Qualquer pessoa ética e racional com algum conhecimento de economia política concordará que todo imposto é roubo, mas tais premissas de virtude necessariamente excluem esquerdistas. Mesmo assim, quando eu ainda achava que dava para argumentar com pessoas de esquerda (hoje quero apenas um helicóptero pinochetista) vi que muitas delas se opõe aos impostos contra[i] o consumo devido às suas óbvias características regressivas, ou seja, de espoliação aguda e direta contra os mais pobres. Essa gente continua defendendo roubo armado contra ricos, desumanizando-os e arruinando o padrão de vida dos pobres no médio e longo prazo, mas pelo menos rejeita a nefasta ideia de arrancar o pão da boca do miserável no curto prazo. Em outras palavras, nem mesmo os vermelhinhos descem ao fundo do poço moral de defender imposto contra consumo. Quem defenderia tal atrocidade? O que pode ser mais sórdido que um bolchevique ensandecido de baioneta em riste? Mais grotesco que um anarco-comunista bestial de molotov em punho? Fácil: um neoliberal de sapatênis e fala comedida. O demônio tomou a forma falaz da serpente e não de um cão furioso. Não surpreende que um dos maiores inimigos do pobre no Brasil seja também mentor da estratégia demagógica do assistencialismo lulopetista, o neoliberal Marcos Lisboa.
Em um recente e execrável artigo, o diretor-presidente do Insper, em co-autoria com outros três propagandistas do establishment, defendeu, ou melhor, tentou defender, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), um tipo de IVA (imposto sobre valor agregado) que o comuno-globalista Paulo Guedes, ligado ao Consenso de Washington, trama implantar no Brasil. Com afirmações pueris e aviltantes que mal poderiam ser classificadas como argumentos, Marcos Lisboa tenta refutar sete acusações que a sólida ciência econômica lança contra a reforma tributária pretendida pela fuinha de Chicago que Bolsonaro lamentavelmente escolheu para planejar aquilo que não deve ser planejado (a economia). Mostrarei agora que sua tentativa falha miseravelmente.
1 – Sim, o IVA é regressivo no curto prazo (no longo prazo todos os impostos são regressivos)
Lisboa tenta rebater a acusação de que o IVA seria regressivo da forma mais bizarra e chocante imaginável: afirmando que desonerar a cesta básica, embora beneficie o pobre, também beneficia ricos e empresários. Sim, é como se ricos e empresários fossem uma classe de vampiros alienígenas cujo benefício é diretamente contrário aos interesses humanos. Confiram para não pensarem que estou delirando:
Ao contrário do mito, o mesmo recurso que atualmente é despendido na desoneração da cesta básica pode ser utilizado para promover uma redução bem maior da pobreza e da desigualdade. Além disso, desonerações seletivas acarretam três problemas: (a) não é possível restringir o benefício a produtos de consumo popular (pense no caso do açúcar, que tanto pode ser o básico – branco refinado – quanto as sofisticadas variações do açúcar de coco, light, orgânico etc.); (b) elas beneficiam ao mesmo tempo os pobres e os ricos, pois os produtos básicos também são consumidos pelos mais ricos, o que diminui a potência da política redistributiva; (c) a redução não é necessariamente repassada de forma integral aos preços, sendo parte dela apropriada pelas empresas.
O pior é que o economista admite que desonerar a cesta básica beneficiaria o pobre mas, com cinismo quase patológico, insiste que o IVA reduz a pobreza pois o governo poderia utilizar a receita deste tributo para financiar programas assistenciais. Ele também conjectura que esta combinação reduziria a desigualdade, mas me limitarei a analisar a pobreza pois apenas invejosos com mentalidade criminosa se importam com igualdade. Tampouco dividirei a sociedade em segmentos estanques de ricos e pobres, mas farei uma análise por zonas sociais, a ver: A (muito ricos), B, (ricos), C (classes médias), D (pobres) e E (muito pobres).
