O estado é o que se faz monopolista da segurança, i. e., alegadamente, o mantenedor da “unidade espiritual da república”, como disse Platão, em A República. A segurança, porém, não configura absolutamente nada além de um serviço cuja prestação é essencial à manutenção de toda e qualquer sociedade prezada.
Quando se diz “segurança”, se diz “proteção”, mas a proteção, quando detida apenas isoladamente, expressa algo cujo conteúdo qualitativo é nulo, posto que é totalmente ilógico versar acerca da proteção sem fazer referência à coisa contrariamente à qual a proteção enquanto tal serve. Portanto, proteção é, socialmente, proteção dada ao desprotegido sempre desfavoravelmente ao que contra ele atenta (decerto, um agressor); o que quer dizer que a necessidade de segurança – proteção – sempre há de pressupor um protetor, um desprotegido e um agressor. A necessidade dos serviços prestados pelo protetor, assim, persistirá inescapavelmente somente enquanto persistir a desproteção do desprotegido frente aos intentos antissociais do agressor. Uma vez, então, desaparecendo completamente o agressor (ou qualquer tendência que estimule alguém a decidir sê-lo) a desproteção do desprotegido deixa automaticamente de ser problemática e, por conseguinte disso, as habilidades (competências) protetivas do protetor deixam de ser necessárias (demandadas mercadologicamente).
Portanto, mesmo minusculamente, sempre tenderá a ser do interesse do protetor que permaneça a agressão, pois a partir dela se faz muitissimamente alta a demanda pelos seus serviços enquanto tal. Entretanto, indubitavelmente, num livre-mercado de proteção (segurança), embora tal interesse ainda atue de dada maneira, ele tenderá a ser suprimido naturalmente pela natureza evolucionária do mercado, posto que, sendo ao consumidor comparativamente mais preferível mais a menos segurança, o protetor que mais for eficiente em apartar do indivíduo a possibilidade de ter transgredida a sua propriedade, precisamente em razão disso, será o que mais lucrará. Aliás, sendo imensuravelmente benéfico ao indivíduo o máximo possível de segurança, já que, sob o tal, a quantidade de bens da qual disporá se verá sempre simétrica à que pode produzir, não tendo de perder nenhuma parcela desta para o que dela se aproveita parasitariamente, e, como a quantidade de recursos exigida pelo protetor à sua subsistência em troca dos seus serviços protetivos é sempre inferior à que é passível de expropriação ante a sua inexistência, os serviços do protetor se verão necessários (fortemente demandados) à extensão da desproteção do desprotegido – no entanto, esta desproteção mesma, como vimos, há de ser maximamente minimizada sob o livre-mercado em função da concorrência entre os protetores (fornecedores de segurança).
O que ocorre, pois, quando alguma entidade, como o estado, monopoliza o fornecimento de segurança?
Temos de elucidar, primeiramente, que o estado, mesmo que presumamos que intenciona efetivamente ser profícuo ao atuar enquanto agente provedor de segurança, há de falhar miseravelmente enquanto alocador de recursos, visto que, por extrair o seu sustento existencial de uma fonte coativa de renda, não está submetido ao sistema de preços e, consequentemente, por não ter parâmetros objetivos mediante a verificação contínua dos quais avalia o custo-benefício das suas operações, alocará os bens sempre insuficientemente à supressão integral da demanda de segurança real.
Ora, o que é demandado pelo homem, mas é infinitamente abundante não é passível de precificação, posto que, estando disposto a todos de forma irrestrita identicamente, não é objeto de troca, já que se faz quase infinitamente presente em todos os cantos, como, p. ex., o ar. De igual modo, o que é quase infinitamente faltoso, mas não é minimamente demandado jamais será objeto de troca, posto que diz-se que dado objeto é intercambiável somente ante o que estiver disposto a intercambiá-lo em função de demandá-lo efetivamente nalguma intensidade, o que implica que o objeto não demandado jamais se verá precificado, posto que não é trocável. Assim, os preços são configurados espontaneamente pela relação oferta-demanda, isto é, pela relação entre a intensidade com a qual dado objeto é demandado e a disponibilidade material do mesmo.
Assim, quando, em dada localidade, um objeto é extremamente faltoso ao passo em que é fortemente demandado, seu preço será alto.
