Thursday, November 21, 2024
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Justiça Social: a institucionalização do mimimi

A Forma Contraditória da Lei: Estado

A instituição do direito naturalmente emerge da vontade humana de convivência pacífica.

Se o homem é, como erroneamente presumia Hobbes, um ser impulsivo que guerreia contra todos ao seu redor, o direito em si jamais se veria possível. Se o homem fosse um animal selvagem ontologicamente inábil à percepção de direitos naturais invioláveis, tanto o direito quanto o estado inexistiriam irrevogavelmente, já que se o estado é, como dizem os estatistas, uma associação intencionada de caráter político destinada fundamentalmente à proteção da propriedade dos indivíduos, a propriedade, enquanto direito inviolável, deveria obrigatoriamente ter sido percebida pelos homens que propositaram compor o estado como forma de mantê-la inviolada, o que contradita frontalmente a premissa hobbesiana da imperceptibilidade da propriedade ao homem na ausência de qualquer aparato social.

O estado, enquanto entidade de natureza alegadamente protetiva, cuja missão existencial fundamentadora, em teoria, é a de, com efeito, manter inviolados os direitos naturais humanos, não há de conceber ao homem a percepção da propriedade (o direito do qual emana todos os demais substancialmente), mas, sendo supostamente o estado uma instituição protetiva previamente intencionada, supõe-se, há de proceder originariamente da percepção da inviolabilidade da propriedade e da necessidade, ex ante não suprida, de protegê-la.

Em suma, se a propriedade fosse absolutamente imperceptível ao homem antes do advento do estado (quer dizer, se o homem fosse ontologicamente inábil à percepção da propriedade na ausência do estado), não haveria motivo à existência deste enquanto ente político supostamente protetor, visto que o homem, não sendo, presume-se, capaz de reconhecer a existência da propriedade por si, jamais viria a valorar intersubjetivamente a institucionalização política de um ente que se destinasse fundamentalmente à sua proteção e, em consequência, jamais objetivaria compô-lo, já que, logicamente, não é a proteção que origina a coisa a ser protegida, mas é a percepção da desproteção da coisa a ser protegida que origina o senso de proteção.

O estado, segundo o imaginário hobbesiano, foi originado por meio de um contrato social, cujo intento último era o de cessar definitivamente a guerra de todos contra todos mediante a inibição efetiva da agressividade impulsiva humana, absolutamente inata ao homem.

O que os hobbesianos, porém, não percebem é o fato de que se for verdadeira e inequívoca a tese de que o estado, enquanto ente supostamente protetor da propriedade, emanou de um contrato social previamente intencionado, eles terão logicamente de pressupor que a propriedade há de preceder o estado (de maneira contraditória, uma vez que, segundo Hobbes, a propriedade, enquanto direito inalienável, provém originariamente da legislação governamental e não existe por si mesma), já que é justamente a percepção objetiva do fato de que há direitos invioláveis propriamente humanos que não estão sendo devidamente respeitados o fator que compele o homem à composição de métodos protetivos diversos, sejam eles contraditórios (como os relativos ao estado) ou não contraditórios (como os relativos à lei natural).

O direito, então, enquanto ciência das leis, não pode possivelmente prescindir da inviolabilidade da propriedade, pois é a percepção da necessidade de protegê-la (de mantê-la efetivamente inviolada) a que lhe fornece sentido existencial.

É, portanto, absolutamente indispensável ao direito, no cumprimento do seu papel existencial, distinguir os atos agressivos dos pacíficos para que possa punir os agressivos e para que possa, idem, preservar as condições que tornam possíveis os pacíficos, sendo, então, a sua intenção mais primordial e fundante a de derrogar definitivamente todas as formas possíveis de agressões, já que estas nada são além de lesões arbitrárias à propriedade. Sendo essa, desse modo, a intenção última do direito, nada mais lhe é peremptório que conceituar “agressão” de maneira correta. O conceito de “agressão” se torna discernível somente após ter sido discernido o conceito de “propriedade”, posto que o ato agressivo é o que se dá danosamente a algo, nesse contexto, a propriedade. Esta, nota-se, é incontestavelmente necessária ao direito enquanto ferramenta apaziguadora e resolutiva. Qualquer forma político-jurídica de “proteção”, portanto, que pressuponha a iniciação de agressões (conflitos) é, objetivamente, injustificável, visto que contradita diretamente o fim último do direito.