Tomemos o açúcar como um exemplo representativo de todos os itens da cesta básica. Independentemente do IVA, a zona A continuará comprando açúcar premium, como o demerara orgânico, com impacto negligenciável no orçamento familiar. A zona B, que consumia açúcar premium, passará a consumir o açúcar refinado do povão para preservar o capital. A zona C continuará consumindo o refinado, mas agora com impacto considerável sobre seu fluxo de poupança e investimentos. A classe D, que já não tinha margem para poupar, terá impacto considerável no seu fluxo de consumo, afetando direta e imediatamente seu padrão de vida. A classe E terá sua própria subsistência vulnerabilizada.
Vejam que os ricaços da zona A são sempre os menos afetados pela tributação, o que frustra até mesmo aqueles recalcados que acham correto roubar pessoas bem-sucedidas. Os ricos da zona B concorrerão agora pelo mesmo nicho de produtos que as zonas inferiores, causando uma pressão inflacionária de demanda. Ao mesmo tempo, ofertantes marginais de produtos premium, geralmente as empresas menores, serão expulsos do mercado já que haverá menos clientes dispostos a pagar mais caro, prejudicando a escala das operações. Como resultado das falências, o desemprego aumenta e mais pessoas são lançadas às classes D e E. O aumento de escala no setor de produtos standard, por outro lado, não se traduz em redução do preço unitário, já que o aumento da oferta é sempre menos elástico que o da demanda e requer captação de recursos tão mais onerosa quanto menos capital for poupado na sociedade, efeito este muito perceptível na zona C.
Imagine agora que o governo adote medidas assistencialistas para compensar os desvalidos. Não haverá recursos suficientes para distribuir à zona D sem causar uma espiral inflacionária ou tributar tanto a zona C que ela se torne D. Logo, não haverá compensação alguma nesta zona. Os infelizes da zona E, por outro lado, recebem migalhas estatais que certamente não refletirão seu padrão de consumo anterior ao IVA, já que cada item responde de forma diferente e imprevisível à tributação. Se antes as pessoas desta zona tinham incentivo a serem parcimoniosas, procurando produtos mais baratos e incentivando empreendedores a inovar na redução de custos, agora elas competem de forma pródiga por produtos com preços inflados. A parte mais pobre da zona E tenderá a soçobrar. Mesmo se não houver inflação monetária, este efeito será exacerbado pelas consequências deletérias do assistencialismo no lado da oferta. Ora, o próprio Lisboa admite que os custos do IVA são parcialmente absorvidos pelas empresas. Ainda que desconsideremos o desincentivo ao trabalho acarretado pelo assistencialismo, o que dificulta a captação de recursos humanos pelos pequenos negócios, estes serão afetados pelas reduções em suas margens de lucro, o que diminui seu poder de barganha frente aos fornecedores de porte maior. Estes, por sua vez, terão incentivos a praticar preços menos competitivos que, devido à assimetria do poder de barganha, serão repassados aos pequenos varejistas e ao consumidor final. Não tardará para que qualquer incremento assistencial na capacidade de consumo da zona E seja anulado pela escassez, concentração de mercado e pressão inflacionária, tudo com o agravante do desemprego e da criação de dependência.
Lisboa, numa tentativa desesperada de tentar justificar o IVA, conjectura que sem ele o governo seria obrigado a aumentar a tributação contra indústria de base. Este argumento não merece resposta. É como se um assaltante explicasse que precisa roubar teu celular e tua carteira para não ter que roubar tua moto.
2 – Sim, o IVA causará carestia
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) previsto na PEC da reforma tributária é um IVA projetado para incidir mais sobre serviços para compensar uma relativa desoneração das mercadorias. Lisboa argumenta que a cesta de consumo do pobre contém proporcionalmente mais mercadorias que serviços em relação à cesta do rico e que por isso, o IVA previsto não causaria aumento de preços e representaria, diante do arranjo atual, uma redução da carga tributária para 9 decis da população.
