Elementos Metafísicos Primários da Axiologia Jurídica
Analisemos o direito conforme a metodologia analítica austríaca, partindo das partes constituintes para a totalidade da porção substancial do objeto verificado.
A sociedade, ou, melhor, a sociabilidade humana que a precede, deve necessariamente preceder qualquer instituição jurídica de natureza protetiva. Portanto, uma ordem jurídica que contradiga operacionalmente a sociabilidade humana e as suas extensões praxeológicas (cooperação voluntária; propriedade; liberdade) não se sustenta logicamente.
Expliquemos o porquê.
H.H. Hoppe, e sua ética argumentativa, clarifica o motivo de a propriedade ser necessária a qualquer ordem jurídica institucional. Esta, sendo diretamente oriunda do querer humano, ou de um conjunto multiplamente extensível deste, deve, por inexorabilidade, manifestar uma valoração intersubjetivamente verificável em relação ao fim ao qual tal ordem jurídica serve enquanto meio efetivo. Isto é sabido praxeologicamente. Por exemplo, sabemos que quando uma pessoa se põe a comer maçãs ela valora o estado de coisas comer maças superiormente ao estado de coisas não comer maças, seja em razão de ter por finalidade desfrutar do sabor açucarado das mesmas, ou seja porque quer apartar a fome, etc, uma vez que, contrariamente, não decidiria comê-las. O fenômeno ação, sendo um evento intencionado por parte do seu autor, sempre há de expressar uma valoração subjetivamente verificável deste. Logo, uma ordem jurídica institucional, sendo uma entidade procedente das intenções cooperativas ético-morais de muitos indivíduos, também há de expressar uma valoração intersubjetivamente verificável por parte de tais indivíduos, isto é, a composição cooperativa de uma ordem jurídica institucional protetiva, sendo um meio servente a uma dada finalidade intersubjetivamente valorada, manifesta uma valoração comum aos homens que a propositaram. E, sendo, por necessidade conceitual, a justiça (em suma, a paz) a finalidade à qual ruma qualquer ordem jurídica, sabe-se que, ao homem, em função da sociabilidade que lhe é substantiva, a paz – a não agressão – é comparativamente mais preferível que o conflito – agressão – de modo que a qualquer ordem jurídica de natureza protetiva (cuja missão existencial primacial é, por definição, a de derrogar os conflitos (agressões) em prol da paz (não agressão/cooperação)) o reconhecimento da propriedade privada é necessário, já que o ato agressivo é o que se dá lesivamente/danosamente à propriedade e o pacífico o que se dá não lesivamente/danosamente à propriedade, em qualquer concernente à ética.
Sob uma perspectiva anarcocapitalista, as teses (hobbesianas) que preconizam, assim, a posterioridade (desnecessidade) da percepção da propriedade privada em relação às maneiras contratualistas de resolução de conflitos não se mantêm. O estatismo jurídicoético, por sua vez, em função de preconizar essencialmente a imposição de tributos (sumamente, a agressão em nível institucional), configura outro tipo de irracionalidade ética ignorante à natureza dos fatores condicionadores da formulação de leis logicamente defensáveis e válidas.
No meu artigo Justiça Social: A Institucionalização do mimimi, verso mais pontualmente acerca disso:
“A instituição do direito naturalmente emerge da vontade humana de convivência pacífica.
Se o homem é, como erroneamente presumia Hobbes, um ser impulsivo que guerreia contra todos ao seu redor, o direito em si jamais se veria possível. Se o homem fosse um animal selvagem ontologicamente inábil à percepção de direitos naturais invioláveis, tanto o direito quanto o estado inexistiriam irrevogavelmente, já que se o estado é, como dizem os estatistas, uma associação intencionada de caráter político destinada fundamentalmente à proteção da propriedade dos indivíduos, a propriedade, enquanto direito inviolável, deveria obrigatoriamente ter sido percebida pelos homens que propositaram compor o estado como forma de mantê-la inviolada, o que contradita frontalmente a premissa hobbesiana da imperceptibilidade da propriedade ao homem na ausência de qualquer aparato social.
O estado, enquanto entidade de natureza alegadamente protetiva, cuja missão existencial fundamentadora, em teoria, é a de, com efeito, manter inviolados os direitos naturais humanos, não há de conceber ao homem a percepção da propriedade (o direito do qual emana todos os demais substancialmente), mas, sendo supostamente o estado uma instituição protetiva previamente intencionada, supõe-se, há de proceder originariamente da percepção da inviolabilidade da propriedade e da necessidade, ex ante não suprida, de protegê-la.
Em suma, se a propriedade fosse absolutamente imperceptível ao homem antes do advento do estado (quer dizer, se o homem fosse ontologicamente inábil à percepção da propriedade na ausência do estado), não haveria motivo à existência deste enquanto ente político supostamente protetor, visto que o homem, não sendo, presume-se, capaz de reconhecer a existência da propriedade por si, jamais viria a valorar intersubjetivamente a institucionalização política de um ente que se destinasse fundamentalmente à sua proteção e, em consequência, jamais objetivaria compô-lo, já que, logicamente, não é a proteção que origina a coisa a ser protegida, mas é a percepção da desproteção da coisa a ser protegida que origina o senso de proteção.
O estado, segundo o imaginário hobbesiano, foi originado por meio de um contrato social, cujo intento último era o de cessar definitivamente a guerra de todos contra todos mediante a inibição efetiva da agressividade impulsiva humana, absolutamente inata ao homem.
O que os hobbesianos, porém, não percebem é o fato de que se for verdadeira e inequívoca a tese de que o estado, enquanto ente supostamente protetor da propriedade, emanou de um contrato social previamente intencionado, eles terão logicamente de pressupor que a propriedade há de preceder o estado (de maneira contraditória, uma vez que, segundo Hobbes, a propriedade, enquanto direito inalienável, provém originariamente da legislação governamental e não existe por si mesma), já que é justamente a percepção objetiva do fato de que há direitos invioláveis propriamente humanos que não estão sendo devidamente respeitados o fator que compele o homem à composição de métodos protetivos diversos, sejam eles contraditórios (como os relativos ao estado) ou não contraditórios (como os relativos à lei natural).
O direito, então, enquanto ciência das leis, não pode possivelmente prescindir da inviolabilidade da propriedade, pois é a percepção da necessidade de protegê-la (de mantê-la efetivamente inviolada) a que lhe fornece sentido existencial.
É, portanto, absolutamente indispensável ao direito, no cumprimento do seu papel existencial, distinguir os atos agressivos dos pacíficos para que possa punir os agressivos e para que possa, idem, preservar as condições que tornam possíveis os pacíficos, sendo, então, a sua intenção mais primordial e fundante a de derrogar definitivamente todas as formas possíveis de agressões, já que estas nada são além de lesões arbitrárias à propriedade. Sendo essa, desse modo, a intenção última do direito, nada mais lhe é peremptório que conceituar “agressão” de maneira correta. O conceito de “agressão” se torna discernível somente após ter sido discernido o conceito de “propriedade”, posto que o ato agressivo é o que se dá danosamente a algo, nesse contexto, a propriedade. Esta, nota-se, é incontestavelmente necessária ao direito enquanto ferramenta apaziguadora e resolutiva. Qualquer forma políticojurídica de “proteção”, portanto, que pressuponha a iniciação de agressões (conflitos) é, objetivamente, injustificável, visto que contradita diretamente o fim último do direito.
Em razão dessa verdade, a de que o direito, a ciência das leis, não pode logicamente prescindir da propriedade (e tampouco negá-la) sem contradizer-se em essência, percebe-se que o conceito de “direito estatal” configura uma absurdidade cabal, pois o mesmo promove a coerção sistemática favoravelmente ao mantimento de um sistema opressor sob o qual os direitos dos indivíduos são vilipendiados. O que seria um “direito” lesivo à propriedade senão uma contradição patente?!” Em Inexistência – A Única Função Justa do Estado, está escrito:
“A enorme maioria das pessoas acredita com veemência que é imperativo que o estado assegure a lei e a justiça na sociedade, supostamente evitando, pelas vias que lhe são próprias, agressões e crimes.
Contudo, é certo que essa mesma maioria incorre em erros insolúveis ao conferir legitimidade ideológica passivelmente a uma entidade política que extrai o seu sustento da captação forçosa da propriedade alheia (roubo), um delito mais que grave e necessariamente antissocial.
Estatista, não é o roubo a antítese de toda sociedade? Ora, se solicitasse despretensiosamente ao brasileiro médio a sua definição pessoal de “desordem” (digase, caos social) ele certamente daria, em essência, uma próxima desta: “A desordem, ao que me parece, é a ausência completa de todo e qualquer respeito aos direitos naturais do homem cuja vigência preconiza substancialmente o processo civilizatório deste, isto é, é a inobservância de todos os princípios que nos tornam civis, a qual tem por consequência mais direta o roubo, o delito, a agressão e, claramente, a predação de estilo animal”.
