes insights me levam a polêmica questão do Apartheid Vacinal. O Apartheid Vacinal é uma escandalosa violação dos direitos de propriedade privada, do princípio da não-agressão, dos direitos humanos universais, da regra de ouro de Jesus Cristo e do imperativo categórico kantiano. Ele cria uma subclasse de pessoas tão-somente pelo fato delas se recusarem a tomar uma vacina experimental. Os governos têm instituído compulsoriamente a segregação vacinal tanto no âmbito privado como no âmbito público. O Tribunal de (In)Justiça do Estado de São Paulo está impedindo não-vacinados de ingressar nos prédios de sua circunscrição judiciária, ou seja: os paulistas não-vacinados, apesar de continuarem sendo roubados para sustentar o tribunal de injustiça, estão sendo forçadamente segregados e tendo o seu direito constitucional de acesso à justiça obstado.
Portanto, as leis de antidiscriminação devem ser parcialmente revogadas (derrogadas), pois elas trocaram a liberdade de associação pela associação forçada. Elas devem, no entanto, ter sua aplicação mantida em relação ao governo; em relação às pessoas privadas, sua aplicação deve ser totalmente revogada, tendo em vista que a discriminação é uma “benção” em si (i.e.: se for voluntária). O Apartheid vacinal deve ser denunciado como um crime contra a humanidade; as pessoas devem ignorar essa imposição autoritária, uma vez que em uma sociedade moral as leis injustas não têm aplicabilidade social. Sigamos o lema de vida de Ludwig von Mises: “não ceda ao mal, mas prossiga sempre corajosamente contra ele.” [Tu ne cede malis, sed contra audentior ito]
Muito bom artigo! Curiosamente eu fiz um comentário com este teor, no artigo sobre a Pepsi…
O meu time, o Internacional de Porto Alegre, surgiu a partir do antigo direito de propriedade privada e de associação que foi abolido pelos criminosos estatais.
Quando 3 paulistas chegaram aqui e quiseram um clube para jogar bola, foram no outro clube da cidade. Mas os putos do Grêmio era um time de alemão, assim eles forram barrados.
Os paulistas não foram chorar no ombro do papai estado, ja que provavelmente sabiam que o gremio estava no seu direito. Eles fundaram o próprio clube que aceitava pessoas de todas as nações, mas isso não quer dizer que também não discriminassem pobres, por exemplo.