Comparar duas formas de agressão sistemática contra o povo não faz com que qualquer uma delas seja superior à total ausência de agressão, que eu como libertário defendo. Acrescente-se ainda que, historicamente, substituições tributárias que reduzam a carga não costumam acontecer, mas sim um acúmulo de tributos que corroboram a Lei de Parkinson: os gastos do governo sempre crescerão de forma a acompanhar sua capacidade tributária. De qualquer maneira, se jogarmos todo o besteirol econométrico no lixo veremos que o argumento de Lisboa se reduz a
- sugerir que o IVA é progressivo. Se ele realmente acha isso, porque sugeriu no Item 1 que seria necessário e suficiente compensar os pobres com assistencialismo?
- sugerir que impostos progressivos são menos piores. Tributar os mais ricos é tributar a poupança e o investimento, que são a fonte de toda a produtividade econômica. Impostos diretamente regressivos são monstruosos contra os pobres mas impostos progressivos punem a capacidade de gerar riqueza e são mais destrutivos a médio e longo prazo.
Neste caso específico, Lisboa defende a maior incidência de impostos contra serviços. Ora, o pobre sobe na vida quando ele investe contratando serviços e não quando ele passa sua existência consumindo mercadoria. É desejável que o pobre invista em serviços financeiros, educacionais e profissionalizantes. Além disso, quando um pobre empreende, ele necessariamente procura serviços para se estruturar, como técnicos em informática, marceneiros e especialistas em marketing. O que o IBS fará é inviabilizar estas possibilidades, tornando a sociedade mais estamental.
O cinismo argumentativo típico do presidente do Insper não poderia faltar neste item:
“Há, ainda, o argumento de que com o envelhecimento da população até mesmo os mais pobres aumentarão seu consumo de serviços, em especial os de saúde. Ora, eles só aumentarão esse consumo se tiverem renda para fazê-lo.”
Sim, caros leitores, foi isto que você leu. Ele está tentando justificar a oneração de velhinhos pobres doentes. Como um idoso carente enfermo fará para pagar por estes serviços depois de ter seu consumo taxado a vida inteira? Como os pobres farão para poupar o necessário para o consumo médico na velhice com as políticas de subsídio ao consumo defendidas por Lisboa? E como estes serviços podem ser providos sem carestia se os ricos que investem no setor estão sendo cada vez mais tributados? Certamente ele proporia algum tipo de Obamacare, afinal para tipos assim, Salmos 35,10 (em Vós está a fonte da vida) refere-se ao Estado e não a Deus.
3 – Todo imposto configura regime de diferenciação
Neste item, Marcos Lisboa escreve críticas surpreendentemente lúcidas contra regimes tributários que se valham de alíquotas diferenciadas, afinal tudo se torna mais simples e coerente quando estamos condenando o roubo ao invés de corroborá-lo. Ele aponta corretamente que este tipo de tributação gera complexidade contábil que aumenta o custo administrativo empresarial e acarreta ineficiência nos processos produtivos e estratégias corporativas, além de favorecer o lobby.
Entretanto, ele ignora que os IVAs, como todo imposto, apresentam problemas da mesma natureza, ainda que com magnitudes relativas distintas. Se nas modalidades tributárias criticadas por Lisboa as alíquotas são diferenciadas num nível mais específico (de acordo com a categoria, localidade ou afiliação), no IBS previsto haverá:
i) diferenciação entre empresas que competem por preço e empresas que competem por qualidade; prejudicando estas últimas e mitigando todas as externalidades positivas decorrentes do aprimoramento dos produtos e serviços.
ii) diferenciação entre processos produtivos com menor e maior roundaboutness (termo cunhado pelo economista Eugen von Böhm-Bawerk para se referir à produção mais indireta, com mais etapas e maior divisão de trabalho vertical e intensidade em capital), punindo o acréscimo de intermediários e inibindo o desenvolvimento econômico e o investimento de longo prazo.
iii) diferenciação entre produtos e serviços, em detrimento deste último. Além da possibilidade de lobby no caso de certo produto ser um bem substituto de um serviço, haverá desemprego catalático e queda salarial, já que serviços tendem a ser mais intensivos em mão-de-obra. Teremos ainda um incentivo indireto ao consumismo em desfavor do aprimoramento humano, mesmo com a carestia das mercadorias.