Se a sociedade se baseasse na efetividade dos aspectos agressivos do homem, ela não se chamaria “sociedade”, mas “caos” ou “desordem”, segundo o próprio senso comum. Portanto, por lógica, tudo o que pressupõe atos de agressão deve necessariamente estar à margem do tecido social como um infortúnio odioso diante do curso da civilização e não ser tido propriamente como parte integrante da sociedade, visto que se é verdade que a cooperação humana procede originalmente do respeito mútuo à propriedade enquanto direito fundamental, toda entidade (digase, estado), sendo assim, que se põe quase ininterruptamente a assaltá-lo via “lei” não está a promover a manutenção da ordem, porém a atrapalhá-la.
Senhores, que dura ironia!
Não deveria a lei resguardar a propriedade àquele que a gerou pelo emprego do seu trabalho penoso? Não deveria a lei ser punitiva àquele que avilta os direitos naturais dos seus concidadãos? Não deveria a lei punir a agressão e preservar em seus braços a cooperação? Não deveria a lei, em suma, garantir a manutenção da ordem?
Todavia, senhores, o estatista não adere essa ótica em sua contemplação da lei.
Em seu ardor fanático e equino, o estatista, travestido de argumentador em posse de uma eloquência notavelmente argumentativa, afirma ser a existência do estado a premonição gloriosíssima da ordem.
Veja, porém, sociedade, que o estatista, talvez em decorrência de uma lógica ininteligível à cognição do homem comum, legitima um ente que legaliza a espoliação tributária (extorsão institucional) e criminaliza a sonegação (manutenção defensiva da posse sobre a propriedade legitimamente adquirida) para o mesmo fazer-te sólida e vívida!
No Dicionário Aurélio de língua portuguesa, a definição conceitual de “ordem” manifesta-se nos seguintes termos: “Regras, leis, estruturas que constituem uma sociedade.”. Ante a definição conceitual de “ordem”, então, como pode um ente cuja atuação é explicitamente antissocial (agressiva/tributária) ser a base sobre a qual deve repousar permanentemente a sociedade? Como pode um ente que institucionaliza a agressividade (um impulso inegavelmente antissocial) ser o que tem de abençoar o homem o munindo de sociabilidade?
O estatista, em sua paixão quase lunática, versa aos libertários: “Observe a beleza da nossa ordem”. No entanto, a qualquer um cabe retrucar: “Que ordem?”.
O argumentador estatista, em posse das suas frases imensuravelmente argumentativas, afirma com frequência que uma sociedade libertária é quimérica e utópica, mas, devese objetar, como pode não ser quimérica ou utópica uma ‘sociedade’ regida sob uma estrutura estatal, a personificação institucional da expropriação, a prática mais antissocial existente?
[…]
Mesmo que a máfia estatal finja descaradamente garantir um sistema sob o qual a “paz” parece reinar, jamais dever-se-ia assumir o estado como um ente garantidor da sociedade. A existência do estado, enquanto entidade de caráter alegadamente protetivo oriunda de um contrato social, contraria fundamentalmente as premissas sobre as quais ela se funda.
Que seria da propriedade sem o estado para assegurá-la? Que seria do respeito à propriedade sem o estado posto a heroicamente possibilitá-lo? São perguntas frequentemente feitas aos libertários pelos que atribuem ao estado a causa das suas “dignidades morais e intelectivas”.
Entretanto, o que os estatistas costumam esquecer quando as fazem é o fato de que o estado, enquanto suposto ente de função protetiva intencionalmente gerado, deve ser precedido pela propriedade enquanto direito natural humano. Afinal, se os homens fossem absolutamente débeis no tocante à percepção do quanto vale a instituição da propriedade privada, logicamente não haveria motivos para que os mesmos intencionassem compor uma “organização protetora central” que, em teoria, tivesse por missão existencial principal a de assegurar adequadamente ao homem o direto sobre as suas legítimas posses (sobre a sua propriedade), uma vez que não é a proteção que faz originar o ser protegido, mas é a percepção precedente do ser desprotegido que faz originar o senso de proteção. Em outras palavras, não é o “estado protetor” que concede ao homem a percepção da propriedade e do que mais lhe for inviolável, mas é a percepção objetiva da inviolabilidade da propriedade (da necessidade de respeitá-la) que faz manifestar no homem a vontade de mantê-la devidamente protegida, seja pela composição de um estado, um método contraditório e errôneo, ou pela manutenção de uma sociedade libertária.
O estado, em suma, não produz ordem.”
Lê-se, mais fundamentalmente, em Justiça Injusta, o que se segue:
“Todo debate relativo à justiça tem por intento último o de fornecer a ambas as partes debatedoras o ideal de um código de valores éticos pela adesão do qual o homem possa viver em paz com os outros, isto é, viver pacificamente, não agressivamente à propriedade alheia.
Cabe lembrar que a definição conceitual de agressão faz referência ao ato de agredir algo (nesse contexto, a propriedade). O que implica que a propriedade, enquanto direito inviolável, precede qualquer raciocínio concernente à ética, pois o que leva o homem a debater justiça seguramente não é o prazer decorrente do exercício dialético da razão, mas o desejo de manter apropriadamente resguardados os seus direitos de propriedade, pela aderência de princípios axiológicos objetivamente deriváveis.
O que contradita a propriedade, portanto, não somente se põe a contraditar o direito mais fundamental do homem, entretanto evade do que levou o mesmo a pensar racionalmente acerca da justiça: o desejo de não ser violentado – ou seja, mais especificamente, o desejo de não ter transgredida a sua propriedade.
Uma sociedade completamente justa, dessa forma, é uma sociedade completamente ausente de agressões – conclui-se, anárquica, visto que o estado se mantém por vias tributárias, isto é, por vias caracteristicamente concernentes à captação não consentida (forçosa) da propriedade dos “contribuintes”.
Todo raciocínio discursivo que preconiza atos de agressão é eticamente indefensável, posto que, se é verdade que a ética tem por propósito existencial o de cessar terminantemente a agressão em todas as suas formas concebíveis, qualquer raciocínio, então, que legitime uma forma de agressão no tecido social (seja tributária ou outra), em última análise, se coloca favoravelmente à permanência de uma sociedade injusta, a antítese suma da justiça. Uma sociedade justa deve ser, por necessidade, voluntarista (anarcocapitalista).
Por conclusão, todo raciocínio discursivo cuja intenção seja a de conferir legitimidade ao estado, não apenas não se justifica eticamente por legitimar uma forma de agressão (a tributária), pervertendo consequentemente a função protetiva da justiça, o seu fundamento existencial, porém por, nota-se, prestar um desserviço irracional à ética, propondo a agressão institucionalizada como uma forma alegadamente válida de cessar as agressões.
[…]
Os hobbesianos dizem que a propriedade vem posteriormente ao estado, que este surgiu de um contrato social intencionado para inibir os impulsos selvagens do homem, derrogar a guerra de todos contra todos e possibilitar a existência da sociedade, já que, segundo a teoria hobbesiana, a percepção de direitos inalienáveis é ontologicamente impossível ao homem na ausência do estado.
Para fins puramente proposicionais, vamos assumir que o estado é uma entidade destinada fundamentalmente à proteção dos direitos humanos.
Cabe, então, perguntar ao hobbesiano: “o que levou certos homens a compor, mediante contrato social, o estado como uma entidade de caráter essencialmente protetivo, senão a percepção de direitos que estavam desprotegidos e transgredidos?”.
Ora, se a propriedade procede originariamente do estado e não existe por si mesma, qual foi o motivo de o estado surgir enquanto entidade alegadamente protetiva senão algo independente a ser protegido? Quer dizer, se a propriedade, enquanto direito inviolável, vem só ulteriormente ao estado, qual foi a razão de certos homens constituírem o estado mesmo para que o tal mantivesse devidamente inviolados dados direitos, sendo a existência de direitos invioláveis supostamente perceptível ao homem tão-só sob o estado e não antes dele?
Além do mais, se os impulsos selvagens do homem foram tais que o mesmo não podia possivelmente querer cooperar com os demais ou perceber a inviolabilidade de determinados princípios, cabe, então, perguntar por curiosidade ao hobbesiano o que compeliu o homem à composição de uma entidade de funcionalidade explicitamente protetiva, senão a vontade de resguardar a inviolabilidade previamente percebida de determinados princípios ou a vontade de cooperar em paz com seus próximos (a forma da interdição consciente da sua selvageria impulsiva)?
Se o homem fosse absolutamente incapaz de inibir os seus impulsos agressivos, por que comporia uma entidade coativa cuja missão primordial fosse a de assegurar a não agressão, a cooperação? Se o homem fosse instintivamente agressivo de modo tal que não pudesse possivelmente querer cooperar com os outros, não buscaria descobrir jeitos comparativamente mais lucrativos de extorquir ao invés de descobrir um jeito de compor uma ordem regencial sob a qual pudesse manter integralmente possuídos os frutos do seu trabalho e ter a certeza de que todo e qualquer agressor seria punido?
Se a propriedade é imperceptível ao homem perante a ausência do estado, por que certos homens, grupalmente, objetivaram compor uma entidade cujo propósito fundante era o de proteger a propriedade e garantir a cooperação?