Em razão dessa verdade, a de que o direito, a ciência das leis, não pode logicamente prescindir da propriedade (e tampouco negá-la) sem contradizer-se em essência, percebe-se que o conceito de “direito estatal” configura uma absurdidade cabal, pois o mesmo promove a coerção sistemática favoravelmente ao mantimento de um sistema opressor sob o qual os direitos dos indivíduos são vilipendiados. O que seria um “direito” lesivo à propriedade senão uma contradição patente?!

O Estado como a Manifestação Política do Ressentimento e da Infantilidade

No dia a dia, fala-se exaustivamente que possuímos direitos “sociais” (por exemplo, saúde, educação, segurança, moradia, emprego, etc.), mas é nítido o fato de que este tipo de direito é contraditório à base a qual lhe confere uma missão última, evidentemente.

Saúde, educação e segurança são absolutamente nada mais que serviços extremamente importantes. São serviços cuja consecução tende a originar-se em sua forma perceptivelmente mais profícua de organizações empresariais e de grupos associativos diversos.

O estado, porém, senhores, de modo a justificar sub-repticiamente a sua pilhagem, os garante geralmente concedendo uma parcela considerável dos recursos pilhados via taxação àqueles incapazes de consegui-los produtivamente e legitimamente.

O que é, por exemplo, a “redistribuição de renda” senão a distribuição sistemática de recursos roubados? E quem é aquele que se beneficia de tal redistribuição senão um cúmplice da legitimação do roubo governamental?

O que é, por exemplo, a “educação pública” senão o controle que políticos têm sobre a formação intelectual dos seus eleitores? Não é isto algo demasiadissimamente perigoso? As salas de aula escolares não são vias de informação? Se sim, controlá-las compulsivamente não configuraria uma espécie de censura organizada e de debilitação intelectiva profunda?

O que é, por exemplo, a “segurança” senão a intromissão violenta do estado no direito individual de defender-se favoravelmente à escravização do povo, consequente da monopolização orgânica das melhores ferramentas antiescravagistas (armas)?

O que é, por exemplo, a “saúde” senão a possibilidade de o diabético socializar sistematicamente os custos financeiros dos seus hábitos alimentícios destrutivos que perpetrou durante toda a vida com indivíduos completamente alheios à sua irresponsabilidade nutricional?

O conceito de direitos sociais, senhores, é, notadamente, exclusivo ao de propriedade privada! Ora, quais recursos o estado direcionará à remuneração dos seus professores senão os que procedem da sua espoliação? Quais recursos o estado direcionará à remuneração dos seus policiais e militares senão os procedentes da extorsão tributária que perpetra? Qual espaço há para o conceito de direitos positivo-sociais na forma não contraditória da lei, a que respeita, fundamentalmente, a propriedade privada, sendo a garantia de tais direitos prognosticável somente pela negação do elemento que confere sentido lógico e existencial a qualquer corpo jurídico, direito de propriedade?!

O estado, por sua vez, enquanto entidade expropriadora, não pode possivelmente dispensar a dita garantia de tais “direitos”, já que é precisamente a pseudo-vulnerabilidade dos que se beneficiam dos seus programas socioeconômicos a consequência da pilhagem que mais efetivamente lhe proporciona justificativa. Ora, qual estatista nunca apelou à improdutividade do pobre para lançar sobre o estado a mística responsabilidade de tratar disso “gratuitamente”? Qual político nunca justificou a sua pilhagem recorrendo demagogicamente à improficiência laboral daqueles que se beneficiam da mesma?

Não se enganem, senhores! O estado sempre necessitou do controle intelectual de massa (“educação pública”) e da centralização do poder militar (“segurança pública”) para manter-se minimamente funcional, mas apenas pilhar os recursos do povo para outorgá-los aos seus oficiais quase sempre terminava por lhe render formas diversificadas de revoltas e rebeliões. Eis, então, que os parasitas governamentais descobrem uma maneira pelo emprego da qual a estabilidade da pilhagem se torna possível: garantia de direitos positivos e “sociais”.