A única forma de evitar diferenciação e evitar assim quaisquer distorções no mercado é não cobrar imposto algum. Como dizia o senador americano Thomas Gore, não existe algo como um “bom imposto”.
4 – O IVA prejudica sim a população dos estados mais pobres
Lisboa aponta que se hoje o ICMS incide parcialmente sobre o estado de origem de um produto (onde ele é produzido) e parcialmente sobre o estado de destino (onde ele é consumido), o IBS previsto pela PEC da reforma tributária incidirá somente sobre o estado de destino. Sobre isto, ele retoma todo seu pendor socialista com uma argumentação que beira o surreal:
“a tributação no destino aumentará o potencial de arrecadação dos Estados menos desenvolvidos. O deslocamento da tributação para o destino beneficiará os Estados que são mais consumidores que produtores”
Pois é, caros leitores. A esquerda é extremamente competente em propaganda. Eles conseguem convencer os outros que tributar habitantes de estados pobres vai ajudar habitantes de estados pobres; justamente aqueles cuja cesta de consumo de bens de maior valor agregado tende, num país de alto custo de capital e concentração industrial como o Brasil, a ter proporcionalmente mais bens importados de outros estados. Qualquer leitor que esteja usando a faculdade da razão enxergará que se trata de arrancar dinheiro do povão para beneficiar unicamente os ricos e poderosos membros do estamento político-burocrático destes estados. No entanto, como nos lembra o grande escritor francês Stendhal, o pastor sempre tentará convencer a ovelha de que seus interesses são mútuos.
Lisboa é obrigado a admitir, em seu artigo, que se o imposto incidir totalmente no estado de destino, não haverá margem para que os estados produtores pratiquem guerra fiscal através da redução de suas alíquotas, competição que incentivaria governantes a manter um nível baixo de tributação para atrair empresas e investimentos. Um bom economista, da escola austríaca obviamente, notará que não é a alíquota que permite o aumento da atratividade fiscal para empresas, mas a competição por capital empresarial que mantém baixas as alíquotas. Se impostos não existissem, a mobilidade do capital estaria condicionada somente aos preços relativos do mercado e a competição geográfica se daria na forma de investimentos privados em infra-estrutura que barateassem os custos operacionais. Em outras palavras, no lugar de “venha aqui que eu te roubo menos”, teríamos “venha aqui que tem mais oportunidades”. Quanto mais baixos os impostos, mais próximos estaremos deste desejável cenário.
Ora, não é exatamente esta atratividade que os estados mais pobres precisam para receber investimentos? Um imposto que incida sobre o estado de destino onerará exatamente o empresário de um estado pobre que quiser, por exemplo, utilizar seu capital de giro para fazer estoque. Sem poder atrair investimentos com isenções aos produtores e sendo punido quando tenta importar insumos de outros estados, como estes infelizes poderão sair do lugar?
Marcos Lisboa, numa vã tentativa de justificar o injustificável, afirma que a guerra fiscal destrói a base de arrecadação do ICMS e força os governos estaduais a tributar empresas de menor mobilidade como as do setor de energia e telecomunicações. Sim, é a velha falácia ad baculum: “Aceite o roubo do IVA ou eu esmago tua indústria de base sob o peso dos meus tributos!”