São perguntas que Thomas Hobbes e seus seguidores não responderam.” No livro Imposto é Roubo – A Ética dos Lambedores de Botas, redigi:
“Os hobbesianos têm como premissa a ideia de que o homem é intrinsecamente maléfico, o que logicamente os induz a sustentar, por congruência, que o homem jamais buscará raciocinar eticamente quando posto em conjunturas anárquicas, visto que a teoria política hobbesiana presume ser fundamentalmente válida a hipótese de que o estado opera imprescindivelmente garantindo a ética e a noção de direitos invioláveis como os de propriedade, livre expressão, vida, etc., etc., aos seus governados. A premissa mais precípua da teoria política hobbesiana compele o hobbesiano coerente a asseverar que “todo e qualquer raciocínio relativo à ética é impossível ao homem quando este se acha submetido à anarquia, pois”, e, do modo mesmo, a continuar, “o estado é absolutamente inescusável à cessação possivelmente mais integral da guerra de todos contra todos”. Ora, segundo os alicerces teoréticos dos hobbesianos, enquanto o estado permanecer ausente, o homem fruirá a sua razão somente para eleger os meios predatórios mais úteis e lucrativos, uma vez que é tido como um ser naturalmente malévolo, porém, se é-o realmente o homem, será correto afirmar que este não sentirá tampouco minusculamente a necessidade de corrigir-se conforme manda a ética, e, idem, não se sentirá pressionado por esta ao agir injustamente, o que implica que perfeitamente inequívoca será, então, a conclusão de que o referido homem jamais propositará compor qualquer entidade cuja função primordial seja corretiva ou essencialmente respeitante à justiça. Ironicamente, se se presume ser inquestionavelmente válido o alicerce mais capital da teoria política hobbesiana, tem-se inevitavelmente de inferir a impossibilidade de todo e qualquer estado. Logo, se o estado existe, mais que correto será sepultar qualquer ideia que o perceba como um ente que livra heroica e generosamente o homem da malevolência impulsiva que lhe é própria, visto que, se, de fato, a malevolência é insarável ao homem, este não sentiria minimamente a necessidade de haver uma entidade provedora de correções éticas, isto é, absolutamente nenhum homem, ou grupo de homens, tencionaria constituir um estado (vale, inclusive, ressaltar que a formação de qualquer grupo seria impossível em um mundo tão-só habitado por seres caracteristicamente insusceptíveis à cooperação, já que a capacidade de cooperar (sociabilidade (civilidade)) antecede transcendentalmente a formação de quaisquer grupos ou entes organizacionais, até mesmo os político-estatais); o que, invariavelmente, há de nos fazer deduzir que o estado não ver-se-á potencialmente existente se a sua formação for precedida por conjunções animalistas relativamente não muito díspares das descritas pelos hobbesianos, uma vez que, se, na anarquia, a malevolência absoluta (animalismo) reina no homem de tal modo que inibe o seu raciocínio ético e a noção de direitos objetivamente invioláveis, certo será inferir, então, que o homem nunca decidirá compor um estado ou formar grupalmente uma entidade corretiva cuja função mais substancial seja a de proteger os direitos mais básicos dos indivíduos, já que, se o referido homem é supostamente incapaz perceber a existência dos direitos invioláveis dos seus irmãos por vias analíticas, como poderá, à vista disso, supor ser desastrosa a anarquia no tocante à preservação da ética dado que não é ontologicamente apto à percepção da mesma? Como poderá considerar um sistema estatizado mais preferível à justiça que um sistema anárquico, se sempre lhe escapará a capacidade de distinguir a justiça da sua antítese? Como poderá propositar constituir uma entidade que corrija os que se comportam agressivamente na sociedade em prol da proteção continuada dos que se comportam pacificamente, se é absoluto e verídico o fato de que é inalteravelmente incapaz de distinguir os atos agressivos (malevolentes) dos pacíficos (benevolentes) uma vez que é epistemologicamente débil ao discernir o que a ética aceita como benévolo, dado que é naturalmente malévolo? Se não é suficientemente apto à delimitação da propriedade própria e da propriedade alheia, como o homem poderá considerar intoleráveis os que decidem viver parasitariamente, i. e., por meio da agressão habitual? Se a definição conceitual de agressão faz referência ao ato de lesar algo (neste contexto, a propriedade) e se o homem é absolutamente inapto à delimitação da propriedade e ao reconhecimento desta, como poderá o referido homem decidir constituir um ente institucionalmente teso para que este faça cessar as ações lesivas? Se o homem é naturalmente malévolo, por que, eventualmente, propositaria constituir um ente ordenador cuja missão mais basilar fosse a de positivar um conjunto de leis punitivas à malevolência? Sendo o homem naturalmente malévolo, não seria mais que plausível prever que prezaria diligentemente as condições mais favoráveis à efetividade da sua malevolência e à maximização dos resultados decorrentes do emprego das suas capacidades agressivas, em outras palavras, à sua impunidade? Se, na mocidade do processo civilizatório, foi interessante a determinado homem (digamos, P) compor, através de um contrato social, uma entidade institucional que se pusesse punitivamente (desfavoravelmente) à malevolência e à agressividade dos expropriadores, não seria P um homem benévolo, uma vez que desejou interditar por vias institucionais o caráter malevolente e agressivo dos seus irmãos, dado que é entendível o fato de que os que agem malevolentemente sempre operarão favoravelmente (não desfavoravelmente (não punitivamente)) à perpetração das circunstâncias conjunturais comparavelmente mais propícias à impunidade da malevolência e à maximização consequente dos ganhos oriundos do uso dos meios parasitários como forma de sobrevivência? Se, na juventude da humanidade, os homens malevolentes fossem os majoritários, não seria completamente inviável aos minoritários benévolos compor uma entidade institucional cujo compromisso existencial principal fosse o de atuar de modo a punir sistematicamente, com efeito, o uso dos meios agressivos como forma de sobrevivência, uma vez que, por serem sobremodo profusos, os malévolos acabariam por impedir o surgimento de tal entidade? São perguntas imperscrutáveis aos seguidores de Hobbes.” E, pouco mais adiante, mais profundamente, acrescenta-se:
“Creio que esteja mais que claro que a definição conceitual de agressão faz referência ao ato de agredir algo, i. e., nomeadamente, ao ato de agredir a propriedade alheia, em matéria de ética; logo, se o hobbesiano defende que o estado é cabalmente necessário à cessação permanente das agressões (violações de direitos), põe-se, desse modo, a entrever a propriedade como algo anterior (não ulterior) ao estado, visto que se a propriedade viesse posteriormente ao estado, não haveria motivo de o estado existir, porque se não há propriedade, não há agressões (lembremo-nos que estas, em matéria de ética, são necessariamente agressões à propriedade), pois, ora, se a propriedade não vige sob condições desconhecedoras do estado, o indivíduo, conseguintemente, ao agir à sombra de condições anárquicas, jamais poderia possivelmente diferenciar os atos agressivos dos pacíficos, e, em razão disso, nunca valoraria moralmente os atos pacíficos em detrimentos dos agressivos, ou contrariamente, visto que é certo asseverar que dado ato é eticamente válido apenas se tal ato mostrar-se apreciavelmente distinguível do eticamente inválido. Quer dizer, todo e qualquer valor ético pressupõe tanto a diferenciação moral (apreciação moral) quanto a capacidade de diferenciar moralmente (a faculdade de abstrair o que torna o eticamente defensável distinto do eticamente indefensável, por suas unidades identitárias), i. e., pressupõe a valoração do que é desejável à ética (normas de valor cuja adesão cessa quaisquer agressões permanentemente) e a não valoração do que lhe é definitivamente indesejável (normas de valor cuja adesão torna parcial ou totalmente propícias quaisquer agressões), o que implica que será correto afirmar que dado ato é eticamente fundado apenas se tal for perfeitamente elogiável ao que a ética suporta (i. e., o término das agressões (a justiça, menos especificamente)), contudo, se, contrariamente, for indesejável ao que a ética suporta (i.e., se não suceder-se favoravelmente ao término das agressões, justamente por ser danoso/lesivo), será incorreto afirmar que é eticamente fundado, consequentemente. Quer dizer, diz-se que dado ato é eticamente válido se procede não agressivamente ou que é eticamente inválido se procede agressivamente. Se é desejável à ética, portanto, prezar os atos pacíficos e ser eficazmente punitiva aos agressivos, um conjunto de normas que visa adequar-se acertadamente à mesma deve necessariamente distinguir os atos agressivos dos pacíficos a fim de não pecar, definindo-os de forma correta, isto é, deverá necessariamente firmar-se no conceito de propriedade de maneira a tomá-lo como uma referência analiticamente fundamental que separa os atos pacíficos (não agressivos – eticamente defensáveis) dos não pacíficos (agressivos – eticamente indefensáveis), uma vez que uma categorização conceitualmente imprecisa dos atos possíveis, pela exclusão perceptual do elemento propriedade, induz ao erro, além de ser relativamente susceptível à aprovação enganosa de uma classe indefinida de agressões, o que contradita fundamentalmente os intentos últimos da ética (a derrogação permanente dos atos agressivos), já que o ato agressivo é o que opera danosamente à propriedade e o pacífico o que opera não danosamente à propriedade, conforme a definição conceitual correta. O que implica que antes de o homem (ou grupo de homens) tencionar propor o estado como uma forma eticamente fundada de fazer cessar as agressões, deve necessariamente abstrair a propriedade, reconhecêla e tomá-la como parâmetro ético, já que o intento comum de quaisquer debates éticos minimamente sérios é substancialmente respeitante ao aspecto eticamente lógico e ambicionável dos atos pacíficos e ao aspecto eticamente ilógico e menosprezível dos atos agressivos, quer dizer, é respeitante à inviolabilidade da propriedade, uma vez que toda dialética ética tem por base o objetivo de clarificar irrefutavelmente as normas desejáveis à interrupção das agressões, o que há de compelir naturalmente os debatedores de ética e os que desejam construir uma ordem justa consistente a tomar a propriedade como parâmetro sumo da moral, já que a agressão só se distingue da não agressão posteriormente ao entendimento do conceito de propriedade, visto que agressão é, conceitualmente, lesão à propriedade. Sendo, afinal, a vontade de alcançar o reino da paz (a minimização máxima dos atos agressivos), a qual origina toda e qualquer discussão ética, primordialmente fundamentada pela distinção perceptual entre o que é desejável à ética e o que é indesejável à ética (respectivamente, ato pacífico e ato agressivo), deduz-se categoricamente, então, que seu fator condicionante primeiro se faz pela conceptualização correta da propriedade, que é absolutissimamente impreterível à ética, pelos elementos elucidativos postos acima: em resumo, a ética, que tem por intento principal a derrogação perpétua dos atos agressivos; e a propriedade, que serve a ética indispensavelmente visto que possibilita à mesma a distinção entre o ato agressivo e o ato pacífico, evitando que ela porventura vá contrariamente a si mesma e certeiramente à sua antítese, já que o ato agressivo é necessariamente o que lesa a propriedade.