O estado monárquico, como bem asseverou H. H. Hoppe, em Democracia, fazia a lei se aproximar ao máximo da sua forma não contraditória (isto é, da sua forma essencialmente protetiva à propriedade), exceto no que se referisse aos seus oficiais, o que acabava por impelir naturalmente o parasita real a ponderar os seus excessos, uma vez que a sua atividade parasítica não dispunha do místico véu direitos sociais.

“Quê fator motiva esse rei a expropriar-me? Decide fazê-lo somente com a finalidade de encher o seu estômago com os alimentos que produzo? Decide fazê-lo apelando à importância de uma unidade nacional da qual não recebi absolutamente nada? Não! Basta!”, raciocina o ferreiro medieval. “Quê fator motiva esse político a expropriar-me? Não! Não posso me dar luxo de pensar acerca disso, pois o estado é o que nos preza. Quê seria do pobre sem seus programas distributivos? Quê seria da nossa segurança na ausência de uma entidade heroicamente posta a provê-la? Definitivamente, não! Tencionar contrariar o estado é tencionar contrapor rebeldemente os nossos irmãos!”, muge o estatista. E esse é, nota-se, o mais miserável efeito do conceito de “direitos sociais”: a relativização da propriedade privada, pois, ora, quais recursos outorgará o estado aos “vulneráveis” senão os que pilha? Ora, não é a pilhagem governamental a causa sumária da vulnerabilidade dos vulneráveis? E não é esta a que justifica aquela? Desse modo, o ciclo fecha-se! Como fecha-se? Ora, não é vulnerável o indivíduo que tem de ceder 40% do que tem a um ente coercitivo sob explícita ameaça de encarceramento legal? Não é vulnerável o indivíduo que tem de ceder todos os seus meios de defesa a um ente estando completamente indefeso em relação às arbitrariedades deste mesmo? Não é intelectualmente vulnerável um indivíduo obrigado a submeter a fatia mais significante da sua cognição a um sistema educativo planejado por políticos? Não são tais vulnerabilidades as que constituem caracteristicamente muitas das quais compelem o estado a interferir mediante violência na sociedade de modo a, alegadamente, suplantá-las? E não é a suplantação de tais vulnerabilidades a justificativa existencial do estado? E não é a existência deste a causa das mesmas? E qual gratuidade garantirá o estado ao “vulnerável” senão a “gratuidade” de uma parcela dos seus próprios recursos tributados?

Senhores, não se enganem ainda. Esse problema não é o maior.

Este processo cíclico de interferências estatais fecha a porta da desgraça com a chave da degradação comportamental.

Claramente, o problema com o qual até agora lidamos é respeitante ao aspecto jurídico e prático do conjunto de desgraças oriundo da existência do estado (relativização da propriedade privada e lesão legal da mesma em nome da supressão de vulnerabilidades socioeconômicas diversas (em suma, perversão da lei)), mas não abordamos ainda o seu aspecto sócio-estrutural.

Expliquemos.

É notório o fato de que o estado serve somente à coerção (espoliação) em prol dos seus, mas, para sustentá-la, deve gozar de uma roupagem ideológica que atordoe de alguma forma as manifestações defensivas dos espoliados. Historicamente, assim, essas roupagens se mostraram de maneiras desiguais, e F. Bastiat, em A Lei, as listou muito acertadamente:

A questão da espoliação legal deve ser esvaziada de qualquer maneira. Para tanto só vejo três soluções:

  1. Poucos espoliarão muitos. [monarquia]
  2. Todos espoliarão todos. [democracia/justiça social]
  3. Ninguém espoliará ninguém. [anarcocapitalismo]

Devemos fazer nossa escolha: espoliação parcial, universal ou nula. A lei só pode lutar por um desses três resultados.

Espoliação parcial: é o sistema que prevaleceu enquanto o eleitorado era parcial e ao qual estamos retornando para evitar a invasão do socialismo.