Eu iria retrucar dizendo que o desenvolvimento tecnológico é capaz de dar a estas empresas a necessária mobilidade para usufruir da saudável guerra fiscal, mas Lisboa já fez isso gratuitamente pra mim:
“Contudo, a revolução na área de comunicação, com redução dos serviços de voz, tem corroído uma das principais bases do ICMS, reduzindo o potencial de arrecadação. Fenômeno similar começa a atingir a área de energia elétrica, com a popularização e redução do custo de autogeração de energia”
Exatamente! A diferença é que eu estou defendendo os legítimos interesses do setor privado e produtivo enquanto ele está defendendo os interesses da classe político-burocrática parasitária.
Não surpreende que Lisboa, por não valer-se da única metodologia econômica cogente, que é a praxeologia, tenha ignorado completamente a Lei de Say na sua análise. O legendário economista francês Jean-Baptiste Say nos lembra que produzimos para poder consumir e só podemos consumir no mercado porque produzimos algo em troca. Quando habitantes de estados produtores exportam para estados menos industrializados, a realocação monetária cria pressões para incentivar a oferta na região importadora, bastando que não haja obstáculos institucionais ao investimento em capital. Da mesma forma, os habitantes do estado importador precisam oferecer bens e serviços para poder adquirir bens produzidos externamente.
Agora imaginem a incipiente produção do estado mais pobre agonizando com a oneração do seu mercado interno. Imaginem o capital concentrado nos grandes centros já que não há isenções fiscais que justifiquem investimento em regiões menos desenvolvidas. Imagine o desincentivo à produção nos estados ricos se o fluxo de consumo for onerado. A única saída lógica deste cenário de destruição econômica é rejeitar qualquer tributação, seja no estado de origem ou de destino, tendo em mente que pelo menos a tributação no estado de origem pode ser mitigada pela bênção da guerra fiscal.
Lisboa, no entanto, insiste no erro recorrendo à sua costumeira mixórdia de cinismo e nonsense:
“No âmbito estadual, as receitas mais robustas dos Estados menos desenvolvidos, que decorrerão dos efeitos acima descritos, podem ser parcialmente destinadas a subsídios a empresas, caso essa seja a decisão do Executivo e do Legislativo local. Isso poderá ser feito de forma explícita, com o orçamento estadual indicando o gasto com o subsídio e as empresas beneficiadas. Essa transparência, inexistente no caso dos benefícios tributários, ajudará o eleitor a avaliar a conveniência, os custos e os benefícios do subsídio. “
Eu já posso ver o facepalm dos nossos leitores sensatos e ouvir até algumas palavras de baixo calão proferidas com justa indignação. Sim, o sujeito que apontou corretamente que alíquotas diferenciadas incorrem no risco moral do rent-seeking (prática de lobby onde uma entidade busca ganhos sem contrapartida) agora defende subsídios. Pior: poucos parágrafos antes, ele afirma que benefícios fiscais são inviáveis. Ou seja, o governo não pode parar de te roubar, mas pode sair distribuindo o roubo pros seus empresários com melhor conexão política e maiores departamentos de relações públicas (ou você realmente achou que o eleitor comum iria fazer um valuation das empresas que cada candidato apoia e ainda por cima ter alguma influência decisória e ainda por cima ter informações suficientes para o cálculo econômico subjetivo hahahahahahaha??)
Finalmente, Lisboa diz que o aumento da arrecadação dos estados mais pobres poderia ser investido em intra-estrutura para integrá-los aos centros produtivos. Como se não bastasse arrancar dinheiro do setor privado, ele pretende que os governos estaduais desperdicem recursos escassos em projetos que necessariamente serão economicamente inviáveis já que não estão sendo projetados para escoar produção cujo retorno justificasse tais investimentos. É como se este tipo de gente tomasse decisões reais da mesma forma que um adolescente jogando Sim City no modo trapaça com dinheiro infinito.
5 – O IVA é sim um atentado contra a segurança jurídica que confere poderes descomunais ao estado em detrimento do cidadão
Boa parte deste item consiste em uma enfadonha discussão sobre legislação positivada que não concerne imediatamente ao leitor preocupado com o respeito à ética e com a liberdade e prosperidade do nosso povo, pelo que me reservo o direito de, em nome da síntese, ignorar no presente artigo.