Sumamente, a ética tem a pretensão de findar as agressões, de cessá-las permanentemente. Ora, para defini-las e para decidir agir moralmente de modo a encerrá-las, seja compondo um estado por intermédio de um contrato social ou militando favoravelmente à ordem natural (sociedade de leis privadas), o homem, inexoravelmente, tem de recorrer ao absolutismo da propriedade, posto que, como dito, se não há propriedade, não há agressões, e se não há agressões, não há ética, já que esta existe somente para equipar o homem com um conjunto de normas morais pela aderência do qual o fim das agressões torna-se possível não contraditoriamente. Logo, se o homem é ontologicamente inapto à percepção da propriedade, a percepção das agressões será consequentemente impraticável ao mesmo, o que o impossibilitará de objetivar o término das agressões e, em consequência, de compor uma forma explicitamente associativa-contratual de providenciar o referido término das agressões, posto que, tendo uma razão supostamente débil à compreensão da propriedade, jamais conseguirá distinguir os atos agressivos dos pacíficos e, em função disso, nunca procurará rechaçar as agressões em prol da justiça.
Ora, se é ontologicamente inarredável ao homem presumir tacitamente a inexistência de direitos invioláveis, tem-se, então, de admitir que, ao referido homem, não haverá atos agressivos ou pacíficos, porém, somente atos, já que o ato agressivo se distingue do pacífico por operar danosamente à propriedade. Se, portanto, o homem não pode distingui-los, por não poder supostamente identificar a unidade elementar que os cataloga distintivamente (lesão à propriedade – sendo o ato agressivo lesivo à propriedade e o pacífico não lesivo à propriedade) em decorrência da sua inaptidão epistêmica no que tange a captação perceptiva de tal lesão (sendo tal inaptidão perfeitamente prognosticável, uma vez que é supostamente inábil à abstração do que é lesado (propriedade)), presumivelmente, não poderá, por conseguinte, valorar um em detrimento do outro, o que implica crucialmente que jamais propositará constituir uma entidade institucional cujo desempenho prático se dá punitivamente aos agressores e favoravelmente aos produtores ou respeitar a propriedade de outrem. Pois, a rigor, se, de fato, é ao homem absolutamente impraticável perceber a existência de direitos invioláveis em conjunturas desconhecíveis ao estado, ser-lhe-ia, então, epistemologicamente impossível conhecer o modo por intermédio do qual atua de forma eticamente defensável ou o que por intermédio do qual atua de forma eticamente indefensável, e tampouco saberia o método correto de obtenção do discernimento concernente à ética, uma vez que nunca apreciaria potencialmente a interdição permanente dos atos agressivos, já que não poderia diferenciá-los dos pacíficos, posto que ser-lhe-ia substancialmente peremptório presumir inexistir qualquer forma de propriedade (qualquer forma de agressão, por extensão), porque agressão, em matéria de ética, é necessariamente agressão à propriedade; o que implica a impossibilidade de discernimentos éticos e, consequentemente, de ilações referentes às formas possíveis correções institucionais (entre elas, o contrato social), o que, mais que categoricamente, traz-nos a impossibilidade do estado como uma forma de entidade corretiva previamente pensada, já que, na anarquia, como pressupõe o hobbesiano, todos são absolutamente inábeis à captação perceptiva da propriedade e, em consequência, de valores éticos lógico-objetivamente postuláveis.
Esta conclusão – a qual toca a imprescindibilidade da propriedade enquanto elemento em torno do qual se dá toda e qualquer discussão ética séria – não é diferente da que expus anteriormente, todavia se apresenta de forma mais completa e sistemática.
Toda discussão ética opera fundamentalmente em torno da tentativa de solucionar lógica e racionalmente o seguinte dilema: como evitar agressões? Uma sociedade justa – todos terão de concordar – é a que na qual a agressão seja completamente inexistente. Portanto, em debates relativos à ética, o indivíduo que efetivamente proposita conceber uma resolução racional ao problema da agressão incorrerá necessariamente em contradições performáticas ao ter como pressuposto a inexistência da propriedade, visto que os atos agressivos são os que se realizam em violação à propriedade de outrem, enquanto que os atos pacíficos são os que se realizam não em violação a propriedade de outrem, o que torna necessária a conceptualização do elemento a cuja inviolabilidade objetiva serve a ética; além disso, em matéria de ética, incontestavelmente, é indefensável o ato agressivo e defensável o pacífico, uma vez que a imprescindibilidade da ética decorre precipuamente da necessidade de fazer desaparecer as agressões como forma singular de paz e de cooperação (não agressão), o que implica que um indivíduo que alega arguir em prol da ética por propor atos de agressão incorre necessariamente em contradições, pois alega arguir em prol da tese ética (suspensão da agressão) ao propor favoravelmente à antítese ética (perpetração da agressão). Em vista disso, se, de antemão, se presume a inexistência da propriedade, todo e qualquer debate que se refira essencialmente à ética despoja-se instantaneamente da sua indispensabilidade, uma vez que, se não há propriedade, torna-se totalmente ilógico distinguir os atos agressivos (violentos) dos pacíficos (voluntários), já que a definição de ato de agressivo faz referência à ação lesiva, i. e., mais especificamente, à ação lesiva à propriedade; portanto, se não há propriedade, não há atos agressivos ou pacíficos, no entanto, apenas atos. O que implica que o indivíduo que argumenta favoravelmente à ideia de que propriedade inexiste, em suma, está a argumentar, por conseguinte, favoravelmente à tese de que a ética é desimportante ou, melhor, de que ela é despropositada, posto que, se efetivamente não há agressões em circunstâncias nas quais a propriedade é inexistente (visto que, como já disse, a definição de agressão se refere necessariamente ao ato o qual se efetiva danosamente à propriedade), deduz-se, então, que, ao viver-se nestas condições tais, nenhum valor ético é minusculamente relevante, já que todo e qualquer valor ético, seja qual for, em substância, é somente concebido como guia ao homem e como um auxílio ímpar ao seu propósito de cooperar, de cessar as agressões e, conclusivamente, de obstruir as suas tendências antissociais possíveis. Afinal, a ética é indispensável somente aos que vivem socialmente, e não ao indivíduo cuja locomoção se limita às beiras de uma ilha na qual é o único de sua espécie (a este último são inteiramente desconsideráveis os valores éticos, pois se não há ninguém na ilha referida além de ele próprio, não há, então, ninguém sobre as posses do qual possa possivelmente exercer a sua força depredativa, o que implica que jamais agredirá ninguém, visto que está plenamente solitário na ilha; e se, portanto, não há possibilidade de haver agressões, não há mínima necessidade de ter-se valores éticos claramente definidos).”
É uma passagem relativamente longa, mas creio que não poderia reproduzir o argumento tão claramente quanto.
Além de tudo, quando se fala de autopropriedade – outro elemento necessário à composição de qualquer ordenamento jurídico –, fala-se especificamente de um fator condicionante à descoberta de leis eticamente defensáveis e inerentes à manutenção de uma sociedade civil. Ora, a abstração cognoscitiva das leis eticamente defensáveis não é dada ao homem, o que implica que este deve, para prosperar enquanto ator ético, lançarse à descoberta da forma racional da elucidação e da aplicação das leis axiológicas válidas relativamente às formas possíveis de convivência pacífica humana.