Espoliação universal: é o sistema que nos ameaçou quando o sufrágio se tornou universal. As massas conceberam a ideia de legislar a partir do mesmo princípio utilizado pelos legisladores que as precederam, quando o sufrágio era limitado.

Espoliação nula: é o princípio da justiça, da paz, da ordem, da estabilidade, da harmonia, do bom senso. E até o último dos meus dias eu proclamarei com todas as minhas forças (que já estão débeis, por causa de meus pulmões) a existência desse princípio.

Na monarquia, o rei era impelido a comedir muito cuidadosamente as suas políticas, já que as premissas justificadoras da sua pilhagem eram demasiadamente tênues. Mais especificamente, pelo fato de ser praticante e beneficiário único da espoliação sistemática real, o rei com frequência se via forçado a moderar a sua conduta parasitária.

Quanto à natureza inerentemente moderada da espoliação monárquica, em Democracia, diz H. H. Hoppe:

“Por outro lado, a propriedade privada governamental implica a moderação em função de outro motivo sistemático. Toda propriedade privada é, por definição, propriedade exclusiva. Aquele que possui uma propriedade tem o direito de excluir todos os outros do seu uso e do seu gozo, tendo a liberdade de escolher com quem – caso realmente o queira – ele está disposto a compartilhar a utilização dela. Normalmente, o proprietário de um estabelecimento privado incluirá a sua família e excluirá todos os outros. A propriedade se torna uma propriedade familiar – a qual o tem como o seu chefe –, e toda pessoa não pertencente à família será excluída do uso da propriedade familiar, exceto quando for um convidado ou um funcionário pago ou contratado. No tocante ao governo, esse caráter exclusivo da propriedade privada adquire um significado especial. Nesse caso, ela significa que todo mundo – exceto o governante e a sua família – é excluído da possibilidade de beneficiar-se de bens e de rendimentos adquiridos de maneira não produtiva (expropriação). Somente a família real (ou reinante) – e, em menor medida, os seus amigos, os seus funcionários e os seus parceiros de negócios – desfruta o uso das receitas fiscais e pode levar uma vida parasitária. A posição de chefe do governo – e da propriedade governamental – é geralmente transmitida no interior da família real, de modo que ninguém fora da família do monarca pode realisticamente nutrir a esperança de tornar-se o próximo rei. Embora a entrada na família real possa não estar completamente vedada, ela é altamente restritiva. É possível tornar-se um membro da família real através do casamento. Porém, quanto maior for a família real, menor será a quota de cada membro do total expropriado pelo governo. Por isso, o casamento geralmente será restrito aos membros da família expandida do governante. Apenas em casos excepcionais um membro da família real se casará com um completo “intruso”; mesmo que isso ocorra, um membro da família pelo casamento normalmente não se tornará o chefe da família real.

Em decorrência dessas restrições à entrada no governo e da condição de exclusividade para o governante e a sua família (como o rei e os nobres), a propriedade privada do governo (monarquismo) estimula o desenvolvimento de uma nítida “consciência de classe” nos governados, promovendo oposição e resistência a qualquer expansão do poder governamental de tributar. Existe uma distinção clara entre os poucos governantes e os muitos governados; e há pouco ou nenhum risco ou possibilidade de uma pessoa movimentar-se de uma classe para a outra. Em função dessa barreira quase intransponível à mobilidade “para cima”, é reforçada a solidariedade entre os governados – i.e., a sua mútua identificação como vítimas reais ou potenciais das violações governamentais dos direitos de propriedade –, e o risco de a classe dominante perder a sua legitimidade em consequência de um aumento da tributação é assim reforçado.”

No entanto, o que ocorre, pois, na democracia sobre a qual a “justiça social” impera tiranicamente? Ora, derrocar um estado monárquico totalitário é simples, uma vez que um espoliado, ávido em defender-se do totalitarismo, sob a monarquia, provavelmente contará com o apoio dos demais para derrubá-la, já que o povo é vítima, e não agente causador, da espoliação. E quando, porém, o povo for, simultaneamente, sujeito e objeto da espoliação, como na democracia (sistema da espoliação universal, como disse F. Bastiat)? Quem contará com o apoio do povo para derrocar terminantemente a espoliação sendo o mesmo um dos seus beneficiários? Quê povo se motivará com ardor à derrocada da espoliação tendo ele a possibilidade de usufruir de algumas das suas migalhas? Indo mais além: sendo o povo um dos que se beneficiam, mesmo de forma indubitavelmente parcial, da espoliação, não militará o mesmo favoravelmente ao aumento da espoliação por vias legais ignorantemente à forma não contraditória da lei, procurando incessantemente justificativas das mais variadas naturezas para o uso recorrente de tais vias em prol da consecução dos seus propósitos próprios?