O fato relevante, contudo, é que Marcos Lisboa faz um malabarismo retórico para argumentar que o IVA não violaria o Pacto Federativo (que supostamente garante o grau de autonomia dos entes da federação) pois aumentaria a capacidade tributária dos entes subnacionais, limitando apenas sua liberdade de conceder isenções e praticar desoneração setorial.
Sobre isto, Joseph Desha, governador do Kentucky, já discorria em 1825: “Quando um governo geral usurpa autonomias locais é razoável crer que ele também usurpará o poder de determinar se tal usurpação ocorreu ou não”.
Além disso, se é o governo central que define unilateralmente a mudança de regime tributário, qualquer tipo de autonomia local é ilusória e não passa de concessão utilitária passível de ser cancelada ao bel-prazer de quem detém mais poder nesta disputa assimétrica.
Seja como for, a reforma tributária proposta permite aos estados e municípios aumentar a tributação mas não conceder incentivos fiscais. Ora, a única justificativa para a aplicação de um poder maior é evitar que um poder intermediário abuse de um poder menor. O poder federal só poderia agir de forma legítima se proibisse os poderes estaduais e municipais de tributar o indivíduo, mas no caso tratado há uma inversão desta lógica.
Alguns poderiam argumentar que os estados ganham autonomia para reduzir a carga tributária geral contra bens e serviços, mas o próprio Lisboa admite que não haverá incentivos para redução da carga tributária no âmbito dos entes subnacionais:
“(…) a crítica que relaciona vedação de concessão de incentivos fiscais à ofensa ao pacto federativo, por impedir que os entes realizem políticas fiscais para atrair investimentos, revela duas falhas: primeiro, acaba por defender a manutenção da guerra fiscal, prática predatória e altamente prejudicial aos próprios Estados e ao país; segundo, porque, como o IVA é tributo sobre o consumo, ou seja, devido ao local do destino do bem ou serviço, torna-se absolutamente irrelevante a concessão de benefício fiscal no local de origem para atrair empresas.”
Interessantemente, ao admitir que a reforma tributária elimina a guerra fiscal, o que retirará dos estados menos desenvolvidos sua melhor ferramenta para atrair investimentos, o presidente do Insper corrobora o meu argumento de que o IBS é atentatório ao pacto federativo, já que guerras fiscais são características de regimes descentralizados. Além disso, o poder central terá maior controle sobre as atividades dos entes menores e maior influência e margem para explorar, com grande incentivo ao demagógico populismo, o maligno estratagema das políticas públicas, que tanto distorcem preços e parâmetros morais. Depauperados no longo prazo pelos impostos, os estados e municípios farão eclodir um tipo de guerra que, ao contrário da guerra fiscal, não é nada saudável: a disputa por repasses da União.
Lisboa afirma que são isenções fiscais que distorcem os preços por alterar preços relativos. Ora, estes são alterados o tempo inteiro pela flutuação nas preferências subjetivas, pelo processo empreendedorial e pelas mudanças ambientais sem que haja distorções no mercado. Estas são causadas pelos impostos enquanto isenções fiscais representam suspensões localizadas destas distorções, dando ao mercado uma oportunidade compensatória.
Finalmente, o neoliberal tenta ainda alegar que:
“A unificação de ICMS e ISS reduzirá significativamente o contencioso que decorre da insegurança jurídica em torno da diferenciação entre os conceitos de bens e serviços, tornando o sistema mais simples e menos custoso para as administrações locais.”
De fato, sistemas tributários complexos são mais custosos, mas se este custo recai unicamente sobre o cobrador de imposto enquanto permite à vítima (o pagador de imposto) uma margem para escapar ao esbulho valendo-se de contabilidade criativa, então esta complexidade não é algo ruim.