H.H. Hoppe observou que a argumentação é necessária à descoberta de tais leis, ou, melhor, à descoberta das verdades relativas à forma eticamente defensável e racional da aplicação das leis axiológicas relativas ao caráter geral da natureza humana, visto que a argumentação serve eficazmente ao homem enquanto ferramenta sem a qual não é minusculamente possível a descoberta das verdades em geral, sendo o seu valor, enquanto meio efetivo à descoberta das verdades em geral, absolutamente incontestável, já que o único modo pelo qual se pode possivelmente contestar o valor da argumentação enquanto meio efetivo à descoberta das verdades em geral constitui substancialmente o que diz respeito à argumentação mesma, o que torna toda e qualquer contestação do valor da argumentação enquanto meio efetivo à descoberta das verdades em geral obrigatoriamente contraditória, posto que todas as contestações possíveis apenas podem expressar-se argumentativamente, isto é, por intermédio do emprego de elementos constitutivos ao processo de argumentação – e a efetividade do emprego de tais elementos sempre dependerá do valor do processo de argumentação enquanto meio. Portanto, a descoberta das verdades respeitantes às leis eticamente defensáveis e racionais relativamente às formas possíveis de convivência pacífica humana apenas se dá mediante a argumentação.
Não apenas isso. A argumentação configura uma ação humana, o que implica que a mesma há de expressar intrinsecamente dadas valorações por parte do seu autor. Além do mais, ela configura um tipo interativo de ação humana, já que não há como uma pessoa, por exemplo, argumentar consigo mesma efetuando uma espécie conceitualmente inespecífica de monografia, o que implica que, ao argumentar, o homem não apenas manifesta o fato de que valora a descoberta das verdades superiormente à ignorância, mas, também, o fato de que valora a interação superiormente ao conflito, já que, contrariamente, preferiria um tipo antissocial de ação (agressão; lesão; dano) em detrimento de um tipo interativo (argumentação). Daí, deduz-se que a propensão à interação/cooperação, enquanto elemento ontologicamente próprio ao homem, é necessária à possibilidade de consecução de atos interativos – inclui-se, argumentação – e esta é absolutamente necessária ao homem enquanto ferramenta determinante à descoberta das verdades em geral – inclui-se, as relativas às leis eticamente defensáveis –, sendo a descoberta destas absolutamente imprescindível à composição de qualquer ordenamento jurídico-institucional. Ademais, uma vez que a cooperação procede originalmente do reconhecimento mutual da propriedade privada e da autopropriedade alheias, sabe-se que a propriedade privada (inclui-se, autopropriedade) é, por inexorabilidade, necessária à composição de qualquer ordenamento jurídico, pois é a que configura o fator causal primário comum a qualquer ordem jurídica. Logo, qualquer ordenamento que pressuponha substantivamente a sua negação é contraditório.
O homem é um animal social, e, por sê-lo, lhe é própria a propensão à cooperação, posto que a consecução desta lhe gera um bem subjetivo. E, uma vez que a necessidade de cooperação é ontológica ao homem enquanto tal, sabe-se que o bem subjetivo oriundo da cooperação (a qual, por ser um produto praxeológico de inter-ações voluntárias, é intersubjetivamente valorada pelos seus agentes causadores, pois, do contrário, não seria produzida) é universalizável por concernir ao caráter social do homem enquanto ser subjetivo dotado de dadas inclinações ontológicas relativamente às qualidades que o torna um ser caracteristicamente sociável – cooperativo.
Não se negou a subjetividade do agente humano, tampouco a objetividade da ética e da sua natureza. Não rejeitamos a subjetividade do homem em prol da impessoalidade do direito, tampouco a universalidade do mesmo em prol de um utilitarismo democrático maquiavelicamente dissimulado.
Este esquema explicativo sintetizado por Douglas E. Rasmussen e Douglas J. Den Uyl é o mais coerente e aceitável concebível.
Sobre os Três Níveis Analíticos das Instituições Sociais: Ação Humana, InteraçãoCooperação, Instituições Sociais Evolucionárias
O direito, miseravelmente, sempre se pôs a enfrentar concepções estáticas de si. Os preconizadores de tais concepções versavam caracteristicamente que as normas reguladoras da conduta humana deveriam ter por fim um estado situacional da sociedade que adequasse ao máximo da sua forma mais perfeita.
A burocracia administrativa ficava, assim, encarregada de abstrair a forma possivelmente mais perfeita da sociedade e de formular as normas de comportamento destinadas a fazer a sociedade orientar-se à sua essência pura, despojada de todos os seus vícios concebíveis. Este é o dito construtivismo, segundo o qual os componentes sociais são, figurativamente, absolutamente nada mais que meros tijolos dispostos ao saber arquitetônico do planejador central.
Tendo de inocentar as suas arbitrariedades operacionais para legitimar-se ante o povo, o planejador central frequentemente se via obrigado a recorrer a teses justificadoras do seu papel autocrático, dedutivamente extraídas, alegava-se, da sintetização geral das tendências dialético-históricas da “sociedade” que tão-somente se fariam perceptíveis mediante o peso dos braços regulatórios do planejador central. Extrapolava-se, desse modo, o método observacional das ciências naturais às ciências humanas e sociais, tanto que não foram poucos os teóricos que alegavam explicitamente saber as leis inexoráveis do rumo histórico do corpo social pela verificação das fases históricas da humanidade em amplitude máxima. O materialismo histórico-dialético de Karl Marx, o mais conhecido, configura apenas uma das muitas espécies de historicismo.
Menger, contrariamente às visões analíticas holísticas da sociedade e das suas instituições, resolve averiguar antecedentemente a célula do corpo social: o homem enquanto agente. Pela apreensão da natureza do atuar humano e da forma pela qual os indivíduos interagem, Menger pôde elaborar uma teoria que explicasse mais que metodicamente as relações de intercâmbio e a forma de evolução máxima destas, as instituições sociais evolutivas (direito; mercado; dinheiro), acerca das quais se deram muitos dos trabalhos intelectuais mais fenomenais em matéria de Economia Política.
Breve Resumo do Individualismo Metodológico
Menger observou que o método de investigação adequado para o exame do objeto de estudo das ciências sociais deve necessariamente priorizar a unidade celular do corpo social – o indivíduo – frente ao coletivismo. Segundo o método analítico austríaco, o homem enquanto ser agente e autor de intercâmbios configura substancialmente a origem de todos os processos sociais, já que é absolutamente impossível a existência de um fenômeno social que exclua a ação individual humana, posto que um fenômeno social, sendo um conjunto imensuravelmente complexo de interações e de atos cooperativos inúmeros, tem por fatia irredutível a ação individual, a qual sempre há de manifestar a valoração subjetiva do seu autor.
- Menger objetivou demonstrar a irracionalidade da análise holística dos fenômenos sociais e o erro metodológico inerente à focalização do estudo sociológico na averiguação de entes externos ao indivíduo enquanto ator. Ademais, embora a contribuição teórica mais conhecida de Menger faça referência à sua lei da utilidade marginal, em realidade, as suas duas contribuições mais relevantes concernem respectivamente ao individualismo metodológico e à teoria evolutiva das instituições econômicas (em especial, do dinheiro e do mercado), as quais se fazem oriundas da recorrência intersubjetivamente valorada de certos fenômenos sociais.
Da Ação Humana
Em La Teoría Evolutiva de las Instituciones, César Martínez Meseguer frisou:
“Segundo Menger, o homem sempre age buscando atingir certos fins ou objetivos que considera relevantes, entendendo que eles lhe permitirão satisfazer as diferentes necessidades que sente e vivencia ao longo de sua vida. A esses fins, o ator lhes atribui um certo valor subjetivo, de acordo com uma escala de prioridades particular que irá variar dependendo de cada momento e circunstância. No desenvolvimento da ação, o indivíduo vai descobrindo e selecionando os meios que considera mais adequados para poder atingir seus objetivos, atribuindo a esses meios uma determinada utilidade em função da sua maior ou menor adequação à capacidade de permitir que ele alcance os objetivos que propôs a si. Dessa forma, o desenvolvimento da ação pode ser realizado, seja individualmente pelo ator, influenciando de modo direto o ambiente que o cerca, seja por meio de uma relação de intercâmbio com outros indivíduos.” [tradução própria].
A ação, enquanto um fenômeno social, é condicionada por certos elementos objetivos, sem a presença efetiva dos quais o fenômeno ação (inclui-se, inter-ação (intercâmbio)) jamais se veria possível, inegavelmente. São eles:
- A verificação de uma necessidade particular.
- A faculdade do homem de descobrir os meios cujo emprego o capacita à satisfação das suas necessidades. E as propriedades qualitativas dos meios não devem ser averiguadas indiferentemente à valoração subjetiva (inclui-se, à escala de necessidades particular) do agente e à relação entre a finalidade deste – subjetivamente valorada – e o meio necessário à sua consecução, de modo que o meio somente configura um bem ao agente enquanto instrumento utilitariamente empregável no processo de consecução do fim particular do agente mesmo, tanto que, quando dada finalidade deixa de ser valorada pelo agente, o meio que se via efetivo à sua realização perde instantaneamente o seu valor enquanto tal ao agente
em questão, porque o valor de um meio existe tão-só diretamente em função do fim à realização do qual presta.