As empresas, assim, por quererem incessantemente lucrar mais e mais, sempre voltarão os seus esforços produtivos às localidades nas quais os seus produtos se fazem bastante faltosos (demasiadamente escassos), de forma a extrair da venda deles uma lucratividade apreciável, já que o nível da lucratividade comumente obtida nas localidades no interior das quais os seus bens são numerosos se vê ínfimo, precisamente em função de a oferta local se mostrar quantitativamente mais que suficiente à suplantação integral da demanda local, o que acaba por tornar inviáveis as empresas menos eficientes (produtivas) marginalmente, compelindo-as, desse modo, à integração da produção nas localidades no interior das quais os seus rendimentos se veem incomparavelmente maiores, precisamente em função de a oferta local não se mostrar quantitativamente suficiente à suplantação integral da demanda local. O mercado, assim, pela dinâmica de incentivos a qual lhe é própria, sempre estará a apartar tanto quanto possível a escassez, sempre voltando o excedente produtivo ao que mais necessita.
O estado, assim, por extrair os seus ganhos sempre independentemente do quão trocável é o objeto que gera, jamais poderá considerar serem verdadeiramente profícuas as suas operações, já que, por, p. ex., obstruir o sistema de preços no setor de segurança pela monopolização desse serviço, atuará indiferentemente às variações espaciais e temporais da demanda e da oferta, corroendo o mercado, a maneira através da qual o homem supre a maior parte das suas exigências, e, por conseguinte, desatendendo amargamente o “contribuinte”.
Justificando-se mediante a sustentação da suposta necessidade de prover serviços de segurança monopolisticamente, o estado, então, mantém o seu parasitismo. E uma vez que a provisão de serviços de segurança é necessária só à extensão da desproteção do indivíduo para a defesa do qual os serviços mesmos são orientados, será do interesse do monopólio governamental perpetrar a desproteção do contribuinte sem eliminá-la inteiramente, já que a desproteção alheia acaba por servir de base à sua existência enquanto ente supostamente protetor (posto que, caso o indivíduo consiga proteger-se independentemente do estado (isto é, caso a desproteção do indivíduo seja praticamente nula), o estado se veria desgraçadamente impelido a justificar-se dum modo mais custoso, visto que perderia, inevitavelmente, a mais considerável parcela das razões que parecem lhe imputar graus relativos de indispensabilidade existencial – mais especificamente, a parcela relativa à suposta necessidade de prover serviços de segurança monopolisticamente de modo a resguardar a proteção do desprotegido); além disso, como a urgência (indispensabilidade) da proteção se mostra sempre proporcionalmente à desproteção do ser desprotegido, quanto mais indefeso for o cidadão, mais o estado se verá indispensável e, consequentemente, mais prerrogativas lhe sobrarão para medrar-se tanto quando pede a urgência da necessidade à suplantação da qual finge maquiavelicamente destinar uma parte dos recursos parasitados.
E é exatamente por este motivo que o estado sempre tencionará obstruir legalmente a livre comercialização de armas, já que o porte destas opera invariavelmente fazendo com que o indivíduo independa de outrem para proteger-se com eficácia (isto é, fazendo com que o indivíduo elimine por conta própria a sua desproteção), não mais tendo de ver o estado como o ente sem o qual a sua vida vê-se infantilmente indefesa, mas conseguindo proteger-se eficazmente do autoritarismo descentralizado esporádico – inclusive, do centralizado (do amparado institucionalmente).
No entanto, fato é que a defesa do armamento sempre se verá enormemente em descrédito, mesmo perante dados estatísticos claros concernentes à correlação universalmente inversa entre a taxa de criminalidade e o nível de armamento de uma dada população, posto que o desarmamentista, por ser o que é, sempre atribuirá às armas a causa de qualquer pingo de criminalidade que seja, o que implica que, ao desarmamentista, independentemente do quão inversa universalmente seja a correlação entre criminalidade e armamento, as armas sempre serão vistas como instrumentos incomensuravelmente odiáveis cuja comercialização deve ser proibida.