6 – O IVA é, infelizmente, adaptável à economia digital para consumar a pilhagem
Neste item, Marcos Lisboa defende o IVA com base no fato de que muitas empresas digitais conseguem evadir-se ao esbulho do imposto de renda mas não conseguirão fazê-lo com o IBS proposto:
“O IBS se baseará no sistema de notas fiscais eletrônicas e construirá uma rotina automática de créditos e débitos tributários, permitindo ampla automação do cálculo e cobrança dos tributos. Em termos de incidência tributária, na construção lógica do IBS ou de outros IVAs, não há nada que impeça a adequada tributação de transações comerciais da economia digital.”
Com efeito, perderemos não apenas mais do nosso dinheiro mas também da nossa privacidade. Enquanto nossa vida financeira fica mais exposta ao Estado, este camufla psicologicamente sua culpa na pilhagem salpicando os efeitos malignos de suas alíquotas ao longo da cadeia produtiva. Sobre IVAs, o escritor e cientista social Frank Chodorov escreve que esta modalidade de tributação incide quando “a vítima não está olhando”. Em vez de culpar os governantes, complementa o economista Murray Rothbard, a população atribuirá a carestia à suposta ganância dos empresários, internalizando a falaciosa narrativa de luta de classes.
Adicionalmente, o próprio presidente do Insper admite (ainda que aprovando tal despautério) que a previsão de alíquotas únicas evitaria acúmulos de créditos tributários (dinheiro que seria devolvido ao pagador de imposto), situação esta que seria restrita às exportações. Haverá, portanto, um incentivo artificial às exportações devido à oneração das vendas para o mercado interno, o que certamente acarretará pressão inflacionária e carestia. E não pensem que este efeito será compensado por superávit na balança comercial. O desincentivo ao acréscimo de valor na indústria nacional tornará nossas exportações menos competitivas. As exigências que os importadores brasileiros farão aos fornecedores internacionais para formalizar suas operações almejando crédito tributário encarecerão a importação de insumos com prejuízos para o exportador marginal no final desta cadeia produtiva.
7 – O IVA é sim uma atrocidade contra uma economia em crise
Algumas pessoas apontam corretamente que esta reforma tributária é extremamente inoportuna já que ocorre no meio da crise econômica causada pelo inflacionismo de Paulo Guedes e pelas restrições relativas à fraudemia da peste chinesa impostas pelos governadores, prefeitos e juízes totalitários e comunistas. Assim sendo, o IBS previsto prejudicará a recuperação das empresas.
O contraponto de Marcos Lisboa é digno de um vilão corporativista saído de um livro da Ayn Rand:
“Não cabe ao sistema tributário subsidiar empresas, negócios ou setores, quer em situações de crise, quer em situações regulares. Numa economia de livre mercado e que favorece a concorrência, prevalecem os mais eficientes, o que implica crescimento econômico, mais emprego e mais renda.”
Vou transcrever novamente o trecho deste mesmo sujeito que citei no item 4:
“No âmbito estadual, as receitas mais robustas dos Estados menos desenvolvidos, que decorrerão dos efeitos acima descritos, podem ser parcialmente destinadas a subsídios a empresas”
Sim, é inacreditável.
E o pior é que o que intitulado economista recrimina nem seria um subsídio, mas um alívio fiscal em momentos de crise. Já o subsídio propriamente dito é defendido por ele poucas páginas antes, como que desdenhando da memória de curto prazo do leitor. De forma sinistramente sub-reptícia, ele atribui uma natureza darwinista social à economia de mercado colocando nela, de antemão, a culpa pelas futuras falências, quando a culpa é da prática anti-capitalista de cobrar impostos. Isto sim é darwinismo social. As empresas menores, menos conectadas politicamente, com menos capacidade de fazer lobby, com departamentos jurídicos menos portentosos, mais distantes dos grandes mercados e dos adensamentos de infra-estrutura, estas sucumbirão primeiro.