- A disposição material do meio à satisfação do fim particular do agente – o que pressupõe naturalmente um sistema jurídico protetivo à posse (propriedade) dos indivíduos.
Atentemo-nos ao elemento (3).
Das Relações de Intercâmbio
Podemos, pelo esclarecimento do conceito de ação humana, entender adequadamente a natureza das interações relativamente ao comércio, já que este nada é senão um meio pelo emprego do qual o homem alcança considerável parcela dos seus intentos.
Um intercâmbio comercial, por constituir uma relação de troca puramente voluntária, deve necessariamente ser satisfatório a ambos os agentes que o efetuam, posto que, contrariamente, ele não ocorreria.
E, nota-se, caso o “intercâmbio” fosse efetuado na condição de ser satisfatório a apenas um agente e não a ambos, ele instantaneamente, por necessidade conceitual, deixaria de sê-lo, já que um intercâmbio efetuado pela vontade imposta de um agente em detrimento da do outro (de maneira não consensual) tem por nome “coerção”, não sendo conceitualmente, portanto, um “intercâmbio”. Em função disso, diz-se que o intercâmbio configura uma interação (inter-ação), posto que o que o possibilita não procede somente da valoração subjetiva de um agente, mas da de dois, já que o intercâmbio, por ser puramente inter-ação, deve a possibilidade da sua realização ao valor intersubjetivo que ambos os agentes atribuem particularmente ao meio intercâmbio conforme o que a consecução dos seus fins particulares impreterivelmente exige.
César Martínez confere luz ao assunto do seguinte modo:
“[Devemos] entender essas trocas [intercâmbios] como um meio para alcançar bens econômicos. Assim, a troca surge no momento em que o sujeito econômico “A”, possui uma quantidade de bens que para ele tem menos valor que uma determinada quantidade doutros bens que está em poder do sujeito econômico “B”, encontrando este segundo, no que diz respeito à quantidade de bens da qual dispõe, em relação oposta ao primeiro, de modo que a quantidade de bens da qual dispõe tem menos valor para ele que a quantidade de bens à disposição do sujeito “A”.” [tradução própria]
Estendendo dedutivamente o conceito a casos concretos, em Pedir um estado eficiente é pedir um quadrado redondo, escrevi:
“O homem, afinal, somente age porque espera obter através da ação um estado de coisas situacionalmente mais satisfatório que o estado de coisas anterior. Logo, quando uma dada pessoa compra dado bem (digamos, A) por, por exemplo, 10 reais, ela está a dizer de modo implícito: “prefiro abster-me do uso desses 10 reais que abster-me da aquisição deste bem (A), pois creio que a utilização deste bem me trará mais que ganhos que qualquer utilização alternativa que possa possivelmente ter estes 10 reais”. Se o vendedor, por sua vez, valorasse mais A que os 10 reais do consumidor, ele poria A em venda com um preço comparavelmente maior ou, então, o utilizaria para seus próprios fins. Logo, o próprio fato de o vendedor pôr A em venda por 10 reais já implica que a venda será vantajosa para ele.
Em suma, para que uma empresa tenha lucro, isto é, para que ela transacione, a mesma deve ofertar ao consumidor um produto ou um serviço que o referido consumidor avalie como tendo um valor superior ao valor que tem o seu dinheiro. Uma empresa, portanto, para manter-se financeiramente viável de forma de duradoura, deve acrescer valor à vida do consumidor e procurar ininterruptamente ajustar a sua capacidade produtiva à demanda de mercado em voga. Ou seja, as empresas privadas operam tão-somente sob o consentimento dos consumidores.
Por essa razão, o empresário deve ser suficientemente empático para não correr o risco de deixar a sua produção não compatível com a que é demandada pelos consumidores.
O mercado, assim, permite um processo dinâmico de produção e adaptação.
Uma empresa que não supre as necessidades dos consumidores perderá clientes e falirá no mais tardar. As empresas no setor privado são, por vias puramente mercadológicas, compelidas a servirem às pessoas, já que se estas ficarem insatisfeitas com seus serviços poderão comprar de empresas concorrentes, o que resultará numa diminuição de lucratividade.
[…]
O estado, no que lhe diz respeito, não minimamente necessitando da satisfação da classe consumidora, avilta qualquer tipo de ponderação acerca de custos-benefícios ao operar, dependendo somente do emprego sistemático da violência e da força coativa. A satisfação do povo propriamente no tocante à qualidade e ao custo dos serviços estatais é, para a administração governamental, secundária, pois, apesar de o contribuinte, com grandíssima frequência, ficar redondamente insatisfeito com a péssima qualidade dos serviços públicos, ele pagará pelos mesmos de qualquer forma como se estivesse alegríssimo.”
Em razão de o intercâmbio ser, por necessidade conceitual, mutualmente benéfico e de a coerção ser necessariamente, por causa de o que é, benéfica somente à parte realizadora da coerção e não à coagida, concluiu-se, por exemplo, o que redigi em A Contradição do “Impostos são Investimentos!”:
“A ação, enquanto evento intencional, nada é senão o emprego de meios destinado ao alcance de um fim. O homem, dessa forma, age ao empregar meios com uma dada finalidade, cuja consecução lhe renderá, avalia, um estado de coisas situacionalmente mais satisfatório que o estado de coisas anterior à ação. A consecução do fim, enquanto elemento da ação, deve necessariamente compensar os custos totais relativos ao emprego dos meios, sendo tais custos sempre mensurados em termos de ganhos alternativos possíveis com empregos alternativos dos mesmos meios.
O custo de um bolo, por exemplo, não é somente, digamos, 10 xelins, mas é configurado por todas as aquisições mercadológicas alternativas possíveis com 10 xelins; e é justamente por isso que os jovens estudantes, com frequência, dizem: “a execução desse exame me custou uma tarde com meus amigos, ou uma tarde jogando, ou uma tarde relaxando”, quer dizer, o custo do tempo orientado à execução do exame foi medido em termos de ganhos alternativos possíveis com empregos alternativos do mesmo tempo, o que implica, segundo a correta análise praxeológica, que a execução do exame referida, para ser alcançada, deve ser suficientemente compensatória à tarde perdida de relaxamento, ou à tarde perdida com os amigos, ou à tarde perdida de jogo, etc., etc.
Por intermédio de deduções lógicas, sabe-se, por isso, que quando dado indivíduo compra via dinheiro um bem, o faz precisamente porque espera obter do seu uso um estado de coisas situacionalmente mais satisfatório que o estado de coisas que obteria caso usasse o seu dinheiro doutro modo (alternativamente). Da mesma forma, quando um indivíduo se abstém de gastar seu dinheiro comprando algo, ele o faz precisamente porque não espera obter do uso de tal algo um estado situacional comparavelmente mais compensatório que o que obtém se abstendo da compra do tal algo. A troca, portanto, enquanto inter-ação voluntária, sempre beneficia ambas as partes atuantes, do contrário a mesma não ocorreria.
O conceito de ação é relevante, pois o seu esclarecimento nos leva invariavelmente à conclusão de que os serviços ditos públicos não podem possivelmente satisfazer os indivíduos visto que sempre são custeados por meio da coação central (estatal).
Quando, por exemplo, uma empresa registra lucros demasiadamente altos, isso indica a ela que o cliente atribui ao produto ofertado um valor comparativamente superior que o que atribui ao seu dinheiro; e, para permanecer sendo altamente lucrativa, a empresa terá de verificar com frequência as variações espaciais e temporais da demanda a fim ajustar a sua produção à mesma como forma de manter-se viável. Do mesmo modo, quando uma empresa apresenta prejuízos, contabilmente expressos em termos de perdas financeiras, isso indica a ela que o cliente atribui ao produto ofertado um valor comparativamente inferior que o que atribui ao seu dinheiro; e, para evitar a falência no mais tardar, a empresa terá de ajustar os seus produtos e serviços identicamente aos que são requisitados pelos consumidores.
O mercado, assim, é absolutamente peremptório a uma alocação racional de recursos, pois aqueles que conseguem alocar o capital disponível apenas insuficientemente ao atendimento das necessidades dos indivíduos sofrem perdas, enquanto que os bons alocadores são recompensados com altos lucros.
[…]
Esses indicativos (lucros/perdas) operam, contudo, somente num sistema de trocas voluntárias, no qual os indivíduos podem escolher comprar ou não comprar, no qual o indivíduo obtém lucros à medida que supre as necessidades dos consumidores e perdas à medida que falha em suprir tais necessidades.
O estado, por ser custeado sempre por meio da coerção e não da venda voluntária dos seus serviços, não tem como saber se as suas operações estão perfeitamente alinhadas com as que são requeridas pelos indivíduos, pois, afinal, é financiado regularmente saciando ou não as necessidades dos “consumidores” (contribuintes).