Há, também, os desarmamentistas de laia hobbesiana que defendem que o homem é dotado de uma malevolência que é-lhe impulsiva (ontologicamente inarredável, por assim dizer) e que se vê obstruída unicamente mediante a imposição da força corretiva do estado. Ora, porém, em Imposto é Roubo: A Ética dos Lambedores de Botas, se escreve contundentemente:
“Sumariamente, se o homem é intrinsecamente malévolo, não seria, destarte, minimamente razoável demandar qualquer intervenção que advenha dele, tampouco os seus serviços de segurança, posto que, se, de fato, é malevolíssimo, interviria malevolamente e, decerto, usufruiria o seu monopólio da prestação de serviços de segurança unicamente com o fim de manter-se monopolista, cuja materialização é necessariamente inclusiva à repreensão violenta de indivíduos pacíficos e à privação coercitiva do uso dos meios de defesa mais profícuos, já que a livre comercialização de meios de defesa (armas) opera sempre desfavoravelmente à efetividade de qualquer entidade que monopolize legalmente a prestação de serviços protetivos (estado), uma vez que, na ausência de quaisquer restrições burocrático-legais à entrada de novos competidores mercadológicos nos âmbitos setoriais relativamente aos quais o estado descontenta amargamente os seus financiadores (tal como no tocante ao fornecimento de proteção, p. ex.), a oferta de serviços de segurança seria drasticamente amplificada, em decorrência do número crescente de ofertantes totalmente novos, o que naturalmente compeliria o estado a não só aumentar o valor qualitativo dos seus serviços protetivos a fim de tentar ao menos expandir as suas chances de manter-se financeiramente sustentável, mas, idem, a diminuir em termos relativos o preço dos seus serviços de policiamento, caso a oferta de serviços alternativos e mais producentes cresça muito apreciavelmente em relação à demanda, presumivelmente em função da remoção de barreiras burocráticas economicamente depreciativas ao capital em ócio e à inovação privada, o que operaria, evidencia-se, muito desfavoravelmente à maximização da arrecadação pública, posto que o governo, em condições puramente livre-mercadológicas, impreterivelmente teria de, por um lado, elevar o valor qualitativo dos seus serviços a um nível acima do que está os dos seus concorrentes, de maneira a angariar mais financiadores, e de, por outro, reduzir o preço dos seus serviços de modo a torná-los mais atrativos aos compradores potenciais. Isto posto, temos de constatar que o estado perderia poder inevitavelmente se não monopolizasse a alocação organizacional de recursos bélicos (defensivos) ou se não restringisse legalmente a entrada de ofertantes novos no âmbito setorial da proteção populacional, isto é, perderia poder se não limitasse coativamente a segurança dos seus governados. Por que, então, perante isso, deveríamos aceitar as razões daquele que propõe o monopólio estatal como forma única de protegermos as nossas propriedades, tendo, ainda, como premissa a noção do homem como um ser intrinsecamente malévolo?
Ora, se o homem é intrinsecamente malévolo, jamais será, então, aceitável esperar que dado homem proveja serviços de segurança eficientes, pois, se lhe concedêssemos uma posição política quase soberana, não estaríamos fazendo absolutamente nada além de elevar ao máximo a sua malevolência, já que à sua disposição estaria um aparato social através do qual poderia coagir indivíduos pacíficos autocraticamente com impunidade e arbitrar ao seu bel-prazer acerca do que vale como moral e do que vale como imoral. É, incontestadamente, portanto, utópica uma sociedade benévola submetida à regência de uma entidade composta por pessoas inerentemente malévolas. […]”
Ora, se o indivíduo não pode adquirir armas licitamente, qual opção há, então, de lhe restar não sendo a de demandar do ente coativo central coação para os que violam não centralmente as suas posses, estando totalissimamente indefeso frente às arbitrariedades do ente coativo mesmo?
Senhores, o estado não tenciona a vossa segurança, pois, como explicado, quanto maior for a desproteção do ser desprotegido, tanto maior será a urgência (imprescindibilidade) do protetor enquanto tal, o que implica que o estado, vendo-se legitimado como protetor pelas massas, objetivará gerar tanta insegurança quanto possível de modo a poder convincentemente lançar sobre si a necessidade de ser protetor heroico diante do dilema que pariu.
O estado mente, senhores, da forma que segue: “Povo meu, contemple a miséria, as mortes e o caos próprio à vossa ordem! Basta! Impedi-lhe de proteger-se e vislumbre o que houve de restar a vós, o que a vossa ordem muito pobremente lhe proveu! Não! Deixai eu, o vosso deus multifacetado novo, taxar-lhe um pouco mais para que possa solidificar os milagres que solicita-me!”…