“A solução para o problema da vulnerabilidade”, dizem os democratas e os adeptos da justiça social, “não configura o fim da espoliação, mas a possibilidade de os vulneráveis participarem ativamente da mesma! Universalize-a, já!”, e eis, por isso, a universalização (a abertura máxima) da espoliação, ou melhor, da possibilidade de influenciar, via voto e militância partidária, o ente que a perpetra. Não se extingue, assim, a possibilidade de a lei ser moldada lesivamente à propriedade, mas se generaliza a todos.

Na monarquia, o fato de a espoliação ser perpetrada apenas por um bobo com uma peça de metal na cabeça, tendo, portanto, uma abertura altamente limitada, fazia tal bobo comedir muito cuidadosamente a sua parasitagem. Sendo isso uma verdade, não seria a maximização da abertura da espoliação a suma ausência desse fator moderador?

Bastiat, mais uma vez, em A Lei, brilha:

É próprio da natureza dos homens reagir contra a iniquidade da qual são vítimas. Então, quando a espoliação é organizada pela lei, em prol das classes dos que fazem a lei, todas as classes espoliadas tentam, por vias pacíficas ou revolucionárias, participar de algum modo da elaboração das leis. Estas classes, segundo o grau de lucidez ao qual tenham chegado, podem-se propor dois objetivos bem diferentes ao perseguir a conquista de seus direitos políticos: ou querem fazer cessar a espoliação legal ou aspiram a participar dela.

Malditas, três vezes malditas as nações nas quais este último objetivo domina as massas e estas vêm a deter o poder de legislar!

Até então a espoliação legal era exercida por um pequeno número de pessoas sobre as demais. É assim que se observa entre os povos cujo direito de legislar está concentrado em algumas mãos. Mas, uma vez tornado universal, busca-se o equilíbrio na espoliação universal.

Em lugar de extirpar o que a sociedade continha de injustiça, generaliza-se esta última. Tão logo as classes deserdadas recobram seus direitos políticos, o primeiro pensamento que as assalta não é o de livrar-se da espoliação (isto suporia nelas conhecimentos que não podem ter), mas organizar, contra as outras classes e em seu próprio detrimento, um sistema de represálias — como se fosse preciso, antes do advento do reinado da justiça, que uma cruel vingança venha feri-las, umas por causa da iniquidade, outras por causa da ignorância.

Mais uma vez, senhores, não se iludem!

Há pessoas mal-intencionadas que sabem disso. Há pessoas que sabem que o estado se justifica se lançando toscamente à supressão de vulnerabilidades que ele mesmo gera. O que elas, então, decidem fazer? Derrocar o estado? Derrocar a espoliação central? Não! Decidem esbanjar o quão vulneráveis elas são! “Ora, o estado não é o que se justifica suplantando vulnerabilidades?”, pensa elas, “Então, se eu conseguir efetivamente convencer os políticos de que as minhas vulnerabilidades (necessidades) pessoais são as mais urgentes, não conseguirei uma parcela significativa dos resultados dos seus espólios? Sim? Sim! Belo! Observe-me, papai estado! Veja o quão fraco e vulnerável sou! Veja o quão menosprezível e contemptível sou! Vê que necessito emergencialmente de ti! Veja o quão oprimido sou por essa modernidade tóxica e suja! Salve-me! Atente-se a mim! Proteja-me em seus membros… Veja prontamente o quão débil meu estado de saúde é! Ceda-me os seus serviços médicos gratuitos! Veja, também, o quão intelectualmente impotente sou! Necessito como ninguém dos seus ensinos, ó papai estado! Veja! Veja o quão indefeso estou em relação a essa contemporaneidade repressiva! Papaizinho estado, necessito da sua segurança! Veja o quão improdutivo economicamente sou! Ó excelsíssimo estado, não me incomodaria lançar minha língua rugosa suinamente às solas lamacentas das suas botas sujas para ter de ti a sua renda básica universal!”… E como é manifestada a justiça social atualmente? Senhores, da forma que segue: “Oh! Papai estado! Donde surgiu esse vírus? De que limbo resultou o coronavírus chinês? Não! Atente-se imediatamente à condição quebradiça do meu sistema imunológico, decorrente de incontáveis pizzas comidas, oriundas dos fornos altamente industrializados daqueles porcos capitalistas nojentos! Socorra-me, já! Observe o quão nítido é o tom ofensivo do meu pânico… Papaizinho estado! Ó! Faça pesar sobre a face dos seus opositores as suas focinheiras e as suas correias de lã para que possam finalmente ver o quão benévolo é ti, porque o meu medo causa-me feridas, e estas pedem a minha submissão ao seu fulgor inigualável!”…