É como se uma empresa oferecesse ao consumidor um produto não compatível com o que é por ele demandado e não possuísse absolutamente nenhum mecanismo informacional ao qual recorrer para notificar-se disso.
Além do mais, se os indivíduos percebessem algum valor nos serviços oferecidos pelo estado, tais serviços seriam custeados voluntariamente sem a necessidade de coação. Por isso, o próprio fato de o estado ter de violentar os indivíduos de maneira a arrancar deles o seu sustento já demonstra que ele não provê ao pobre a supressão das suas necessidades […]”
Os membros da Escola Austríaca costumam defender a liberdade de mercado não somente por praxe, mas a defesa da superioridade econômica do livre-mercado, à Escola Austríaca, antes, configura primordialmente a extensão dedutiva da validade das suas premissas relativas ao fenômeno do intercâmbio.
Assim, são dois os elementos que condicionam o fenômeno intercâmbio:
- Conhecimento por parte de ambas as partes atuantes acerca dos benefícios mutuais decorrentes da realização da troca.
- A possibilidade de efetuação efetiva da troca (o que toca diretamente a questão da institucionalização de uma ordem jurídica punitiva à agressão – lesão à propriedade (posses) – e protetiva ao direito de transmissão contratual (previamente pactuada) de bens).
O desejo comum dos homens de alcançar os objetivos que lhe são próprios pelo emprego dos melhores meios disponíveis há obrigatoriamente de fazer originar no agente homem tanto a propulsão à atividade econômica-produtiva quanto a inclinação à avaliação prática das consequências utilitárias específicas das muitas trocas comerciais possíveis, de modo a o homem poder efetuar as que melhor se alinharem à consecução dos seus propósitos particulares – subjetivos.
Como descobrir os benefícios/malefícios decorrentes da consecução de dadas trocas é vantajoso ao homem, e como a não descoberta de tais benefícios/malefícios ser-lhe-á sempre incomensuravelmente malévola, pode-se prognosticar que, de maneira gradual e espontânea, os métodos contratuais/comerciais de aquisição de recursos econômicos serão consolidados e generalizados socialmente, de tal maneira que, em razão da notabilidade dos inumeráveis benefícios que se fazem nascentes do emprego recorrente desses métodos, eles vão se integrando paulatinamente ao costume do homem até ao ponto em que aquele que não os cultiva vê-se compelido ao seu cultivo naturalmente e espontaneamente por fatores seletivos. Tais métodos contratuais/comerciais, desse modo, por se mostrarem benéficos socialmente, vão se generalizando entre os homens até a institucionalização espontânea dos mesmos – mais especificamente, até a institucionalização daquilo que, contemporaneamente, chamamos de mercado.
E este tende a ser o processo natural pelo qual há de emergir qualquer instituição não coativa – isto é, eticamente defensável.
Carl Menger, L. Mises, F. A. Hayek e a Natureza Seletivo-Evolucionária da Origem Espontâneo-Dinâmica das Instituições Sociais
Da continuidade da atividade econômica e das relações de troca entre os indivíduos surge espontaneamente as instituições sociais.
Acerca das contribuições teóricas de Menger ao nascimento de uma teoria evolutiva das instituições sociais sistemática escreve César Martínez Meseguer:
“Menger é o testemunho de uma longa tradição de pensadores caracterizados por uma grande modéstia intelectual, o que os fez desconfiar do racionalismo radical e os levou a descobrir a importância do evolucionismo em diferentes ramos das ciências sociais. Em muitos casos, o evolucionismo social tinha apenas uma base intuitiva […], porém, já havia um importante reservatório de ideias e teorias ao qual grandes pensadores da filosofia, do direito, etc., contribuíram com seus postulados (como Hume, Burke, Savigny, […]). Graças a eles, Menger elabora uma teoria baseada no fato de que o nascimento e o posterior desenvolvimento das principais instituições sobre as quais nossa vida social se sustenta são espontâneos e evolutivos, e sua formação se deve tanto ao surgimento natural de padrões de comportamento, que têm aparecido como resultado de longos processos de tentativa e erro, quanto aos processos de aprendizagem e imitação que ocorrem dentro de grupos humanos. Processos nos quais tendem a predominar os comportamentos que favorecem melhor o desenvolvimento dos grupos que os aceitam e os respeitam. E a produção dessa aceitação, na maioria dos casos, se dá de forma inconsciente e não deliberada. O fruto dessa descoberta é o trabalho de Menger sobre a Teoria Evolucionária do Mercado e a Teoria Evolucionária do Dinheiro […]” [tradução própria]
Quanto a Mises e Hayek, tão-só parece haver controvérsias, porém, factualmente, não há.
Mises, notavelmente, focalizou os seus esforços intelectivos na análise do aspecto individualista da ação humana e da função empresarial. Já Hayek, focou-se na apreensão descritiva da compleição civilmente mais evoluída e abstrata da ação individual humana.
Como vimos, há três níveis de análise das instituições sociais evolutivas. São eles:
- Ação Humana.
- Relações de troca – intercâmbio.
- Instituições sociais.
Por esse motivo, não existem, contrariamente ao que muitos tendem a crer, desavenças teóricas insolúveis entre as conclusões de Mises e Hayek, mas complementariedades diversas. Ambos têm por fundamentos os austríacos, isto é, ambos possuem concepções analiticamente centradas nos fenômenos de mercado e em noções dinâmicas e evolucionárias dos mesmos, no entanto, para que possamos entender adequadamente a complementariedade que entre eles há, é cabível citar uma passagem de d’Ação Humana, de Mises, acerca dos níveis analíticos austríacos:
“A ação é sempre, essencialmente, a troca de um estado de coisas por outro estado de coisas. Se a ação é praticada por um indivíduo sem qualquer referência à cooperação com outros indivíduos, podemos chamá-la de troca autística. Exemplos: o caçador isolado que mata um animal para seu próprio consumo estará trocando o seu lazer e um cartucho por alimento.
Na sociedade, a cooperação substitui a troca autística pela troca interpessoal ou social. O homem dá a outros homens e recebe deles. Surge a interdependência. O homem serve para poder ser servido.
A relação de troca é a relação social fundamental. A troca interpessoal de bens e serviços tece a ligação que une os homens em sociedade. A fórmula social é: do ut des . Quando não há reciprocidade internacional, quando uma ação é praticada sem qualquer desejo de ser beneficiada por uma ação concomitante de outros homens, não há troca interpessoal, mas apenas troca autística. É indiferente se a ação autística é benéfica ou prejudicial a outras pessoas, ou se não lhes concerne de forma alguma. Um gênio pode realizar sua tarefa para seu próprio prazer, e não para a multidão: entretanto, é um benfeitor da humanidade. O ladrão, mata sua vítima em seu próprio proveito; o homem assassinado não é, de forma alguma, um parceiro neste crime, mas apenas o seu objeto; o crime, evidentemente, é cometido contra sua vontade. A agressão hostil era uma prática comum aos antepassados não humanos do homem.
A cooperação propositada e consciente é o resultado de um longo processo de evolução. A etnologia e a história nos proporcionam informações interessantes a respeito do surgimento e das formas primitivas de troca interpessoal. Alguns consideram o costume de dar e receber presentes, de estimular previamente um determinado presente a ser recebido, como uma forma precursora da troca interpessoal. Outros consideram a troca silenciosa como a forma primitiva de comércio. Entretanto, dar presentes, na expectativa de ser recompensado por um presente de volta, ou para os favores de alguém cuja animosidade poderia ser desastrosa, já equivale à troca interpessoal. O mesmo se pode dizer da troca silenciosa, que se distingue de outras formas de troca ou de comércio apenas pela ausência de discussão verbal.
É uma característica essencial das categorias da ação humana o fato de ser apolítica e absoluta e de não admitir qualquer gradação. Existe ação ou não ação, troca ou não troca; havendo ação ou troca, tudo o que se aplica à ação e à troca em geral aplica-se a cada caso individual. Da mesma maneira, a fronteira entre troca autística e troca interpessoal é perfeitamente nítida. Dar presente unilateralmente, sem pretender ser recompensado por qualquer forma de conduta da parte do recebedor ou de terceiras pessoas, constitui troca autística. O doador usufrui a satisfação que lhe é proporcionada pela melhoria de condição do recebedor. Para o recebedor, é como se tivesse recebido um presente do céu. Porém, se os presentes são dados para influenciar a conduta de alguma pessoa, já não são unilaterais, mas uma forma de troca interpessoal entre o doador e a pessoa cuja conduta pretende influenciar.
Embora o surgimento de troca interpessoal tenha sido o resultado de uma grande evolução, não se pode conceber uma transição gradual entre troca autística e troca interpessoal. Entre uma e outra não houve nenhuma forma intermediária de troca. A passagem da troca autística para a interpessoal foi um salto para algo inteiramente novo e essencialmente diferente, da mesma forma que também o foi a passagem da reação automática das células e nervos para o comportamento propositado e consciente, ou seja, para a ação.”
Para Mises, a ação evolui à inter-ação à medida que o homem nota a troca interpessoal como utilitariamente superior à troca autística.