No resto deste último item, Lisboa muda completamente a estratégia argumentativa e tenta convencer seus leitores de que a reforma tributária aceleraria a recuperação econômica. Para tanto, vale-se de pesquisas econométricas que, como tais, não merecem respeito intelectual. O que posso afirmar de forma apodítica graças à metodologia praxeológica é que o IBS será mais um duro golpe contra uma economia já tão vitimada pelas intervenções estatais em seu funcionamento e nas liberdades individuais.
Como nos lembra Murray Rothbard, IVAs punem cadeias produtivas longas e incentivam artificialmente fusões verticais para evitar custos administrativos.
A concentração de mercado aumenta em detrimento da concorrência. Processos produtivos eficientes e avanços tecnológicos são desencorajados já que a adição de valor é punida. Nem mesmo a poupança, tão necessária para financiar a recuperação, é favorecida. Como todo imposto sobre consumo, IVAs não encorajam a poupança produtiva, que é consumo adiado. Ela torna investimentos menos viáveis através da oneração do consumo futuro e diminuem o fluxo de poupança através da oneração do consumo de subsistência.
No livro de Daniel, vemos que quando um rei mau é suplantado, geralmente vem coisa pior:
“No lugar deste último será colocado um príncipe, que enviará um fiscal ao país que é a joia da terra. Em poucos dias ele será aniquilado, e não será nem por efeito de cólera nem de batalha. Em seu lugar, um homem vil se elevará, sem nenhuma dignidade real, surgirá repentinamente e se apossará da realeza pelas suas intrigas.”
Daniel 11,10
Pelo visto, o mesmo vale para sistemas tributários.
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[i] eu uso o termo “contra” em vez de “sobre” pois a nossa guerra contra o socialismo inclui a guerra linguística.
Excelente artigo! Eu sempre leio o artigo que gerou a refutação e posso afirmar com toda a tranquilidade que Marcos lisboa e seus mitos são um lixo. Já no item 1 o liberalóide do estado mínimo se perde completamente na sua suposta argumentação. Ele afirma que o IVA será benéfico aos mais pobres, para logo em seguida afirmar que os beneficiários precisarão da ajuda das elites estatais que supostamente não os estão prejudicando, para não morrerem de fome: “torna-se possível focalizar uma eventual isenção tributária para as famílias mais pobres”. Por que isenções se os pobres serão beneficiados? pobre da Dona Maria se depender dos políticos para ter seu dinheiro roubado de volta. E ainda devemos ter em mente que no final, o aloprado do Marcos Lisboa ainda não sabe se é uma boa dar uma chance de sobrevivência à humilhada população pobre de pires na mão, já que para o liberaleco trata-se apenas uma “eventual” isenção, não algo que será escrito em pedra. Que o pobre morra de fome para que as elites econômicas possam pagar menos impostos. Razoável para estes randianos…
” Para tanto, vale-se de pesquisas econométricas que, como tais, não merecem respeito intelectual.”
Isso é uma verdade substancial. No tempo em que eu estudei o lixo da economia mainstream, os professores de econometria eram tratados como quase semi-deuses, portadores de um conhecimento secreto. Provavelmente não tenha mudado muito….
P. S. Eu conhecia o Insper, mas não sabia que esse liberaleco do Marcos Lisboa é presidente! Eu achei que esse sujeito não fosse mais do que um professor da graduação. Definitivamente o ensino de economia nas escolas do mainstream não merece respeito nenhum…
Não me interesso faz tempo pela vida acadêmica, já que evidentemente eu aprendo muito mais aqui neste glorioso Instituto Rothbard.
Fui pesquisar há pouco sobre o Marquinhos L. para saber quem era o mal elemento. Curioso é o mestre Paulo Kogos aparecer na pesquisa do google ao lado do Joel Dinheiro da Fonseca como um ex-aluno notável do Insper… nem é preciso dizer que um fio de cabelo do Kogos tem mais inteligência que o Joel…