Senhores, desculpe-me, mas, definitivamente, o autor não consegue interpretar a justiça social doutra forma senão pela que interpretou Larken Rose, em A Mais Perigosa Superstição, versando que a justiça social é o produto da infantilização do homem! Ora, não é infantil o homem que implora por recursos gratuitos não querendo assumir privativamente os custos dos seus erros práticos?

Os bebês animais, especialmente os mamíferos, evolutivamente, desenvolveram um mecanismo de alerta. Sempre quando se sentem em perigo, eles acionam uma espécie de alarme para notificar os seus pais de algum risco normalmente mortal. Nos humanos, esse alarme é chamado de “choro”, porém esse mecanismo de defesa, ao curso da vida, tende a tornar-se improfícuo, uma vez que o humano adquire, mais ou menos no final da adolescência, capacidades de sustentar-se e de angariar o que proposita, não mais tendo de recorrer ao auxílio dos seus pais.

Entretanto, como bem observou Larken Rose em seu livro magnífico, o conceito de justiça social constitui o prolongamento artificial e nocivo desse mecanismo de defesa primária até os níveis posteriores da existência humana.

O juspositivismo estatal permite a relativização da lei via decretos de políticos. Sob o império da justiça social, assim, ao invés de o indivíduo nutrir as suas competências produtivas e virtudes individualmente como o estândar de si próprio, o indivíduo termina por nutrir as suas competências demagógicas ávido em produzir leis explicitamente favoráveis ao alcance dos seus intentos pessoais em detrimento da lei não contraditória e da moralidade, isto é, termina por nutrir diligentemente a sua capacidade de lamber as botas do estado da forma mais bovina e desdenhável concebível.

Está mais que óbvia, portanto, a solução para a degradação comportamental hodierna, e F. Bastiat a expõe em sua forma nua:

“Sei o que deve ser respondido neste caso: sei também o que se pode objetar. Mas este não é o lugar para esgotar controvérsia de tal natureza. Gostaria apenas de observar aqui que esta mesma controvérsia sobre o sufrágio universal (tal como outras questões políticas) que agita, apaixona e perturba as nações, perderia toda a sua importância se a lei tivesse sempre sido o que ela deveria ser.

Com efeito, se a lei se restringisse exclusivamente à proteção das pessoas, de todas as liberdades e de todas as propriedades, se ela não fosse senão o obstáculo, o freio, o castigo de todas as opressões e espoliações, será que nós discutiríamos, entre cidadãos, a respeito do sufrágio mais ou menos universal? Será que se colocaria em discussão o maior dos bens, a paz pública? Será que as classes excluídas se recusariam a esperar, pacificamente, a sua vez de votar? Será que os que gozam do direito de voto não defenderiam, com ciúmes, este privilégio? E por acaso não está claro que, sendo idêntico e comum o interesse, uns agiriam sem causar grandes inconvenientes aos outros?”

Que a justiça social passe a ser vista como o que é: a institucionalização da liga espiritual dos ressentidos e do mimimi.

Bruno S. S.
Bruno S. S.
é estudante de economia, autodidata em filosofia e ciência política.
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