A troca interpessoal, portanto, ao passo que é voluntária, configura um bem ao homem, posto que este livremente recorre à mesma em prol da consecução dos seus propósitos subjetivos e posto que, se lhe fosse malevolente (isto é, se retardasse/inibisse de algum modo o alcance dos seus fins particulares), não se inclinaria voluntariamente à sua internalização comportamental.
A coerção (troca forçada (lesão à (auto)propriedade), por sua vez, configura um mal ao homem, já que o agente da coerção obriga o coagido a efetuar uma troca consigo à qual este não recorreria em condições de liberdade – uma vez que, contrariamente, a coerção não ocorreria, posto que o coagido efetuaria a troca sem necessidade alguma de atos coercitivos por notar subjetivamente na consecução dela atributos bons – e, presumivelmente, não recorreria à troca referida em função dela não lhe ser benevolente, posto que, do contrário, recorreria à mesma voluntariamente (sem a necessidade de coerção) de modo a extrair da consecução dela os benefícios relativos à sua benevolência suposta.
Como é apriorístico e incontestável o fato de que é absolutamente ontológico ao homem apartar-se do mal e ir ao bem, tal como disse S. T. de Aquino, percebe-se que é próprio à natureza humana prezar a liberdade e repreender a coerção (agressão – lesão à propriedade). Desta forma, os homens vão assimilando paulatinamente a natureza do que lhes é bom. Daí decorre que tão-só predominarão seletivamente os grupos (corpos associativos) humanos que internalizarem institucionalmente as normas de comportamento respeitantes ao elemento comum objetivo e universal – diga-se, liberdade (não agressão) – do florescimento humano (sempre subjetivo e particular).
Temos aqui, finalmente, a complementariedade da que falamos:
- O estudo misesiano da ação humana individual enquanto tal (inclui-se, atividade econômica e função empresarial).
- O estudo hayekeano da transmissão e acumulação de informação mediante um processo evolucionário (seletivo) de institucionalização espontânea e dinâmica (caracteristicamente mercadológica) de normas de comportamento protetivas à liberdade e à propriedade em prol da não agressão (em suma, da paz perpétua)).
Casos Exemplificadores
Alentar-me-ia tratar pormenorizadamente da completude histórica de tal processo. Entretanto, as contingências atuais me forçam a finalizar pondo aqui um exemplo ilustrativo fornecido por César Martínez Meseguer em seu La Teoría Evolutiva de las Instituciones:
“Dentro de un grupo humano primitivo, un sujeto posee ciertas cualidades que le hacen ser un gran cazador, lo que le convierte en un individuo respetado, con derecho a las mayores y mejores raciones de carne de la presa capturada. Por otro lado, y continuando con nuestro ejemplo, nos encontramos con otro integrante del mismo grupo, que al tener una constitución física más débil, se encuentra limitado a la hora de participar en las batidas de caza, por lo que casi nunca consigue piezas importantes, viéndose relegado en muchas ocasiones a conformarse con las peores porciones del reparto. Sin embargo, dicho individuo posee una gran habilidad construyendo flechas y arcos, habilidad que nuestro anterior hombre no posee y que a su vez valora mucho, pues tener las mejores armas le hace destacar aún más como cazador. De esta manera, cada uno percibe la debilidad y la virtud del otro, descubriendo una posibilidad de ganancia mutua con el intercambio (Función Empresarial en el nivel de intercambio). Así, el primer individuo se compromete a facilitar al segundo una ración adecuada de cada pieza que consiga, siempre y cuando el otro le provea de las mejores armas.
Una vez que el grupo conoce y acepta esta actividad de intercambio de bienes que se conoce con el nombre de trueque, el resto de individuos aprende a imitar ese comportamiento que tan buenos resultados parece dar a los que lo practican. Con el paso del tiempo se van creando una serie de hábitos y costumbres que van regulando las relaciones que han demostrado ser buenas, no sólo para los que intercambian, sino incluso para todo el colectivo. Por un lado, todos se benefician de la posibilidad obtener cosas de forma no violenta y sin riesgos físicos, fomentándose así la paz en el seno del grupo y, por otro lado, todos sacan partido, pues los cazadores van a disfrutar de mejores armas y quienes las fabrican pueden sobrevivir de una mejor manera, contribuyendo con su trabajo a que la caza sea más efectiva. Destaca entonces, el carácter prácticamente inconsciente del conjunto de este proceso, que, partiendo de unas relaciones de intercambio aislado, que simplemente buscan la satisfacción de nuestras necesidades personales, termina con la generalización e institucionalización de determinados hábitos de conducta casi inconscientemente. Hayek llega a decir que, desde el punto de vista individual, más que seleccionar los hombres determinados comportamientos, son en realidad los comportamientos más adecuados los que seleccionan a los grupos que los adoptan, permitiéndoles prosperar más que aquellos otros grupos que no llegan a hacerlo.
El proceso del intercambio económico que ha sido analizado en las líneas precedentes, fue ilustrado por Menger con otros ejemplos con los que además trató de explicar que el intercambio no es un fin en sí mismo para el hombre, y que el mismo no se lleva a cabo por ser un placer en sí, como parecía dar a entender A. Smith en su obra. Por ello Menger se propuso averiguar cuál es la verdadera naturaleza y el origen del intercambio entre los seres humanos, hallándolo simplemente en el descubrimiento de un beneficio empresarial futuro, producto de dicha acción, y así lo asumen Mises y Hayek.
Con el paso del tiempo, el conjunto de costumbres que regulan la actividad de intercambio va teniendo un carácter cada vez más definido y su respeto se va generalizando. Dichas costumbres son obedecidas por todos los integrantes del grupo, bajo amenaza de castigo y rechazo por parte del resto del colectivo en caso de no cumplirse las reglas que de forma abstracta lo regulan, y todo ello, incluso antes de que sean capaces de articular de forma explícita su contenido normativo.
Se trata de una evolución lenta, que se desarrolla a lo largo de cientos de miles de años, lo que provoca que el hombre, una vez es capaz de articular la esencia de dichas normas (al menos parcialmente), e incluso de plasmarlas de forma escrita, aunque ya en etapas muy evoluciona-das, llegue a atribuir el origen inveterado de dichas normas reguladoras de las relaciones de intercambio (respeto de la propiedad, de su transmisión, pactos…), al dictado de algún dios, al de un mítico legislador, o al surgimiento de la propia naturaleza eterna del hombre (por lo que éste sería capaz de descubrirlas en su interior por medio de la razón). Lo cierto es que difícilmente puede llegar a entenderse y comprenderse (menos aún por el hombre primitivo), que en realidad se trata de un proceso muy dilatado en el tiempo donde cada individuo, buscando sus propios fines e interactuando con sus semejantes, fue descubriendo otras posibles manera de afrontar y solucionar los problemas que les iban surgiendo en cada época y lugar, a través de procesos de prueba y error, así como de aprendizaje y transmisión de la información adquirida.
En las relaciones de intercambio, cada actor posee una información de tipo práctico, y en gran medida no articulable, respecto del contexto en el que puede desarrollar su acción. Es decir, cada individuo al intercambiar está persiguiendo sus propios fines (en muchas ocasiones contradictorios con el de aquel otro con quien intercambia), partiendo siempre de un análisis de circunstancias y unas valoraciones subjetivas. Sin embargo, es suficiente para que el proceso comience, que al menos uno de ellos se dé cuenta de la existencia de una descoordinación que gracias al intercambio proporcione beneficios empresariales a las partes. Ahí radica, por tanto, la función empresarial de intercambio: en ser capaz de descubrir y aprovechar las oportunidades de beneficio que surgen de la «permuta». Mientras que la cristalización de esta última como institución social —el mercado—, surgirá tras dilatados procesos de prueba y error en los que se va dando paulatinamente forma a las normas que la regulan.
El descubrimiento de la descoordinación puede realizarse por los propios individuos a los que afecta (como sucedía en nuestro ejemplo del cazador y el fabricante de armas), o por un tercero que, siguiendo con el ejemplo propuesto, sin tener la fuerza y las dotes del cazador, ni la habilidad del fabricante de armas, descubre la carencia de cada uno y obtiene un beneficio adquiriendo el fruto del trabajo del último —que prácticamente no da importancia a su destreza— para intercambiarlo a su vez con el cazador, que estará dispuesto a pagar un elevado precio por ellas. El resultado es la obtención de beneficio y satisfacción para todos los que pasan a formar parte de esta red de intercambios que, además, tal y como hemos indicado, fomenta la unión social. Todos sacan partido de la habilidad y conocimientos del otro (el fabricante, el cazador, el «intermediario» comerciante —todos ellos empresarios—), lo que fomenta la paz, la vida en común y el desarrollo social.
De esta manera, podemos apreciar en las relaciones de intercambio las tres facetas esenciales de la función empresarial:
- El descubrimiento de nueva información.
- La transmisión de la información en el mercado.
- La aparición de un «efecto aprendizaje», al comprender los individuos los beneficios de actuar coordinadamente «modificando y disciplinando el comportamiento en función del otro ser humano».
Al mismo tiempo que se inicia la actividad de intercambio de información se va produciendo la institucionalización de esa actividad, que recibirá el nombre de mercado.”